Quando o sinal bateu para a troca de períodos, Júlio e Marcelo saíram na frente do resto da sala, já que teriam que, antes de ir para o ginásio, largar o retroprojetor na sala de disciplina.

"Viu a Mila, cara. Veio até na aula, hoje, nem acredito..." – Marcelo mais disse isso, como uma maneira de amenizar o peso que sentia. Depois do café da manhã no outro dia, foi para casa feliz, mas algumas horas passadas, começou a raciocinar na encrenca em que se metera. Sentia que Camila realmente gostava dele mais do que um simples amigos.

"Em compensação, a Paola faltou, né. Achei meio estranho."

Marcelo permaneceu em silencio. Como se tivesse acertado a charada, Júlio retrucou:

"Fala, Marcelo. O que aconteceu dessa vez?"

"Nada...bom, eu..."

"Eu o quê? Brigou com a Paola?"

"Não, nada a ver com ela. Nem com a ausência dela, que eu também to estranhando."

"Então no que tu te meteu dessa vez?"

"Bom...ontem quando eu larguei as compras contigo, eu fui acordar a Mila, e...e fiquei com ela."

"Não acredito, Marcelo! Como tu conseguiu ser tão burro, ehn?"

"Porquê? Eu tava afim de...tá, tá, eu pensei em ficar com ela, pra ver se ela realmente gostava de mim. Mas, meu medo se confirmou: ela gosta de mim, mesmo."

"E agora, guri? Vai fazer o quê? Não dá pra simplesmente romper com ela, agora. Se a Paola realmente gosta de ti, e abriu mão desse namoro pela Camila, tu tá mais enrascado do que eu imaginava!"

"E agora, meu? Faço o quê?"

"Tua única salvação é contar toda a verdade pra Camila...ou continuar enganando a pobre coitada! Como que tu não pensou nas conseqüências? E a mãe dela internada, olha a barra que ela tá passando...puts!"

"Tá bom, tá bom...eu vou acabar tudo. Ela tem que entender...mas e a Paola?"

"Bem feito, se tivesse pensando melhor, podia ter falado com teus amigos, que iriam conversar com a Mila, e fazer ela entender que tu e a Paola se gostavam. Agora, ou tu reza pra mãe dela se recuperar, ou pra ela acabar contigo."

Marcelo e Júlio entraram na sala, e largaram os materiais em cima da mesa. Júlio percebeu o nervosismo do amigo. O que ele tinha feito estava longe de ter seu apoiado, mas se sentia na obrigação de ajudar o amigo a sair daquela situação. Bateu de leve nas suas costas e completou:

"Só tu mesmo, Celo."


Laura e Camila andavam lado a lado pelos jardins do colégio Nossa Senhora da Conceição.

"É tão bom tá de volta. Realmente, eu precisava sair de casa."

"É...Mas, Mila, tu ainda não me contou o motivo da tua alegria tão repentina. Até apareceu no colégio."

"Ai, Laurinha, eu e o Marcelo finalmente ficamos!"

"Não acredito! Quando isso? Depois que a gente saiu?"

"Não! Guria, ele me acordou, esperou eu me vestir, e quando eu sai do quarto, não deu nem tempo de desligar a luz ou sei lá, o quê!"

"E o Júlio não me disse nada!"

"Acho que ele nem deve saber, ainda. Mas agora que os dois saíram juntos, não tenho dúvida que ele vai saber de tudo!"

"Que estranho, né. Do nada ele vem e fica contigo. Com toda a convicção que tu não ia revidar. Será que o Júlio falou alguma coisa pra ele?"

"Só se tu contou, né! Mas eu to achando que foi a Paola. Aquela danada!"

"Pior! Deve ser ela mesma! Aproveitou que tu não vinha mais na aula, e conversou com ele. Só pode ter sido isso!"

Antes mesmo das duas entrarem pela porta principal do ginásio, um dos funcionários do colégio chegou correndo e chamou por Camila, que virou-se rapidamente:

"Camila? Teu pai ligou, disse que é pra tu ires até o hospital."

Como se molhada por um balde de água fria, Camila segurou-se nos dois braços de Laura, que abraçou a amiga.

"Ai, Laura."

Grossas lágrimas escorriam de seus olhos, molhando os ombros de Laura, que acariciava os cabelos da amiga. O funcionário, um pouco perplexo com a cena, virou-se e seguiu seu caminho até a escola, deixando as duas amigas sozinhas no pátio.


Laura sentou-se na sala de espera do hospital. Folheava algumas revistas a toa, enquanto esperava receber noticias da amiga que sumira pela ultima porta do corredor. Distraída das revistas, viu quando Clarice, uma ex colega sua, passar pela recepção.

"Clarice! Oi!"

"Laura, quanto tempo, né. E ai? Como tu tá? E aquela turma?"

"Nossa, estão todos bem. E tu mulher, sumiu todo esse ano. Nunca mais soubemos noticias tuas."

Clarice abaixou a cabeça. Respirou fundo, e quase gaguejando disse:

"Eu...olha, Laura, não comenta pra ninguém. Sempre confiei em ti. Eu fiquei gravida."

"Não!" – Laura segurou a boca com as duas mãos, evitando mais constrangimento. Segurou a antiga amiga pelos braços e a levou até os sofás da sala de espera.

"Sim. Foi tudo tão rápido, e meus pais me obrigaram a ir morar com a minha tia na capital. Não queriam que ninguém soubesse, que seria um escândalo."

