Capítulo Três
Sobre Andaimes de Iluminação e Desejos de Trompete
O tempo não poderia ter sofrido uma metamorfose maior; cortantes ventos frios atacavam os mais sensíveis, e apesar de esperado para a noite, o céu estava mais escuro devido às pesadas e carregadas nuvens. Porém, ainda era um comum dia nas férias de verão em que a Pixies Attack ia lançar um CD.
O barulho abafado da chuva castigando as janelas acordou Hermione de súbito. Sua visão estava embaçada e sua cabeça latejava. Desabou na cama novamente, com a mão na testa.
- Até que enfim, dorminhoca.
Abriu os olhos mais uma vez. Era Ron. Ele tinha um olhar estranho, diferente do brincalhão usual; tirou uma mecha de cabelo caída sobre seu rosto com carinho, sorrindo timidamente. A feição de interrogação de Hermione só aumentou quando ele aproximou-se e beijou-lhe suavemente.
Ele afastou-se tão rápido quanto aproximou. Virou para o espelho de corpo, encarando a camisa vermelha que vestia, movendo a boca de um lado para o outro, indeciso. Inesperadamente, soltou um "Bah!" e começou a tirá-la.
- O que está fazendo? – exclamou Hermione, com a voz aguda, escondendo o rosto rubro.
- Trocando de roupa – respondeu ele, num tom óbvio.
"O que estou fazendo aqui?", pensou Hermione, em desespero. Por entre os dedos, deu uma olhada onde estava. A bagunça, a enorme TV e o PlayStation indicavam o quarto de Ron. A cama de Ron.
Que por sinal ainda decidia qual blusa iria vestir. Sem blusa.
- O que acha dessa branca, Hermione? – perguntou normalmente, pondo-a por cima do peito nu.
- Ah... ah... é... bonita. Macaquinho divertido esse – ela murmurou, sem jeito.
- É o Sr. Whirly – sorriu Ron, apontando para o babuíno estampado na camiseta. – O da música, sabe? É. Acho que vou com essa.
- Ron! – chamou Hermione, antes que ele levantasse o tecido de novo.
- Sim?
- O que... o que eu estou fazendo no seu quarto? Que... que horas são?
Ele piscou atordoado; seu sorriso murchou. Terminou de passar a blusa pela cabeça e sentou-se aos pés de Hermione, na cama.
- Você... você não lembra?
Ela balançou a cabeça, negativamente.
- De nada?
A morena abaixou a cabeça, ainda sinalizando que não.
- Oh... – fez Ron, afastando-se novamente. Ele parecia meio chocado.
- Do que eu deveria me lembrar, Ron? – perguntou Hermione, indo atrás dele.
- Ah... nada realmente importante – o ruivo deu de ombros. Suspirou resignado e abriu a porta. Parou no portal e disse, sem emoção. - Você perdeu nossa entrevista. Mas pode ficar tranqüila; Harry estava sóbrio, eu quase não tive oportunidade de falar, Loony respondeu sem muitas viagens, Ginny contornou a situação do suposto caso com o Malfoy, que deu uma lição nos repórteres mais enxeridos que quiseram saber onde você estava.
- O que ele fez? – inquiriu num tom angustiado.
- Mostrou-lhes seu lugar. Não houve pancadaria, fique calma.
E saiu do quarto, deixando uma confusa Hermione parada debaixo do lustre trêmulo pela chuva que caía mais intensamente.
- Como. Você. É. Cínico.
Harry estava encostado displicentemente na parede, braços cruzados e sorriso de canto de boca. Assim que o viu, a feição desolada de Ron tornou-se meio envergonhada, meio atrevida.
- Já era tempo de alguém agir! Eu não podia deixar essa chance escapar!
- Ron – começou Harry em tom solene, com a mão no ombro do outro. -, Hermione dormiu feito uma porca bêbada a tarde inteira. Você sabe como pessoas como ela são; bebem uma vez, capotam.
- Assim você parece um alcoólatra.
- Ron, a garota deve estar pensando que vocês... que vocês... você sabe o quê!
