"Posso abrir?"
"Não!"
Júlio segurava as mãos de Laura, enquanto ela forçava os olhos, deixando que ele a guiasse. Sentia apenas que o chão ia se inclinando, e que a grama já roçava em seus calcanhares. Quando ele aparecera misteriosamente naquela tarde de domingo na sua casa, foi para tira-la de uma situação que ainda lhe assustava. Esperava que Felipe chegaria na sexta-feira, mas quando no sábado, descobriu que ele só viria no outro fim de semana, ficou ainda mais desesperada. Pensou primeiro em ligar para ele, contar o que estava acontecendo, mas não tinha coragem suficiente pra isso. Estava prestes a contar para Paola ou Camila, quando Júlio chegou na sua casa, e pediu para que ela o acompanhasse. Agora estava parada, com os olhos fechados, e na expectativa de saber qual era aquela surpresa.
"Tô escutando o barulho do rio..."
"Pode abrir!"
Laura realmente estava certa: os dois estavam a poucos passos da beira do rio que passava nas proximidades da cidade, mas a surpresa maior foi ver que em cima de uma toalha, que um dia tinha sido um lençol de casal, estava aquilo que ela poderia chamar de um piquenique digno de cinema.
"Júlio, não acredito!" – Ela o abraçou e beijou-lhe na boca, deixando-o ainda mais feliz. – "Nossa, eu nunca fiz piquenique na minha vida. E ganhar um depois de todas as coisas que estão acontecendo..."
"O que tá acontecendo?" – Júlio ajoelhou-se na toalha, alcançando um dos bolinhos ingleses que Laura desistiu de tentar alcançar depois da pergunta que ele lhe fizera.
"Ah, tu sabe...a situação da Camila mexeu com todo mundo."
"Mas agora vai ficar tudo bem, tu vai ver. O Marcelo me contou que ela já anda reagindo, abre os olhos, as vezes consegue dizer algumas palavras, mas na maior parte, dorme por causa dos sedativos."
"Uhn..." – Laura serviu-se de suco enquanto engolia um pedaço do bolinho – "Marcelo e Camila: tá aí um casal que eu nunca imaginei. Eles até que combinam sabe, mas quando a Camila falava que era apaixonada por ele, eu nunca imaginei que eles fossem de fato ficar juntos."
"E a Paola? Também pensava assim?"
"Nossa, Júlio. Que pergunta! A guria é melhor amiga da Camila, com certeza pensava a mesma coisa. Só tô comentando que eu não achava que ia dar certo."
"E nós dois, tu imaginava?"
"Pra ser sincera, nunca te vi como um namorado. Tu sempre foi meu amigo, meu companheiro, meu colega de trabalho, o único guri que eu confiava cem por cento. E por traz de tudo isso eu descobri que também te amava. E tu?"
"Tu nunca vai acreditar, mas eu já gostava de ti. Na noite do baile, eu ia conversar contigo, mas não te encontrava. Pra dizer a verdade, só te achei na saída. Mas tu tava completamente fora da casinha."
Laura abaixou a cabeça e segurou aquilo que julgara ser o inicio de um choro. Virou o rosto para o lado do rio, seus olhos ficaram cansados diante da luminosidade radiante do sol que fazia naquela tarde.
Desde às duas horas, Marcelo estava com Camila. A namorada o mantinha praticamente preso dentro do seu quarto, enquanto lhe mostrava algumas fotos que encontrara na véspera, onde na maioria, estava o quinteto.
"Nossa, já é quase quatro horas. Eu acho que vou pra casa, né." – Marcelo levantou-se e viu a cara de Camila contorcer-se, de maneira que ele não teve como não entender.
"Fica pelo menos pro café. Tu sabe que só tu me faz esquecer tudo que tá acontecendo..."
"Tá, então só me deixa ir no banheiro."
Marcelo fechou a porta do quarto, e respirou fundo. Por alguns instantes, se sentia livre de toda aquela encenação. Precisa de ar puro, algo que lhe fizesse esquecer toda aquela situação em que se metera e não fazia idéia de como sair. Desceu as escadas e saiu pela porta da frente da casa. Foi quando reparou que havia mais alguém ali, pelo jeito, buscando também um pouco mais de ar puro.
"Pensei que enfermeiras não fumassem."
"Por isso que nós fumamos escondidas, pra que vocês continuem pensando dessa maneira."
Marcelo caminhou até o banco que ela estava sentada, e se ajeitou no seu lado. A enfermeira que cuidava da mãe de Camila não deveria passar dos 30 anos, já que possuía um corpo e um porte de dar inveja em muita guria de 17 anos. Jogando o cigarro fora, e estendendo a mão para Marcelo, ela apresentou-se.
"Ana Lúcia, mas pode me chamar de Ana."
"Eu sou o ..."
"O Marcelo, eu sei. Qualquer um que converse com a Camila sabe quem tu é. Mas me fala, por que parece que tu tá mais arrasado com essa situação do que ela? Parece que quem tá sofrendo é tu."
"Parece? Nossa, eu jamais podia imaginar numa coisa dessas. Mas comigo tá tudo bem."
