Estaria morto? Não, sentia uma dor... Algo acima de sua sobrancelha ardia, mas não sabia apurar o motivo. Sofregamente abriu os olhos e percebeu-se de cabeça para baixo, preso ao cinto de segurança. Olhou para os lados, incapaz de raciocinar. Num movimento automático, levou a mão direita ao rosto, no intuito de aliviar a ardência que sentia e viu o aparelho telefônico em sua mão. Lembrou-se de tudo!

Já não se importava com a dor em seu corpo, muito menos com as gotas de sangue que começavam a escorrer pela sua pele. Nada disso comparava-se à vida de Mu! Sabia que não teria como evitar a morte do seu amado e sentia as lágrimas que surgiam de seus olhos, indo em direção à testa, algumas atingindo algum ferimento causado pelo acidente. Sentia sua cabeça doer e pensou que ela fosse explodir. O coração batia freneticamente e anunciava a sua incapacidade.

Doía! Doía muito! Não sentia muito a dor física e sim a mental, psicológica. Perder alguém tão especial como Mu era algo inadmissível. Se não fosse tão fraco, se tivesse valorizado o tibetano quando teve oportunidade...

Poderia atribuir a culpa daquela tragédia a si. Nunca se perdoaria! Nunca iria perdoar-se... Rezou para que seu carro explodisse.

Shaka não sabia avaliar quanto tempo havia esperado pela tão esperada explosão – que não veio! Moveu-se lentamente devido às dores em todo o corpo, olhou o próprio reflexo no retrovisor quebrado e percebeu que estava vivo. Era apenas um corte no supercílio e algumas escoriações leves.

Finalmente encheu-se de coragem e esperança, pois aqueles arranhões jamais seriam comparados à vida de seu amigo. Mu dependia dele, sabia que a vida do seu amado estava em jogo – o que era pior, em suas mãos – e, se desistisse, jamais poderia erguer a cabeça novamente. Estaria condenado a carregar em seus ombros o peso da morte de seu amado. Sentia-se mais covarde que o bandido que ameaçava o tibetano.

Com alguma dificuldade, saiu do carro. E agora, como faria para chegar ao outro lado da cidade a tempo de salvar o amado? Olhava fixamente o celular em busca de respostas. Uma pontada atingiu-lhe o peito ao lembrar que precisava garantir que o rapaz ainda estivesse vivo.

– Mu, está me ouvindo?

– Shaka? Ouvi um barulho... O que aconteceu?

– Foi só um acidente. Não se preocupe comigo... Tente acalmar-se.

– Mas você está bem?

– Sim, estou! Não foi nada comigo... – mentiu.

– Ok!

– E você, como está?

– Mais aliviado. Ele desistiu da idéia maluca e deu mais um tempo. Quer ter o maior número de reféns possível para conseguir o resgate. Sabe que, se matar mais gente, ficará exposto e o matarão.

– Fico mais tranqüilo com isso. Tentarei pegar um táxi aqui perto, pois não tem como tirar meu carro dessa confusão... logo estarei ao seu lado.

Devido ao fato de estar num lugar ermo, Shaka sabia que não conseguiria um táxi tão facilmente e também não tinha tempo a perder. Esperou por 10 longos minutos até que passasse um veículo e não teve dúvidas: jogou-se na frente dele.

O carro, um fusca rosa-choque mal conservado do ano de 1950, parecia que iria cair aos pedaços a qualquer momento. Graças aos inúmeros pontos de ferrugem, às incontáveis batidas que havia sofrido e a falta de cuidados, o veículo tinha uma cor mista – embora a original dominasse. Infelizmente estava sem freios e o motorista não pôde frear ou desviar a tempo.

Shaka fora atingido. O loiro havia sido arremessado no chão, a uma distância de 5 metros. Levantou-se rapidamente antes mesmo de poder verificar se realmente não estivesse com alguma lesão grave. Dirigiu-se colérico ao motorista – um senhor grande – e agarrou-o pelo colarinho.

– Preciso do seu carro.

– Sai pra lá, vagabundo. Acha que eu tenho medo de um sujeito raquítico como você?

– Por favor, senhor, é caso de vida ou morte! – Soltava-o.

– Não tenho culpa se você se mete com drogas.

– Eu não sou drogado, nem traficante... Não tenho tempo para explicações... Empreste-me seu carro!

– Meu único bem?... Não, obrigado!

– Buda, me perdoe...

Shaka fecha os olhos e, quando os abre, novamente agarra o motorista pelo colarinho e força a saída dele. Sabia que o que estava fazendo era um crime, mas não tinha opção!

