Na segunda-feira, o dia amanheceu claro e bonito, prometendo uma bela semana de sol e calor. Por uma das ruas da pequena Serafina Corrêa, uma bicicleta andava rente ao meio fio da calçada, evitando dessa maneira atrapalhar os pedestres.
Foi quando ele viu Laura e parou, freiando a bicicleta com o pé esquerdo em cima da calçada. Naquela manhã, ou seria em todas, ela sorria mesmo não querendo parecer feliz, andava como se estivesse em um céu, e que todos a sua volta estavam ali para admira-la. Não, não tinha nada de esnobe em seu jeito, mas algo magistral, que a elevava a um patamar que Júlio pensou nunca conseguir atingir.
"Oi"
"Júlio, que bom que tu me achou."
"Queria rodar um pouco mais antes de chegar no colégio."
"É, eu também preferi sair mais cedo, sabe como é, meu pai andou brigando com a minha irmã mais uma vez e..."
"E te usou como exemplo, ela ficou brava e piorou o clima."
"Exatamente. Sabe, nem sei mais o que fazer."
"Eu sei, tá afim de uma volta na praça? A gente pode matar o primeiro, se tu quiser, claro."
"Nossa, é tudo que eu queria mas..."
"Mas nada, a gente tá no final do ano, não tem mais nada!"
Laura olhou para Júlio e sorriu. Se ele pudesse, largava a bicicleta e lhe beijaria agora mesmo. Se ela pudesse, lhe abraçaria e contaria o real motivo de não ter dormido a noite toda e ter saído antes dos pais acordarem.
Paola olhava apreensiva para a porta da sala de aula. Nem Laura e nem Júlio chegaram, e faltava pouco mais de 5 minutos para começar o primeiro período. Provavelmente Camila não iria na aula, já que a amiga conseguira dormir apenas na noite do domingo. Foi quando levou um susto, que logo foi percebido por Marcelo, que chegara na porta no instante momento que Paola cuidava-a.
Ele passou por ela, colocou a mochila em cima de uma classe atras dela, e sentou-se. Não queria mais aquele nervosismo entre os dois, e muito menos mais ficar sem respostas dela, enquanto estivesse falando. O professor de geografia entrou na sala, disse que iria apenas fechar as notas com os alunos em particular, e que por hoje, seria isso.
Depois das instruções, Paola sentiu algo encostar em seu ombro esquerdo, e virou-se. Viu apenas uma caneta, com um pedaço dobrado de papel na ponta. Pegou-a e abriu o bilhete, que dizia:
"Tu ainda não me respondeu"
Paola abaixou o papel, e pensou em responder, mas não queria continuar a trocar bilhetinhos. Respirou fundo e virou-se.
"Que pergunta tu me fez?"
"Se tu aceitava namorar comigo..."
"Marcelo, a gente não pode namorar..."
"Mas porquê? Me dá um bom motivo, só um. Sabe, eu achei que tu realmente gostasse de mim. Pelo menos foi o que eu senti no sábado."
"Eu não posso. Não agora que a Camila tá precisando de mim, que tu tá definindo teu futuro...eu não quero ser um motivo pra depois tu se arrepender de não ter ido pra capital, ficar me colocando a culpa se algo der errado."
"Mas eu não vou." - Marcelo exaltou-se, segurando com as duas mãos, as mãos de Paola, que olhou o gesto com lagrimas nos olhos. – "Se tu disser que me ama, eu largo toda essa bobagem de cidade grande. O que é uma vida inteira sem um amor?"
Paola encarou Marcelo. Aquilo não podia estar acontecendo com ela, não naquele momento, com a mãe de Camila no hospital. Se a amiga não estivesse passando por aquela situação, quem sabe se conversando, não faria a amiga entender e tudo estaria bem.
"Não dá..." – Paola levantou-se e caminhando, saiu da sala. Foi até o banheiro, fechou a porta, sentou-se sobre a tampa fechada do vaso, e chorou como uma criança.
"Sabe Júlio, eu tava pensando: o que tu vai fazer depois que acabar o colégio?"
"Ainda não sei. Quem sabe algum curso técnico...ou faculdade em Passo Fundo."
"Daí tu moraria lá?"
"Mas voltaria todos os fim-de-semana. Não gosto de cidade grande, tu sabe."
"O ruim daqui, é que não tem uma faculdade né. Ou tu faz um curso técnico, ou abre uma loja."
"E tu?"
"Também não sei, mas não sei mesmo."
Os dois pararam numa carroçinha de pipoca, que sempre ficava estacionada na frente da prefeitura. Júlio pagou os dois saquinhos e foram caminhando até sentarem-se em um banco próximo da gruta de Nossa Senhora.
