Tipo, eu estou realmente ficando louca... Acreditam que o Miro continua me pentelhando?
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Capítulo IV
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-A situação fugiu totalmente do meu controle, Cardeal... Eu nunca imaginaria que Shura e os demais poderiam me trair dessa forma!
O rei estava inconformado com os últimos acontecimentos, não conseguia acreditar que seus mais fiéis mosqueteiros estavam envolvidos em uma trama tão sórdida de traição. Reunido com o cardeal em sua sala de reuniões, o rei Luís XIV ouvia o que Richilieu tinha a dizer a respeito dos mosqueteiros.
-Vossa Majestade não tem com o que se preocupar, o capitão Rochefort está cuidando de tudo para que os traidores sejam capturados o mais rápido possível.
-Cardeal, tem certeza de que posso realmente confiar nesse homem? Ele não me parece uma boa pessoa.
-Majestade, eu colocaria minha mão no fogo pela índole de Rochefort!
-Eu entendo a sua posição, Cardeal, mas aquele incidente que o tirou da ordem dos mosqueteiros ainda é nebuloso...
-Rochefort é um homem que merecia uma segunda chance e provou que a fez por merecer, Majestade.
-Com licença, Majestade... – um criado entrou pela sala, prestando reverências.
-Diga o que quer, Jaques.
-O capitão Rochefort deseja ver Vossa Iminência... Ele o espera em sua sala, Cardeal.
-Majestade, se me permite...
-Pode se retirar, Cardeal.
Acompanhado pelo criado, o Cardeal foi para sua sala, onde encontrou o capitão de péssimo humor.
-Ainda com raiva por aqueles mosqueteiros terem fugido, Rochefort?
A resposta, em forma de grunhidos, fez o Cardeal rir. Sem tirar a expressão de raiva do rosto, Rochefort entregou a ele um rolo de papel preso com uma fita vermelha.
-O tabelião terminou o trabalho esta manhã. Disse que os termos estão todos assinalados e descritos com clareza, faltam apenas as assinaturas.
-Ótimo! – exclamou o Cardeal, munido de uma pena e tinteiro. Assinando rapidamente o documento, ele sorriu para o capitão.
-Mandarei chamar um mensageiro para que leve isto até o Duque de Bunkinghan... Em breve, meu caro, com a assinatura dele teremos firmado um acordo de cooperação que me fará o rei da França!
-E quanto ao rei Luís XIV? Enquanto ele e sua esposa estiverem em seu caminho, nada poderá fazer.
-Eu já pensei nisso, capitão... Mas ainda é cedo para lhe contar esta parte de meus planos. Bem... – o Cardeal levantou-se, indicando que a conversa estava encerrada – Mande chamar nosso "mensageiro" especial... Somente a ele eu posso confiar este documento.
-Sim, senhor.
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-O que tem, Luís? Me parece tão preocupado e disperso... – comentou a rainha, ao ver seu marido com o olhar perdido pelos jardins de Versalhes. O rei caminhava a esmo, suspirando de vez em quando, parecia nem notar a companhia da mulher ao seu lado.
-Problemas, minha querida... Eu ainda não consigo acreditar que os mosqueteiros tenham me traído dessa forma.
-Se quer minha opinião, meu rei, eu não acredito que eles o tenham traído. São homens honrados, que fizeram o juramento de proteger a França e seu soberano com o coração transbordante de justiça!
-Mas o Cardeal tem provas contra ele e os outros, Anna!
-Eu não confio nesse Cardeal Richilieu, Luís... Não sei, algo me diz que devemos ter um pé atrás com ele.
-Está fantasiando, querida... Richilieu é um homem de Deus, jamais faria qualquer coisa que fosse contra seus ideais e princípios.
-Tudo bem, eu não vou discutir esse assunto com você... Nós temos outras coisas para conversar, bem mais interessantes.
-É mesmo? – questionou o rei, sentando-se em um banco próximo à fonte do jardim. A rainha se sentou ao lado dele, sorrindo como criança.
