Aqui está o décimo capítulo, escrito com um certo aperto no coração...
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Capítulo X
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O dia nem tinha amanhecido e Kamus já estava de pé, sentado no beiral da janela. Com o olhar perdido no vazio, o rapaz sentia um aperto no coração, uma dor que não o deixava sequer pensar com clareza. Então seria assim, tudo acabado de uma maneira tão terrível?
-Você não dormiu a noite toda, Kamus... O que aconteceu?
Kamus virou-se para a direção onde ficavam as camas e viu Miro sentado na que ocupava, encarando-o com ar de preocupação.
-Como sabe disso?
-Pode não parecer, mas me preocupo com você, meu amigo... Eu vi a cara que estava quando chegou e percebi que ficou revirando o tempo todo na cama.
Voltando a mirar o vazio, Kamus suspirou alto. Miro levantou-se da cama e foi até o amigo, estava realmente preocupado. Nunca tinha visto o rapaz daquela maneira, Kamus era sempre muito sério e jamais demonstrava outra coisa que não frieza com suas atitudes e expressões. O que estaria acontecendo?
-É por causa daquela mulher, não é?
Kamus não respondeu, mas o amigo notou uma pequena, porém insistente, sombra de tristeza nos olho azuis do rapaz. Não queria falar sobre o assunto com ninguém, era algo que lhe doía.
Miro entendeu que o amigo não lhe diria nada e deu de ombros, voltando à sua cama. Nessa hora, ouviram batidas na porta e Aioros entrou, já vestido com suas roupas de mosqueteiro.
-Eu soube que a execução de Desirée será nesta manhã, assim que o sol despontar no horizonte... A polícia executora me pediu para realizar a oração do perdão, vocês querem vir comigo?
-Aioros, não sei se seria uma boa idéia...
-Espere lá fora que eu vou me trocar... – Kamus disse, sem deixar de mirar o vazio. Miro ficou quieto e também foi se trocar, não deixaria o amigo sozinho em uma hora dessas.
No quarto de Julliete, tanto a garota quanto Shura já tinham despertado e terminavam de se trocar. Nem mesmo o corpo dolorido pela noite movimentada faria com que perdessem a execução. Um pressentimento dizia a Julliete que algo importante aconteceria durante a sentença.
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O porto ficava próximo a uma encosta, local escolhido para a execução da sentença. Pelo caminho cheio de pedras e valetas, Aioros ia à frente segurando seu crucifixo entre as mãos e rezando baixinho, seguido por um dos guardas, Desirée, o outro guarda carregando uma espada em sua cintura e os demais mosqueteiros. Kamus ia andando de cabeça baixa. Não viu quando Julliete se aproximou e pousou uma das mãos sobre seu ombro, como se quisesse lhe dar apoio.
Ao chegarem ao topo da encosta, Desirée se ajoelhou na grama, os guardas postados cada um de um lado da mulher. Aioros fez o sinal da cruz e se juntou aos seus companheiros. O guarda que levava a espada a empunhou sobre a cabeça da mulher e, nesse momento, Desirée levantou o olhar e seus olhos encontraram os de Kamus. Aí...
-Esperem! Não façam nada ainda!
Tropeçando nas pedras, Kamus saiu de seu lugar correndo e foi cair de joelhos diante de Desirée, os olhos marejados. Mas ele tentava manter-se firme.
-Me perdoe, Desirée... Eu fui um fraco, um idiota, eu deixei você partir e a perdi...
-Kamus...
-Me perdoe por não te ouvir, por não acreditar em você... Se soubesse o quanto senti sua falta e me arrependo de tudo...
As lágrimas acabaram por correr pelo rosto do mosqueteiro. Desirée, sentindo que ela também iria acabar chorando, tentou secar as lágrimas de Kamus, mas ele deteve as mãos da mulher, segurando-as com força entre as suas.
-Eu te amo, Desirée... E esse amor me dói agora porque não posso evitar que você se vá...
-Kamus... – ela não agüentou e deixou que suas lágrimas também caíssem – Eu esperei tanto para ouví-lo me dizer isso novamente... Eu nunca deixei de te amar, apesar de tudo.
Largando-se nos braços de Kamus, Desirée podia sentir todo o calor que o amor dele possuía e isso a deixava mais confortável para enfrentar a dura realidade. Acariciando os cabelos negros da mulher, o rapaz a beijou com tanto ardor que o chão sob seus pés parecia até que iria tremer.
Ninguém ousou fazer um único movimento, a não ser Shura e Miro. Os dois mosqueteiros trocaram olhares significativos, o que foi percebido por Aioros e Julliete.
-O que vai fazer, Shura? – perguntou a garota, ao pé do ouvido do rapaz. Ele limitou-se a encará-la sério e se afastou.
