No capítulo anterior...
Apoiou-se na mureta e ficou assim durante algum tempo, até perceber um farfalhar sob a sacada. Por um momento, seu coração parou. Afinal, após tantos inimigos, era normal sentir-se um pouco apreensiva. No entanto, ela pode discernir entre as folhas um vulto alto, envolto numa capa. Ao vê-lo, nem precisou se esforçar para saber quem era. Seu coração já o sabia...
Capítulo 2
Era Ikki, o forte e solitário cavaleiro de Fênix. Quando seus olhos se encontraram, ela não conseguia mover-se. Seus pensamentos voaram e voltou-se para ele. Quase quebrou uma florzinha que trouxera nas mãos. "Como me permiti isso? Oh, nem as estrelas se comparam ao brilho de seu olhar, cavaleiro..."
No entanto, a colocação saiu bem diferente.
- As estrelas brilham muito esta noite, não é Cavaleiro? - disse ela, com certa dificuldade, para iniciar uma conversa.
O jovem sorriu um meio sorriso, respondendo (meio piegas, claro):
- Sim, uma bela noite vem para prestigiá-la, minha cara senhora! – "senhora" soara tão amargo em sua boca que pareceu vir de outra pessoa. Olhando para ela, percebeu que trazia uma florzinha em sua mão delicada. - Vejo que recebeu minha oferta. – sorriu – Será isso um bom sinal pra minhas preces?
— Deveria questionar com Deus, e não comigo. Sou apenas sua representante aqui na terra. – respondeu ela, baixando os olhos para as pétalas soltas em suas mãos. Sentia o olhar doce dele... quem diria que ele poderia ser assim? Ela virou-se e viu a escada em caracol que dava no jardim. Seus olhos dilataram-se: deveria? Queria estar com ele, ao menos um pouco... Sabia que ele partiria. O conhecia bem para saber disso.
Olhou novamente para ele, que tinha os olhos baixos e as mãos no bolso, num gesto bem seu.. Seu jovem coração apertava no peito ofegante. Em que ele estaria pensando? Como poderia ajudá-lo? Como poderia ajudar-se a si mesma?
Entrou rapidamente no quarto e vestiu uma capa. Depois, desceu as escadas sem fazer barulho. Quando chegou ao jardim, ele ainda estava de costas para ela, mexendo em algumas flores próximas à sua fonte. Ela parou, examinando-o. Haviam crescido juntos, e muito internamente, mas ela deu-se conta de que procurava nele algo que os remetesse à épocas mais felizes. Mas será que essas recordações felizes existiriam para ele?... Pobre rapaz! Ainda o fazia sofrer. Por mais que quisesse, sabia que não lhes era permitido... Porém, estava longe de entender o porquê. Ele era tão alto, bronzeado, e ela podia sentir sua força, que acalmava e atormentava ao mesmo tempo. Queria estar mais próxima dele. Aproximou-se um pouco mais e tocou levemente no braço, fazendo-o estremecer.
— Por que desceu Senhorita? – questionou, sem voltar-se para ela. – Por que fez isso, se não há esperança nem garantias para nós? Não podemos mudar aquilo que somos sem nos perder de nossos ideais. No entanto, desde que a conheci melhor, meu futuro não parece muito claro para mim. Olhando-a, — disse ele, voltando-se para ela — penso se não deveria prostrar-me e reverenciá-la, ou então... — ele parou subitamente.
Estavam tão próximos, e tudo parecia tão certo. A lua lançava sobre eles uma pálida luz, mas ele podia ver o rosto dela como se fosse dia... Ele sabia que precisava dizer-lhe, mas não sabia como.
— Então, o quê, cavaleiro? – perguntou a moça, tímida e apreensivamente.
