Capítulo V
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-Então amanhã a noite será o início das comemorações em homenagem ao aniversário do rei? – perguntou Camus à Shura, para ratificar o relato que o rapaz acabara de fazer durante o jantar. Shura assentiu com um aceno.
-Foi o que disseram os guardas do Rochefort na feira. E me parece que a segurança será reforçada, querem evitar a nossa presença de qualquer jeito.
-Estão com medo de que a gente apareça e desmascare o Cardeal e sua corja!
-E por que não deveríamos? – Julliete questionou, bebendo seu licor. Os rapazes a encararam.
-Julliete, não podemos fazer isso, não temos provas!
-Ora, mas é justamente sobre isso que estou falando. Pensem um pouco, rapazes: se a festa será um baile de máscaras, é a oportunidade perfeita para entrarmos no palácio sem sermos reconhecidos. E, uma vez lá dentro, não será tão difícil chegar à sala do Cardeal.
-Não deixa de ter razão, Julliete, mas como entraremos no palácio se não temos convites para a festa?
-Ah, pode deixar que eu resolvo esse problema! – Miro disse, com um largo sorriso estampado no rosto, para desespero dos amigos.
-Por que será que eu tenho a impressão de que teremos problemas?
A colocação de Camus provocou gargalhadas em todos à mesa, deixando Miro tiririca da vida. Mas que coisa, por que ninguém confiava nas suas idéias?
-Bom, voltando ao assunto da festa... Como faremos com as roupas, se temos somente estas aqui? – apontou Aioros para suas vestes.
-Esse problema eu resolvo... Dá para fazer muita coisa com as roupas usadas do Raul e alguma criatividade... O mais importante nesse caso vão ser as máscaras, para que ninguém possa nos reconhecer. – Julliete explicou, enquanto se levantava para retirar os pratos da mesa e guardar a garrafa de licor no lugar.
-Deixe que eu levo os pratos para a cozinha... – disse Shura, recolhendo-os da mesa.
Aioros ia ajudar também, mas foi detido por Miro, que sorria maliciosamente observando o casal que se dirigia para a cozinha. Camus, quieto em seu lugar, apenas balançou a cabeça. Tinha sua própria opinião a respeito de sentimentos e as coisas que um ser humano era capaz de fazer por eles.
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Na cozinha, Julliete deixou os pratos e travessa sujas sobre a pia e água para ferver no caldeirão e poder lavar a louça. Shura tratou de se ocupar em ajeitar as frutas que sobraram da sobremesa em uma cesta. Na sala, os outros três amigos conversavam e de vez em quando se ouvia a risada quase histérica de Miro, os comentários sempre sensatos de Aioros e as tentativas de ambos de fazer Camus abrir a boca e falar alguma coisa.
A água ferveu depressa e o rapaz a despejou em uma bacia sobre a pia. Foi quando viu que Julliete ria sozinha, disfarçadamente.
-O que foi?
-Os rapazes lá na sala... Não sei, é gostoso ouvir as risadas, os comentários. Eu agora entendo porque o Raul prezava tanto a amizade de vocês...
-Você... Você sente muita falta dele, não sente? – Shura perguntou, mas com receio da resposta.
-Eu... Eu sinto, Shura... O Raul era a alegria dessa casa, a gente se dava muito bem, apesar de vê-lo poucas vezes. Você sabe, ele passava a maior parte do tempo na sede dos mosqueteiros, era o sonho de uma vida realizado.
Julliete parou de falar e largou os pratos que lavava, baixando a cabeça. Shura percebeu que ela chorava baixinho, mas não sabia o que fazer. A bem da verdade, teve medo de se aproximar da garota e não conseguir se conter.
-Julliete, não precisa cho...
O rapaz não pôde terminar a frase. A simples menção de algumas palavras de conforto fizeram Julliete se virar com tudo e enterrar o rosto no peito forte do rapaz, molhando sua camisa com as lágrimas que caíam sem parar. Sem jeito, Shura a abraçou, fechando os olhos e acariciando os cabelos macios da garota.
Camus, com sua habitual expressão de frieza, entrou pela cozinha e estancou o passo ao ver o casal abraçado. Sem saber se ia ou se voltava, o mosqueteiro acabou se apoiando em um aparador próximo a porta e derrubou sem querer um copo, chamando a atenção dos dois.
-Er, desculpem... Eu recolho os cacos.
-Pode deixar Camus, eu faço isso.
A garota se abaixou para recolher os cacos, enxugando as lágrimas com as costas da mão. Shura quis ajudar, mas Julliete não permitiu, dizendo que estava tudo bem e que ele podia ir para a sala. Meio desenxabido, ele preferiu subir para o quarto. Não notou que o amigo também o acompanhava.