- Harry, meu amigo, encare a situação – Ron conduziu Harry pelos ombros até o quarto onde Draco se arrumava. Do outro lado do corredor. Tinha que ser o Draco. – Um caso potencialmente perdido em sensatez como Hermione tem o provável primeiro porre de sua vida e eu não posso nem me aproveitar?
- Agora você quem parece um psicopata tarado.
- Foi apenas mais uma tentativa – ele deu três toques na porta branca, com os nós dos dedos. Suspirou. - Eu só espero que dê certo e ninguém se meta.
- E desde quando sua irmã colabora com você?
- ARRRRRGH!
Hermione deu um tapa no guarda-roupa em um acesso de fúria. Luna e Ginny a observavam sentadas em sua cama, ao lado de sua roupa social, comportada e tipicamente empresarial.
- Eu vou MATAR o seu irmão, Ginny! – andando em círculos e quase soltando fogo pelo nariz, Hermione realmente lembrava um búfalo. – Idiota, tapado, cínico, APROVEITADOR!
- Hermione, não aconteceu nada entre vocês – disse Ginny, paciente. – Você dormiu a tarde inteira, tanto que nem se movia. Nem um sonho desse calibre você poderia ter tido.
- Ginny, quem anda lhe ensinando essas coisas?
- Harry – ela e Luna responderam. Hermione boquiabriu-se e voltou a botar suas calças sociais perfeitamente engomadas.
- Se bem… - começou Ginny, esparramando-se na cama. – que se tivesse acontecido você não iria reclamar. Não é, Hermione?
- Bêbada como estava, ela ia odiar não poder se lembrar – comentou Luna, puxando os cadarços de seus tênis com o pé no ar.
- Eu preciso ter uma conversa séria com o Harry. – disse Hermione, com fervor.
19:45.
- Elas estão atrasadas. – disseram Harry, Ron e Draco, encarando o relógio na parede do corredor.
O loiro escorregou e sentou-se no chão, esticando uma perna e deixando o queixo repousar sobre o joelho erguido da outra. Ron atravessou o corredor e sentou-se de frente para o elevador; Harry simplesmente cruzou os braços e apoiou-se na parede.
- Vai ficar aí mesmo? – perguntou Draco, entediado.
- Vou passar o show todo sentado em cima dum banquinho de bateria; preciso esticar minhas pernas.
- Me refiro a essa sua calça escocesa de lã roçando no meu braço.
Harry rolou os olhos e afastou-se do outro.
- Estejam prontos às 19:00 – resmungou Ron, num falsete da voz de Hermione.
- Porque nós só vamos descer perto das 20:00 – disse a voz da morena.
Ela, Ginny, Luna e mais alguém escondido atrás da loira vinham pelo corredor. Draco levantou-se e tacou sua mão aberta no botão "desce" do painel do elevador.
- Amém.
Um silêncio pesou sobre eles. Hermione fuzilava Ron com o olhar, e ele fingia que não percebera ainda, encarando o painel; Draco e Ginny estavam recostados um do lado do outro à parede, as mãos quase se tocando. Não tiveram chance de conversar desde o incidente com a tiete e havia algo para se dizer que apenas olhares não permitiam. Harry brincava com suas baquetas, apertando-as contra o botão "desce"; Luna e quem quer que possa estar escondendo estavam à sombra.
Um apito indicou que o elevador chegara. Harry pôs a mão e segurou a porta para os outros entrassem. Assim que desceram um andar, Ron gritou:
- ESSE ELEVADOR SÓ COMPORTA SEIS PESSOAS!
- Weasel, você ainda sabe contar?
- ... quatro, cinco, seis, SETE!
- Eu só vejo você, a Mione, Ginny, Draco e Loony – disse Harry, pondo-se na ponta dos pés.
- Mas... e esse cara que tá do lado da Luna? – perguntou Ron, fazendo os outros se afastarem e formar-se um círculo ao redor da garota.
- Que cara? Ah! Isso?
Luna levou as mãos a um broche. Desabotoou-o e com ele veio sua capa e o estranho complemento de Drácula colado à vestimenta.