"E o Régis?"

"Ele tá bem. A gente se ligou esses dias. Ele vive agora em Passo Fundo, faz faculdade lá, e todo mês me manda um dinheiro. A gente vai morar junto, agora."

"E o que tu tá fazendo aqui no hospital?"

"Uma tia minha tá hospitalizada, um acidente de carro..."

"Ah, sei...semana passada né."

"Isso, bom, eu vou indo. Deixei a Isa com a mãe. Elas não se dão muito bem...sabe como é, minha mãe ainda não aceitou bem a idéia de ser avó."

"Uhn...bom, então vai lá." – Laura beijou a amiga na bochecha esquerda, e sentou-se novamente. Viu quando ela virou a esquerda, e também viu, mas quando ela ainda estava na recepção, conversando com Clarice, tudo aquilo que lhe afligia por viver aquela situação. Laura tremeu. Levantou-se e foi até uma mesinha da sala de espera se servir de café. Quando colocava açúcar, chegaram Marcelo e Júlio.

"Nossa, pensei que vocês não vinham."

"Se alguém nos tivesse avisado." – Júlio foi até Laura, e lhe deu um selinho, que a deixou meio encabulada, já que fora a primeira vez que se beijavam em publico. – "Como ela tá?"

"Não sei. A gente chegou aqui, o pai dela nem parecia nervoso, pediu que ela o acompanhasse, e sumiram."

"Nossa, vim o mais rápido que pude." – dobrando os joelhos e apoiando as mãos neles, Paola chegara quase sem fôlego na sala de espera. Olhou para todos, viu Marcelo, e tratou logo de não lhe dar qualquer chances de fazer alguma pergunta para ela. – "Como ela tá?"

"A gente não sabe, mas..." – Marcelo caminhou ate Paola, para cumprimenta-la com um beijo, mas ela, fugindo de qualquer contato físico ou verbal com ele, caminhou até a mesinha. – "Porque tu faltou a aula?"

"Não tava me sentindo bem." – Paola atirou as palavras no ar, sem muito gosto que Marcelo prestasse atenção nelas. – "Mas foi tudo tão repentino assim?"

"Paola, foi mais rápido do que tu imagina..."

Enquanto Laura conversava com Paola, Marcelo chamou Júlio, que sentou-se em uma das poltronas da sala, e esticou-se, de maneira que só ele escutasse o que o amigo lhe dizia.

"Leva a Laura daqui, eu preciso falar com a Paola."

Júlio arregalou os olhos para Marcelo, "Mas como?" tentava dizer, mas se sentindo pressionado pelos gestos exagerados do amigo, chamou Laura:

"Vem comigo no restaurante?"

Laura, pega de surpresa, já ia saindo segurando o braço de Júlio, quando Paola começou a segui-la. Marcelo atravessou-se entre as duas, de maneira que Laura não percebeu nenhum movimento.

"Sai, Marcelo." – Paola tentou uma investida pelos dois lados, mas não teve sucesso. Marcelo a segurou pelos ombros e disse:

"Eu te amo."

Paola encarou-o fundo, e fez com que soltasse seus ombros. – "Então pra que fazer isso? Ficar com ela foi a maneira mais sensata que tu achou em me dizer isso?"

"Eu já falei isso um milhão de vezes! Só tu que ficava se fazendo...é a Camila não é? Ela que não deixava tu ficar comigo!"

"Nada a ver! A Camila sempre gostou de ti. E eu..." – Paola cruzou seus braços, esfregando as mãos por toda a extensão, até os ombros. Queria se sentir acolhida, protegida, mas parecia que a cada momento, caia. – "E eu comecei a gostar de ti também."

"Mas então..."

"Mas então, o quê? Ficar com ela, despertar nela aquele amor que ela sentia por ti, ajudou muito! Como tu foi idiota! Estúpido!"

"Eu chamo ela, agora! Eu conto tudo pra ela, toda a verdade! Ela vai entender, é tua amiga."

"Como tu é egoísta! Ela não é minha amiga só pra que eu possa namorar um guri que ela goste."

"Mas..."

"Mas, mas, mas! Tu só sabe dizer isso! Mas! Te digo, Marcelo! Nem pensa em acabar com ela e me procurar! Ou eu não respondo por mim!"

Paola tinha o olhar cheio de ódio, assustando Marcelo. Foi quando os dois levaram um susto, com a aparição de Camila na porta da sala, aos berros.

"Vocês não vão acreditar! A mamãe vai pra casa!" – Camila correu até Marcelo e lhe abraçou- "Não é perfeito?"

"Ela tá boa?"

"Ai, Celo" – Camila deu-lhe um selinho, fazendo com que Paola desviasse o olhar. – " Vamos com calma. Uma enfermeira vai cuidar dela, uma velha amiga do papai. Ai, to tão feliz!" – Camila correu até Paola, e abraçou a amiga – "E Celo, o que tu acha de chamarmos a Paola de nosso cupido?"

"Mas, porquê?"

"Não te faz, Paola! Eu sei que foi tu quem conversou com o Celo. Ai, gente! Obrigada por tudo. Vocês são os melhores amigos que uma pessoa pode ter."

Marcelo sentou-se no sofá, vendo que Paola enchia os olhos de lagrimas, no momento em que Camila caminhava na sua direção.

Delicate - Damien Rice