No refeitório do maior e mais caro colégio da cidade, um grupo de garotas estava reunido em um círculo; todas as estudantes tinham um ar apreensivo.
- Então ela foi atacada ontem à noite? - uma delas indagou, ávida pela novidade.
- Sim, mas eu não vi direito quem era a garota, e nem quem a atacou. Só sei que este não foi o primeiro caso, parece que já aconteceu diversas vezes lá onde moro.
Quem contava a novidade era uma garota de cabelos compridos e óculos redondos, que nunca se cansava de repetir a história para cada nova colega que se juntava ao grupo. Todas pareciam preocupadas e ao mesmo tempo empolgadas com o fuxico. Então haviam pessoas sendo atacadas nas redondezas à noite!
- E você viu na hora, Ruth?
- Eu estava na varanda da casa; a rua estava deserta, e eu vi uma movimentação estranha... aí eu me pendurei no muro e vi.
- Ah, vãos mudar de assunto! - interrompeu uma garota ruiva - vamos falar de algo menos mórbido! Vamos continuar fazendo a lista dos caras mais gatos do colégio.
A apreensão rapidamente deu lugar à descontração. E a resposta ´parecia estar na ponta da língua.
- Deacon, claro!
- Deacon? - repetiu uma das estudantes - ele é um poser!
- Não, não, ele é só meio gótico! - defendeu a ruiva - mas ele é muito lindo, perfeito.
- Você só diz isso porque já ficou com ele .
- Você também,qual a garota do colégio que nunca ficou com Deacon?
As garotas gargalharam.
- É, sorte nossa que além de lindo, ele é fácil.
- Pena que nenhuma de nós tem chance de conquistar o coração dele - comentou Ruth, realista - afinal, ele namora aquela insuportável da Holly. E pelo jeito eles nunca vão terminar, por mais que ele a traia.
Era verdade. Ainda que namorasse coma belíssima Holly, Deacon tinha o hábito de sair com qualquer pessoa por quem demonstrasse o mínimo interesse. A garota sempre descobria, os dois brigavam, mas nunca terminavam. E todas aquelas meninas que sonhavam em ter uma chance com o garoto deviam se contentar com um único encontro.
- Ao invés de ficar exaltando esse desequilibrado, a gente deveria fundar a sociedade secreta "Eu odeio Deacon e Holly" - sugeriu Ruth - eles formam o casal mais irritante que eu conheço.
- Ah, eles são muito, muito irritantes - concordou uma garota ao lado da ruiva - mas que eles combinam, isso sim, combinam bastante!
Deacon e Holly estavam sentados no pátio, à sombra de uma marquise. Eram os únicos no colégio que não estavam almoçando àquela hora. Loira, belos olhos azuis, um corpo esguio e seios fartos, Holly estava começando uma carreira de modelo, e naquela noite tinha um compromisso com a agência para a qual fazia trabalhos esporádicos. Por isso, decidiu passar o sai inteiro sem comer para estar com a forma perfeita à noite. E, para não fazer a garota cair em tentação, Deacon também não comia nada enquanto estivesse com ela, apesar de achar que era uma idiotice. Afinal, Holly não iria ficar mais magra só porque iria passar algumas horas sem comer.
- O que é esse compromisso, afinal? - perguntou o garoto curioso.
- Uma festa. Na verdade eu não vou ficar nessa festa, só vou entregar o meu book ao dono da agência, um cara chamado Nikolai.
- Festa? - Deacon ergueu as sobrancelhas - Holly, você não me falou que era uma festa.
Estreitou o olhar, pensativo.
- É uma festa com modelo... cheia de gente bonita te olhando. Eu vou com você.
- Qual é, Deacon, tá pensando que eu sou besta? - a garota cruzou os braços - um monte de gente bonita pra você olhar! Como se eu não te conhecesse.
O garoto emburrou.
- Tudo bem, você vai para a sua "festa"... e eu vou para a balada com meu irmão.
- Deacon, eu não vou passar nem meia hora nessa festa! Só vou entregar o meu book e ir embora, deixa de ser implicante! - e, vencida - está bem, você vem comigo... qualquer coisa é melhor do que deixar você ir para a balada com o louco do seu irmão... mas ai de você se aproveitar a oportunidade para paquerar alguém.
