"... sente falta do uísque de fogo particular? perguntou Ron de olhos arregalados."

"Particular e temperado com o cheiro de mil poções. Foi exatamente isso o que eu li", Harry completou com uma expressão de determinação despontando no rosto.

"Mas, Harry", disse Ron enquanto dava voltas e mais voltas pelo sótão mal-iluminado. "Tem alguma coisa estranha nisso tudo. Tonks sabia que tinha alguma coisa no uísque, então?"

"É o que parece. Mas você sabe como é o Snape... ele pode ter dito qualquer coisa a ela... qualquer coisa..."

Caiu um silêncio pesado; e ambos mergulharam nos mais loucos pensamentos.

"Eu devia ter olhado com mais calma", desculpou-se Harry, "mas simplesmente não tive tempo. A carta estava aberta em cima da escrivaninha, só pude dar uma olhada rápida antes do Ranhoso sair do banho"; e ele deu um sorrisinho sarcástico. "Quem diria, huh? Bom, de qualquer fora, não deu nem pra achar caldeirão algum cozinhando por lá..."

Mas Ron já havia se resolvido.

"Pra mim, é o bastante."

"Mas não vai ser pra Hermione, tenho certeza."

"Invasão de privacidade. Francamente! Esperava mais de vocês", Ron esganiçou a voz, imitando a namorada. "Sabe, acho que vamos ter que fazer isso sem ela."

Harry deu outro sorrisinho cruel.

" Ainda tenho aquele maldito livro dele. Deve ter alguma dica lá. Vai ser maravilhoso fazer o Snape provar do seu próprio remédio."

Ron concordou com a cabeça.

"Gina não é tão má preparadora de poções. Mas ainda precisamos de um bom livro de antídotos."

O semblante de Harry e fechou e ele fez um sonzinho de impaciência com a boca.

"Sem chance dela emprestar um pra gente, não é?"

"É. Se pelo menos a gente tivesse ficado de boca fechada...", Ron franziu a testa, pensou um pouco e então, disse: "Mas eu posso dar um jeito. Mione me chamou pra jantar com ela no sábado"; e Harry podia ter jurado ver, mesmo no escuro, as orelhas do amigo ficando um tantinho vermelhas, mesmo depois de tanto tempo. "Tem tanto livro atochado naquele apartamento que ela não vai dar falta de unzinho só por alguns dias."

"Perfeito!"

15 de julho de 2000.

Nymphadora Tonks se espreguiçou lentamente, tentando manter na memória o maior tempo possível os restinhos do sonho daquela noite. Ela estalou os lábios, como se quisesse saborear mais uma vez o gosto do beijo sonhado. Não era a mesma coisa que tê-lo a seu lado, mas era melhor que nada.

Ah, Severus Snape.

Um dos dois homens de sua vida. Ela os trazia lado a lado em seu coração... talvez porque, por serem tão diferentes ou, mais que isso, um o oposto do outro, não havia a menor chance de brigarem por um primeiro lugar. Uma outra conseqüência de toda essa discrepância entre os dois era que as comparações vinham naturalmente. Tinha havido Remus, que a tocava gentilmente, como se ela fosse uma coisa muito preciosa. Remus, dos beijos doces, do olhar... maroto e da voz rouca. Remus, que a acalmava. E havia Severus; uma chama intensa que ardia aparentemente calma, mas que apenas esperava o momento certo para explodir com força. Olhos penetrantes, beijos ardentes. Que a acendia.

Severus, que agora surgia em sonhos tão intensos proibidos que a deixavam corando como se fosse uma adolescente inexperiente... Tonks se espreguiçou mais uma vez e então, num pulo, pôs-se de pé. Não era muito de seu feitio ficar sonhando acordada por muito tempo e, além disso, tinha um longo dia pela frente: era sábado; e havia combinado com duas antigas colegas da Seção de Aurores uma manhã inteira de compras e um almoço, em um charmoso restaurante recém-aberto no Beco Diagonal, regado a fofocas e conversas de mulherzinha. Além disso, Hermione havia conseguido no Ministério algumas entradas para o show de uma nova banda de rock bruxo naquela mesma noite; iriam ela, Tonks, mais Harry e Gina. Abriu o guarda-roupa, deu uma vasculhada no montão de roupas largadas de qualquer jeito dentro da gaveta, vestiu uma camiseta e desceu para o café da manhã.

oOo

"Carta?", Tonks perguntou, sentando-se à mesa e começando a se servir do café da manhã.

A mãe confirmou com a cabeça enquanto terminava de ler o pergaminho.

"Da sua tia Narcisa", disse, com um expressivo arquear de sobrancelhas.

"Uau", Tonks enrugou a testa. "O que é que ela quer, hein?"

"Saber se você"; e então um ar de riso se estampou na face de Andrômeda, "não estaria disposta a encontrar alguma brecha na lei que possa salvar o Draco de Azkaban."

Tonks engasgou com o suco de laranja.

"Mas isso não existe! Imagina, perguntar se existe alguma forma de salvar um Comensal assumido..."

A mãe fez um muxoxo.

"A pobre mulher está mesmo desesperada para voltar, pelo que parece, para pedir ajuda ao lado negro da família."

"Ainda não disse onde estão escondidos, então."

"Ela não é boba." Então, seus olhos se detiveram na roupa que a filha usava. Com uma expressão pensativa no rosto, Andrômeda sentou-se à mesa e depois de alguns minutos, durante os quais tudo o que se ouvia era a mastigação furiosa de Tonks, disse: "Sabe, Nymphadora, ainda não sei se isso é bom ou ruim."

"Isso o quê?"

"Essa roupa", Andrômeda apontou com um dedo enquanto bebericava uma xícara de chá.

