Júlio escorou a bicicleta na mureta, em frente à casa de Laura. Também ajeitou-se como pode, sentando-se no pequeno muro e observando toda a rua, até que ela aparecesse. Não queria pensar muito naquilo, mas era inevitável: estava com Laura. Era tão bom pensar que havia alguém para amar, alguém que o amasse. Poderia ser muita precipitação sua, mas sabia que longe do verbo amar, não estava os sentimentos dos dois. O dia mais uma vez amanhecera ensolarado, e já começava a dar indícios que os verões intensos estavam por vir.

Foi quando avistou de longe, Marcelo. O amigo andava meio fora de orbita, de cabeça baixa, como se pensasse muito. Vendo que nenhum gesto resolveria, Júlio gritou o nome do amigo, que logo atravessara a rua.

"Então, cara. Porque não foi na aula?"

"Depois de conto. Agora não é seguro..."

"Vai dizer que tu ficou com a Laurinha?"

"Sim. Mas depois te conto, tudo. Agora, quero saber tu e a Paola."

Marcelo respirou fundo. – "Não deu em nada, cara! Aquele papo de se abrir, não esconder nenhum sentimento, parece que mulher não gosta."

"Impossível, e..."

"Celo!" – Laura fechou a porta e passou por Júlio, dando um abraço no amigo. Olhou para Júlio e não soube como agir na frente do outro. Apenas sorriu e disse – "Vamos?"

Os três andaram lado a lado duas quadras até que na última esquina antes de virar a direita e chegar no colégio, viram Paola atravessando a faixa contraria.

"Vocês podem indo, eu quero falar com a Paola." – Marcelo já ia se distanciando, quando Laura chamou Paola, que virou-se para o lado de onde viera o grito. Marcelo não teve outra escolha se não voltar aos outros dois, que em seguida, cumprimentavam-na.

"Então, Paola. Como tá a Mila?"

Laura fez a pergunta e ao mesmo tempo apoiou-se em um dos braços que Júlio conduzia a bicicleta. Reparando no gesto um pouco "ousado" para o momento, desfazendo-se rapidamente de seu braço.

"Ela foi pra casa logo depois das 9 da noite. Gente, ela tá um caco, vocês precisam ver."

"E o que a gente pode fazer pra ajuda-la?"

"Olha Júlio, eu pensei em passar lá agora. O pai dela provavelmente já saiu de casa, e ela não deve ter acordado ainda."

"E matar o primeiro?"

"Até parece que a gente anda tendo muita aula, Júlio." – Laura passou a mão em seus cabelos, bagunçando-os de maneira que Júlio nem se incomodou em arrumar.

Marcelo olhou de soslaio para Paola, que na mesma hora virou o rosto. Se ele soubesse quanto ela havia chorado na noite passada, e o quanto tinha sofrido para negar para si mesma todas as coisas que havia ouvido da sua boca, jamais ele a encararia com aqueles olhos sentenciosos.


Caminharam até a casa de Camila, que ficava algumas ruas depois do colégio. Quando chegaram lá, viram que a casa estava aberta, mas o carro do Dr. Luis não estava na garagem, que ficava ao lado da enorme casa de dois pisos. Atravessando a casa pelo lado de fora, chegaram até a porta dos fundos, que dava na lavanderia toda branca e amarela clara, aonde também era o escritório de contabilidade da irmã mais velha de Camila, Cíntia.

"Cíntia...Cíntia..." – Laura bateu na porta duas vezes até que girou a maçaneta, e foi surpreendida pela empregada da casa, Maria, tirando pó de alguns livros que faziam parte de uma pequena estante ao lado da mesa do escritório.

"Laurinha, querida. A Cíntia foi no hospital, e a Mila tá dormindo."

"Ai Maria, a gente imaginava."

"Vocês também vieram!"- disse Maria vendo quando os outros três entraram na pequena peça - " Que amores, a Mila ia ficar muito contente de saber que vocês vieram visitar ela. Sabe..." – Maria colocou os livros que segurava em cima da mesa, e limpou as mão no avental branco que estava amarrada na cintura, dando toda a atenção para os amigos que já ocupavam a pequena peça. – " O Dr. Luis preferiu que a Camila faltasse as aulas, pelo menos nessa semana. Ela anda tão tristinha, não come direito, dorme pouco. Eu entendo né, deve ser um horror mesmo passar por uma situação dessas, mas eu não quero ter que visitar a guria no hospital também!"

" Ela tá precisando se animar, mesmo. Mas fazer o que, também?"

"Já sei, Júlio!" – Laura andou mais uns passos e parou na frente de Maria. – "Maria, tu nos empresta tua cozinha? Só por essa manhã?"

"Ai, guria! Aquilo tá uma zona! Ninguém tem mais horário pra comer nessa casa. Mas o que tu quer na cozinha uma hora dessas?"

"Fazer uma surpresinha pra Mila. Mas tu precisa nos emprestar a tua cozinha."

"Ai, vai lá, também. Só não reparem na bagunça."

"Agora me diz, o que a gente vai fazer aqui?" – Paola andou até a porta que ligava a cozinha e o corredor do primeiro andar, cuidando para fechar a porta, como se Camila estivesse dormindo naquela peça.