Deacon abriu a geladeira, faminto. Por causa de Holly, ficara o dia inteiro sem comer. Havia acabado de chegar do colégio e havia entrado em casa pelos fundos somente para chegar mais rápido à cozinha. Pegou um pedaço de pão e derramou doce de leite sobre cada uma das fatias.
- Deacon? Não te vi entrar.
- Hum - ele acenou para a mãe, de boca cheia.
- O que está comendo? - a mulher se aproximou do filho - pão com doce de leite? O jantar já está saindo.
- Não quero jantar não - Deacon torceu o nariz - É só um lanche, depois tenho que passar na casa da Holly.
- Sem jantar? É por isso que você está com anemia, Deacon, porque não se alimenta direito, só come bobagem.
Deacon devorou o pão rapidamente e lambeu os dedos.
- Leite tem muitos nutrientes. E doce de leite deve ser muito saudável.
- Saudável é exatamente o que você não é, meu filho. Precisa de algo que tenha as vitaminas e minerais que você está necessitando. Posso preparar alguma coisa que você goste para o jantar, você parece faminto.
- Não estou a fim de jantar - ele fechou a cara, em tom de quem dá a palavra final. - já estou satisfeito, não quero comer mais nada..
- Droga, não sei o que vestir... o que você acha, Deacon?
Deacon fingiu não ter escutado. Brincava com alguns frascos vazios que estavam sobre a penteadeira de Holly.
- Hein, Deacon, o que você acha? - ela insistiu, aproximando-se dele com um vestido preto em uma das mãos e um conjunto verde na outra.
- Tanto faz, qualquer um - ele afastou-se da escrivaninha, equilibrando-se sobre as pernas traseiras na cadeira - qualquer um dos dois vai ficar enorme em você... você tá muito magra... sem contar que essa festa deve ser uma droga, não sei para que se arrumar tanto.
Era apenas uma provocação. Deacon tinha um prazer mórbido em ser insuportável, e muitas vezes não precisava do menor esforço para sê-lo. Era o tipo de garoto rico, bonito, saudável e mimado que fazia questão de viver se queixando, reclamando e dizendo que queria morrer. Para os mais velhos, o rapaz era um desequilibrado, embora para os colegas fosse somente um poser metido a gótico com uma personalidade um tanto quanto problemática.
- Tem certeza que precisa mesmo ir? - ele baixou a cabeça sobre a penteadeira - não pode entregar esse book em outra hora?
- Pára com a reclamação, Deacon, foi você quem insistiu para me acompanhar. E foi você quem resolveu passar aqui em casa antes de irmos. Não se preocupe, não vai demorar.
A garota acabou optando por usar um vestido preto e um coturno, e saiu com Deacon levando o book debaixo do braço. Estava empolgada com a possibilidade de conseguir um contrato definitivo com a agência. Deacon, porém, parecia não dar a mínima importância para isso. Estava a fim de se divertir naquela noite.
- Holly, o que a gente vai fazer depois da festa? Ir para casa? A gente podia ir para um outro lugar qualquer, sei lá.
- Podemos ir ao cinema - sugeriu a garota - a ultima sessão começa às dez horas.
- Cinema? - ele torceu o nariz - eu estava pensando em algo mais agitado.
- A gente pensa depois; chegamos.
A festa acontecia num casarão muito antigo que pertencia ao excêntrico dono da agencia, e assim como Deacon previra, estava repleta de gente bonita, produzida e, aparentemente, solteira.
- Te avisei, não é, Deacon? - lembrou Holly , estreitando o olhar - ouse paquerar alguém e eu te mato.
- Tudo bem - ele suspirou, desanimado -Vê se acha logo o anfitrião e vamos dar o fora daqui.
- Calma, eu ainda não estou vendo ele.
Desanimado, Deacon cruzou os braços, enquanto Holly esticava o pescoço e olhava em volta. Não era fácil encontrar alguém no meio de tantos convidados e garçons, e além do mais o anfitrião parecia não estar no salão.
Súbito, os dois ouviram uma voz atrás de si:
- Procurando meu pai, Holly?
Os dois viraram-se ao mesmo tempo. A voz era de um jovem alto e bem vestido que acabara de se aproximar. Deveria ter certa de vinte e um anos, tinha cabelos negros na altura dos ombros e um olhar marcante.
-Ah, sim, estou procurando por ele - Holly mostrou o book - vim entregar isso.
- Se quiser eu entrego - falou o rapaz - a não ser que você prefira entregar pessoalmente, você é quem sabe.
