– Enlouqueceu, Shaka? – esbravejava um indignado Saga – Sabia que aqueles chás e incensos lhe fariam mal.

– ASSASSINO! P-pensa que... não sei de tudo? – perguntava colérico e um pouco ofegante – Você n-não vai... escapar!

– Você me espanca sem nenhum motivo e eu sou o assassino?

– Eu ouvi tudo! Você matou o Mu e uma legião de inocentes.

– Eu o quê? – perguntou surpreso – Depois eu que sou louco! Acaso anda tomando alucinógenos?

– Não. Sabe muito bem que sou contra qualquer tipo de droga. Aliás, não sou eu que tomo Gardenal...

– Confesso que tive problemas psicológicos, mas já não tenho nenhum desvio de conduta há mais de 6 meses. Aliás... é indelicado tocar num assunto tão sério como esse. – comentou, ofendido – Se me dá licença, estou atrasado.

– Você não vai fugir assim! – pulou sobre o grego – Pegarei a arma do crime e provarei que estou certo.

Saga debateu-se, tentando fugir das mãos do indiano, mas acabou mostrando o que carregava com tanto esmero dentro de seu traje. Os olhos do virginiano arregalaram-se, sua face ficou ainda mais avermelhada e os seus membros perderam as forças. O loiro chorou copiosamente, segurando o objeto em suas mãos. Estava desesperado diante daquilo e não conseguia encarar o grego, não sabia o que dizer!

– Satisfeito agora? – bradou Saga.

A resposta veio com um aceno positivo de cabeça.

– Posso ir agora?

Novamente o loiro deu uma resposta positiva sem fazer uso de qualquer palavra. Sentou e controlou a respiração na tentativa de restabelecer-se. Saga era inocente! Estava carregando, consigo, uma recém-comprada bombinha de asma. Ele não era assassino, apenas estava ajudando alguém.

Tão logo o geminiano afastou-se, o outro ficou novamente em pé e correu até o edifício. Felizmente só teria de subir um único lance de escadas para reencontrar-se com o tibetano e esperava poder, ao menos, despedir-se dele.

"Cada maluco que me aparece!", exclamava Saga, seguindo seu caminho. "Se não bastasse ter perdido a minha única calça social branca graças à maldita tinta a óleo vermelha, por pouco não perco a bombinha de asma do meu pai e acabo na cadeia por um crime que não cometi."

Completamente sem fôlego, o loiro alcançou o andar desejado e sentiu quando seu coração começou a falhar de desespero e revolta. Posicionou-se tremulamente perante a porta do apartamento e tentou, em vão, abrir. Não parecia trancada e sim emperrada. Até nisso tinham pensado! A sua única chance era fazer como nos filmes americano. Afastou-se e lançou-se contra a porta..

Infelizmente nada havia acontecido. Tentou novamente e novamente, até ter a impressão de que seu ombro esquerdo pudesse estar deslocado. Doía muito e só agora notou que também sangrava por causa de uma ferida que havia se agravado. Deu alguns passos para trás, concentrou-se e correu em direção à porta. Num golpe certeiro, acertou um chute e conseguiu quebrar – não só a porta, como o pé também. Viu o corpo de Mu estirado no chão.

Aterrorizado, foi mancando até o seu amado e constatou a mancha vermelha em sua roupa. O tibetano ainda estava quente e apresentava uma respiração branda. – um pouco fraca, é verdade. Estava morrendo! Tomou a mão do tibetano entre as suas e declarou-se ao moribundo namorado.

– Mu, não sei se está me ouvindo... talvez não me escute, mas saiba que eu sempre o amei e continuarei amando-o por toda a minha vida. Buda, por que não fiz isso antes? Por que esperei a sua morte? Sou mesmo um covarde, fraco, imbecil... Sabia do seu amor e nunca lhe dei uma chance... Minha carreira, minha vida... Como fui egoísta! Só pensei em mim mesmo e esqueci de você. Se eu tivesse uma nova oportunidade...

