Capítulo Dois

Sobre PlayStations e Consolos de Sorvete

O céu que amanhecera esplêndido encobria-se de nuvens cinzentas; raros pingos de chuva molhavam vidros, um sentimento de ansiedade pairava pelo tempo abafado. Mas ainda era um dia comum nas férias de verão em que a Pixies Attack ia lançar um CD.

Ginny encarava a ativa Londres nas ruas próximas ao Hotel. Os fãs permaneceram firmes e fortes em seus acampamentos, porém já equipados com capas e guarda-chuvas.

Afastou-se da janela. Não era bom ficar olhando pra baixo. Draco dizia que um dia a acabaria atraindo para baixo.

Draco. Ele não parecia tão preocupado com o furo de reportagem de Rita Skeeter.

- Atira! Harry, seu idiota, atira! Não tá vendo que o Ron ainda não descobriu onde fica o botão pra se defender? Xis, Harry, XIS!

Ela aproximou-se devagar e desanimada da cama. Ergueu os olhos para Draco, como se esperasse que ele dissesse algo a respeito da confusão que se armara no Saguão, mas ele apenas mantinha os punhos e dentes cerrados, cedendo à vontade ansiosa de levantar-se e rondar Harry e Ron sentados no carpete; ele realmente se empolgava na torcida quando os amigos jogavam no PlayStation que sempre os aguardava nos quartos de hotéis.

- Isso que é uma pontaria! – riu Ron, apertando furiosamente os botões do controle negro.

- Essa mira é uma droga! – defendeu-se Harry.

- Ou esses seus óculos. Desde quando esse boneco parece com uma janela? Pobre coitada, não tinha nada a ver com a história e foi metralhada por um porco espinho cego...

Risos. A caça de Harry a Ron tornou-se mais calma enquanto um não avistava o outro na tela, embora Draco não tivesse percebido e continuasse a gritar.

- Como eles conseguem gostar tanto disso? - perguntou Ginny, deitando-se ao lado de Luna na cama do quarto de Ron.

A amiga virou o rosto para encarar Ginny, abaixando o braço. Aérea, ela parecia estar brincando de um jogo que ela mesma inventara; o indicador estendido desenhava formas confusas no ar, e vez por outra ela vibrava em comemoração. Com os olhos brilhantes, ela respondeu calmamente, como se esperasse a pergunta:

- É um jogo estúpido, Ginny, e não exige muito deles. É uma forma de relaxar a sede de sangue natural do sexo masculino.

- É impressão minha, ou ela acaba de nos chamar de vampiros? – disse Ron.

- De chupa-cabra, na verdade. Vampiros precisam de sangue para alimentar-se, sobremorrer, já que não estão tecnicamente vivos, e proliferar a espécie. É uma necessidade para eles. Chupa-cabras sugam sangue por diversão e mania – explicou Luna, com um ar sonhador.

Silêncio.

- O que foi? – estranhou Luna.

- Você tem certeza de que sabe que essas coisas não existem, Loony? – perguntou Ron, temeroso, porém divertido.

Luna fechou a cara. Ron sabia que ela não gostava que brincassem com as suas manias supersticiosas ou de criaturas fantásticas, mas insistia em ser grosseiro. Mas antes que Ginny pudesse partir em ataque à falta de tato do irmão, Draco gritou:

- A janela! Harry, a janela quebrada! Ele vai fugir! ELE TÁ FUGINDO! - sorrindo, deu um tapa de leve na nuca de Harry. - Porco espinho tapado. Me dá isso aqui!

- Não mesmo! Esse jogo já tá enchendo o saco. Ron... bota aquele da Copa de Futebol.

- Só porque estava perdendo...

Ginny encarava a porta, torcendo as mãos no colo.

- Onde a Mione se meteu, hein?

- Para quê ela queria essa reunião mesmo? – perguntou Harry, enquanto escolhia seu time.

- Para dar alguns avisos e declarações.

Hermione adentrou o quarto com a mão na orelha, segurando um fone, uma prancheta segura no outro braço. Ginny encarou-a com ansiedade nos olhos, porém o olhar cansado de Hermione a ignorou.

- A situação está revertida; a tal Pansy Parkinson não recebeu muito crédito de quem realmente importava. Rita Skeeter não é realmente um problema desde que descobriram aquele negócio ilegal dela, mas a partir de agora vocês precisam tomar cuidado para outras pessoas não pensarem a mesma coisa.

- Mione, dá pra você explicar do que diabos você tá falando? – exclamou Ron, entornando o controle do videogame para o lado, como se assim seu boneco também se movimentasse.