"Coitada da Mila, a Paola me ligou ontem quase meia-noite, dizendo que ela tinha recém saído da casa dela."
"Não vamos falar disso agora. Eu não queria relembrar todo o péssimo domingo que nós tivemos."
"Ok, senhor sensível. Falaremos do que, então?"
"Sobre nós."
Júlio lutava consigo mesmo por dentro, tentando vencer a timidez, e tudo aquilo que ainda o mantinha preso a expor seus sentimentos para Laura. Ousou uma aproximação, que ela, mesmo lutando consigo mesma também, deixou acontecer.
"Júlio, eu...eu..." - Laura se inclinou, de maneira que sua boca ficou a poucos centímetros da de Júlio. Ele a olhou bem , via que o brilho do sol, que anunciava um dia quente de primavera tornava aquele momento mais do que único. Os dois fecharam os olhos, tentando se esconder dentro de si próprios, já que o nervosismo os preenchia de maneira que a qualquer momento, um poderia sair correndo.
Foi então que o primeiro beijo aconteceu.
Ouvindo: Brighter Than Sunshine - Aqualung
"Amiga...como tu tá?" – Paola vinha direto da escola, com a mochila ainda nas costas, ao encontro de Camila, que já estava no hospital desde cedo. – "Eu fui até a tua casa, e tava tudo fechado."
"Eu durmi até umas quatro e pouco da manhã. Não agüentei e vim pra cá."
"Mas...tu já comeu alguma coisa?"
"Fui tomar café com o meu pai, agora a pouco...sabe como é vida de médico, ele só consegui folga as onze e pouco. E o colégio?"
"Nada demais. Só estão fechando as notas, daí a gente vai na aula mais a passeio mesmo."
"E o Marcelo?"
Paola viu como os olhos da amiga brilharam. Respirou fundo antes de continuar o assunto.
"Foi só ele na aula. O Júlio e a Laura nem deram sinal."
"Tu acha...bem...é meio ridículo o que eu vou te perguntar agora, mas tu acha errado se eu continuar tentando com o Marcelo, mesmo que minha mãe esteja internada?"
"Olha, Mila...tu que sabe. Mas acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra."
Sem saber o porque, Paola sentiu que não deveria estar ali. Hesitou por alguns instantes, procurando alguma desculpa que servisse.
"Mila, tenho que ir agora."
"Mesmo? Eu não queria ficar sozinha, tu pode voltar de tarde?"
"Sim, mas eu preciso ir. Beijo."
Paola deu um rápido beijo na bochecha de Camila, e saiu a passos largos até conseguir pegar o elevador. Deu uma ultima olhada para o corredor, e via a amiga sentada na ponta da poltrona, olhos baixos e uma expressão indiferente no rosto. Foi quando as portas começaram a fechar que viu Marcelo chegar, e sem percebe-la, caminhar até o encontro de Camila.
"Marcelo, eu acabei de perguntar por ti, pela Paola."
Como se ele trouxesse luz, e iluminasse toda a escuridão que ela se encontrava, Camila não teve como conter o abraço que deu em Marcelo. Pego de surpresa, ele pouco fez no inicio para retribuir o gesto, mas a seguir, envolveu em seus braços, dando uma certa confiança em Camila.
"Então, como tá a tia?"
"Ela tá ainda sobre os efeitos de uns remédios...mas me conta, como andam as coisas, a aula, o pessoal?"
"Ah, vão todos bem...tu sabe se a Paola vai voltar?"
"A Paola? Não, ela disse que tinha que ir pra casa as pressas. Só falto cair de tão rápida que ela foi. Porque esse interesse todo nela?"
"Tsc, nenhum. Mas me fala." - Marcelo sentou-se no sofá. Perdeu todas as forças para correr atras de Paola. Antes de ir para casa, deu uma passada na casa de Paola, e vendo que ela não estava, deduziu que tinha ido visitar Camila no hospital. Camila falava sem parar, em alguns planos para rever todos os amigos, aquele hospital, dizia ela, estava deixando-a perturbada. – "Realmente, todo mundo tá preocupado contigo."
"É mesmo? Que amor que vocês são...ainda mais tu."
Marcelo cuidou o olhar de Camila. Agora entendia tudo, estava mais do que claro porque Paola hesitava tanto ter qualquer coisa com ele. Não podia perder nenhum minuto.
"Aonde tu vai, Marcelo?"
"Preciso ir, Mila. Tenho que ir resolver alguns problemas..."
"Mas tu volta?"
"Mais tarde."
Marcelo saiu correndo pelo hospital, e antes de levar qualquer advertência, optou pelas escadas. Ele só pensava numa coisa: Paola só podia estar brincando.