Lágrimas molhavam o peito do belo jovem de cabelos lavanda. Seu timbre sereno lembrava o de uma inocente criança adormecida. O corpo... Não! Não era um cadáver, pois ainda respirava. Era a pessoa que mais amava diante de si. Entregaria a própria vida, a própria saúde – ou o que restara dela – para que seu amado pudesse despertar. Precisava ver novamente os orbes verdes, pois sabia que fora seu orgulho idiota o que impedira aquele belo romance e agora estava arrependido.

Shaka olhou pela janela. O tempo estava nublado e uma forte rajada de vento frio castigava-lhe o corpo ferido. Sentiu o retesar de seus músculos e apoiou-se com as duas mãos no tapete macio do tibetano. Aproximou-se lentamente para um beijo, o beijo de despedida, o último beijo nos delicados lábios rosados.

Ouvia o relógio de pilha iniciando as 12 badaladas. Era meia-noite! Em segundos estariam no dia 14 de agosto, um sábado. Tocou os lábios do amado entre na 4ª badalada. Com alguma dificuldade, seus braços abraçaram o corpo inerte à sua frente, como se pudesse passar-lhe sua vida. Fechou os imaginando o quão bom seria ter podido aprofundar aquela relação. Sentiu a amarga lágrima da despedida percorrendo sua face e por alguns segundos jurou ter sentido o toque de seu príncipe encantado. Estava delirando!

Shaka fora desmentido na 12ª badalada, quando pôde constatar que estava sendo retribuído. Apartou o beijo e abriu os olhos. A luz havia voltado e os belos olhos esmeraldas de seu amado estavam totalmente abertos. Abraçou-o para garantir que não estava tendo nenhuma ilusão e sentiu o calor do corpo alheio. Sorriu como há muito não sorria.

– Mu, está tudo bem? Por um momento pensei tê-lo perdido... Eu... Eu não resistiria à sua ausência. Sei que nunca disse, mas eu te amo tanto, meu anjo!... Por favor, prometa que nunca mais vai me abandonar. Não me deixe sozinho... – o virginiano pedia em prantos.

– Ahn? Sim, p-prometo. – respondia com algo entre o cansaço e a sonolência na voz.

– Onde está o demônio? E os corpos?

– Demônio? Ah! O assassino?

– Isso! Onde está o bandido? Quem era, afinal?

– O bandido morreu... eu acho! – respondeu com a voz fraca. – Era um idiota. Como sempre!

– Você foi ameaçado, não foi? O que ele disse? E... Buda! O que ele fez contigo? – perguntou em pânico, tocando o peito do outro. – Será que alguém já chamou a ambulância?

– Ah sim! Eu não fui ameaçado, mas sei que sempre tem a segunda parte. Quanto aos corpos, bem, eles tiram depois das cenas. Sobre a identidade do assassino, você sabe. Já assistiu o filme... – bocejou.

– Filme? Que filme? E esse sangue na sua camiseta, meu amor?

– Sangue? Isso é molho de tomate. Sabe como sou desastrado... Estava assistindo aquele filme de terror que você alugou para mim. Disse que era ótimo!

– Molho do tomate? Mas... Então... Não houve nenhum crime aqui? E os gritos, os tiros, o barulho estranho, o seu pedido de socorro? – perguntou atropelando-se nas palavras.

– Não houve nenhum crime. E por favor, faça uma pergunta por vez! – respondeu sentando-se.

– Ok. Então os gritos...

– Eram do filme. Sabe como eles adoram fazer o povo gritar.

– E os tiros?

– Tiros? Pode ter sido o filme... Se bem que eu fiz pipoca no microondas...

– E o barulho estranho?

– Que barulho estranho?

– Um que parecia batedeira ou furadeira, sei lá.

– Apesar do horário, estavam arrumando a rua. Usaram até britadeira. Parece que teve algum problema num poste e foi até por isso que fiquei sem luz pouco depois da última vez que falei contigo. Aliás, Por que desligou na minha cara?