O motorista resiste bravamente. Com uma força sobre-humana que só a raiva; o desespero é capaz de fornecer, o indiano finalmente retira o homem do carro. Foi uma luta difícil, mas não se arrependia e seria capaz de refazer tudo se isso garantisse a vida de seu namorado. Mal havia se percebido no chão, o motorista levantou-se, revelando ser 30 cm mais alto, muito mais forte e até um pouco obeso. Sem dúvidas, era pelo menos o dobro do tamanho do loiro e poderia fazer um grande estrago se bem desejasse.

Um frio percorreu a espinha do indiano em apuros, mas ele seria capaz de tudo para salvar a vida de seu grande amor. Nunca admitiria perder o tibetano sem uma declaração de amor digna do anjo que era!

– Baixinho, você conseguiu me irritar...

– Não... me chame... de baixinho!...

– Que foi, tampinha, vai me bater? Ah! Desculpe... a senhorita é muito delicada...

Furioso com o último comentário, Shaka pega um pedaço de madeira no chão e avança contra o tórax do sujeito. O objeto se espatifa ao atingir a região do intestino do grandalhão e o loiro sorri, vitorioso.

– Isso é tudo o que pode fazer, donzela? – o gigante pergunta de forma indiferente.

Assustado com a resistência daquele homem, Shaka sente seus músculos tremendo. O medo, a angústia tomando conta de seu ser. Uma lágrima correu em sua face e foi imediatamente enxuta pelas costas de sua mão. Sentiu uma forte ardência em seu estômago, o ar começava a faltar-lhe, suas forças estavam se esvaindo novamente. Olhou para baixo e percebeu a mão do monstro em seu peito. Novamente perdia os sentidos enquanto lembrava-se de Mu...

O jovem de cabelos lavanda: sempre tão simpático, meigo, carinhoso! Ele adorava ajudar o próximo e sempre podia ser visto com um terno sorriso nos lábios. Era um anjo... Seu anjo caído! Um pouco tímido, é verdade, mas sempre tão prestativo... solidário! Seus momentos juntos, as inumeráveis vezes que conversavam e brincavam. Sim! O doce rapaz era tão alegre que conseguia fazer até o indiferente Shaka obrigar-se a cometer atos que o loiro considerava infantil. Era a única pessoa que lhe arrancava sorrisos sinceros.

Mu, entretanto, tinha uma história muito triste e sombria. Órfão de mãe desde o berço, perdeu seu pai aos 7 anos – a única pessoa que cuidava de si – e viveu sozinho até os seus 20 anos, quando acidentalmente conheceu Shaka num templo budista do Tibet. Imediatamente afeiçoou-se ao belo loiro que o levou para viver na cidade onde residia ultimamente. O tibetano já sofrera tanto! Passara frio, fome, solidão e agora que estava em paz iria morrer de um jeito tão selvagem e cruel!

Shaka abriu os olhos e viu seus joelhos tocando o chão. Lágrimas acumulavam-se, teimando em não cair. Raios anunciavam a chegada de uma tempestade. Ouviu a voz de seu amante ao telefone.

– Ele voltou a ficar impaciente... Muda de comportamento numa velocidade incrível.

– Mu...

– Seu instinto assassino veio à tona... Mais forte do que antes...

– Resista, seja forte, meu amor. Estarei aí... – lágrimas escorreram de seu rosto, encarando a muralha à sua frente.

Shaka retomou suas forças graça à esperança que tinha em salvar a vida de seu amado. Levantou-se de súbito e encarou o estranho com toda a sua coragem. Sabia que agora conseguiria vencer!

– Você... Com quem estava falando?

– A pessoa que mais amo em toda a minha vida... Amanhã comemoraríamos nosso primeiro aniversário de namoro. Eu nunca lhe fiz uma declaração de amor a altura e agora ele está morrendo, sendo vítima de um assassino cruel... Nunca me perdoarei por minha fraqueza e incapacidade!...

– Entendo... Minha esposa morreu diante meus olhos e nada pude fazer, por isso sei o que está sentindo. Por que não falou logo?

– Eu... Bem, é que...

– Não importa! Vamos evitar uma essa tragédia. – sorriu, estendendo a mão. – Sou pé de chumbo quando quero... sente-se no banco do carona! Diga o endereço que estarei lá num piscar de olhos.

Shaka estava atônito. Então havia perdido um precioso tempo à toa? Sentia dificuldades para andar e respirar graças à lesão em seu estômago, mas não deixaria abalar-se agora que estava tão próximo – quando tinha uma esperança! Entrou rapidamente no carro e ouviu o estranho dando a partida.

