Cap.6. Expedições pelas memórias perdidas
"Hei, esse não é o meu livro... é o meu antigo diário!"
Priscila abriu o pequeno livro e ouviu um estalo acontecer na sua própria cabeça, seguido de uma forte dor.
--- Aí, merda! --- Priscila repassava em sua mente a imagem de um homem alto e branco, que lhe roubara parte de sua vida. --- Meu Deus, meu Deus, meu Deus! Aquele cara apagou a minha memória!
Priscila, apavorada com todos os acontecimentos que ela lembrara, colocou o Diário por baixo de sua blusa e saiu correndo do quarto, quase caindo às escadas ao tropeçar em um dos últimos degraus.
--- O que está havendo, Pri? --- Cat estava preocupada.
--- Shhhhh! A gente tem que sair daqui o mais rápido possível!
--- Por que? Eu to com fome!
--- Cala a boca, Cat! Nós vamos sair daqui agora!
Priscila puxou a amiga pelo braço e abriu a porta da rua, correndo o mais rápido possível para pegar as bicicletas na estrada e seguirem para a estação de trem... mas...
Ouviu-se um alto estalo.
--- Que merda foi essa? --- Cat se jogou no chão.
--- É tiro! --- Priscila fez o mesmo e se pôs ao lado da amiga, com as mãos na cabeça.
A porta da casa que elas acabaram de deixar se abriu e um velho esquelético, de pijama, óculos fundo de garrafa, com um olhar vidrado e uma espingarda de dois canos na mão, saiu berrando:
--- Seu ladrão filho de uma Mula, eu te pego, bicho ruim!
Priscila olhou para o avô apavorada, seu cérebro dividido em duas situações.
Na primeira, elas continuavam fugindo e corriam o risco de levarem bala, sendo confundidas com ladrões.
Na segunda, ela se levantava e falava para o avô quem era. Ele faria um interrogatório de "o que elas faziam lá" e acabaria descobrindo que Pri se lembrou de TUDO. Ambas acabariam mortas ou pior...
Pri ouviu um farfalhar de folhas ao seu lado e Cat estava de pé, com as mãos levantadas.
--- Ola, Senhor Vermont! Sou eu, Catherine, a amiga da Priscila! Somos só nós, não há ladrão...
Priscila sentiu o sangue gelar quando o avô a encarou.
--- O que você está escondendo aí, mocinha? --- acusou velho, aproximando os óculos dos olhos para ver melhor. --- Um livro?
Cat olhou para Priscila que se levantava.
--- Não, Vô. Não estou escondendo nada.
--- Estás bem gordinha, então...
Cat deixou escapar uma risada.
--- Mas então... --- o velho foi se aproximando, e as duas deram passos à trás.
--- Err... a gente já estava de saída! --- berrou Pri.
--- Saída? Mas vocês nem entraram. Eu nem sei a que devo a honra da visita surpresa.
--- É que... é que... --- Cat gaguejou.
--- É que...?
--- É que eu tava sentindo saudade da Vovó. E pedi a Cat para virmos aqui para eu lembrar dela viva.
--- Hum... --- o velho coçou o queixo e apontou a espingarda para as meninas. --- Me mostre o que você está escondendo que eu deixo vocês irem embora.
--- Avô? Você teria coragem de atirar na sua netinha?
--- Não... não teria coragem de atinha na Minha Netinha.
Priscila olhou para Cat, que tremia compulsivamente.
--- Não pergunta por que, mas quando eu gritar "agora", nós corremos, montamos as bikes e vamos embora sem piscar. Ok? --- sussurrou.
--- Que?
Priscila andou em direção do chiqueiro e, com uma forte porrada, abriu a porta. Os porcos saíram correndo e guinchando desesperadamente. Um deles foi na direção de dentro da casa, dando um esbarrão no velho e o fazendo cair.
--- Agora!
As duas fugiram, enquanto o idoso tentava se levantar com sua "terceira perna".
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No trem...
--- O que aconteceu, Pri? O que é que você tava escondendo? Como você pôs a minha vida na esperança de um porco acertar seu avô!
--- É que um dos porcos tem uma fobia de aranhas. A vovó costumava cuidar dele dentro de casa.
--- Ah. Mas, o que você tava escondendo?
--- Nada... você não iria acreditar mesmo se eu contasse. Nem eu estou acreditando... Só preciso ficar sozinha pra pensar, ok?
--- Aham. Então eu vou dar uma volta no vagão.
--- Não! --- Priscila levantou, segurando o Diário colado no corpo --- Eu preciso de um ar também. Deixa que eu vou.
E Priscila nunca mais voltou para a cabine da amiga.
Passando pelo terceiro vagão, Priscila já estava com saudades da amiga, mas ela já havia decidido. Para o bem de Cat, elas deviam ficar sem se ver.