-Shura? – Camus o chamou e o rapaz se virou para ele, sentando-se na cama.
-Olha Camus, sobre o que você viu lá embaixo...
-Não precisa me dar explicações, eu não sou seu dono. Eu vim até aqui para lhe dar um conselho.
-Um conselho?
-Tome cuidado com seus sentimentos em relação à senhorita Julliete... Podem representar um grande sofrimento depois, uma dor que carregará para o resto de sua vida...
Camus nem deu tempo para Shura replicar e saiu do quarto, indo para o seu. O rapaz ficou parado feito bobo, olhando para o teto e penteando os cabelos negros com os dedos.
-Eu não acredito, o iceberg me dando conselhos amorosos...
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A casa toda estava silenciosa, as velas todas apagadas, menos no quarto de Julliete. A garota, sem sono, aproveitava para costurar algumas roupas e as máscaras da festa. Já tinha separado as roupas de gala que pertenciam à Raul, bastavam apenas alguns ajustes no corpo, faria isso de manhã.
Suspirando, ela deixou a costura um pouco de lado e encarou o retrato do rapaz na parede em frente. Era a mesma pose do outro, só que em moldura menor.
-O que acha, Raul? Acredita que esse plano dará certo, que conseguiremos alguma prova contra o Cardeal e aquele maldito Rochefort?
Era óbvio que o retrato não responderia, mas Julliete sorriu imaginando o que o rapaz lhe responderia.
-Sabe que sim, não é? Você confia em seus amigos, sabe da capacidade deles... Principalmente do Shura...
Julliete levantou-se da cama e foi até a janela, ficou observando o céu, as estrelas pareciam dançar presas ao firmamento. Não conteve o sorriso ao se lembrar do abraço na cozinha, os braços fortes do rapaz a envolvendo com carinho.
-Ah, eu preciso de um banho frio... – ela exclamou, sentindo um calor subir por seu corpo, entrando no quarto de banhos conjugado ao seu.
"Eu não posso deixar que isso tome conta de mim... Ela é a viúva de Raul, mesmo que não tenha me dito eu tenho certeza. Senão, porque ela ficaria daquele jeito ao falar dele, chorando feito criança? E aquela aliança? Meu Deus, eu preciso me conter... Eu nã posso trair a confiança que Raul tinha em mim... Não posso manchar a honra de uma jovem como Julliete...".
Os pensamentos de Shura o atormentavam, se misturavam às palavras de Camus e aos seus próprios sentimentos. O rapaz revirava de um lado para outro, desejando que o amanhecer viesse logo. Não conseguia dormir e mesmo que o fizesse, seus sonhos o trairiam, Julliete seria presença constante neles.
Atento aos sons da noite, ouviu passos no outro quarto, o barulho de água sendo despejada em uma tina. Vinham do quarto de Julliete, e Shura imaginou o óbvio: ela estava sem sono e tinha decidido tomar um banho. Para quê foi fazer essa constatação, os efeitos dela logo foram sentidos em seu corpo. Não conseguiu deixar de fantasiar sobre o que acontecia, imaginando o corpo perfeito, as curvas tentadoras, a água caindo suavemente sobre sua pele aveludada.
-Ai, eu é que preciso de um banho frio! – exclamou, enterrando a cabeça no travesseiro, tentando não pensar em nada.
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-Caramba, eu não tinha reparado que o Raul era menor que eu! As calças dele estão me apertando aqui embaixo... – Miro fez uma careta, se olhando em um espelho.
-Mais respeito, seu palhaço! – outro tapa de Camus – Há uma dama no recinto!
Julliete ria sozinha, enquanto fazia os ajustes na casaca de Aioros, os rapazes pareciam garotas que se preparavam para a festa de suas vidas! Miro discutia com Camus, cujo traje já estava ajustado para seu tamanho e experimentava a máscara feita pela garota, de tecido azul combinando com seus cabelos.
Shura esperava pela sua vez sentado em uma poltrona e reparou que havia um vestido amarelo sobre uma cadeira, todo bordado em pedrarias. Não teve como conter a sua imaginação, já pensando em como Julliete ficaria linda naquele vestido.
-Shura? Acabei com Aioros, pode vir até aqui.
O rapaz, já vestindo o conjunto de calça e casaca pretos que Julliete lhe dera, se posicionou para que ela fizesse os ajustes. As mãos ágeis da garota percorriam cada centímetro do tecido e o rapaz tinha de disfarçar o nervosismo. Mesmo sob as roupas, ele podia sentir os efeitos do toque das mãos suaves de Julliete...
-Pronto! Agora vocês podem tirar essas roupas que eu vou costurá-las.
-Oh, sem noção! – gritaram Camus e Shura ao mesmo tempo, assustando Miro – Espera a Julliete sair do quarto primeiro!