- Comprei quando papai e eu fomos à Transilvânia. Não é incrível? Se você apertar esse botão aqui...
- Okay, okay, Loony. Deixa pra lá – disse Harry, enquanto os outros caíam na gargalhada.
Andares passaram-se e só ouvia-se o barulho da chuva.
- Que música nós vamos tocar? – Luna perguntou de súbito.
Todos olharam para Hermione. Ela passou as folhas de sua prancheta rapidamente.
- A que está prevista é... – e olhou para Draco, com um sorriso. – Jackass.
- AH NÃO! – fez o loiro, enquanto os outros riam. – Eu tenho trauma dessa música!
- Bom trabalho, Ginny – parabenizou Ron.
- Eu me recuso a tocar essa música – comunicou Draco, cruzando os braços.
- Ah, Draco, deixa de ser manhoso... – disse Ginny, apoiando-se nos ombros dele.
- Não, não, não – ele resistiu.
- Eu também voto contra – Luna falou, erguendo o braço como em votação.
- Isso, Loony – incentivou o loiro.
- Prefiro Misery.
- Mas não tem teclado em Misery! – estranhou Harry.
- Mas tem... – Luna virou-se e tirou um instrumento dourado com verde da capa com o Drácula. – trompete!
- Prefiro Jackass – resmungou Ginny.
- Mas… e o trompete? – a loira pegou o instrumento e balançou-o veementemente defronte ao nariz de Ginny.
- Dane-se o trompete – disse Ron, rolando os olhos. – Nós vamos tocar Jackass e pronto.
- Quem disse que você manda aqui? – exclamou Draco, ofendido. Luna, a seu lado, fingia tocar silenciosamente, o Drácula balançando assustadoramente.
- Todo mundo gosta dessa música, Malfoy. Menos você, mas isso é questão pessoal.
- Mas é muito tradicional – ponderou Harry, com a mão no queixo. – Nós mudamos bastante de instrumento nesse CD. Luna principalmente. Seria bom se nós tocássemos uma música que mostrasse essa mudança.
- Ponto pro Espeto! – disse Draco. – E aí, Hermione?
- Harry tem razão – as portas se abriram e Hermione pegou seu celular, discando um número rapidamente. - Vou acertar com os produtores sobre a mudança da música.
- Bah! Droga – bufaram os irmãos Weasley.
A festa de lançamento do Alternative Universe estaria uma bagunça sem Hermione. Discreta e deixando as aparências por conta do Sr. Lovegood, ela circulava pelo deslumbrante salão de festas disparando ordens. A chuva forte que caíra minutos mais cedo destruíra boa parte da decoração externa e a pintura do palco parecia ter sido feita por Van Gogh. Porém a precaução da moça garantira que os arranjos internos estivessem sãos e salvos caso algo de ruim acontecesse, e os produtores, jornalistas, repórteres, atores, cantores e todo tipo de gente importante para a sociedade que zanzavam pelo lugar, rindo e cumprimentando uns aos outros hipocritamente pareciam ignorar que a melhor parte da festa havia sido estragada.
Nos bastidores, vozes não se ouviam, apenas as batidas impacientes dos pés de Draco, os estalos da língua de Ron, os barulhos estranhos do Drácula de Luna e a garoa lá fora.
- Parece que lotou – Harry comentou, voltando detrás das cortinas do palco. Sentou-se numa cadeira giratória e Draco começou a andar de um lado para o outro. – O quê?
- É o cúmulo que tenhamos que lançar o CD aqui!
- Qual o problema com o Plaza Chang? É como qualquer outro Cinco Estrelas que você já está acostumado – desdenhou Ron.
- Me refiro a essa prisão de luxo em forma de redoma, Weasel. Desde quando a Pixies Attack desanima por causa de uma garoazinha dessas? Isso é só pra não acabar com as escovinhas daquelas patricinhas filhinhas de papai metidas a roqueiras no salão?
- Eu detesto admitir, mas você tem razão, Malfoy.
Draco hesitou um pouco com a mão na maçaneta da porta, antes de sorrir de canto de boca e virar-se para o ruivo.
- Então por que você não fala com a Granger?
