7. De como o príncipe encontrou a Cinderela
A princípio demorou a compreender porém, lentamente, tudo começou a fazer sentido. Recordou o que McGonagall acabara de dizer, - "Quando regressamos ontem pela tarde..." - de modo que Hermione havia regressado também. Depositou sobre a mesa o pedaço de broche que tinha tirado de sua misteriosa Cinderela e pôs a seu lado o outro que acabava de encontrar na mochila de Hermione. Encaixavam perfeitamente.
Sentou-se, tentando compreender. Ela sempre parecia estar na dianteira, e isso se explicava considerando que Hermione estava a par de tudo o que se passava e de tudo o que acontecia com Harry para apanhá-la. Por isso, vinha se mostrando esquiva e fugia de suas perguntas. Mas não podia ser. Por que Hermione faria algo assim? Ela era sua amiga e aquilo ultrapassava todo o limite... estava muito longe de ser uma brincadeira... aquilo não era algo que Hermione faria.
Voltou a vasculhar a mochila tentando encontrar algo que o ajudasse a convencer-se de que havia outra explicação para aquilo. De uma bolsa menor caiu um pequeno tubinho. Harry o ergueu, ao cair havia se destampado e um já conhecido aroma de baunilha acabou com todas as suas dúvidas. Ou quase com todas. Porque uma continuava martelando em sua cabeça com a força de uma pequena broca. Por que ela fizera algo assim?
Sentiu-se furioso, enganado. Aproximou o tubo do nariz e deixou-se levar pelo cheiro. Suas mãos começaram a suar. De modo que era Hermione. Sorriu. Era Hermione. Levou os dedos aos lábios e, por uns instantes, pareceu sentir outra vez os suaves lábios dela sobre os dele. Era Hermione.
Definitivamente, se tratava de uma bruxa muito inteligente e era valente, disso já sabia, e também era doce e terna... e um tanto neurótica e obsessiva… mas, ninguém é perfeito. E se fora capaz de inventar algo assim era, sem dúvida, porque não o via como um simples amigo. Fizera isso porque sentia algo mais por ele. E ele... bom... já não poderia vê-la da mesma forma depois de tudo. Ela era sua Hermione.
Porém, justo quando um sorriso bobo começava a se desenhar em seus lábios, lembrou tudo o que havia passado nas últimas semanas. Lembrou das risadas e de toda a diversão que ela tivera às suas custas. Seu orgulho de leão e de Grifinório sentiu-se ferido e pensou que, antes de qualquer outra coisa, precisava dar-lhe uma pequena lição. Todo seu ser, inclusive uma parte de seu coração, clamavam por revanche. Guardou o tubinho e os dois pedaços do broche no bolso de sua túnica e subiu correndo para o dormitório. Quinze minutos depois retornou com sua Capa sob a túnica. Fez alguns arranjos rápidos na biblioteca, que naquele momento já estava vazia, cobriu-se com a Capa e sentou-se num local distante, deixando as coisas de Hermione no mesmo lugar.
Esperou e esperou, até que, por fim, a porta abriu-se lentamente. Acendeu-se uma fraca luz e Hermione entrou, pegou sua mochila e começou a vasculhá-la em busca de algo. Desesperada, esvaziou seu conteúdo todo sobre a mesa e prosseguiu procurando.
- Procura isto? - perguntou Harry, já sem a Capa, e estendeu a mão para mostrar-lhe a meia varinha rodeada com um aro e meio do broche, cuja plaquinha dourada dizia "Hermione Granger", em brilhantes letras negras. Viu-a espantar-se ao ouvi-lo e depois empalidecer com uma rapidez impressionante, ao olhar o restante do broche.
Observou-a olhar em todas as direções à procura de uma saída, abria e fechava a boca, mais em busca de ar do que com a intenção de dizer algo em sua defesa. Por um momento, Harry pensou que desmaiaria quando o viu tirar de sua túnica o tubinho de pomada labial, destampá-lo e levá-lo próximo ao nariz.
- Baunilha! - declarou, após aspirar com força.
- Harry... não é o que parece. - ofegou.
Hermione começou a retroceder lentamente enquanto Harry se aproximava dela.
