CAPITULO 3
Banho de Mar
O silêncio reinou no tribunal. Todos olhavam para o advogado de defesa e esperavam suas palavras decisivas. Mas Shaka permaneceu em silêncio.
- A defesa pode começar. – repetiu o juiz.
- Só um momento, Meritíssimo... – pediu Shaka.
Todos se surpreenderam com as palavras do advogado. Inúmeras reações se processaram no tribunal. E Shaka ficou por um instante a examiná-las, indiferente à impaciência do juiz em relação à sua ousadia de interromper a audiência.
Seu pai fuzilava-o com o olhar furioso. Os parentes das vítimas desprezavam o advogado e vez ou outra lhe lançavam palavras de ofensa em sussurro. Hattori Kido assustou-se com o silêncio do advogado e lançava um olhar para seu pai pedindo por socorro. O advogado se manteve quieto e com a cabeça baixa até que o silêncio se tornou constrangedor. De súbito ergueu o olhar. Um olhar que não era o seu.
- Caham... – fez ele. Pegou uns papéis sobe a mesa e levantou-se pra articular – Senhores, senhoras e meritíssimo, sabem o que tenho nas mãos?
Todos os presentes se entreolham e cochicham uns com os outros.
- Eu... Acredito que seja a defesa do réu... – respondeu o juiz.
- É... Mas não é isso que eu quero dizer. Veja bem, o que é essa cena toda aqui montada? O senhor aí em cima, nós aqui embaixo, o pessoal ali atrás e tudo mais... Seria, teoricamente, a manifestação da justiça, certo? Eu, por acreditar no senhor Hattori Kido argumentaria a favor dele. Aquele senhor ali, por acreditar na família das vítimas argumentaria contra o réu. E no final o senhor aí decidiria quem está correto...
- Senhor Shaka, aonde quer chegar?
- Será que não entende? Não está certo. Não estou aqui por que acredito em Hattori Kido, estou por que ele nos pagou uma quantia enorme! Sabe o que tem nesses documentos? Sabe o que eu iria dizer? Pois bem... – Shaka folheou seus papéis e então começou a lê-los em voz alta. Seu tom ia elevando-se gradativamente. – Como o rapaz aqui já teve alguns problemas anteriores com a polícia, agressões e coisas do tipo, iria dizer que ele precisa de um acompanhamento psiquiátrico! E adivinhem só! Tenho até um médico lá fora aguardando para ser chamado como minha testemunha! E adivinhem se eu já não combinei algumas respostas com ele que vão levar o senhor, meritíssimo, e todos os presentes à conclusão de que o rapaz precisa de ajuda médica! E eu, o senhor e todo mundo aqui sabe que um argumento como esse é irrefutável! E o senhor também sabe que o Estado vai mandá-lo para uma clínica psiquiátrica e depois de seis meses, no máximo, vão soltar esse filinho de papai. E então teremos um assassino à solta nas ruas de nossa cidade, e o pior: disfarçado de garoto rico!
O silêncio imperou por alguns instantes no tribunal. Todos os presentes se entreolhavam desconcertados com a cena e em absoluto silêncio. Shaka respira fundo e retoma a calma.
- Então esta é sua argumentação? – pergunta o juiz.
Shaka dá um leve sorriso.
- É claro que não meritíssimo. Desconsidere tudo que eu disse. Minha argumentação começa apartir de agora. Meu trabalho é servir de instrumento para que a justiça se faça, e com essa papelada não vou conseguir isso. – e Shaka joga os papéis para cima e ignorando todo o burburinho dos presentes ele continua – Por mais que eu queira ver esse mauricinho apodrecendo na cadeia para pensar em todas as inconseqüências que ele já fez sabendo que o papai iria salvar sua pele... Bem, ainda assim não posso ser injusto. Ele não atropelou os jovens por querer, não sabia o que estava fazendo. Ah, é claro... Ninguém tão podre de bêbado e drogado como ele estava podia saber o que estava fazendo. Baseado nisso, minha argumentação é que Hattori Kido deve ser preso por triplo homicídio culposo, uso de drogas e tudo o mais que o advogado de acusação apresentar. Se não me engano tem mais um sem número de infrações ao trânsito, agressões e coisas assim. Se que saber, um cara como esse não está nem aí para autoridades. Ele faz suas merdas e não se preocupa com as conseqüências por que sabe que por ser quem é a justiça não o atinge. Meritíssimo o faça enxergar que está errado, mostre-o que a justiça pode ser feita! É isso que eu acredito e por isso eu vivo!
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- Você tem idéia do que fez, rapaz? – berrava Armed.
