Capítulo I
A Última Pevensie
- Susan, podemos partir?
- Espera um pouco, Eleanor. Deixa-me só escolher um perfume e podemos ir.
- Outro perfume? Mas nós já estamos neste centro comercial desde as onze horas da manhã... Sabes que horas são neste preciso momento?
- Não faço a mínima, mas sei que tu me vais dizer... - respondeu-lhe a rapariga, fazendo um ar exasperado.
- Ainda bem que sabes, pois agora são onze horas da noite! - exclamou Eleanor mostrando já um certo ar de irritação.
- Não sejas tão vulgar, Eleanor. Uma rapariga da alta sociedade, como nós, deve sempre ostentar um ar de superioridade, e para isso, é preciso ter boas roupas, perfumes e cosméticos. Agora, pára com essa birra, e deixa-me escolher o meu perfume.
- Pois fica sabendo que já...SUSAN!
- Eleanor! Comporta-te! Nós estamos numa perfumaria, e não numa praça. Achas que podes dar esse tipo de gritos aqui? - repreendeu a Pevensie.
- Oh cala-te! Olha para aquela televisão ali, na loja de electrodomésticos!
- O que tem? Não sabia que gostavas assim tanto de televisões, ao ponto de estragares a nossa imagem...
- Não sejas tonta! Vê o que está a dar no noticiário!
Susan foi então obrigada pela amiga a abandonar a perfumaria e, juntas, dirigiram-se para a montra da loja com a televisão.
- Isto é uma tremenda vergonha, Eleanor! NUNCA, ouviste bem, nunca em toda a minha vida parei numa montra para ver televisão. O que iriam as pessoas pensar? Que somos pobres, sem dinheiro, umas desgraçadas...
- Eu nem sei porque perco tempo contigo... Mas acho que os teus pais agradecer-me-iam isto. Se pudessem... - acrescentou rapidamente olhando para Susan.
- O que queres dizer com isso?
- Parece que finalmente me deste ouvidos! Eu tenho estado todo este tempo a tentar mostrar-te o que se está a passar!
Foi então que, pela primeira vez desde que se conheciam, Susan fez o que Eleanor lhe dissera e dirigiu toda a sua atenção para o que se estava a passar no noticiário.
- Encontramo-nos neste momento na estação de Londres, onde um terrível acidente matou dezenas de pessoas. - dizia o repórter enviado para o local.
- Estação de Londres! Os meus irmãos iam hoje à estação! E os meus pais iam num dos comboios! - lembrou-se aflita.
- Cala-te e ouve o resto.
- Ao fazer uma curva apertada, o comboio chocou com a estação de comboios, matando também, quem esperava pelos seus familiares e amigos. No meio dos destroços, foram salvos os corpos das seguintes pessoas: Peter Pevensie, Edmund Pevensie, Lucy Pevensie, Mr. and Mrs. Pevensie, Diggory Kirke, Polly Plummer, Eustace Scrubb, Jill Pole, Matt Douglas...
- Susan... Susan, sentes-te bem? Susan, responde! - gritou Eleanor, preocupada com a amiga.
- Os meus pais... Os meus irmãos... O meu primo... Prof. Kirke... Tia Polly... Jill... Morreram... Todos... Se eu tivesse ido com eles, também teria...
Contudo, antes de poder terminar o que ia dizer, dos seus olhos brotaram lágrimas, lágrimas essas que percorreram o seu belo rosto durante minutos a fio. Susan só chorara assim tanto uma única vez, mas tal acontecera há já muito tempo – na Primeira Batalha de Beruna, quando o grande Leão, Aslan, morrera. Tal como acontecera nesse dia, ao fim de algum tempo o choro cessou, não pelo facto de a dor ter diminuído, (o que não aconteceu), mas sim porque já não lhe restavam mais forças para chorar. No seu íntimo, Susan desejava que se repetisse o que acontecera com Aslan, que a sua família voltasse à vida, e que tudo não passasse de uma má recordação; por outro lado, o seu subconsciente não a deixava acreditar nisso, porque nem era lógico nem possível de acontecer.
Ao seu lado Eleanor tentava acalmá-la, embora tal se demonstrasse em vão, pois a dor da rapariga era imensa e impossível de apaziguar. Ignorava por completo o que se passava na cabeça de Susan, o combate mental entre a antiga Susan - gentil, responsável, generosa - e a nova Susan - fútil, irracional, egoísta. A jovem Susan tentava vencer aquilo em que se havia tornado logo após abandonar Nárnia. Nárnia... Nárnia era a origem de todos os seus problemas. Fora com Nárnia que tudo havia começado e, havia sido com Nárnia, que tudo acabara... Pelo menos para a sua família. Todos mortos... E porquê? Porque iam em socorro de um Rei de Nárnia. Agora tudo estava claro: fora Nárnia que havia posto fim às vidas dos seus familiares e, agora, seria Susan que poria fim a Nárnia - de uma maneira, ou de outra.
A jovem Susan acabara de perder a batalha e a Susan fútil, irracional, egoísta e, agora também vingativa, estava prestes a atingir a loucura.