- Prefiro entregar pessoalmente - decidiu a garota.
- Então esperem um pouco, eu vou chamá-lo - o rapaz bateu no ombro de Holly rapidamente. Depois apontou uma mesa com duas cadeiras - podem esperar ali, tomando alguma coisa.
- Ok. Vem, Deacon - a garota arrastou-o para a mesa.
Enquanto esperavam, Holly folheava o book, provavelmente pela centésima vez, com ar preocupado. Fez um comentário qualquer, Deacon não escutou. Por cima do ombro, via o rapaz que falara com Holly desaparecer por entre os convidados.
- Ele é mau-educado... nem cumprimentou.
- Eu acho que ele não te viu - Holly fechou o book.
- Vocês são amigos? Ele está sempre na agência, não é?
Holly encarou-o, com um sorriso zombeteiro.
- Tá com ciúme, Deacon? Deixa de ser idiota.
- Ciúme... claro que não! - ele fingiu estar indignado - Só estou perguntando. E não me chame de idiota.
Apesar de negar veementemente, tinha de admitir que não conseguia se sentir confortável em saber que uma pessoa tão atraente poderia trabalhar no mesmo lugar que Holly - que, afinal de contas, também era bem atraente. Porque diabos havia resolvido namorar uma modelo?
Sentiu duas mãos em seus ombros.
- Meu pai está ocupado, mas ele vai descer em dez minutos.
- Tudo bem, obrigada.
Deacon ergueu o olhar, com a cara fechada. O filho do dono da agência sorriu, à guisa de cumprimento, e afastou-se.
- Está vendo, Deacon, você que é mau-educado, não respondeu o cumprimento dele.
- Fica defendendo esse cara, Holly, que eu acho ótimo - falou o garoto, com sarcasmo - Além disso, aquilo não foi um cumprimento, pelo menos não pra mim.
- E porque diabos você faz tanta questão de um cumprimento?
Um garçom ofereceu petiscos, os dois recusaram. O clima entre eles já não estava mais tão ameno quanto gostariam, e Deacon estava ainda mais ansioso para ir embora. O anfitrião estava demorando a aparecer no salão e, nervosa, recomeçou a folhear o book, só para ter certeza de que escolhera as melhores fotos. Já havia feito diversos trabalhos avulsos para aquela agência, mas sonhava em ser contratada definitivamente, e aquela era a sua grande chance. Entregaria suas fotos diretamente ao homem que tinha o poder de dar a palavra final.
A voz de Deacon interrompeu os seus pensamentos
- Seu "amigo" não para de olhar para cá um só instante.
Deu ênfase à palavra "amigo". Holly repreendeu-o.
- Você é tão ingênuo, Deacon... Acha que se ele quisesse me paquerar iria fazer isso na sua frente? Além disso, se você não estivesse olhando para lá não saberia que ele também estava olhando para cá.
- Hum?
- Deixa pra lá.
Esticou o pescoço.
- Ah, ele chegou - Holly levantou-se apressada - Eu estou bem?
- Você sempre está bem - Deacon falou, desanimado.
- Volto já, não saia daí. E nem pense em a aproveitar a minha ausência para colocar as asinhas de fora.
- Qual é, Holly, agora é você que está sendo idiota. Como acha que vou conseguir um encontro em dois minutos, enquanto você vai ali entregar o seu book? Você não confia em mim mesmo.
- Claro que não confio, eu te conheço muito bem.
O dono da agência, um senhor muito elegante, estava parado ao pé da escada, do outro lado do salão onde acontecia a festa. Assim que Holly se distanciou da mesa, um garçom veio até Deacon com um pedaço de papel.
- Alguém pediu para te entregar isso.
Deacon pegou o bilhete, curioso. Havia um número de telefone embaixo do nome "Nikki.
- Nikki... - o garoto leu, pensativo. Não conhecia ninguém com esse nome. - seja lá quem for, tem que ter mais atitude.
Pegou uma caneta e escreveu no verso "11 horas, no Moon Bar. Deacon". Virou-se para o garçom.
- Entregue de volta, por favor.
Seguiu o garçom com o olhar, a fim de descobrir quem mandara o bilhete. Porém Holly retornou logo e o surpreendeu.
- Olhando o quê, Deacon?
- Tava te procurando - ele mentiu - vamos embora, finalmente.
- Claro - ela pôs os braços em volta do pescoço dele e deu-lhe um rápido beijo - Para onde vamos?
