Vamos ao sexto capítulo, o Aioros me deu umas idéias bem bacanas para ele (eu não disse que estava ficando louca)!

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Capítulo VI

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O salão já estava cheio, guardas fiscalizando cada porta de entrada, cada centímetro do jardim e sua imediações. Porém, o capitão estava totalmente equivocado em sua colocação ao Cardeal: não precisaria ser mágico para entrar sem ser visto no baile...

-Eu não disse que resolveria o problema da nossa entrada? – questionou Miro, com uma ponta inconfundível de orgulho na voz.

-Ora, até eu conseguiria entrar pelos fundos sem ser visto se tivesse dormido com praticamente toda a criadagem!

-Ah, não vem querer dar lição de moral não, tá Aioros! O fato de você quase ter ser tornado um padre não te faz um santo!

-Graças a Deus, meu amigo!

-Vamos parar com a discussão sem sentido! – Camus bronqueou, verificando se o corredor de acesso ao salão estava vazio – Andem, depressa.

Em pouco tempo, estavam circulando entre os convidados, sorrindo e cumprimentando as pessoas.

-Como faremos agora? – perguntou Shura, cumprimentando com um aceno um senhor que passou por eles.

-Ao menos fazem idéia de onde fica a sala do Cardeal?

-No primeiro andar, a sala nos fundos do corredor oeste. Eu estive lá quando fui pedir clemência ao Raul.

-Para o verdadeiro traidor? Muito inteligente de sua parte.

O comentário irônico de Julliete não passou despercebido, mas depois Shura resolveria essa questão. O importante era chegar ao corredor oeste, do outro lado do salão. E saber a hora certa de avançar sem serem vistos.

-Melhor não irmos todos, poderia levantar alguma suspeita.

-Eu sugiro que você, Aioros e Miro fiquem aqui no salão vigiando os guardas e eu e Shura vamos até a sala.

-Por que eu e você?

-Primeiro, porque o Camus e o Aioros são melhores observadores que você e já esquadrinharam toda a segurança daqui de dentro; segundo, porque você sabe onde fica a sala; terceiro, vai precisar de mim para chegar até o corredor; e quarto, o Miro tá mais interessado na loira da máscara de penas verdes do que no nosso real objetivo!

Furioso, Camus puxou o amigo de volta, sob os protestos deste. Nesse momento, os músicos começaram a se posicionar para tocar e Julliete se virou para Shura.

-Essa é a hora que você precisa de mim para chegar até o corredor.

-Como?

-Você vai ver...

Puxando o rapaz para o meio do salão, onde os casais se posicionavam, Julliete tomou a frente e o enlaçou para dançar. A música começou e Shura não teve outro remédio senão acompanhar a garota.

-Ficou maluca? Dançar em uma hora dessas?

-Preste atenção no que estamos fazendo, Shura! – ela falou entre dentes, indicando que ele olhasse ao redor. A dança consistia em fazer os casais rodopiarem alegremente pelo salão, trocando de posições.

-Essa é a dança que antecede a entrada do rei e sua esposa no salão. Pela posição que tomamos, quando a música acabar, estaremos em frente ao acesso do corredor oeste.

-E quando todas as atenções estiverem em Vossa Majestade, nós aproveitamos...

-... E entramos pelo corredor. Até que foi rápido seu raciocínio!

A segunda provocação da noite! Mas o acerto dessa também ficaria para depois, já que a música parou de tocar e um corredor se formou no salão, para a entrada de Luís XIV e sua esposa Anna. Foi a deixa para os dois jovens se retirarem discretamente do salão e irem para o corredor, sem serem vistos pelos guardas ou pelo Cardeal, empenhado em receber os soberanos no meio do salão.

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Nesse meio tempo, uma carruagem parou em frente aos portões do jardim e foi recebida pelo capitão Rochefort. Abrindo a pequena janela, o capitão cumprimentou seu ocupante e sorriu.