-Eu não acredito que esses dois vão fazer o que estou pensando... – comentou Aioros consigo mesmo, com um ar que misturava preocupação e uma certa alegria pela ousadia dos amigos.
Abraçados, de olhos fechados, Kamus e Desirée não viram quando Shura e Miro aproximaram-se cada um por um lado e, com seus floretes em punho, avançaram ao mesmo tempo. Só foram perceber o que acontecia quando ouviram os gritos e sentiram o sangue respingar em suas roupas.
-O que fizeram, seus malucos? – gritou Kamus, vendo os corpos ensangüentados dos dois guardas, caídos sobre as pedras.
-Ora, você acha mesmo que nós deixaríamos esses caras executarem a sentença?
-E, além disso, eles eram da polícia e provavelmente tinham ligações com a guarda do Cardeal... Quem garante que não tentariam nos pegar depois de tudo?
Trêmula, Desirée estava parada, estática. Aqueles homens tinham acabado de cometer uma loucura para poupar a sua vida! Eram mosqueteiros do rei, poderiam ser severamente punidos por aquele crime e mesmo assim arriscaram tudo pelo bem de um amigo.
-Têm idéia do que pode acontecer a vocês por causa disso?
-Eu sei, Kamus, mas não me importo de enfrentar um julgamento! O que não ia dar para agüentar era ver você sofrendo por causa dessa mulher!
Miro estava irritado com a reação do amigo e acabou falando demais. O silêncio tomou conta do ambiente, quebrado adivinhem por quem...
-Háháhá...
Os risos de Julliete mais uma vez foram ouvidos e contagiaram Aioros. Nervoso, Kamus já ia se preparando para mais um tapa em Miro, o rapaz se encolheu todo...
-Obrigado por se preocupar comigo, meu amigo... – o mosqueteiro disse, abraçando Miro. Uma demonstração de amizade rara, se pensarmos no jeitão do mosqueteiro.
-Olha só... – Shura falou, desanuviando o clima - O momento é muito bonito, mas nós temos um traidor para pegar, lembram-se?
-Um assassino, você quer dizer... – Desirée corrigiu Shura e todos a encararam com seriedade.
-Assassino?
-Sim... Não bastou o Cardeal preparar a execução de Raul Montparnasse – Julliete estremeceu ao ouvir o nome do irmão – Ele também planeja a morte do rei Luís XIV e sua esposa. Só assim ele poderá governar a França.
-Desirée, sabe quando ele dará cabo desse plano?
-Será durante o discurso do rei para a guarda, no dia do aniversário de Vossa Majestade... O Cardeal contratou um atirador para matar o rei e ele fará com que pareça um atentado planejado e executado por vocês.
Miro soltou um palavrão em desagrado, Shura chutou uma pedra ao longe. O desgraçado do Cardeal era pior do que pensavam, como tinha coragem de dispor assim da vida de Vossa Majestade? Meio indiferente às reações dos amigos, Julliete pensava em alguma coisa e acabou dando um pulo, como se tivesse se assustado com alguma coisa.
-Meu Deus! O aniversário do rei é amanhã!
-E ele sempre faz o discurso antes do meio-dia... Não podemos perder tempo!
Sem se importar com os corpos estirados sobre as pedras, os mosqueteiros voltaram ao vilarejo próximo ao porto, não podiam perder um minuto que fosse. Montando em seus cavalos, puseram-se à estrada, Desirée acabou ficando com um dos cavalos da polícia executora.
-Tem certeza de que agüenta uma viagem dessas? – Kamus quis saber, preocupado. Pela cara da mulher, ela não tinha dormido durante a noite toda.
-Não se preocupe, Kamus... Eu agüentei coisa muito pior nesses últimos anos.
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Em um bosque afastado do castelo, um tiro foi ouvido, espantando os animais e pássaros em revoada. De queixo caído, o capitão Rochefort examinava os cacos das garrafas no chão e a precisão da pontaria do atirador.
-Eu lhe disse que Monsieur Legrand era um exímio atirador, capitão... – comentou calmamente Richilieu, sorrindo meio de lado.
-Sem dúvida, Cardeal...
Sem alterar a expressão séria de seu rosto, o atirador deixou sua arma de lado e encarou os dois homens que conversavam... A uma distância de cinqüenta metros!
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Ahá, eu aposto que enganei muita gente... Vocês acharam mesmo que eu iria matar a Desirée assim, sem mais nem menos? Não sou tão má, mas confesso que a idéia inicial era essa. Aí eu pensei: tá todo mundo esperando que seja esse o final dela na fic, então por que não mudar?
Espero que tenham gostado e um recadinho para o Alexandre: rapazinho, você ainda não viu nada do que sua mãe é capaz de aprontar por aqui...
