3. Um par de mentas para o Príncipe
Durante toda a aula de Feitiços Harry dividiu seus pensamentos entre a possibilidade de que sua admiradora se revelasse a versão feminina de Goyle e a preocupação que lhe causavam os constantes olhares de desgosto que Hermione lhe dirigia.
Perdera dez minutos de aula e, embora isso, tratando-se dela, constituísse toda uma tragédia, sua reação fora bastante exagerada. Admirava Hermione, respeitava sua lógica e sua dedicação, mas em certas ocasiões tirava-o do sério o fato dela desperdiçar tanto tempo estudando. Era tão inteligente que não precisava...
Então, foi quando entendeu.
Por isso estava chateada, mais que chateada, furiosa. Mulheres! Evidentemente, ele não se referira à ela quando falara de bruxas inteligentes que eram feias como verrugas de trasgo!
Começou a tamborilar os dedos sobre seu livro de feitiços até que o pequeno Professor Flitwick lançou-se um olhar de advertência. Queria que a aula acabasse o quanto antes para poder esclarecer aquele mal entendido com Hermione. E, claro, também para que ela o ajudasse com seu pequeno conflito.
Assim que a aula terminou, saiu em disparada atrás dela; teve que correr vários metros para poder alcançá-la. O que constituía uma clara prova de que ela estava verdadeiramente irritada.
- Hermione! – disse-lhe, ofegando, quando a alcançou. Ela olhou-o com o cenho franzido.
- Eu não disse aquilo em relação a você... - exclamou, por fim, recuperando um pouco o fôlego. Viu-a erguer uma sobrancelha.
- Não sei do que fala. – respondeu, enquanto voltava a percorrer o corredor a toda velocidade.
- Não quis dizer que você é uma dessas bruxas inteligentes... - disse-lhe quando novamente a alcançou e segurou-a por um braço. Evidentemente, aquela não era a forma correta de desculpar-se, já que ela se soltou de forma brusca e retomou seu caminho com maior velocidade, depois de um forte grunhido.
Observou-a afastar-se antes de reunir forças necessárias para tentar alcançá-la de novo. A um metro de distância gritou-lhe e ela parou abruptamente.
- Vamos, Hermione, você sabe o que eu quis dizer. Ou o que eu não quis dizer... você não é uma dessas bruxas inteligentes e feias... Hermione, você sabe que é muito inteligente e é... bom... não é feia, e ainda que fosse horrível eu não notaria porque conheço você demasiado bem... o que quero dizer é... - murmurou, confundindo, inclusive, a si mesmo.
- Cale-se, Harry. – respondeu Hermione, voltando-se e girando os olhos, depois de dar um longo suspiro. Alguma coisa que dissera devia ter sido boa porque ela começou a caminhar a seu lado com passada normal. Caminharam um pouco em total silêncio, até que se separaram para a seguinte aula. Ela teria Aritmancia e ele teria a hora livre.
O que menos precisava era passar duas horas com seus pensamentos dirigindo-se, constantemente, ao mesmo lugar. Agora também se torturava imaginando como poderia ser o rosto de sua "garota-baunilha". O que aconteceria se, em realidade, a encontrasse e ela fosse... fisicamente desagradável?
Apesar do intenso frio, sentou-se perto do lago e reviveu cada instante do breve contato com ela. A suavidade de suas mãos, o ligeiro tremor que percebeu quando seus lábios fizeram contato... e mais que o sabor de baunilha de seus lábios, a doçura que lhe transmitiu no beijo. Como se levasse séculos esperando por esse momento. Havia ansiedade, ternura, entrega... tantas coisas mais para as quais sequer tinha um nome, nesse beijo. Talvez, não fosse importante se ela era ou não bonita.
Talvez, em relação à ela, acontecesse o mesmo que em relação a Hermione. Não conseguia recordar o que pensara sobre a aparência física da amiga na primeira vez em que a viu. Não lhe importava se os demais a consideravam feia ou bonita. Conhecia-a muito bem para ser criterioso nesse ponto. Para ele, ela era tão somente Hermione e, pelo que conhecia dela, encontrar-se com seu rosto era uma das coisas mais agradáveis que lhe podiam acontecer.
Se alguém era capaz de transmitir tamanha quantidade de emoções num simples beijo, seguramente era porque, assim como Hermione, enquanto pessoa, valia muito mais que um rosto bonito.
Muito mais seguro de querer descobrir sua misteriosa admiradora, retornou ao castelo. Havia lhe ocorrido algo e estava desejoso de que o tempo passasse depressa, para poder levar sua idéia à prática.
