Autobiografia

5x2

Au - Drama Romantico

GW


O centro da cidade de Chicago era extremamente movimentado como qualquer centro de metrópole.

Da janela de um prédio residencial um oriental olhava para a pista confusa lá em baixo.

Ele suspirou pela enésima vez naquela tarde fechando com força a pesada cortina vinho, deixando a sala um ambiente escuro. Passou os dedos finos pelos cabelos negros e escorridos se sentando ao sofá de couro. Mais uma vez suspirou pegando os manuscritos sobre a mesa de vidro que estava no meio da sala. Acomodando-se melhor ao sofá estreitou as vistas para melhor se concentrar nos escritos, mas naquela tarde estava longe de conseguir escrever alguma coisa. Desistindo terminantemente ele jogou os papeis sobre a mesa novamente.

-Autobiografia de Chang Wufei. – Ele leu para si mesmo o título naqueles papeis.

Era bobagem tentar continuar a escrever.

-Eu preciso mesmo é de uma bebida forte. – Ele falou consigo novamente indo para a cozinha. Ali parou olhando para o azulejo bege, como se tivesse mais alguém ali, porem o cômodo estava vazio. – O que foi? Eu preciso relaxar. - Abriu os braços gesticulando suavemente como se realmente se dirigisse a algum ser imaginário. – Esse aqui parece bom. – Comentou pegando a garrafa de vinho tinto que preferia tomar sempre fresco. – Aceita? Ah... Esqueci que você não bebe, mas eu bebo. E já disse, não me olhe assim. – Ele falou animado. Entornando o líquido carmesim em uma taça suspirou. – A quem estou enganando? Não há mais ninguém aqui.

Em silêncio ele seguiu para seu quarto onde seu computador estava ligado. O quarto de Wufei era conservado em extrema limpeza e organização, as cortinas sempre de tecidos pesados e cores fechadas impediam que o local se tornasse iluminado. Apenas a luz vinda do computador tornava o quarto daquele jovem algum mais claro, na verdade há alguns anos o micro era a coisa que iluminava a vida daquele rapaz.

-Você parece ter sido a única coisa que sobrou. – Ele sorriu melancólico falando com o micro. –Mas, o que é isso? – Alguma coisa piscava na barra de tarefas. Ele havia deixado o Conector World, CW, ligado, era um programa de conversa on-line, atualmente o meio mais usado por Chang para se comunicar com as pessoas.

Abrindo a tela do programa ele respondeu ao chamado.

(Quem está ai?) – Ele digitou

(Até que fim decidiu deixar de me ignorar.) – Foi a resposta em letras azuis fortes.

(Eu conheço você?) – Wufei digitou em resposta.

(Monstro! Me esqueceu?) – A pessoa misteriosa respondeu.

(Nossa... eu não lembro mesmo. Peço desculpas... )– Wufei se ajeitou na cadeira achando a conversa interessante.

(kkkkkkkk... Bobo! Te peguei! kkkkkkk) – A pessoa simulou graça.

(Quem é?) – Chang estreitou os olhos.

(Quer uma pista?) – A pessoa digitava de forma rápida.

(Caramba? H ou M?) – Wufei estava de fato caindo na brincadeira.

(Nenhum nem outro... hehehehe) – Alem de misterioso parecia mesmo engraçado, Wufei pensou.

(Como assim?) – Agora Wufei não estava entendendo nada.

(Pense, eu sei que você é esperto. O que está entre ser homem ou mulher?) – A pergunta piscou de cor rosa na tela de Wufei.

(Não sei. Acho que só existem dois sexos. Vc é hermafrodita?) – Chang sorriu.

(kkkkkkkk... cara! Vc é a comédia viva... Estou me acabando de rir.) – O amigo oculto escreveu dando uma breve pausa.

Wufei também parou de digitar para poder gargalhar. Ele nem mesmo sabia o motivo da graça, na verdade não era engraçado aquele papo estranho. Ele sequer conhecia aquela pessoa, mas alguma coisa naquela conversa foi estimulante. Talvez Wufei estivesse apenas precisando conversar.

Assim o relógio trabalhou seus ponteiros sem que Wufei reparasse. Quando finalmente se esticou na cadeira e coçou os olhos que ardiam, ele viu que estivera naquele micro por quase seis horas entretido naquela conversa gostosa. E falaram de tantas coisas, de viagens e livros e filmes. Internet, futebol, novelas, animes... Muitos assuntos que Chang nem mesmo sabia que lhe interessava.

Mas era hora de findar aquela conversa. Descobrir que era seu novo amigo e ir para cama.

(Eu tenho que ir... Amanhã tenho que levantar cedo demais.) – Wufei digitou depois de um momento.

(Eu também tenho que ir.) – O amigo respondeu.

(Mas nem vai me dizer seu nome?) – Estava mesmo curioso para saber a pessoa interessante que falava consigo.