"O que é que tem a minha roupa?"

"Preta. Você nunca usou preto antes."

No mesmo instante, Tonks largou garfo e faca sobre o prato e olhou para baixo. Era verdade. Droga. Estava sentindo tanta falta dele que até tentara trazer, inconscientemente, um pouquinho de Snape escolhendo uma camiseta preta.

"Ué. Preto é uma cor tão boa como qualquer outra."

"Acho que finalmente aconteceu. Sua adolescência acabou", provocou Andrômeda com um sorriso enviesado e carinhoso, ao qual a filha respondeu com uma careta. Era melhor a mãe pensar aquilo mesmo, que ela finalmente "tinha virado adulta aos vinte e seis anos de idade" ou qualquer coisa do tipo a descobrir os seus reais motivos.

Mas o sonho daquela noite não a deixava em paz. Prelo contrário: só a fazia se lembrar de que tinham estado juntos pela última vez há quatro longuíssimos dias. Tonks revirou a comida no prato e praguejou em pensamentos pela 5487584 vez durante aquele dia; e resolveu: não dava mais pra continuar daquele jeito. Não era ali que queria estar; e de repente parecia que os dias cheios nada mais eram do que uma desculpa para ocupar a mente e limpar a consciência. Aquilo não ia funcionar com ela. Tonks deu uma desculpa qualquer às amigas atônitas e saiu apressada pela porta.

oOo

Snape estava de pé à beira do lago, os olhos voltados para a água, para as pequenas ondulações causadas pelos tentáculos da lula gigante. Mas ele não as via, mergulhado que estava em si mesmo. Os velhos pessimismo e raiva iam tomando conta dele aos poucos, agora que ela havia ido, com toda a sua jovialidade e bom humor. E o que era pior: ele estava no meio de um sério conflito consigo mesmo. De um lado, a teimosia em abrir mão de algo pelo qual ele lutara tanto; e mais: algo tão importante em sua vida. De outro, o pessimismo o fazendo quase abrir mão de tudo e voltar a se conformar com o que sempre havia sido até conhecê-la.

Seus punhos se fecharam. Ele inspirou profundamente, tentando colocar um pouco de ordem em seu interior. Amaldiçoou mais uma vez o maldito momento em que se decidira por amá-la; e o maldito momento em que passara a aceitar como normal aquela terrível confusão interna. E foi então que sentiu. Milésimos de segundo antes da mão tocar seu ombro, ele sabia que ela estava lá. Era impossível, Tonks não deveria estar de volta até dali a muitas semanas mas, ainda assim... Snape se virou, de fato, dando de cara com uma Tonks sorridente. Então piscou uma, duas vezes para se certificar. E não teve tempo para piscar mais, pois ela havia se jogado em seu pescoço; e os lábios dela procuravam avidamente os dele.

Parecia que ele nem se lembrava mais como beijar. As mãos demoraram alguns segundos até encontrar o caminho habitual pelas costas dela; e então, a abraçaram muito forte. Mas ela ainda não conseguia acreditar... tinha tanta certeza de que Tonks mal iria se lembrar dele; e de repente... não seria aquilo algum delírio? Quando ela por fim descolou os lábios, procurando por ar, ele se ouviu perguntando (e foi difícil esconder o tom de surpresa na voz):

"O que está fazendo aqui?"

"Oras. Eu disse que vinha te ver, não disse?"

"Hm."

Ele se calou, tentando encaixar aquilo nos pensamentos que remoía mais cedo. Tonks apenas o encarava, as covinhas despontando dos lados do rosto. Então, meneou a cabeça.

"Não acreditou, não foi?"

"Não é isso", ele respondeu, lábios finos e bem-desenhados se comprimindo. "É só que...", ele suspirou e então, desconversou: "Achei que fosse se segurar um pouco... você sabe, disfarçar um mínimo toda esse... desejo por uísque de fogo..."

E então, não disse mais nada, porque os lábios dela se colaram aos seus mais uma vez.

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Olá! Ai, mais um capítulo que demora mais do que o previsto... é que estou tendo que trabalhar com algumas pontas soltas da outra fic... aí tenho que ler, reler, pensar... mais do que eu havia planejado / Fora o tempo livre, que não anda sendo tanto quanto eu gostaria que fosse. Espero que a demora em sair não acabe refletindo na qualidade dos capítulos. E eu acho que uma ou outra coisa aqui ficou meio inútil, mas fiquei com preguiça de reescrever e achei maldade deixar meus amados leitores esperando mais.

;D

Bom, desnecessário dizer que, pra entender corretamente esse capítulo, vc TEM que ter lido a fic anterior, principalmente o capítulo 6 dela. Se não, não fará sentido algum, i am so sorry.

Mudando de assunto, comentaram o quanto o meu Snape é sensível. Sim, eu acho que seja mesmo... mas vou explicar como e porquê. Confesso: eu adoro astrologia e essas coisas todas. E se alguém já teve curiosidade de ir atrás do signo do Snape, sabe que ele é de Capricórnio. Os capricornianos são tradicionalistas até dizer chega. São também perseverantes, conservadores e cabeça-dura. Também tem fama de fechadões, recalcados e insensíveis. Por outro lado, beeem lá no fundo, são bastante românticos e até, poéticos. Mas essas ultimas características deles fazem parte apenas do mundo interior. Quase nunca aparecem (e podem ver que, por mais que o meu Snape pense na Tonks em termos, hm, doces , ele pouco ou quase nada acaba extravasando isso. Tem a maior dificuldade até pra fazer uma despedida convincente).

;D

Agradecimentos: Sheyla (aww, e dá-lhe comentários fofos e incentivadores, adoro!)