Quando encontrou Hermione que, por mais que tentasse, não foi o suficientemente rápida para escapar dele em cada ocasião, começou a cobri-la de perguntas sobre como bloquear o bloqueio de um 'lumus', como fechar as saídas para impedir a fuga e outras cem coisas do gênero.
Hermione fingia estar muito concentrada em seus complexos cálculos de Aritmancia para prestar atenção a todo o seu discurso. Numa breve pausa, tirou de sua mochila o pequeno tubo, abriu-o e levou-o aos lábios. Por um momento, chegou até ele uma suave fragrância de baunilha. Devia estar ficando louco, começava a inventar aromas do nada. Contudo, aquilo fez que se lhe ocorresse uma idéia. Lentamente aproximou-se e depois de comprovar que não havia ninguém próximo deles, como se temesse que "ela" pudesse estar ouvindo o que lhe acabava de ocorrer, disse a Hermione numa voz muito baixa:
- Existe alguma forma de identificar o sabor de alguém? - perguntou. Sentia-se quase ridículo de fazer aquela pergunta.
Ela olhou-o a ponto de rir.
- O sabor de alguém? - repetiu, estranhada.
- Bom... - começou a dizer Harry, um tanto quanto incomodado. - Eu não disse a você mas... ela tem sabor de baunilha. - disse muito rápido, sentindo como suas orelhas avermelhavam.
Por alguma motivo, Hermione deixou de rir. Mordeu seu lábio e sem querer deixou cair o tubo que acabava de fechar. Como ele caiu debaixo da mesa, ela abaixou-se para pegá-lo. Demorou mais que o normal, ou, ao menos, isso pareceu a Harry.
- É a única coisa que sei sobre ela. - declarou, como uma forma de desculpa.
- Bom, pois a sua Cinderela não está ajudando... – sussurrou ao recompor-se. Dirigiu-lhe um olhar fugaz e notou nele uma expressão de total incompreensão. Bufou, girando os olhos, enquanto buscava sua pena sob a montanha de pergaminhos dispostos sobre a mesa. - Francamente, Harry! Cinderela! O sapatinho de cristal, o príncipe... lembra que ele experimentou o sapatinho em todas as donzelas do reino?
- E o que você sugere? Que eu me dedique a beijar todas as mulheres de Hogwarts... - começou a dizer em voz muito alta. Deteve-se ante o olhar de Hermione, que lhe indicava com os olhos um grupo de garotas do terceiro ano, que se voltaram para ele com a esperança de serem as primeiras a ajudá-lo naquele propósito. Diminuiu o volume da voz antes de prosseguir. - ... para ver qual delas têm gosto de baunilha?
Sem poder conter-se, Hermione soltou uma forte gargalhada.
- Isso aumentaria sua popularidade. - disse-lhe entre risos. - Mas eu não quis dizer isso... acaso você não está pensando em voltar a esse quarto outra vez, ou sim? - cravou o olhar nele e, pela forma que ele se esquivou, não precisou de uma confirmação direta para essa pergunta. - O que o faz crer que ela também estará lá?
- Talvez... ela também tenha gostado... tanto quanto eu... - confessou timidamente.
Hermione suspirou e ele não pode decifrar o significado de seu olhar. Sua expressão suavizou-se e seus olhos brilharam de uma forma estranha. Sentiu-se patético quando chegou à conclusão de que ela estava com pena dele. Tentou recobrar algo da dignidade que acabara de perder.
- Quer dizer, não acredito que ela vá desperdiçar a oportunidade de voltar a me beijar. - acrescentou, em tom altivo.
- Tenho que ir à biblioteca. Sorte com sua Cinderela, Príncipe. - cortou-o, após colocar os olhos em branco. Começou a recolher suas coisas e se deteve antes de terminar. Olhou-o dos pés à cabeça e continuou. - Mas... eu recomendaria a você um par de mentas.
- Mentas? - repetiu sem entender.
- Depois de todo o sal com o qual você começou o dia, elas lhe farão falta. Você não vai querer que ela tenha uma má impressão com o hálito de seu Príncipe, ou sim? - perguntou-lhe, com o tom mais zombeteiro que pode encontrar no seu repertório.
Quando o quadro se fechou atrás dela, Harry começou a soprar sobre sua mão para verificar se precisava ou não das mentas. Ao fim de uns segundos, subiu correndo para o dormitório e começou a vasculhar uma das gavetas de Rony, até dar de cara com uma embalagem de goma de mascar de menta. Sem vacilar, pegou três pastilhas e meteu-as na boca com urgência.
Sempre é melhor prevenir.
Continua...