- Que bom. - Seus lábios estavam comprimidos e quando falava o fazia com os dentes a ponto de ranger. Falava num tom baixo e lento, que fazia com que Hermione sentisse calafrios. - Porque o que parece é que você tem estado rindo descaradamente de mim, por semanas. Mas não é isso, certo?
- Não, não... Claro que não, eu... eu posso explicar. - Sussurrou debilmente, sem poder desviar o olhar dos olhos de Harry, que pareciam a ponto de soltar fagulhas.
- Claro que sim. Hermione Granger sempre pode explicar tudo. - Declarou, totalmente satisfeito com a expressão aterrada dela. Pela forma como olhava a janela, soube que, nesse momento, teria parecido agradável saltar por ela e dar um passeio em Bicuço. - Por que não começa com a sua explicação?
Hermione olhava da direita para esquerda, como se esperasse que todos os livros saíssem da estante prontamente e formassem uma barreira para protegê-la. Harry a observava expectante, com a sobrancelha direita perigosamente erguida. Ouvia-a respirar agitadamente e via seus lábios tremerem em busca das palavras para explicar-se. Ele, contudo, só desejava uma coisa nesse momento: voltar a beijá-la, porém recobrou-se antes que ela pudesse adivinhá-lo.
- Harry, eu... tinha muito que estudar e não podia me concentrar porque estava muito confusa... - começou.
Continuou retrocedendo até que topou com a parede; dedicou-lhe um olhar aterrorizado antes de começar a caminhar colada à ela. Harry estava cada vez mais perto. Olhava-a sem entender o que aquilo tudo tinha a ver com a sua dificuldade em concentrar-se. Inclinou a cabeça um pouco, convidando-a a prosseguir.
- Eu precisava fazer um teste...
Tinha chegado ao limite da parede. Estava encurralada. Em seu caminho estava uma imensa prateleira com livros de Aritmancia. Rony a advertira tantas vezes de que essa matéria acabaria com ela, que nesse momento lhe pareceu que tudo era uma cruel brincadeira do destino. Harry observava-a com interesse, a menos de um metro de distância.
- Teste? - Perguntou-lhe, dando mais um passo. Sua sobrancelha estava cada vez mais erguida.
- Naquela tarde, dei a você um papel com o nome do livro, tinha um feitiço... para que fosse a esse quarto... e... - Por mais de dezesseis anos havia dominado a habilidade de respirar, mas nesse momento parecia ter esquecido por completo que para fazê-lo bastava inalar e exalar.
- Você é o diabo... - Sussurrou Harry, com a voz cada vez mais baixa. Deu outro passo até ela. - Me fez passar por tudo isso apenas para saber se o seu feitiço funcionava? - Disse-lhe, enquanto uma rajada de fúria enrubescia seu rosto. Não pode evitar certo tom de decepção em sua voz. Então, tudo tinha sido para testar o seu feitiço?
Hermione começou a sacudir a cabeça com força.
- Não, não, não, não, não! - gritou Hermione. - Não queria testar o feitiço. Quer dizer, sim, mas isso não era o teste... O teste era... - Tentou fugir, porém Harry havia formado uma barreira com seus braços, ambos de cada lado dela.
- Você me deixou acreditar que era McGonagall...- Sussurrou Harry, colocando uma de suas mãos no pescoço dela. - Me fez pensar que era Draco. - Disse, com a voz ainda mais baixa, enquanto começava a apertar o seu pescoço; Hermione empalideceu ainda mais, se era possível.
- Somos amigos. - Murmurou fracamente, enquanto tentava, com as duas mãos, fazer com que Harry tirasse a sua de seu pescoço. Harry ergueu novamente a sobrancelha com um olhar de incredulidade. Apertou um pouco mais o pescoço. - Eu queria... pensei que se você não soubesse que era eu... não aconteceria nada e logo... Harry, vou gritar. – Advertiu-o, quando sentiu que a pressão sobre seu pescoço aumentava.