De súbito, o garoto ficou da cor dos cabelos. O resto da banda aproximou-se, interessado.
- E-eu? – gaguejou o ruivo. – Por que eu?
- Porque você é quem tem mais... intimidade com ela.
- Eu NUNCA tive intimidade com Hermione! – berrou o outro, nervoso.
- Você leva tudo para o lado da maldade – desaprovou Harry, em tom de brincadeira. – Draco quis dizer que você é quem tem mais... jeito para convencer Hermione a voltar com os planos originais.
- Por favor – Ginny piscou repetidas vezes, com as mãos unidas em pedido.
- Além de que é uma ótima oportunidade para pedir desculpas a Hermione pela sua idiotice de hoje à noite – acrescentou Luna, pondo uma cartola roxa que estava esquecida sobre o balcão em sua própria cabeça.
- A culpa é da Ginny que ela tenha descoberto!
- Ronald, deixe de ser tapado e siga um conselho meu uma vez na vida! – a irmã chacoalhou seus ombros veementemente. Puxando-o pela gola da blusa, ela o levantou e levou até a porta. – Hermione deve estar bancando a manda-chuva em algum lugar por aí. Você vai encontrá-la num instante porque é a única garota vestida relativamente neutra, sem a maquiagem gótica desse bando de posers da alta sociedade. Credo. Agora preste atenção. Sem piadas idiotas, sem comentários idiotas, sem atitudes idiotas. Desculpe-se e dê um jeito de ela não mandar retirar aquele palco lá fora, porque eu vou tocar lá hoje. – estendeu o braço para o corredor e ele acenou afirmativa e decididamente.
Enquanto via os All Star surrados do irmão sumirem no corredor, ela suspirou:
- Boa sorte.
Ao que parece, deveriam ficar esperando até serem chamados. Mas era o cúmulo do tédio!
Draco levantou-se num impulso só e saiu porta afora do camarim, sem nem olhar para ninguém. Ginny rolou os olhos e ergueu-se calmamente.
- Idiota – falou simplesmente, como se justificasse a sua saída atrás dele.
Ele a esperava na dobra do corredor, encarando a parede, entediado. Assim que a avistou, sorriu de canto de boca e sussurrou ao seu ouvido, enquanto lhe abraçava: - Menina esperta.
Ginny sorriu e puxando-o pela mão, o conduziu pelos bastidores, até que sem Draco se dar conta, eles estavam nos andaimes da iluminação do palco, ocultos.
- Menina muito esperta.
Draco sentou-se e deixou as pernas penderem pelo vão abaixo; a ruiva deitou-se em seu colo e ele pôs-se a brincar de enrolar e soltar as mechas de seu cabelo, rindo de um jeito tão infantil que não parecia o mesmo Draco Malfoy que ela um dia chamara de idiota na melodia de uma música.
Ergueu-se com dificuldade e beijou-o. Ao separar-se, não pôde deixar de pensar que aquele brilho de quem não pode prever o que aconteceria que ela via nos olhos dele, Draco também deveria ver nos dela.
- Agora tudo vai mudar não é?
Azul-gelo. Finalmente achara uma cor favorita.
- Só depende de você. Eu pelo menos não ligo pra Skeeter ou pro seu irmão.
Sorriu abertamente e beijou-o mais uma vez, apenas imprimindo um toque de felicidade maior.
Farfalhar de capa. Som estranho e extremamente agudo. Falas mecânicas. Luna aparecera no meio do palco, com seu ar sonhador de sempre; olhou para cima e a flor em sua cartola roxa balançou amigavelmente.
- Hey!
- Sim, Loony? – Draco não se importou em espantar Ginny; não era realmente necessário manter segredos de Luna Lovegood. Ela não contaria a ninguém. E se contasse, poucos acreditariam.
- Ron voltou feito um cachorro de língua de fora. Disse que era pra vocês porem mãos à obra que ainda tem muita coisa pra ser levada lá pra fora antes do show.
N/A: Finalmente começa a festa:coro de Aleluia:
N/A2: Obrigada pelas reviews São poucas, mas salvam o dia ;D
