2. Precisava pensar e para isso precisava de... Hermione!

Sentindo-se mais cansado e preocupado que na noite anterior, Harry despertou na manhã daquela terça-feira com o desejo de que tudo tivesse sido um sonho. O sabor daquele beijo já estava apenas em sua lembrança e não em seus lábios. Uma forte brisa de ar frio entrava pela janela entreaberta. A temperatura baixara muito nos últimos dias.

Desceu para o Salão Principal exibindo olheiras, Hermione e Rony já estavam ali. Ela estava imersa na leitura de um livro, e Rony devorava até a última migalha que restava em seu prato.

Afastou de si o mel, a marmelada e qualquer outro alimento cujo sabor fosse doce. Pegou um saleiro próximo e esvaziou quase a quarta parte de seu conteúdo sobre o toucinho em seu prato. Deu a primeira mordida, e depois de um gesto de desagrado pegou novamente o saleiro.

Hermione e Rony suspenderam suas atividades para observá-lo com inquietude.

- Não é muito sal? - perguntou ela, por cima de seu livro.

- Preciso compensar. - respondeu, deixando por fim o saleiro e provando outra vez, com um gesto ainda mais pronunciado.

- Compensar, o quê? - perguntou Rony, franzindo o nariz.

Harry negou com a mão, pedindo-lhe que esquecesse o assunto. Hermione deixou seu livro sobre a mesa e tirou do bolso de sua túnica um pequeno tubo, o qual destampou e começou a passar sobre seus lábios. Rony esqueceu-se momentaneamente de Harry e concentrou sua atenção nela sem mudar de gesto.

- Para que você está pintando os lábios? Pensa beijar Flitwick? - perguntou-lhe, num tom brincalhão. A primeira aula do dia de Hermione era de Feitiços.

- Não seja idiota! É um creme labial. Faz bastante frio e meus lábios se ressecam. - respondeu-lhe, olhando-o do mesmo modo que olharia seu sapato depois de ter pisado acidentalmente numa lesma. - Claro, imagino que como seus lábios estão permanentemente umedecidos pelos da Luna, você não tem esse problema...

- Obrigado por me recordar. – disse, num tom cínico. - É hora de outra dose de umedecimento. - pegou mais uma tostada e dirigiu-se, à toda velocidade, para a mesa da Corvinal, deixando um rastro de mel à sua passagem.

Hermione suspirou com cansaço, fechou o tubo e guardou-o em sua mochila.

Harry olhava-a sem prestar-lhe atenção. Depois de um tempo, ao sentir o olhar dela sobre si, pôs-se também de pé, disse "Nos vemos logo" por entre os dentes e decidiu que era hora de um pouco de investigação.

Chegou ao mesmo aposento, que desta vez gozava de uma iluminação surpreendente. A luz entrava em abundância pelas janelas e Harry pode percorrer o lugar a vontade, em busca de alguma pista de sua misteriosa "garota-baunilha". Desgraçadamente, o único que encontrou foi o móvel com o qual havia se chocado na noite anterior. Existia um par de portas de madeira, pelas quais ela podia ter escapado. Quando tentou abri-las descobriu que uma, ao abrir-se, não fazia mais que mostrar outro pedaço de muro. A outra levava a um recinto menor e depois a um corredor que não tinha saída.

Havia também uma espécie de armário e várias pinturas, uma delas chegava até o chão e era a imagem de uma pequena menina que acariciava um gato, que descansava sobre seus joelhos. Quando Harry aproximou-se tentando obter informações do quadro, o animal lançou um grunhido de desagrado e a menininha negou com a cabeça, levando as mãos à boca. Não iria obter informação alguma dela.

Sentou-se numa cadeira perto da porta. Se tão somente houvesse tido alguma luz teria podido ver de quem se tratava, antes que ela se fosse. Mas seu "lumus" não tirara nem um pequeno lampejo de sua varinha. Enfiou a mão no bolso de sua túnica e tirou a varinha, agitou-a deixando que um firme "lumus" saísse de seus lábios. Desta vez, na ponta, pode distinguir uma suave luz que era dissimulada pelos raios de sol que entravam pelas janelas. Por que não funcionara na noite anterior?

Talvez algum feitiço para manter o quarto escuro. E então, recordou... por que sentira esse estranho desejo de ir a esse quarto em especial?

Bufou com desespero e levantou-se, dando um forte chute num móvel.