-Ora, meu querido! Esqueceu-se das comemorações de seu aniversário? Começam amanhã à noite, com um grande baile de máscaras!
-Eu realmente tinha me esquecido. Bem, um pouco de diversão para me distrair, estes últimos dias têm sido tão atribulados.
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Após o café, os mosqueteiros estavam todos reunidos na biblioteca da casa de Julliete, enquanto a jovem cuidava dos afazeres do dia a dia. Com a luz do sol iluminando a tudo, Shura pôde finalmente ver de quem se tratava no retrato pendurado sob a mesa. Era Raul, com um enorme sorriso no rosto, vestindo o uniforme de que tanto se orgulhava. Um manto sagrado que agora repousava sobre uma das poltronas, com a certeza de que jamais seria usado novamente por seu legítimo dono.
-A questão central é provar que o Cardeal está por trás de tudo, com a ajuda do Rochefort. – Camus dizia, andando de um lado para outro da sala, enquanto Aioros ouvia atento, encostado em uma parede e Miro bebia um cálice de licor, sentado em uma poltrona. Shura permanecia calado, apoiado sobre a mesa.
-Mas como faremos isso, Camus? A única maneira de provar alguma coisa contra o Cardeal seria juntando provas, documentos ou algo assim. E, para tanto, teríamos de entrar no palácio, revistar a sala dele...
-Eu sei disso, Aioros, por isso temos que pensar em uma estratégia e...
As palavras de Camus foram interrompidas pela entrada de Julliete na biblioteca. A garota vestia roupas masculinas e foi direto para a mesa, onde pegou uma caixa de madeira em uma das gavetas, tirando algum dinheiro dali.
-O que está fazendo usando estas roupas? – quis saber Shura, observando-a. E o pior que nem assim ficava menos bela!
-Ah, é que preciso ir até a cidade, comprar algumas coisas. Não se preocupem, eu voltarei logo.
-Ir até a cidade? Posso ir junto? Posso? – pedia Miro, excitado com a possibilidade de sair um pouco – Me leva com você vai, Julliete! Leva!
-Larga mão de ser criança, Miro! – ralhou Camus, dando um tapa na cabeça do amigo, gesto que todos já tinham perdido a conta de tanto que se repetia.
-Ficou maluco, ir até a cidade? Querem que nos descubram, seu tapado?
-Ah, mas eu quero ir! Não agüento ficar preso o tempo todo aqui, sem fazer nada! Deixa vai, Camus...
-Posso interferir na discussão? – pediu Julliete, no que foi prontamente atendida – Se o Miro quer realmente ir comigo, ele pode se disfarçar com as roupas do Raul que ainda estão aqui. E Milady pode ser a única égua da propriedade, mas há outros cavalos no estábulo.
-Viram só, ela quer que eu vá junto!
-Se esse mala vai, então iremos todos. Não podemos facilitar para o Cardeal.
Pouco depois, Julliete abriu a cocheira e os rapazes viram mais quatro cavalos negros como Milady e todos doidos para sair daquele lugar e ganhar os campos.
-Raul adorava cavalos, era um criador. Milady é minha égua, por isso fica livre para andar pela propriedade sozinha.
-E aí, amigão! Pronto para um passeio pelos verdes campos franceses? - Miro perguntou para um dos cavalos, que bebia água. O animal levantou a cabeça e encarou o sorriso largo do rapaz. Aí...
-Olha o que esse animal fez comigo! – gritou o mosqueteiro, todo molhado – Que nojo, eu tô todo cuspido!
-Isso significa que o Phortos gostou de você, Miro... Geralmente ela dá coices quando é interrompido enquanto bebe água ou come.
-Cavalo sem graça, estúpido e sem - vergonha! – Phortos mostrou os dentes, em sinal de deboche, irritando ainda mais Miro - Mas eu vou me vingar de você, ah vou!