Shaka continuava em silêncio, com a cabeça baixa depois do soco que levou de seu pai.
- Você... Por que Shaka? Nós perdemos milhares de euros! Meus sócios querem comer meu fígado! Te amaldiçoam até a oitava geração! Por que fez isso?
- Eu... Não acredito nele... Hattori Kido é um perigo para os outros...
- Moleque idiota! Você quem escolheu seguir esta profissão! Ninguém te falou que iria se realizar em todos os casos! Você está começando, tem que aceitar qualquer caso que aparecer! Eu mesmo já defendi muito ladrão assumido!
- Já defendeu pessoas em quem não acreditava?
- É claro! Não podemos fazer só coisas que acreditamos!
- Bem... Se você pensa assim pai... Sua vida não vale a pena. – E Shaka virou-se e partiu.
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- Meu Deus! O que eu fiz! – berrava Shaka.
Ele estava sozinho em seu apartamento em uma crise de nervos. Não compreendia o que tinha acontecido com ele no tribunal, foi como se outra personalidade tivesse assumido o controle. E agora ele viu as conseqüências do que fez. Não conseguia se enxergar, não podia entender que tipo de transformação sofreu. Pela primeira vez fez algo espontaneamente, começou sem saber como terminaria. Não fora algo mecânico, metódico, planejado. E por isso mesmo o assustou tanto.
Decidiu então que precisaria de um pouco de ar fresco. A maresia lhe faria bem. E então desceu para dar uma caminhada no calçadão da praia, em frente ao prédio.
Caminhava tranquilamente e respirava profundamente a brisa marítima. Resolveu acender um cigarro para se acalmar. Fazia meses que não fumava, mas resolver recomeçar naquele dia. Colocou o cigarro na boca e pegou o isqueiro, mas por distração deixou-o cair. Abaixou-se para pegar e quando se levantou...
- Ah! – saltou para trás assustado – De onde você veio?
Marjorie estava parada à sua frente sorrindo-lhe.
- Oras... Da praia. Estava caminhando na areia e te vi ao longe.
- Ahn... – e Shaka acendeu o cigarro e tragou. Em seguida olhou para Marjorie. – Hmmm...
- Que foi? o.o – perguntou ela.
- Não vai falar nada? ¬¬"
- Sobre...? o.O
- Sobre eu estar fumando. Não vem com o papo de saúde e blábláblá? ¬¬"
- Eu não! Você não me pareceu um fumante. Se está fumando talvez esteja bem estressado ou sei lá... Se isso te acalma, vá em frente! XD
Shaka sorriu para ela.
- Vamos dar um mergulho? – sugeriu a garota. – Aposto que vai te relaxar mais ainda!
- Agora? A água está um gelo! u.u
- Está nada! À noite sempre é mais quentinho!
- Não vou!
- Vamos!
- Não, pô!
- Por favor!
- Não!
- Ah... por favorzinho!
- Pô garota! Já falei que não! Você não tem mãe?
- Que que é que tem minha mãe ae cumpádi? ¬¬" – disse uma voz grave.
Então surge um homem enorme e mal encarado da sombra de um beco.
- Hehehe... Estou falando com a menina...
- Que menina? – indagou o homem cruzando os braços e franzindo o cenho.
- Ahn... Ô.ô ""
Um vento soprou na rua carregando uma folha de papel. Só estavam o homem e Shaka ali.
- Er... Acreditaria em mim se eu dissesse que há trinta segundos tinha uma garota aqui comigo? ú.Ù "
- Não.
SOC!
Shaka saiu cambaleando pelo calçadão depois do murro que levou do homem bem no meio do rosto. Seus óculos se partiram em dois.
- Nossa! Que aconteceu Shakinha? – perguntou a menina, surgindo das areias da praia.
- Tomei uma porrada daquele brutamontes!
- Que brutamontes? O.o
- Já deve ter ido embora... Ai... Essa doeu...
- E por que não revidou? ù.ú
- Por que ele tinha sete vezes meu tamanho! Afs! Você só me mete em encrenca garota!
Marjorie abaixou a cabeça ressentida.
- Desculpe... Eu não queria atrapalhar sua vida... – lamentou ela.
- Não é bem assim Marjorie... É que... ú.ù
- Chuif... Então... – de súbito a garota se virou sorridente e apanhou Shaka no colo – Então vamos tomar banho de mar!
- Mas hein! Me largue!
Marjorie saiu correndo pela praia carregando Shaka no colo, que se impressionou com a força da garota.
- Caramba garota! Come muito feijão hein?
- Que nada! Você que é magrelinho! XD
- u.u"
TCHIBUM
- Ah! Por que você fez isso… Uia! Não é que a água é quentinha mesmo?