- Se você desgrudasse da droga desse PS2, talvez pudesse entender – sibilou, irritada, enquanto sentava-se na cama, ao lado dos tênis de cores diferentes de Luna.

Ron emburrou-se e passou o controle para Draco. Deu um giro e ficou de frente para Hermione.

- Pode explicar agora? – silvou irônico.

- Draco e Ginny...

- Draco e Ginny? O que têm eles dois? Seu loiro aguado, você já está levando a minha irmã pro mau caminho...

- Isso é paranóia de uma poser idiota, Fósforo Aceso. – disse Draco, irritado, sem tirar os olhos da tela da TV. – Ela me agarrou no meio do elevador e quando estava quase me matando sufocado, a sua irmã finalmente interferiu. Então, a notícia quentíssima de que Draco Malfoy e Ginny Weasley estavam namorando foi divulgada em rede nacional.

- Internacional. – corrigiu Hermione.

- O Profeta Diário está tão bem assim? – estranhou Harry.

- Nós somos patrocinados pelo Pasquim, Harry. O Profeta Diário é concorrente do Pasquim, lembra? É objetivo mútuo derrubar a fonte de lucro do outro.

- Em que mundo você vive, Espeto? – brincou Ron.

- Quem sabe no mesmo da Loony – disse Draco. – Loony, o que você tanto desenha no ar, hein?

- Lobisomens da Escandinávia. Mas era só isso, Mione?

- SÓ isso? Você sabe o trabalho que EU tive pra desmentir esse negócio para aquela... aquela...

Hermione fechou os punhos. Todos sabiam do asco que a representante tinha da repórter, desde que a mulher publicou que a moça namorava Harry e o traía com um famoso jogador da seleção búlgara de futebol.

- Okay, Mione, respira. Você já conseguiu. Está tudo bem – falou Ginny, passando a mão nas costas de uma Hermione cada vez mais vermelha.

- Não, não está tudo bem! – exaltou-se a morena, levantando-se. - Nunca esteve tudo bem! Vocês nunca me deram o valor que eu mereço! É como se fosse minha obrigação dar conta de todos os desejos idiotas e malucos que vocês têm! Prestem atenção no que eu falo!

Num ápice de sua raiva, Hermione chutou o controle de Draco para longe. Ele e Harry viraram-se de olhos esbulhados em espanto para a moça, que andava impetuosa pelo quarto, quase espumando de fúria.

- Porque é tarefa da Hermione... é dever da Hermione... quem tem que fazer é a Hermione... mas nós devemos agradecer a Hermione tudo que ela faz? Nãão! Imagina! Ela não faz mais do que a obrigação dela, cobrir todas as burradas, puladas de cercas, fatos vergonhosos e o diabo a quatro de vocês! – gritava, algumas lágrimas de raiva lhe escapando dos olhos. - Vocês sempre encaram todos os meus esforços com tanto descaso, que eu... eu penso até em desistir de vocês!

Ela finalmente desabou na cama. Luna ergueu-se e deixou que ela repousasse a cabeça em seu colo; os outros integrantes da banda aproximaram-se com cautela, a torcida do jogo de futebol gritando para dois times parados.

- Mione? – tentou Harry. – Você tá se sentindo bem?

Hermione abraçava e apertava sua própria barriga, como se sentisse que ela poderia sair pulando por aí; seu rosto estava molhado por lágrimas, contorcido numa aparente dor dilacerante. Ela apenas abanou a cabeça negativamente, chorando e apertando-se mais ainda.

Ginny sentou-se aos pés da amiga, batendo em sua panturrilha, tentando acalmá-la. Ron e Draco permaneciam estáticos e assustados. Luna desembaraçava os cabelos de Hermione num gesto carinhoso, ignorando o acesso de dor da garota que repousava em seu colo.

- Ahn... que dia é hoje, hein? – perguntou Ginny.

- Isso lá é hora de procurar calendário? – exclamou Ron, apavorado.

- Catorze. – gemeu Hermione em resposta.

- Oh... – murmuraram Luna e Ginny, em compreensão.

- Quê? – disseram Harry, Ron e Draco, em incompreensão.

- Era pedir demais que vocês entendessem. – choramingou Hermione. - AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH! Tá doeeendo, Ginny, tá doendo!

Luna pulou e os garotos deram um passo para trás em susto. Hermione pusera-se a socar o colchão e virar-se veementemente sobre ele, em ataques histéricos.

- Pára, páááraaaa!