- Para casa.
- Pensei que íamos sair, Deacon, nos divertir... foi você mesmo quem deu a idéia, lembra?
- Mudei de idéia. Estou cansado, Holly, quero chegar cedo em casa hoje. Te levo em casa, vamos.
Holly deu um suspiro, desanimada.
- Que saco, Deacon! Tá, tudo bem, eu só não vou discutir porque você se comportou direito hoje. Mas amanhã a gente sai, não é?
- Claro, prometo.
O Moon bar estava lotado. Deacon arrependeu-se de ter marcado o encontro em um local tão movimentado; afinal, não sabia quem era Nikki, e seria difícil encontrar alguém que não conhecia no meio de tanta gente. O mais certo a fazer era ficar parado em um local visível, esperando que Nikki o encontrasse.
Eram onze horas, e Deacon ainda estava indeciso à porta do Moon Bar, quando avistou um rosto conhecido. Não teve tempo para pensar que diabos ele fazia ali.
- Muito decidido, Deacon. E pontual.
O filho do dono da agência. Deacon demorou alguns segundos para entender.
- Você me mandou aquele bilhete... eu pensei que... - começou, mas achou que não seria gentil se terminasse a frase.
- Pela sua cara de surpresa, achou que era uma garota, por causa do nome. Não se preocupe, eu devia ter perguntado antes. Se não estiver a fim eu não vou ficar ofendido.
Deacon pensou um pouco.
- Não, que é isso... Me paga um drink.
Para não perder o costume de ser inconveniente, Deacon pediu o drink mais caro da casa. Nikki pediu apenas uma taça de vinho, e os dois foram ocupar a única mesa vazia que sobrara no Moon Bar.
- Parece que você ficou o tempo todo falando mal de mim para a Holly. - comentou Nikki, descontraído.
Deacon ficou sem graça. Além de ter um olhar penetrante, Nikki era muito observador.
- É que eu pensei que você estava paquerando ela. Paranóia.
- Eu nem a conheço direito... só falei com Holly duas ou três vezes.
Nikki tomou um gole de vinho, devagar. O rapaz não era tão antipático quanto pensara Deacon ao vê-lo na festa; pelo contrário, era bastante confortável estar com ele. Além do mais era bem atraente; tinha um ar misterioso, olhos muito claros parcialmente escondidos sob os cabelos negros que acentuavam sua tez pálida. Poderia passar horas apenas olhando-o e escutando-o, e não se cansaria.
O rapaz descansou a taça na mesa e afastou-a de si. Curioso, Deacon percebeu que ainda havia um pouco de vinho.
- Não vai beber?
- Não, não. Tenho que dirigir.
-Então eu posso...! - Deacon pegou a taça e beber o restante do vinho de um só gole. Quando afastou a taça dos lábios, um filete da bebida escorreu-lhe pelo queixo, e ele enxugou com as costas das mãos.
Nikki comentou alguma coisa sobre o trabalho na agência, e sobre algumas coisas nas quais Deacon não prestou a menor atenção. Súbito, o rapaz tocou-lhe o braço. A mão estava muito fria.
- Você não fala nada, Deacon... diz alguma coisa.
Deacon deu de ombros. Não estava muito animado a conversar. Perguntou:
- Onde está o seu carro?
O carro de Nikki estava parado numa rua estreita, na lateral do Moon Bar. Era um veículo muito caro, preto e com vidros escuros. O rapaz desligou o alarme, e abriu o carro.
- Só pra eu não ficar com a consciência pesada... tem certeza de que quer fazer isso com a Holly?
- Quem é Holly? - perguntou Deacon, muito cínico.
Assim que Nikki entrou no carro, Deacon sentou-se no banco do carona, mexendo no celular.
- O que está fazendo? - indagou Nikki, curioso.
- Avisando que vou dormir fora de casa - respondeu o garoto, como se fosse a coisa mais óbvia - porque, você não faz isso? Não se preocupe, não vou dizer que estou com você. E o meu irmão sabe guardar segredo, a Holly nunca vai saber.
Por um instante, Deacon imaginou que Nikki não gostara nem um pouco da idéia, mas depois achou que era uma bobagem tentar adivinhar o que o rapaz estaria pensando. Afundou no confortável banco do carro, e abriu um pouco a janela, para sentir o vento em seu rosto quando o veículo começasse a andar.