Camus balançou a cabeça e selou o que ficava nos fundos, um animal que tinha um olhar sério e compenetrado.
-Qual o nome deste aqui?
-Athos, o Raul achou que combinava com a cara de mau que ele faz quando não está gostando de alguma coisa. E esse aí todo sossegadão, deitado sobre o monte de feno é o Aramis.
-Gostei dele... Vem cá, deixa eu selar você, rapaz!
Enquanto Aioros selava Aramis, Julliete passou a última sela para Shura e indicou o cavalo que estava na última baia à esquerda, com um jeito amuado e olhar triste.
-Por que ele está assim?
-Por que D'artagnan era o cavalo predileto de Raul. Desde a morte dele está assim, amuado...
Shura sentiu um nó na garganta, tanto o cavalo como Julliete mostraram-se mais tristes com a menção do nome de Raul. Acariciando o animal, o rapaz o selou e ficou um tempo conversando com ele, para lhe dar confiança. D'artagnan relinchou meio atravessado no começo, mas logo se acostumou com o mosqueteiro e permitiu que ele o conduzisse.
Ajeitando os chapéus e lenços sobre os rostos, os cinco jovens seguiram pela estrada que cortava a floresta e os levaria até Paris.
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A chegada na cidade foi feita em pares, para evitar qualquer desconfiança por parte da guarda do Cardeal, espalhada por todos os cantos da cidade. Camus e Miro, que seguiram na frente, se dirigiram para a taverna que ficava no centro, onde poderiam ficar a par de tudo o que acontecia; Aioros e Julliete entraram poucos minutos depois e foram à mercearia fazer as compras que a garota precisava. E Shura foi o último e decidiu dar uma volta pela cidade, espairecer um pouco.
Conduzindo D'artagnan a pé pela cidade, o mosqueteiro parou junto de uma banca de frutas na feira livre da cidade e ficou por ali escolhendo morangos, quando dois guardas do Cardeal pararam na mesma banca e pegaram cada um uma maçã. Enquanto comiam, trocavam algumas idéias.
-O capitão já sabe como será a segurança no baile de máscaras de amanhã à noite?
-Parece que haverá uma reunião hoje, na sede. Rochefort quer que tudo esteja perfeito... Se não me engano, ele desconfia de que aqueles mosqueteiros tentem invadir a festa para matar o rei.
-Eu duvido, não são burros a ponto de fazerem uma besteira dessas. Obrigado pelas maçãs, senhor.
Os guardas se dispersaram. Agradecendo pelos morangos, Shura foi para a taverna encontrar-se com Camus e Miro, precisava contar aos amigos o que tinha descoberto. Ao entrar, encontrou-os sentados em uma mesa bem escondida nos fundos, Aioros e Julliete já estavam por lá.
-Até que enfim você apareceu! Onde esteve?
-Na feira livre... E descobri algo que pode interessar a vocês.
-Diga logo!
Porém, quando o rapaz ia falar, o capitão Rochefort entrou pelo salão, acompanhado de vários guardas. Com um olhar de revolta percorrendo cada mesa, ele falou, em alto e bom som.
-Senhores, fiquem todos bem quietos em seus lugares! Estamos procurando pelos mosqueteiros traidores e se alguém ousar se mexer antes que revistemos tudo e todos, será imediatamente preso.
-Droga! Por que a gente tinha que vir para cá!
-A idéia foi sua, Miro... – replicou Camus, o suor já começando a escorrer por sua testa.
-Mantenham a calma, amigos... Não podemos dar bandeira logo de cara.
Os homens de Rochefort revistavam mesa por mesa e o capitão ficava caminhando por entre elas, até que seus olhos pousaram justamente naquela onde estavam os mosqueteiros e Julliete. Aproximando-se, ele parou bem de frente para a garota e a encarou. Sorrindo meio de lado, ele esticou a mão para tirar o chapéu que ela usava, mas Shura foi mais rápido.