-O Cardeal aguarda ansioso a sua presença...

O ocupante sorriu sob o capuz da capa que usava, escondendo seu rosto. Rochefort ordenou ao cocheiro que seguisse adiante e entrou no palácio. Precisava avisar Vossa Iminência do ocorrido.

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Cautelosos, Shura e Julliete caminhavam devagar pelo corredor, atentos a qualquer movimentação. Mas por ali parecia não passar ninguém, tudo estava tranqüilo e silencioso, apenas o som dos sapatos da garota sobre o piso.

Chegaram à sala do Cardeal e era óbvio que a porta estava trancada, mas mesmo assim Shura experimentou tentar abrir. Forçou a maçaneta e nada, pensou na hipótese de arrombamento. Julliete, impaciente, o empurrou de lado.

-Deixe comigo.

-E como acha que vai conseguir abrir... – a garota tirou algo do cabelo, enfiou na fechadura e após alguns segundos, a porta se abriu para eles – a porta! Como fez isso?

-Grampo para cabelos... Um truque que o Raul me ensinou quando éramos crianças.

-O conhece desde criança? – perguntou Shura, entrando pela sala e já se dirigindo à mesa do Cardeal.

-Desde que nasci, Shura! Vou procurar alguma coisa nas estantes...

No salão, os soberanos dançavam em meio às pessoas quando Camus viu Rochefort se aproximar de Richilieu e dizer-lhe alguma coisa nos ouvidos. O Cardeal sorriu e se levantou, dirigindo-se ao corredor oeste.

-Aioros, veja!

O mosqueteiro virou-se e viu o Cardeal, Rochefort e seus guardas indo em direção ao corredor. Sentiu sua testa gotejar de suor, era preciso impedí-los de continuar em frente. Tentou pensar em alguma coisa, mas quem agiu foi Miro.

Desvencilhando-se da loira, que tornou a encontrar pelo salão, o rapaz pegou uma taça de vinho de uma bandeja próxima e foi até Rochefort. Aí...

-Idiota!

O grito de Rochefort foi ouvido por quase todo mundo no salão. Furioso, ele sacudia as roupas molhadas pelo vinho, sob os olhares de reprovação do Cardeal.

-Me desculpe, senhor...

-Vai me pagar por isso!

-O Miro vai pagar é para mim! Mas que idéia! – disse Camus para si mesmo, correndo em socorro do amigo.

Rochefort, alterado, quis partir para cima do rapaz, mas foi impedido pelo Cardeal.

-Deixe isso para lá, capitão... Temos assuntos mais importantes a tratar.

-A tua sorte, meu caro, é que estou ocupado agora... Mas é melhor que não esteja por aqui quando eu voltar!

Xingando, o capitão foi levado pelo corredor por seus homens, bem na hora que Camus e Aioros chegaram próximos à Miro.

-Imbecil! Que idéia foi aquela, Miro?

-Ah, não reclama não que deu certo, Camus! Eu consegui atrasar os caras, não consegui?

-É, eu sou obrigado a concordar com ele.

-Não incentiva, Aioros, ou vai sobrar para você também!

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Na sala do Cardeal, Shura e Julliete já tinham revirado uma boa quantidade de papéis e gavetas sem sucesso quando ouviram vozes pelo corredor.

-É a voz do Cardeal e do Rochefort!

-Precisamos sair daqui!

Olhando em volta, os dois procuraram por uma saída e deram de cara com a varanda. Foi o tempo de saltar por entre as cortinas e os homens entraram pela sala, inclusive o ocupante da carruagem recebida pelo capitão.

-Eu não me lembro de ter deixado esta porta aberta, mas... – Richilieu comentou consigo mesmo.

Oferecendo uma poltrona para o estranho se sentar, o Cardeal foi até a estante e retirou alguns livros dela, revelando um pequeno cofre.

-Consegue ver alguma coisa? – perguntou Julliete para Shura, ambos encolhidos junto à parede da varanda.