Só por que o pobre já estava tirando a camisa e com os botões da calça abertos...
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-Os guardas estão todos prontos, capitão? – perguntou o Cardeal, enquanto saboreava um delicioso banquete para um em sua sala particular. O capitão limitava-se a beber uma taça de conhaque, vinho era coisa de fraco.
-Toda a guarda está em alerta, Cardeal. Para alguém entrar nesse palácio sem convite, só se for mágico!
-Ótimo! Ah, mudando de assunto... Mandou chamar nosso mensageiro, como pedi?
-Sim, senhor, mas ele não poderá se apresentar antes do início do baile. Parece-me que ocorreram alguns problemas com sua escolta pessoal.
-Entendo... Precisamos verificar isso, Rochefort, antes que ele parta em sua missão. Não quero nenhum possível traidor entre os homens que o escoltarão.
-Claro, Vossa Iminência.
O silêncio se impôs entre os dois, apenas o som de garfos raspando o prato podia ser ouvido. O Cardeal fitou o capitão e percebeu que ela parecia querer lhe dizer mais alguma coisa.
-Capitão, não se faça de rogado. Se tiver mais alguma coisa a me dizer, esteja à vontade.
-É sobre a segunda parte de seus planos, que diz respeito ao rei e sua esposa. Gostaria de saber o que pretende com eles, Cardeal.
-Eu já lhe disse para não se preocupar, capitão. Se tudo correr bem com nosso mensageiro, logo saberá o que pretendo fazer.
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Tudo estava pronto para o baile, a única dúvida era Julliete. Como ela iria à cidade montada em sua égua, se estaria usando um vestido? Isso sem contar que, caso precisassem de seus floretes, os mosqueteiros teriam problemas: não havia como escondê-los na casaca, seria preciso deixá-los para trás.
Impaciente, Miro andava de um lado para outro na sala, por que diabos as mulheres tinham que demorar tanto para se arrumar? Ajoelhado em frente ao altar, Aioros fazia sua prece, Camus estava sentado em um canto, muito quieto e Shura... Bem, ele estava aos pés da escada e foi o primeiro a ver Julliete toda arrumada, descendo os degraus com leveza.
-O que acharam?
Os outros três encararam a jovem e ninguém teve coragem de articular uma palavra sequer, tamanha era a admiração por sua beleza. O vestido amarelo caía perfeitamente em seu corpo, os cabelos presos por duas mechas laterais arrematadas por uma presilha de prata e topázios da mesma cor de seus olhos. A gargantilha fazia parte do conjunto, assim como o par de brincos. A boca estava pintada de vermelho, mas nada muito forte e suas mãos delicadas estavam protegidas por um par de luvas longas. A máscara acompanhava o tom amarelo do vestido, também bordada com pedrarias e penas.
Apesar de estar mais próximo da garota, Shura não se moveu para ajudá-la a descer os últimos degraus, estava fascinado com tanta beleza. Precisou que Aioros saísse de seu lugar e tomasse a iniciativa.
-Certamente será a mulher mais linda do baile...
-Obrigada, Aioros... Podemos ir então?
-Um momento, Julliete... - Camus interveio – Como fará para ir ao baile? Não pode montar a cavalo usando um vestido.
-E quem disse que irei a cavalo? Me acompanhem, por favor.
Ao saírem da casa, Julliete os levou para os fundos. Debaixo de uma árvore, uma carruagem preta com os quatro cavalos estava pronta, apenas esperando a hora de ir ao baile.
-Eu não acredito! Por que não nos disse antes que possuía uma dessas?
-Ora, ninguém me perguntou! Muito bem, quem de vocês irá conduzir os cavalos?
Miro, sempre tão solícito, tomou a frente, mas ao invés de se instalar no coche, entrou na cabine com a maior cara de pau do mundo. Shura pensou em dizer alguma coisa, mas Aioros não deixou, não valia a pena discutir por tão pouco.
-Deixem que eu cuido disso.
-Eu vou com você.
Camus e Aioros subiram no coche, Julliete, ajudada por Shura, entrou na cabine e se sentou de frente para Miro. Fechando a portinha, Shura entrou e ia se sentar junto do amigo, mas o balanço da carruagem que já se colocava a caminho o fez cair sentado bem no colo da garota.
-Me desculpe... – ele pediu, vermelho e todo sem graça. Julliete sorriu sem jeito e o ajudou a se sentar ao seu lado. E Miro ria da cara de bobo do amigo.
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Uma nota para mandar beijos a todos que acompanham a fic (Juli, logo, logo a sua ajuda aparecerá na história!), especialmente a já citada Juli e Arthemysis, pelos reviews super carinhosos...