- Mione, você quer umas gotinhas? Eu tenho no meu quarto, pego num instante – sorriu Ginny, tentando consolá-la.

- O que tá acontecendo? – perguntou Ron, perdido.

- PORRA, VOCÊS NUNCA VIRAM UMA MULHER COM CÓLICAS? – gritou Hermione.

O quarto caiu no silêncio. A situação era séria: Hermione estava histérica, chorosa e gritando palavrões descontroladamente.

- Agora chega. A gente precisa tomar uma atitude antes que a Granger morra. – disse Draco, em tom decisivo.

- O que a gente faz, Ginny? – Harry interrompeu os pensamentos discursivos de Draco, num tom assustado mas prestativo.

- Okay – Ginny meneou a cabeça, levantou-se e disse, em tom de comando: - Isso é uma emergência. Parece que Hermione não está em condições de falar muito.

- Parece? – repetiu Ron, em descrédito. – Daqui a pouco o sangue dela vai começar a jorrar por outros lugares!

Os outros se contorceram em nojo.

- Ron, você ainda tem um terço de dia pela frente; guarde seu estoque de merdas – disse Harry, em tom solene.

- Vocês não conseguem dizer uma única frase de conteúdo aproveitável? – reclamou Ginny.

- Ginny, eles acabaram de passar quase quatro horas de frente a uma tela de videogame. Não acha que está exigindo demais? – comentou Luna.

- CHEGA! – gritou Hermione. – Ginny: me traz essas gotas, por favor. Draco: me consegue sorvete de ameixa. E rápido; você sabe como fazer isso. Harry e Ron: esvaziem o frigobar, eu quero... cerveja com... uísque e limão! Luna: você fica de travesseiro.

Eles permaneceram estáticos com as ordens.

- CORRAM! – berrou Hermione.


- Afinal, ela está menstruada ou grávida? – exclamou Harry ofegante, voltando de seu quarto com algumas garrafas. Ron preferiu não dizer em voz alta que torcia seriamente para não ser a segunda opção.

Abriram a porta do quarto onde Hermione ainda contorcia-se de dor. Ginny pingava gotas de um líquido amarelo-pus em sua boca aberta, Luna observava atentamente, chegando a inclinar a cabeça em ângulos esquisitos para ter uma visão melhor.

- Eu já falei! Se não me trouxerem a droga dos 17 litros e 300 mililitros do maldito sorvete de ameixa em exatos três segundos, eu saio porta afora dessa PORCARIA DE HOTEL E NÃO TEM MERDA DE SHOW NENHUM! - explodiu Draco com uma recepcionista ao telefone. Bateu o fone com violência e respirou fundo, voltando ao seu estado calmo e entediado de sempre. – Seu sorvete chega em pouco tempo, Hermione.

- Obrigada, Draco – gemeu a morena. - RON! EU PRECISO DE ÁLCOOL!

Ron arrancou uma garrafa de cerveja da mão de Harry e correu até a cama. Com uma prática adquirida com o amigo, ele abriu a long-neck com a boca e inclinou-a para Hermione, que sorveu alguns goles com sofreguidão.

E assim foram uma garrafa de cerveja, uma de uísque, uma limonada e coca-cola light lemon...

- Tecnicamente, ela deveria ser a parte sã, centrada e séria do grupo. – disse Draco, ao ver as pálpebras trêmulas de Hermione.

- Dá uma trégua, Drake. – respondeu Harry. Ele fechou a cara.

- Brilha, brilha estrelinha... – começou Hermione, logo após deu um soluço. – Onde é que você está? Lá em cima... lá no alto... não se cansa de brilhar...

A banda se entreolhou.

- Ai meu Deus. – gemeu Ginny.

- Brilha, brilha estrelinha... Onde é que você está? Lá em cima, lá no alto, não se cansa de brilhar... Brilha, brilha estrelinha... Onde é que você está? Lá em cima, lá no alto, não se cansa de brilhar... – Hermione cantava cada vez mais rápido, sua voz chegando aos mais altos níveis de agudo. Draco já tinha as mãos nos ouvidos. Logo foi seguido por Ron e Harry.

E então, Hermione teve um auge. Ergueu as mãos e começou a balançá-las no ar, cantando em um ritmo de rock. Ginny encarou Luna, que colocava a cabeça da amiga discretamente sobre um travesseiro.

Logo não havia mais ninguém no quarto.

- Hein? – exclamou Hermione, antes de cair no sono na cama de Ron.

N/A: Peço desculpa pelos palavrões contidos neste capítulo, mas foi inevitável. E agradeço muito às reviews! Obrigada pela consideração