Capítulo 3

– Está tudo bem, minha querida... não precisa chorar...Pronto – disse ele, carinhoso, enxugando o rosto dela. – Saori... – disse o nome dela tão suavemente quanto pode – tudo o que eu queria neste momento é decorar cada curva do seu rosto... cada pontinho dourado dos seus olhos, sentir sempre o seu coração junto ao meu, – segurou o rosto dela – mas sabe que eu não posso ficar... Aqui sou apenas um cavaleiro... eu só traria tristeza para você. Você sentiria vergonha do que sente, de... Eu posso ver dor em seus olhos e sinto muito. Por isso tenho que ir. Compreende não é?

Ela segurou os punhos dele, inclinando o rosto.

– Sim. Mas não tenho vergonha do que sinto. – disse num sussurro – Eu sei que só quer me proteger – fechou os olhos. – Mas seria muito bom se fosse diferente, não é?

– É claro que sim, mas eu não me atreveria a tirá-la do lugar a que pertence... nem poderia dar-nos falsas esperanças, e sonhos que não se tornarão realidade. Você não deveria estar aqui. – disse, afastando-se discretamente dela.

Ela ficou parada olhando para ele.

– Eu sei – "mas ainda sou dona de meus próprios pensamentos", refletiu. Sustentando o olhar, apesar de embaraçada, disse: – Ikki?

– Sim?

– Espere-me aqui.

– Para quê?

– Apenas me prometa que vai esperar. – Tendo visto o sinal afirmativo dele, correu escada acima.

Ikki encostou-se no muro perfumado de azaléias e refletia. "Deus, perdoe-nos. Eu preferia morrer a fazê-la sofrer. Afinal, a morte é minha amiga. A coisa certa a fazer é ir embora. Ajude-me a fazer isso... Só mais uma vez" . Olhou para a sacada e viu que ela descia correndo, ainda usando a capa, porém de sandálias e com uma bolsa a tiracolo. Vinha sorrindo, com uma cara travessa.

– Vamos! – exclamou, enquanto continuava correndo e o puxava pela mão.

A princípio, ficou sem ter o que dizer. Apenas deixou-se levar por aquela menina, aquela mulher, uma deusa. Sorriu. Após alguns minutos, morro abaixo, ela estacou.

- Veja! - exclamou, apontando para o brilhante sol, que começava a despontar no horizonte. - Este é o melhor lugar para se ver o nascer do sol, meu caro amigo. - olhou para ele - Será bom compartilhá-lo com alguém mais que as aves marinhas. - Sentiu uma estranha eletricidade percorrer-lhe a espinha. - Quanto pretende ir?

- O quê? - perguntou confuso.

- Quando irá... Embora? - repetiu, enquanto achegava-se ao braço que ele lhe estendia.

- Meu navio parte esta noite.

- Por que irá de navio? - perguntou, divertida.

- Oras, por que eu iria querer chegar tão rápido, se não sei pra onde vou? - respondeu meio envergonhado.

- Humm... Já sei! – disse, empolgada cruzando os braços, e ficando de costas pra ele.

- Sabe o quê?

- Sei que não há nada que eu diga que faça ficar ou mudar sua decisão... Mas você não me negaria um pedido, não é? – perguntou, ansiosa.

Olhando-a com curiosidade, respondeu, achando graça:

- Claro que não. Afinal, - gracejou – você é quem manda, Alteza.

- Então, passe este dia comigo. Não apenas porque eu quero – falou, vermelha, o coração disparado. – Mas porque você também quer, não é?

O mar batia nas rochas dos penhascos. Não se ouvia mais nada. O sol começava a refletir seus raios sobre as águas. Parecia um dia comum como os outros, porém, começou a soprar uma brisa de mudança, um vento cheio de afeto e enlevo.

- Isso poderia ser perigoso e não muito recomendável. – começou ele sério - Além de muito tentador... – sorriu. Por que não, pensou.

Ela voltou-se, sorrindo.

- Então vamos correndo! Temos que aproveitar as primeiras horas, enquanto há poucas pessoas na vila. Podemos arrumar umas roupas mais simples e quem sabe alugar um carro... Depressa, Ikki, o que está esperando?

- Nada – ele ria. Nunca a vira tão empolgada, e se alegrou com ela. – Vamos, corra, Atena. Será que não consegue me apanhar?

Quando chegaram à vila, abaixo do Santuário, entraram numa pequena loja, que vendia de tudo, inclusive roupas, bem simples, de aldeões. Ela escolheu para si um vestido branco, de frente única, e um xale azul, que lhe caiu muito bem. Escolheu para ele uma calça de algodão e uma camisa branca, com uma abertura no peito. Ambos estavam como sandálias rasteiras, comuns na região.

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- Você fica muito bem de pescador, cav... Ikki! - gracejou ela. - Vamos nos divertir muito hoje. Eu prometo! – Seus olhos brilhavam e ela emanava uma alegria, que ele não se lembrava de ter visto antes.

- Está linda. – disse ele sério, enquanto segurava a mão dela.

- Venha vamos tomar café. Há uma pequena cafeteria por aqui. Ouvi dizer que é muito acolhedora e tem uma variedade grande de sabores.

Caminhava lado a lado pelas ruas de Atenas, praticamente vazias. Ainda não eram seis da manhã. Sentaram-se para o café no avarandado, olhando para o mar. Enquanto comiam, se divertiam.

- Este café expresso está realmente muito bom. Puxa... faz tempo que não como tão bem num café da manhã – disse Ikki, rindo – Só mesmo com a presidente da Fundação poderia acontecer! – provocou ele.

- Que quer dizer com isso? Que não o alimentamos bem no Santuário. Que absurdo! – disse ela, enquanto passava mais geléia sobre a torrada.

- Comendo deste jeito, vai engordar – segurou a mão dela – e não poderá mais entrar em nenhum vestido da moda, mais justo que a justiça!

- Ai, que descortês! Como pode dizer isso a uma mulher, que quase não come? – olhou para ele – Oh, está sujo aqui! – disse ela, tirando uma pontinha de creme do rosto dele. Sorriu e sentiu seu coração mais próximo ainda do dele. – Pronto. Agora está bom!

Sem perder o sorriso, ele comentou se ela fora sempre assim, ou se ele nunca havia reparado.

- Guardo-me apenas para as ocasiões especiais... Como esta.

Saíram andando, depois do café. Andavam um ao lado do outro, e ele podia sentir o toque da pele dela enquanto caminhavam. Ela riu e o empurrou de leve, "pare de esbarrar em mim...", disse ele, enquanto corria para a praia.

Continua...


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