Precisava encontrar quem o havia beijado. Precisava saber como havia conseguido levá-lo até ali. Precisava saber... Precisava de ajuda... Precisava... e sem perder um instante mais saiu correndo.

Faltavam alguns minutos para que a primeira aula do dia começasse. Levava somente uns segundos fora da sala de Feitiços quando a figura de Hermione, encurvada frente a um livro, apareceu. Correndo, alcançou o começo do corredor e tirou o livro de sua cara com um tapa nada sutil.

- O que...? - começou a protestar.

Harry não lhe deu tempo de continuar, retirou-lhe a mochila do ombro e, segurando-a pela mão que não estava ocupada com o livro, meteu-a na primeira sala desocupada que encontrou.

- Preciso que me ajude. - soltou sem delongas.

- Se você não terminou a tarefa de ... - começou ela, em tom de sermão.

Ele colocou a mão em sua boca para fazê-la calar. Não tinha tempo para tolices... e qualquer tarefa nesse momento era uma tolice. Balançou a cabeça energicamente.

- Não se trata disso. Preciso que me diga se é possível bloquear um 'lumus', como é possível fazer com que alguém vá aonde não tem intenção de ir... e ... já sei que ninguém pode desaparecer dentro de Hogwarts, mas... - fez uma minúscula pausa para respirar e Hermione aproveitou-a.

Ela soltou-se rapidamente e empalideceu. Olhou seu relógio. Faltava um minuto para que a aula começasse e era a última antes do exame, sabia que isso bastava para alterá-la mas não lhe importou. Tentou tomar sua mochila porém Harry não a soltou. Precisava de informação, egoísticamente fingiu não notar que sua palidez a fazia parecer um fantasma.

- Harry tenho que entrar na sala, não sei para... que... para que você quer saber isso, mas... pode esperar... - disse-lhe, enquanto guardava o livro que acabava de pegar, com um movimento nervoso.

No entanto, ele não estava disposto a deixá-la ir sem algumas respostas. Aquilo exigia medidas drásticas. Suspirando com resignação, decidiu que a única forma de convencê-la de que aquelas perguntas eram mais importantes que uma simples aula de feitiços, era contar-lhe toda a verdade.

Novamente pegou-a pela mão, sentou-a numa cadeira frente a ele e começou com o relato detalhado de tudo o que havia ocorrido no dia anterior.

Ela o escutou em silêncio, todavia dirigindo contínuos olhares nervosos, algumas vezes para seu relógio e outras para a porta.

- Agora você entende porque necessito saber? - perguntou-lhe Harry abatido.

- Não... quer dizer... - tentou explicar, abrindo e fechando a boca sem decidir-se. - Seguramente é alguma de suas admiradoras... Não tem importância.

- Preciso saber quem é.

- Para quê? - gritou-lhe exasperada. - Seus olhos continuavam fixos na porta.

- Bom, se ela tomou tantos cuidados assim eu gostaria de conhecê-la... Eu sei que você pode me ajudar. Seguramente você conhece esses feitiços, ou não?

- Por que haveria de conhecê-los? - voltou a perguntar, pondo-se de pé.

- Você conhece todos os feitiços! - respondeu Harry, como se se tratasse da resposta mais óbvia do mundo. - Em que ano os ensinam... não sei...

Ela pegou o livro e começou a folhear como se buscasse em alguma página um desses feitiços. Ele olhava-la fixamente.

- Não os ensinam a todos os alunos, Harry, são cursos especiais de feitiços... para os alunos mais avançados.

Fechou o livro depois de ouvir um débil "Oh!" de decepção. Desta vez foi Harry quem se deixou cair na cadeira.

- Então... deve se tratar de uma bruxa muito inteligente, não é isso? – perguntou, com um definido tom de amargura.

- Bom... - murmurou ela, sem compreender aonde ele queria chegar. - Suponho que sim...

O que isso importa?

- É óbvio. Trata-se de uma bruxa inteligente, e se não quis deixar-se ver, seguramente é feia como a verruga de um trasgo... - comentou tristemente.

Hermione ruborizou, Harry viu-a recolher suas coisas com movimentos violentos.

- Hermione... - disse-lhe, tentando detê-la novamente mas, desta vez, recebeu um forte empurrão que o fez desistir.

- Não tenho tempo para asneiras, Harry! - gritou-lhe de grosso modo. - Tenho que entrar na sala de aula.

Viu-a sair a toda velocidade e bater a porta com todas as suas forças.


Continua...