Marjorie jogou Shaka na água e pulou logo em seguida. Emergiu cuspindo água para cima.
- Não falei? À noite a água é sempre mais quentinha! XD
- É desta vez você teve razão!
- Como assim? Eu sempre tenho razão! Toma essa! – E Marjorie deu um peteleco na água espirrando em Shaka, que revidou com outro golpe de água.
E por um bom tempo os dois ficaram brincando no mar, jogando água um no outro e rindo à toa. Como crianças preocupadas apenas em brincar, se divertir e aproveitar o presente. E depois de brincarem na água correram para areia, derrubavam-se, rolavam, e corriam um atrás do outro. E riam, riam muito.
- Ai... cansei... – exclamou Marjorie caindo na areia. – Olha... Anjos de areia!
- Ahn?
Marjorie deitou na areia e começou a abrir e fecha os braços e pernas, desenhando na areia figuras de anjos.
- Faz assim ó... Não parecem anjinhos?
- Huauhuahuahua! Parecem sim! XD – concordou Shaka.
Fez-se um silêncio e os dois se olharam. Shaka sentia-se feliz na companhia de Marjorie, divertia-se com ela. E agora, sob a luz fraca do luar, é que percebeu o quão linda ela é.
E Marjorie, por sua vez, pôde notar agora o belo par de olhos azuis de Shaka e quanta graça ele exibe ao sorrir.
- Posso dormir com você? – perguntou Marjorie
- Ahn! O.o
- No seu apartamento, digo... Se tiver um quarto sobrando, claro! É que eu moro longe sabe...
- Tudo bem, eu te levo! – prontificou-se Shaka.
- Não! É muito longe, está tarde, se não der tudo bem, eu pego um táxi!
- Que isso! Não precisa não... Pode ficar sim, tem um quarto sobrando, moro sozinho mesmo! Amanhã de manhã eu te levo, tudo bem então?
- Ta ótimo! XD
Então os dois foram até o prédio, logo do outro lado da rua.
Atravessaram um grande e luxuoso hall até o elevador. Subiram até o sexto andar e quando saíram deram direto na sala de estar do apartamento.
- Uau! Um apartamento por andar? Chique né? – Admirou-se Marjorie.
- Que isso... – respondeu Shaka modesto – Quer tomar um banho? – ofereceu ele – vou arrumar um pijama meu para te emprestar, tudo bem?
- Sem problemas! – respondeu ela sorridente, ainda admirando o luxuoso apartamento.
Shaka esperou na sala enquanto Marjorie tomava seu banho e se trocava no quarto de hóspedes. Tomava um copo de uísque e admirava um quadro recém adquirido que fazia companhia à decoração em estilo indiano do apartamento. O quadro mostrava duas árvores de folhavas rosadas e um homem meditando entre elas. Shaka adorava aquela obra.
Em alguns instantes a garota surgiu trajando um pijama enorme para ela.
- Acho que ficou um pouco grande hehehe... – observou Shaka.
- Pois é... Mas é bom que é confortável. Ei, aquelas lingeries que estavam na cama eram para eu usar né?
- Sim, claro! Eram de uma namorada minha... Ela esqueceu aqui e acabei lembrando delas... Serviram?
- Como se fossem minhas! – sorriu ela. Em seguida sentou no sofá, ao lado dele, cruzando as pernas.
- O que vai fazer amanhã? – perguntou ela.
- Nada de especial... Por quê?
- Ora essa! É véspera de natal! Não pensou em nada?
- Nem me lembrei... Talvez faça alguma coisa, um jantarzinho simples. Só pra mim mesmo... Meus pais viajaram essa noite, vão passar o natal fora. E você?
- Hmmm... Não vou fazer nada também... Moro sozinha sabe...
- Ei, Marjorie, quer passar comigo? Faço algo para a gente cear!
- Achei que não ia me convidar nunca! Claro que quero! XD
- Ótimo! XD
E os dois ficaram conversando por mais algum tempo. Riram descontraídos e beberam a vontade até perderem a noção das horas.
Shaka despertou subitamente em sua cama. Levantou-se e notou que estava com roupas secas. Caminhou até o quarto ao lado. Marjorie dormia encolhida na cama. O rapaz foi até ela e a cobriu com um edredom e depois acariciou seus cabelos. Olhou com ternura para ela e sentiu-se feliz por não passar mais tanto tempo sozinho. Sentiu-se mais seguro com ela ali.
Então ele deu um suave beijo nos lábios da garota e foi para seu quarto.
E logo adormeceu. Mais feliz do que nos outros dias...
Continua...