- A vontade. Eu aprendi alguns truques. Poderia explodir uma bomba aqui dentro e ninguém a escutaria do outro lado da porta. Tive uma boa mestra. - Sorriu, comprazido ao ouvi-la suspirar desesperada. Viu-a morder o lábio, como fazia sempre que estava em meio a um problema sério. Franziu o cenho e o nariz se enrugou. Inevitavelmente, Harry se perguntou como é que não havia notado antes o quão linda ficava com esse gesto.
- Harry... - Suplicou, num fraco sussurro.
- Você prosseguiu com isso por semanas... - Continuou. Já estava tão perto dela que sentia sua respiração irregular. Encontrou uma pequena marca de varicela próxima de seu lábio. Podia perceber o doce e familiar aroma de baunilha. Suas mãos começavam a suar. Mas se controlou, embora aquilo fosse tão difícil quanto resistir a uma Imperius. - Você me ouvia todos os dias contar o que se passava, como eu estava ficando louco, e desfrutava, não é verdade?
Para sua surpresa, ela assentiu.
- Gostava de saber que você sentia o mesmo que eu. - Confessou-lhe com voz rouca.
Seus olhos castanhos o encararam e Harry pode ver-se refletido neles. Pela primeira vez em sua vida, podia contemplar-se tal e qual era realmente. Não como o viam os que conheciam a sua história e esperavam que atuasse como um herói. Não como o viam os que esperavam sua queda para justificar o rancor que sentiam por ele. Se via como alguém com direito de cometer seus próprios erros e aprender com eles, como um tipo normal, como Harry, simplesmente Harry. Ele, que viveu por anos sob uma escada, aquele cujo mau gênio saía a rodos com a pressão, esse que despertava cada manhã às cinco só para comprovar a hora antes de voltar a dormir. Sentiu-se imensamente comprazido ao notar que a visão que tinha de si mesmo coincidia tão perfeitamente com a que Hermione tinha dele, que não pode continuar reprimindo um sorriso.
- Você é o diabo... - Repetiu Harry, aproximando-se mais dela; lentamente deslizou a mão de seu pescoço até sua bochecha e, com uma estranha centelha no olhar, fez uma torpe carícia. - Mas beija como um anjo... - Murmurou antes de beijá-la, já sem reserva alguma.
Depois de tudo, havia acertado em cada detalhe sobre o caráter de sua misteriosa "garota-baunilha". Era perfeita, tão perfeita que tinha muitos defeitos, e cada um deles a faziam ainda mais perfeita. Pelo que lhe dizia respeito, aquela era uma das raras ocasiões em que a realidade superava a mais exigente das fantasias. A de que os lábios que o haviam enlouquecido e aqueles que o aconselhavam e o enchiam de palavras de apoio, pertenciam à mesma pessoa; era melhor que um sonho.
- Francamente, Harry... - Disse-lhe, tão logo a calma devolveu ao seu cérebro parte de seu funcionamento. Cruzou os braços sobre o peito e, girando os olhos, perguntou-lhe com certo aborrecimento: - Realmente pensou que tinha sido McGonagall?
Mas Harry sacudiu a cabeça com o mesmo ar de aborrecimento e antes que pudesse fazer outra pergunta voltou a beijá-la...
FIM
NOTA: E chegamos ao fim de "Francamente, Harry...!", amiguinhos. Espero que tenham apreciado a história tanto quanto eu gostei de traduzi-la. ;-)
Bueno, antes de me despedir, vou me valer deste espaço para deixar três informes:
Primeiro - Para os amantes/simpatizantes do shipper Harry/Hermione, nos veremosbrevemente em "Pó de Chifre de Unicórnio" (o que significa dizer que o capítulo 3 já está a caminho). ;-)
Segundo - Para os amantes/simpatizantes do shipper Draco/Hermione, em breve mais uma fic: Reverto Umquam, com tradução autorizadíssima pela Jaina (amor de pessoa). Pretendo publicar o primeiro capítulo até, no máximo, amanhã (21/05/06).
Terceiro - Para os amantes/simpatizantes do shipper slash Harry/Tom, em breve estarei publicando a tradução da fic que, a meu ver, é o marco da beleza trágica: Luceros Negros, cuja tradução e publicação foi autorizada por sua autora (para minha particular satisfação).
Com isso, vou-me - sempre com a promessa de voltar. ;-)
Abraço a todos!
Inna