O motorista estava fazendo milagres dentro da lata velha, que agora entrecortava as ruas como um raio, pegando atalhos nunca dantes imaginados pelo loiro sem perder a direção. O indiano agora cantava uma bela canção em sua língua nativa – a qual o tibetano também conhecia – e dava forças e coragem ao namorado. Sabiam que o pesadelo logo teria um fim e poderiam ficar juntos novamente, comemorar o primeiro ano de namoro. Uma data inesquecível a ambos, pois praticamente celebraria o renascimento do indefeso jovem de cabelos lavanda. Shaka estava tão preocupado em acalmar seu namorado que não prestou atenção quando o rádio anunciou que a perseguição da qual fugira era direcionada aos assaltantes de um banco naquela região. Sorte sua! Provavelmente entraria em choque ou talvez enlouquecesse se soubesse que havia perdido seu carro e quase perdera a vida inutilmente – pior, essa brincadeira poderia ter custado a vida de seu amado. Ainda estavam a mais de 6 km da casa de Mu quando um forte estouro pôde ser ouvido e o carro parou.

Os trovões soavam cada vez mais altos e os raios entrecortavam os céus perigosamente, fazendo um verdadeiro espetáculo de luzes. A tempestade estava cada vez mais próxima. Uma densa névoa logo encobriu o local e o som de uivos dava um clima tenebroso ao ambiente. Shaka sentia um forte cheiro de fumaça e estava tão sufocado que não conseguia parar de tossir. Levou a mão à cabeça quando sentiu uma violenta pontada causada pelo mal estar.

O motorista percebeu e preferiu deixar o loiro recuperar-se sozinho. Levantou-se e dirigiu-se à parte traseira do carro para verificar o motor. Tão logo elevou a lataria, uma densa fumaça começou a sair, tornando o cheiro de queimado ainda mais forte. Para seu desespero, o motor havia fundido e, aparentemente, ameaçava a pegar fogo. Tomado de raiva de si mesmo, chutou o veículo, que ameaçou desmontar-se ali mesmo. respirou fundo e, mais calmo, foi ao lado do indiano para dar a má notícia.

– Sinto informar, mas o motor fundiu e ameaça pegar fogo... Nossa viagem acaba aqui.

– Não pode!... E o meu namorado?

– Sinto muito! Deus é testemunha do quanto eu gostaria de ajudar-lhe, mas... – fica cabisbaixo.

Shaka suspira fundo. Sentiu o lamento do homem e sabia que ele falava a verdade. Saiu do carro e o abraçou, tentando acalmar-se também. Tão logo afastaram-se, o carro começou a pegar fogo, como o previsto e o dono chorou, desesperado com a perda do seu único bem. Enternecido, o loiro entregou seu cartão, perguntou o nome do sujeito, anotou algo atrás e entregou ao homem, avisando que bancaria o prejuízo. Recebeu um forte abraço em agradecimento e várias promessas de oração e torcida.

– Só tem mais um problema... Eu estou perdido e não sei como chegar na casa do meu namorado.

– Pelo que me falou, ainda estamos um pouco longe. Deve ficar há uns 6 km daqui. Para chegar, vire na primeira rua à esquerda e continue nela por uns 4 km. Vai ver um posto de gasolina perante um condomínio de edifícios, todos com 6 andares e nas cores verde e branca. Se não me engano tem detalhes em amarelo também. Vire à direita no cruzamento e prossiga mais duas quadras. Vire à esquerda novamente e estará na rua que me informou.

Shaka tentou anotar mentalmente as instruções, mas sabia que teria que perguntar novamente. Despediu-se educadamente e recebeu um desejo sincero de boa sorte. Partiu em disparada com o celular em mãos e começou a seguir as orientações do homem, entrando na primeira rua à esquerda. Usou todo o seu fôlego e força física para correr. Já havia percorrido mais de 800 metros quando visualizou um edifício em chamas. De seu interior, o choro de uma criança podia ser ouvido e não havia uma única alma por perto.


E agora? Shaka continuará na corrida ou salvará a criança?

OBS.: Não posso mais responder aos comentários aqui. Caso contrário perderei a minha conta (É sério!). Por isso, se quiserter o comentário respondido,peço encarecidamente que coloquem o e-mail ao mandar um review. Obrigada pela compreensão e desculpem o transtorno!

OBS2.: Talvez eu atrase um pouco para digitar o capítulo 4, pois tenho mais uma fic para concluir e os trablahos/provas da faculdade. Então, até a próxima - tentarei fazer o mais rápido possível. Palavra de escoteira!