"Mesmo? Anda, me fala a verdade...qual é o problema? Namoro é assim mesmo, as vezes surge umas situações que a gente precisa encarar junto com o outro, e te digo, não tem jeito melhor de passar uma situação tão difícil como essa."
"É, eu sei...to me dando ao máximo pra ajuda a Mila, mas sei lá..."
"Posso ser bem sincera contigo? Promete que não vai ficar bravo?"
"Claro, fala."
"Tu e a Mila funcionam como amigos. Namorados, não sei."
"Mas..."
"É só o que eu penso, e eu meio que entendi tudo. Tu não pode acabar com ela, por causa da situação, mas no final das contas, quem tá se acabando é tu."
Marcelo abaixou a cabeça, e sem saber por que, continuou o assunto com aquela recém conhecida.
"E se isso fosse verdade. Como alguém conseguiria sair duma situação dessas?"
Ana levantou-se e ficou parada na frente de Marcelo, com um sorriso enigmático e sedutor. Ele reparou naquele mulherão que lhe encarava, percebendo que até poderia se sentir atraído por ele, mas estava tão preocupado e ansioso pela resposta, que nem tinha tempo para continuar alguma investida.– "Só te digo uma coisa: têm situações que a gente precisa ser um pouco egoísta, pra ajudar os dois lados."
"E quando que é a tal viagem pra Porto Alegre?"
"Parece que é na quarta. Tu não vai, Laura?"
"Eu não. Mesmo se eu passar no vestibular, não vou ter como cursar mesmo."
"É, eu tô indo só por fazer mesmo. Dúvido que eu passe de primeira, também."
Já passava das quatro e meia quando os dois decidiram parar de comer. Depois, seguiu-se uma conversa sobre os planos que cada um tinha para o próximo ano, e sobre a tal viagem. Todos os anos o colégio levava seus alunos até a capital, onde realizavam as provas do vestibular, e retornavam para casa ainda no fim do dia. Cansada daquele assunto, Laura levantou-se e caminhou até onde Júlio estava sentado. Descruzando as pernas e deitando-se um pouco, Júlio pode acomodar Laura, que deitou sua cabeça em seu peito, e ali ficaram conversando vendo o sol ainda forte de verão iluminar as águas calmas do rio.
"Tu pretende casar com quantos anos?"
"Nossa, guri. Nunca pensei numa coisa dessas. Sei lá, 24, 25 anos. E tu?"
"Eu queria casar mais cedo, aproveitar melhor a vida à dois."
"Nossa, quem te escuta pensa que tu é carente, né." – Laura esticou o braço e alcançou os cabelos de Júlio, e ficou assim brincando, enrolando alguns chumaços de cabelo dele.
"Não é carente, mas se eu estiver namorando sério uma pessoa nos meus 21, eu vou querer casar de uma vez."
"E casa? Dinheiro? Isso não conta?"
"Pra isso que existem os pais!" – Júlio e Laura riram juntos. Um vento pouco comum naquela época do ano batia de leve, balançando aos poucos os cabelos dela. Olhavam para o horizonte, cada um perdido em seus pensamentos. Ele lhe jurando amor eterno por pensamento, mas com medo e vergonha de falar. Ela, pensando se ele tivesse lhe dito que a amava antes.
"E tu quer ter quantos filhos?"
Laura levou um choque tão grande, que gelou por completa, interrompendo a brincadeira com os cabelos de Júlio, que percebeu a reação nada normal dela.
"O que foi?"
"Nada...é que eu..."
Antes que ela pudesse começar um desabafo, que poderia muito bem lhe custar tudo que viria pela frente ao lado de Júlio, ele fez que ia se levantar, de uma maneira tão assustada, que Laura pensou por um segundo que já tinha contado a verdade para ele.
"Eu acho que a gente se sentou em cima de um formigueiro! Te levanta!"
Laura ainda assustada, mas um pouco mais aliviada, levantou-se apressadamente, mas qual foi a sua surpresa quando Júlio sorriu, segurando seus braços e a empurrando para que ambos caíssem dentro das águas do rio.
"Tu ficou maluco!" – Laura empurrava as mechas molhadas de cabelo para traz, de maneira que pudesse ver as risadas de Júlio. –"Idiota." – Mesmo assustada, ela abraçou-o e beijou-lhe.
Foi quando Júlio afundou a mãe direita, e tirou do bolso da sua bermuda aquilo que parecia dois cordões com um pingente em forma de coração. Ele quebrou o coração ao meio, e colocou o fio prateado em volta do pescoço de Laura, que ficou segurando-o enquanto ele colocava seu cordão.
"Não sei quanto tempo a gente vai continuar juntos, nem sei se depois que nós sairmos daqui, a gente mais continuar. Mas eu precisava que tu tocasse, de alguma maneira, aquilo que eu só sinto, mas não sei de dizer."
"Júlio...Eu..." – Laura chorava, mas suas lagrimas se confundiam com os pingos que lhe escorriam pelo rosto. Num ímpeto de desejo em também lhe retribuir o gesto, Laura abraçou Júlio, que o aceitou, pensando que jamais queria estar em outro lugar naquele momento. Laura pensava o mesmo. Chegou perto do seu ouvido esquerdo, e quase que num sussurro disse:
"Te amo."
Brighter Than Sunshine - Aqualung