O apartamento de Nikki ficava no sexto andar de um prédio luxuoso da área nobre da cidade. Parecia um lugar muito agradável para se morar, embora Deacon soubesse que detestaria morar tão longe do solo. Ter que entrar em um elevador todas as vezes que estivesse saindo ou chegando em casa, agüentar a indiscrição do porteiro... felizmente, não precisaram passar pela portaria; havia um elevador no estacionamento.
- O elevador é panorâmico - comentou Nikki, distraído - portanto nunca rola sacanagem no elevador aqui na vizinhança.
- Aah, coisa chata - comentou Deacon, olhando ao redor.
O elevador tinha janelas feitas de um material resistente semelhante a vidro, e era possível ver a rua lá fora debaixo de uma enorme lua cheia que aparecia no céu entre os prédios mais altos. Como era uma noite sem nuvens, as estrelas pareciam mais numerosas.
- Você gosta da noite, não é? - Nikki abraçou-o, enquanto ele observava o céu - muito mais do que do dia.
- Hum-hum - respondeu Deacon. Definitivamente, Nikki era muito observador. Descansou a cabeça no peito do rapaz - sempre gostei mais da noite.
Um pequeno solavanco, e a porta do elevador se abriu.
Enquanto caminhava devagar pelo corredor ao lado de Nikki, Deacon se perguntava porque diabos estava ali. Afinal, Nikki era um completo desconhecido, não sentia nada por ele - nem havia tido tempo para isso. Talvez estivesse ali porque se sentia confortável ao lado dele, ou porque estava a fim de se divertir. Ou talvez fazia isso somente porque Nikki queria... não, Deacon não fazia nada somente para agradar alguém; só costumava fazer a própria vontade.
Nikki abriu a porta do apartamento e deixou que Deacon entrasse primeiro. O garoto surpreendeu-se: a sala era enorme, com uma decoração muito antiga e soturna. Nem parecia um apartamento moderno, e sim uma mansão medieval. Os móveis, os tapetes, os objetos de decoração pareciam ter sido adquiridos em algum antiquário ou na mão de algum colecionador. Havia um brasão na parede, junto com uma espada que parecia ser de verdade, e não um simples objeto de decoração.
- Nossa - exclamou, quase sem querer - lugar maneiro.
- Que bom que gostou.
Deacon parou em pé no meio da sala; não sabia direito o que fazer. Escutou os passos de Nikki que se aproximava, mas não se virou. Sentiu que ele acariciava-lhe os cabelos, afastando-os de seu pescoço; sentia também uma respiração pesada em sua nuca.
Em algum lugar distante, um sino anunciava a meia-noite.
A porta do quarto de Holly estava trancada desde cedo. Já passava do meio dia, a garota não havia ido à escola e se recusava a comer qualquer coisa. Do lado de fora podia se ouvir o choro histérico e os soluços da garota.
- Holly, amor...a mamãe trouxe o almoço. Abra, por favor.
Já era a sexta ou sétima tentativa. E nada.
- Holly, precisamos conversar. Eu entendo que você esteja sofrendo, mas.
- Não, não entende - berrou a garota - nunca passou pelo que eu estou passando, como pode dizer que entende?
Escancarou a porta com um solavanco. A bela Holly tinha os olhos inchados e o rosto vermelho de tanto chorar.
- Mãe.. o Deacon foi assassinado... como quer que eu esteja?
Com um forte aperto no peito, a mãe de Holly descansou a bandeja no chão e abraçou a filha. A garota recomeçou a soluçar convulsivamente.
- Eu disse que eu ia mata-lo se ele me traísse... eu não estava falando sério.
- Eu sei, Holly, eu sei - a mulher apertava a filha entre os braços, tentando inutilmente tranqüilizá-la.
- Eu não consigo imaginar a minha vida sem o Deacon... porque ele me deixou, mãe? Por que esse idiota foi morrer assim?
Era um comentário tolo - era óbvio que Deacon não morrera de propósito - mas sim, havia sido muito idiota. Como havia sido irresponsável a ponto de ir para o apartamento de alguém que nunca vira na vida? Nem mesmo a polícia conseguiu descobrir porque diabos o garoto havia sido morto - nem com o quê. Segundo o laudo médico, ele havia tido um colapso por perder muito sangue. Mas porque como perdera tanto sangue se não havia nenhum ferimento em seu corpo além daquelas pequenas marcas no pescoço?