"Nós vamos preparar um café da manhã pra Mila. Sabe, eu quero uma coisa bem americana, com suco de..." – Laura olhou para a fruteira, no centro da pequena mesa de madeira de quatro lugares, e percebeu que haviam apenas algumas bananas. – " Batida de banana, café, pãezinhos frescos, sei lá."

"E a aula?"

"Ai Júlio!" – Laura e os outros riram, vendo que ele apenas brincava. Logo em seguida, ela abria as gavetas, portas dos armários e geladeira, para ver o que precisavam.

"Laurinha, a dispensa tá vazia!" – Maria entrou na cozinha segurando um balde e um rodo, mas logo abriu a porta que antes Paola havia fechado. – "O Dr. Luís não faz comprar há muito tempo. É uma pena."

"Sem problemas, Maria. Júlio, vai com o Marcelo na padaria e trás alguns pãezinhos, docinhos, essas coisas que a gente adora. Eu e a Paola vamos arrumando a mesa lá da piscina."

"E quem vai pagar tudo?"

"Júlio, faz o que eu to te pedindo...coloca na minha conta."


Laura abriu a geladeira e colocou um litro de leite para ferver no fogão, enquanto Paola abria outra caixa para fazer a batida de banana.

"Então Laura, não tem nada pra me contar?"

A amiga primeiro olhou de soslaio para a outra, que já descascava uma banana para colocar dentro do copo do liqüidificador. Laura largou o fósforo que usara em cima da mesa e sentou-se em uma das cadeiras da mesa redonda que Paola fazia a batida.

"Eu e o Júlio estamosnos conhecendo..."

"Não acredito! Eu nunca poderia imaginar uma coisa dessas..."

"Porquê? Tu acha que a gente não combina!"

"Olhando agora, vocês têm tudo pra dar certo. Mas é que antes, nem passava pela minha cabeça uma coisa dessas."

"Mas vamos com calma, né. Ontem foi a primeira vez que nos beijamos. Mas eu sinto que dessa vez é diferente. E eu não to afim de deixar passar essa chance. Sério, devo tá meio precipitada pelo que eu vou te falar, mas eu moveria céus e terras pra ficar com ele."

"Mesmo uma amizade?"

"Nossa, nunca. Acho que daí eu já teria um bom senso, sabe. Paola, o que quê foi?"

Paola havia abaixado a cabeça, e apoiado as duas mãos na borda da mão, fazendo com que seus cabelos escondessem seu rosto. Só pensa em não chorar ali, na frente de Laura, ou teria que contar tudo para a amiga. Segurou a respiração por 10 segundos, e levantou a cabeça decidida. – "Nada, fiquei feliz em escutar isso." – e ensaiou um sorriso que pouco convenceu Laura, que só não retrucou, porque se esquecera do leite no fogo.


"E ela saiu correndo?"

"Júlio, o pior de tudo: a Camila gosta de mim. E eu tô achando que é por isso que a Paola não quer ficar comigo."

"Não...a Camila apaixonada por ti? Será?"

"Claro, tudo faz sentido! E a Paola sendo melhor amiga dela, jamais me namoraria, tá entendendo?"

"Marcelo, eu duvido muito. Sério, a Mila com tantos problemas, ia ter tempo de dar em cima de ti! Não mesmo."

"Bom, só tem um jeito de saber."

"Qual?" – Júlio foi surpreendido com Marcelo, que lhe entregou todas as sacolas que carregava, e aproveitou que Maria abrira a porta da frente da casa para limpar a pequena área, para entrar.


Camila dormia de bruços, com os cabelos amarrados e um pouco destapada pelas cobertas. Marcelo entrou pé ante pé, fechou a porta e deu um beijo na face descoberta da amiga, que acordou um pouco em seguida, quando ele além do beijo, sentou-se ao seu lado na cama.

"Celo..." – Mila espreguiçou-se na cama, e puxou as cobertas um pouco para cima, tapando o busto. – "O que tu veio fazer aqui?"

"Saber como tu tava... e se tu não tá afim de tomar um café da manhã."

"Nossa, não esperava tanta cerimonia. Só me dá um tempo, pra eu me vestir."

Marcelo deu outro beijo na testa de Camila, que abriu um largo sorriso, pulando da cama em seguida que ele fechou a porta, para que ela se arrumar.

Enquanto a esperava do outro lado da porta, Marcelo arquitetava seu plano. Se tudo desse certo, ficaria com Paola até o final da semana, e provaria para ela que com o amor não se brincava. Ouviu o barulho da porta, e viu quando Camila saiu de dentro do quarto, impecavelmente vestida, e sorrindo muito. Não pensando duas vezes, ele a puxou para si, e lhe deu um beijo forte e demorado, na boca. Ela se entregou por inteira, ajudando-o ainda mais no seu plano.


Paola voltou correndo de dentro da casa, com uma cara mais assustada do que feliz. Laura e Júlio viram suas expressões, mas antes de qualquer comentário, viram Camila e Marcelo parados na porta da área de serviço, que ligava ao pátio.

"Nossa, vocês prepararam tudo isso pra mim? Eu nem tenho como agradecer, gente! Esse é o melhor dia da minha vida. E sem vocês, eu nem sei como eu ia agüentar essa barra."

"Tá, amiga."- Laura, puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de Camila, que segurou Paola pela mão, e a fez sinal para sentar-se ao seu lado. – "Vamos esquecer tudo por hoje."

Ouvindo: Cannonball - Damien Rice