– Eu desliguei na sua cara? A bateria acabou e... eu era quem deveria estar brigando contigo. Olha o estado que fiquei por causa da sua crise de histeria! – esbraveja, mostrando seu corpo.

Só então o ariano o fita dos pés à cabeça. Abre a boca e arregala os olhos diante da figura de seu amado.

– Meu Deus! O que aconteceu contigo, Sha?

O que aconteceu comigo? VOCÊ AINDA TEM CORAGEM DE PERGUNTAR? Depois de tudo o que passei: de ter sido multado, me tornado um foragido da polícia tentando escapar do congestionamento, capotado com o carro, enfrentado um lutador de sumô, invadido um prédio em chamas para salvar uma criança, perdido um relógio e um celular, me matado de correr, ameaçado por um bando de marginais que me confundiu com uma moça, trocado o pneu do carro, ofertado o meu rosário como forma de pagamento por uma corrida de táxi, bater no Saga até quase matá-lo e declarar-me em vão para você acreditando que você estivesse morto ou sofrendo nas mãos de um serial killer... – não terminou de falar. Observou o companheiro, hipnotizado e começou a refletir.

Não fora ele mesmo que pedira uma segunda chance? Não fora ele mesmo quem rezara todo o momento em prol da vida de seu amado? Então por que estava tão bravo se havia acontecido um milagre? Se havia um culpado por todo aquele sofrimento, era ele mesmo que subestimara a superstição do ariano. Sentiu-se confuso, perdido e muito aliviado por tudo ter terminado bem. Gargalhou insanamente.

– Shaka, o que foi? – perguntou medindo a temperatura da testa dele. – Nossa! Você está muito quente, deve estar febril... Quer que eu o leve ao hospital? – perguntou preocupado. Não, acho melhor chamar a ambulância.

Depois de tudo o que passara, a última coisa que poderia querer era colocar os pés na rua. Acalmou-se e sentou-se da melhor forma possível ao lado do amado, afagando-lhe os cabelos com o braço são. Encarou os tão desejados olhos verdes e sorriu ternamente.

– Desculpe, Mu. É que acabei relacionando as coisas, as superstições... Acho que alguém lá em cima quis castigar-me pelo meu radicalismo e mostrar que você estava certo em acreditar nisso. Além do mais, eu tinha que te perder para poder aprender a ser menos egoísta, a demonstrar meus sentimentos. Você me perdoa, meu amor?

– Não há o que perdoar – beijou os lábios com cuidado – Você só defendia a sua cultura, seu credo... Na verdade, você acaba de me dar a maior prova de amor ao enfrentar todos esses incidentes para salvar a minha vida. – dá um selinho – Agora acho melhor cuidar desses ferimentos...

– Depois de tudo o que eu passei, a última coisa que desejo é sair na rua. Por que você não cuida de mim? – pergunta manhosamente, deitando a cabeça no ombro do tibetano.

– Com um pedido desse, não tem como negar! – sorri e cuidadosamente o pega em seus braços – Primeiro você precisa de uma banho e depois eu vejo como fazer os curativos. Amanhã de manhã vamos ao hospital, certo?

– Certo! – responde, deitando a cabeça na curva do pescoço de seu namorado. – Mu...

– Sim?

– Feliz aniversário!

– Aniversário? Estamos em agosto e meu aniversário é em abril.

– Eu sei... estou falando do nosso aniversário. Hoje comemoramos 1 ano de namoro.

– Aniversário de namoro? Não é amanhã?

– Já passa da meia-noite, o que significa que estamos no dia 14 de agosto.

– É verdade! Eu nem tinha percebido... Quem diria que comemoraríamos o nosso aniversário de namoro num hospital? – perguntou em tom divertido.

Shaka sorriu e avisou que ganhara um fim de semana no hotel mais luxuoso da região. Combinaram de conversar com o responsável pelo presente e transferir para o próximo fim-de-semana, quando o loiro já estivesse melhor. Brincaram, beijaram-se e trocaram juras de amor enquanto o tibetano cuidava do namorado. Nunca estiveram tão apaixonados!

FIM