Acenando negativamente, o rapaz tentava ao menos ouvir o que diziam. Mas como, se pela posição em que estavam (agachados e muito próximos), Shura sentia a respiração de Julliete em seu pescoço e as reações que isso provocava em seu corpo, as mãos delicadas da garota sobre seus ombros...

-Aqui está... Quero que parta imediatamente para a Inglaterra e leve este documento até o Duque de Bunkinghan. Um navio partirá daqui a dois dias do porto da cidade, com uma carga de cereais. Tenho homens de confiança por lá que sabem de sua viagem.

O estranho pegou o documento e o guardou em suas vestes. Depois, prestando reverências, ele se despediu do Cardeal, mas Richilieu o segurou pelos braços. Nesse momento Shura não teve muita certeza do que viu, mas teve a impressão de que o Cardeal havia beijado o estranho.

Poucos minutos depois, todos saíram da sala e os dois jovens na varanda ouviram o ruído da porta sendo trancada. Cautelosos, voltaram para dentro e se entreolharam.

-Conseguiu ouvir o que diziam, Julliete?

-Claro, não se preocuparam em abaixar o tom de voz achando que ninguém ouviria! Shura, se pegarmos o tal documento e o mensageiro, nós teremos as provas da inocência de vocês!

-Exato! Ande logo, precisamos encontrar os outros e partir o quanto antes atrás do mensageiro!

Usando novamente o grampo de cabelos, os dois saíram silenciosamente e seguiram pelo corredor, vazio. Ou quase.

Ao passar em frente a um pequeno corredor escuro que dava acesso a uma escadaria interna, ouviram as vozes de guardas que vinham pela curva do corredor. Rápido como um raio, Shura puxou Julliete para a penumbra, esperando que os guardas passassem. Mas, para o azar de ambos, eles pararam para conversar bem em frente ao corredor, observando o jardim por uma janela.

Não podiam fazer barulho, nem se mexer direito com receio de que aquela escadaria fosse uma descida. E o pior era que, com o puxão, Julliete ficou de frente para Shura, os corpos colados para evitar que fossem vistos. O rapaz podia sentir as batidas descompassadas do coração da garota, era nítido seu nervosismo pela situação. As mãos de Shura apertaram sua cintura, era um ato de puro instinto, os rostos se aproximaram, dava para sentir a respiração de ambos bem perto. Não conseguiam ver nada naquele corredor escuro, mas dava para imaginar o que ambos sentiam e queriam.

"Me perdoe, Raul...", pensou Shura consigo mesmo, antes de baixar a cabeça e seus lábios encontrarem os de Julliete, em um beijo intenso e muito quente, as mãos espalmadas dela no peito do rapaz se fecharam sobre o tecido da casaca, quase rasgando-o com a força. Não era uma carícia inocente, as bocas se provavam sem pudor, as línguas se entrelaçavam, as mãos dele percorriam as costas da garota, ela estava quase abrindo os botões da casaca do rapaz...

Quase sem ar, os dois se separaram, sentindo o calor que subia por seus corpos. Shura apertou ainda mais o corpo de Julliete contra o seu e quis mais daquele beijo, mas a garota virou o rosto, deixando o rapaz confuso e o arrependimento tomando conta de si. "O que eu fiz, meu Deus? Eu traí meu amigo...".

Nesse momento, os guardas deixaram o corredor e os dois jovens saíram de seu esconderijo, Julliete ainda tinha as faces vermelhas por conta do beijo. Sem trocar uma única palavra, voltaram ao salão e encontraram Camus dando um sermão em Miro e Aioros apenas escutando, soltando umas risadinhas de vez em quando.

-E então, conseguiram alguma coisa?

-Aqui não dá para falar, vamos embora!