Com um golpe de seu florete, o rapaz rasgou a manga da camisa do capitão, ferindo seu braço, e saltou para cima da mesa, livrando-se do disfarce que usava.
-Aí estão vocês! Homens!
-Eu não acredito que ele fez isso... – desaprovou Aioros, empunhando seu florete e saltando para cima de alguns guardas.
-É isso aí, uma luta de verdade!
Miro partiu para cima de outros tantos e Camus o acompanhou. Shura saltou para o chão e começou um duelo impressionante com Rochefort, os floretes se batiam no ar, os saltos e esquivas eram milimétricos!
Sem tirar o disfarce, o que poderia prejudicá-la, Julliete também entrou na briga, parecia mesmo um homem quando lutava. Os guardas foram caindo um a um, restavam apenas poucos de pé e o capitão, que não cedia aos ataques de Shura.
-Precisa mais do que isso para me derrubar, seu idiota!
-Ah, cale a boca e lute como homem, e não como um maricas!
As provocações surtiam efeito de ambos os lados, mas a situação estava ficando perigosa para os rapazes. Um alerta tinha sido dado pela cidade, mais guardas chegavam.
-Você e seus amigos nunca sairão daqui com vida!
-Isso é o que pensa!
Shura, lutando sem cessar, foi encurralando Rochefort contra uma mesa. Sorte do rapaz, azar do capitão, por que Julliete estava bem ali, atrás de Rochefort, e acertou uma garrafa cheia na sua cabeça, fazendo com que ele caísse no chão.
Correndo para fora da taverna, os cinco amigos alcançaram seus cavalos bem a tempo, o restante dos guardas chegava naquele momento. Como eram em número maior, não conseguiram correr pelas ruas estreitas de Paris e perderam os mosqueteiros de vista.
Após uma bela corrida pela estrada, Camus certificou-se de que não estavam sendo seguidos e diminuíram o ritmo, os animais estavam cansados pela falta de exercícios. Seguindo em silêncio pela estradinha que cortava a floresta, Shura e Julliete iam à frente.
-Você... – ele a chamou – Lutou muito bem. Rochefort deve estar até agora procurando quem o atacou.
-Obrigada, Shura... E devo te agradecer por ter interferido àquela hora. Se não fosse por você, estaria em uma bela encrenca agora.
Julliete aproximou Milady de D'artagnan e, esticando seu corpo, beijou o rosto de Shura em agradecimento. O rapaz ficou sem ação, o cavalo até parou, sentiu um calor percorrer seu corpo. Aioros, mais atrás, sorriu achando graça na reação do amigo e continuou sua prece silenciosa, agradecendo por ainda estar vivo e pedindo a proteção divina. Camus e Miro discutiam alguma coisa quem ninguém ouviu, só quando o rapaz xingou o amigo por tomar outro tapa na cabeça.
-Eles são sempre assim? – perguntou Julliete, observando cada mosqueteiro atrás de si. Shura sorriu, orgulhoso.
-O tempo todo, mas eu já me acostumei com o jeito de cada um. São grandes homens e amigos irretocáveis.
-Raul tinha muito orgulho da amizade deles. Principalmente da sua, dizia que era o homem mais honrado e justo que já conheceu.
Shura nada disse, apenas sorriu de leve. Percebeu que se sentia incomodado cada vez que Julliete mencionava o nome de Raul e se repreendeu mentalmente por isso. Estaria ele cobiçando a viúva de seu amigo? Mas que diabos, por que ela tinha de ser tão bonita e espirituosa, ter aqueles olhos âmbar que enlouqueciam qualquer um que os encarasse por mais de dois segundos?
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Uma pequena sugestão de trilha sonora, a que estou ouvindo para escrever esta fic: "All for love", do Bryan Adams, Rod Stwart e Sting, canção tema da adaptação hollywoodiana do livro. Só não coloquei a letra porque não encontrei...
Ah, os nomes dos cavalos e da égua são uma pequena homenagem aos personagens originais do Dumas, espero que tenham curtido a "brincadeira".