— Sim, - respondeu o jovem rudemente, mudando de idéia. – sou apenas um cavaleiro, não um deus. E por isso devo protegê-la com a minha vida se for necessário. Porém a mim não é permitido amá-la como um homem ama uma mulher, Atena. – seu olhar parecia uma pedra de gelo, e o tom das palavras feriram-na mais do que as próprias. – È como se um abismo estivesse entre nós... E eu estou cansado de sofrer. Você talvez não compreenda, mas toda a minha vida, o que eu mais amava sempre me era tirado de alguma forma. E agora que descobri que ainda poderia ser feliz, isto também me é negado. Sou aquilo que sempre soube que era: apenas um cavaleiro. Não um deus, não é, Atena? Este é realmente o final de algo que nunca acontecerá. – olhou-a ressentido. - Eu estou indo embora. Adeus.
— Ikki, o quê... Como pode dizer isso?
Mas ele nem sequer parou para ouvi-la. Simplesmente virou-se e foi andando em direção ao portão que dava acesso aos penhascos. Seu ressentimento pelo que imaginou que ela pudesse estar pensando, o fazia agir de sua maneira peculiar. Sentia-se louco de raiva... e de amor. Lutaria por ela até o fim? Como poderia lutar se não havia esperança? Por que este maldito coração insistia em querer estreitá-la ao peito e dizer-lhe tudo o que queria, mas, por alguma razão, era tarde.
- Espere! Ikki! - Chamou ela, correndo atrás dele. - Me ouça! - gritou ela imperiosa e humilde ao mesmo tempo, segurando-o pelo braço. Seu capuz caíra, deixando escapar os cabelos dela.
Ele parou e esperou, virando a cabeça devagar. "Maldita! Como pode ser tão linda e me afetar tanto? Como pude me deixar apaixonar por Atena?" Percebeu seus cabelos revoltos, caindo sobre os ombros, e aqueles olhos brilhantes em sua direção. Havia algo ali que o perturbava, e que sempre o perturbaria.
- Como pode simplesmente tirar conclusões por si só? Acha que eu não sinto nada, porque nunca demonstrei? Você nunca se deu o trabalho de me perguntar - falou ela, chorosa - Eu.. Sinto-me... estranha...não...
Não pode terminar. Uma forte emoção convulsionou todo seu corpo e ela começou a chorar. Apesar de ter suportado tantas coisas e ter o espírito firme e tranqüilo, não pode subjugar aquele sentimento. Teria caído se o rapaz não a tivesse amparado em seus braços.
Olharam-se por um momento que beirou a eternidade e ela, corada, abaixou o rosto. "Solte-a, já, cavaleiro. Deixe-a no chão e vá embora! Você não tem este direito!", gritava-lhe a mente. Mas o coração renitente dizia-lhe outra coisa, e pra eles, já era tarde. E que Deus os perdoasse. Outros mortais, em outros tempos foram punidos por se atreverem a se apaixonar pelos deuses. Será, que, enfim, seria diferente? Olhou para o céu, esperando por um raio, que não veio. Suspirou aliviado.
A cabeça dela estava encostada em seu peito. Que mais poderia pensar, tendo-a em seus braços? O tempo poderia parar o mundo acabar, não faria a menor diferença. Poderia morrer naquele momento, e seria livre... Aconchegou-a mais a si, aproximando a face dos perfumados cabelos. Queria perder-se ali para sempre. Sentia-se extremamente egoísta neste momento. Percebeu que os braços dela estavam em sua cintura. Lágrimas molhavam sua camisa. Entorpecido pelo calor que emanava dela, agoniava-se. Apertou-a como se nunca mais fosse solta-la. Parecia correto, peças de um quebra cabeças, como se tivessem sido feitos para este momento. A dor mesclava-se com a bem-aventurança do momento encantado que vivia. Afrouxou o abraço ao ouvi-la dizer seu nome e erguer o rostinho vermelho para ele. Acariciou os cabelos dela, enquanto ela agarrava-se a ele.
- Por favor, - pediu ela – não vá... eu nunca tive a intenção de magoá-lo... Talvez eu não tenha te tratado muito bem quanto deveria, mas... – continuou engolindo seco – mas eu... eu não podia... - o corpo todo balançava nos braços dele. Ele afundou o rosto nos cabelos dela. – Tenho medo de perdê-lo... oh, eu juntei todas as flores colocadas em minha porta... – sentiu que ele sorria.
Continua...
Bem, este dia será longo, pra nós...
Obrigado por estarem lendo!