Como desta vez várias pessoas se retiravam do baile e Rochefort não estava presente, saíram discretamente pela entrada principal e contornaram os jardins até chegar à carruagem. Desta vez, Shura foi ao coche com Aioros e Camus acompanhado de Julliete, assim não perderiam tempo com explicações repetidas.

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A corrida até a casa da jovem foi em tempo recorde, não podiam perder um minuto sequer. Entrando feito furacões pela casa, foram para os quartos trocar de roupa e armarem-se. Shura, parecendo um desesperado, procurava por seu manto de mosqueteiro quando foi surpreendido por uma pergunta de Aioros.

-O que aconteceu enquanto estavam fora do salão, Shura?

-Hã? – Shura fingiu que não ouviu, ainda procurando o manto.

-Não desconverse, Shura! Aconteceu alguma coisa entre você e a Julliete, eu vi como estavam muito quietos quando foram nos procurar pelo salão.

-Não aconteceu nada, Aioros... Anda, se arruma logo que a gente não pode perder tempo!

-Você não me engana, meu caro... – Aioros nem se abalou com a falsa fúria do amigo – Eu te conheço melhor do que imagina e sei quando está mentindo ou escondendo alguma coisa de mim.

Shura passou os dedos pelos cabelos e Aioros sorriu. Bingo, ele estava certo mais uma vez. Prendendo o florete em sua cintura, Shura soltou tudo, sem coragem de encarar o amigo.

-Eu a beijei, Aioros... Nós tivemos que nos esconder dos guardas de Rochefort em um corredor escuro e ficamos tão próximos que... Que quando eu dei por mim, eu já estava beijando Julliete, até me esqueci do Raul... Ai que droga!

O rapaz chutou o pé da cama, teve vontade de socar a cabeça contra a parede por ter tomado tal atitude. Aioros permaneceu imóvel, deixou que a explosão de raiva do amigo acabasse antes de dizer qualquer coisa.

-Raul está morto, Shura e você nem sabe se Julliete era realmente casada com ele. E, mesmo que tenha sido, se ela correspondeu ao seu beijo, é um sinal claro de que já esqueceu o nosso amigo.

-Ela não tinha como fugir, Aioros, eu não deixei! E depois que a beijei, Julliete virou o rosto para mim, não me disse mais uma palavra sequer.

Aioros ia rebater a argumentação de Shura, mas ambos ouviram a voz de Miro, gritando do andar de baixo.

-Como é, ainda vamos ter de esperar muito as duas donzelas?

-Me lembre de matar o Miro quando isso tudo acabar... – pediu Aioros à Shura e o rapaz ficou de queixo caído. Imaginaria qualquer um dizendo uma coisa dessas, menos o mais calmo de seus companheiros, o quase padre da história.

Do lado de fora da casa, os cavalos já estavam todos a postos e Milady também. Montando em Athos, Camus ajeitou seu chapéu e tomou sua posição de líder.

-Andem logo que temos uma longa viagem pela frente. Se não fizermos nenhuma parada, amanhã de tarde chegaremos ao porto da cidade.

-Impossível, Camus! Os cavalos não agüentarão tanto esforço!

-Mas iremos perder o rastro do mensageiro se pararmos!

-Claro que não, iceberg! – Miro provocou e quase levou um tapa, desviando a cabeça bem a tempo - Ahá, errou! Ai! – Camus errou, mas Julliete acertou.

-O que o desmiolado quis dizer é que o mensageiro também terá de fazer uma parada. O momento não é de pressa e sim de muita calma, Camus...

Concordando com o que Aioros dizia, Camus empinou seu cavalo e pô-se a caminho. Mas antes que todos partissem...

-Para dar sorte... – disse Shura, empunhando seu florete – É um por todos...

-E todos por um! – os demais gritaram e até Julliete os acompanhou. Shura observou bem a garota, a expressão obstinada em seu rosto. Parecia até uma outra mulher, mais forte e determinada.

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Ai, eu tô babando no Shura... Ele é lindo, o número 1 do meu "Quinteto de Ouro".