(Bobo... acho que não fará diferença... Mas...) – A resposta veio depois de alguns segundos de insegurança.

(Fala logo, eu estou com sono.) – Chang estava curioso demais.

(Duo Maxwell.) – Era dado o nome finalmente.

(Prazer, Duo. Sou Chang Wufei.) – Chang respondeu prontamente, como se o nome lhe informado nada quisesse lhe dizer.

(Arf... Eu sei quem você é...Você quem não sabe quem sou.) – Duo respondeu prontamente. Parecia que sabia antecipadamente que o outro não sabia quem era mesmo.

(Desculpe, Maxwell. Eu realmente não lembro de você.) – Wufei falou verdadeiramente. Não lembrava de ninguém com aquele nome.

(Ta... me rendo. Eu estudo com você. Sou da classe de psicologia... )– Aquela frase não fazia sentido. Não havia nenhum Duo Maxwell na sala de aula.

(Você é da faculdade?)– Wufei estava surpreso. Ele não lembrava.

(Eu sou um carinha de óculos fundo de garrafa, que usa uma trança...) – Agora devia fazer mais sentido.

(Merda... porque não disso isso antes? Agora eu sei. Vc é aquele Cdf que senta lá na frente e só tira A. Agora eu sei.) – Wufei digitou entusiasmado com a descoberta.

(Viu porque eu não queria contar quem eu era? Viu como me achou bem mais interessante e divertido quando não sabia quem eu era?) – O amigo digitou rápido.

(Desculpe, Maxwell. Mas eu...) – Agora Chang estava mesmo se sentindo mal por não ter lembrado do colega.

(Esqueça...) – Essa resposta pareceu um tanto quanto magoada.

(Porque me chamou no CW?) – Wufei perguntou querendo saber o interesse do cdf da sala em lhe acionar pelo programa de conversas.

(Eu não tenho um parceiro para fazer o trabalho. O professor Hardy disse que tem que ser em dupla. Alguma coisa como trabalhar os inter-relacionamentos... Ahh. Odeio quando eles fazem isso. Bem, mas Hardy me deu seu nome e seu endereço no CW porque você era o único da turma que não tinha um par para o trabalho.) – A resposta foi longa dessa vez.

(Ahh... sim. O trabalho de autobiografia...) – Wufei lembrou que havia começado, mas parou na segunda página.

(Hardy não quer bem uma autobiografia. Ele quer um maldito trabalho onde um colega descreve a biografia do outro, mas ninguém quer fazer um trabalho desses como um cdf chato... por isso eu sobrei. Bem e acho que você não tem escolha. Está intimado.) – Outra resposta longa.

(Bom... ao menos eu vou tirar meu primeiro A na aula do Hardy... kkkk) – Wufei tentou aquecer mais aquele clima. Tudo que menos queria era fazer um trabalho em dupla com o garoto cdf da turma, porem parecia não ter escolha. E de fato Duo não soava como alguém chato, ao contrário, era falante e divertido.

(Bem... estamos combinados então. Amanhã vamos ter Hardy junto depois do almoço. Não se atrase, é o primeiro tempo depois do almoço. Depois dessa aula eu tenho tempo vago, agente podia conversar sobre nossa parceria. O que acha? – Foi uma sugestão.

(Certo. Meu tempo depois também vai ser vago. A professora Sally está resfriada e não vem. Então agente se fala amanhã, Maxwell.) – A conversa estava chegando ao fim, mas por algum motivo Wufei sentia-se triste. Era como se de repente tivesse ganhado um amigo que não se importava de gastar quase seis horas conversando com ele, mas agora era como se estivesse retornando a seu estado de silêncio e solidão de sempre.

(Wufei... só posso pedir mais uma coisa? Além de quase implorar para fazer esse trabalho comigo?) – Duo digitou.

(Claro.) – Chang respondeu prontamente. Se pudesse ajudar.

(Me chama de Duo?) – Foi o pedido.

(Certo. Até, Duo.) – Wufei não deixou de achar estranho a informalidade, afinal não eram amigos, mas de pronto atendeu o que lhe fora proposto. O chamaria apenas de Duo.

Wufei foi deitar naquela noite bem cansado. Era quase meia noite quando ele olhou para o teto pensando no CDF da classe. Ele sempre vira Duo sentado na primeira fila. Mas lembrava de nunca ver o colega acompanhado, na verdade sempre o via sendo humilhado pelos demais colegas. Apenas não entendia o motivo de Duo sempre aceitar aquela provocação toda.

Lembrava de uma vez, há quase dois meses, em um dos corredores de armários Duo sendo empurrado por um grupinho, lembrava de ver o rapaz tendo a trança longa puxada com força e os óculos pisados pelos outros, todos riam muito, mas Duo nada fez a não ser ficar quieto.

-Porque alguém se sujeitaria a isso? E porque ele sempre me parece meio triste? Não combina com essa pessoa descontraída que conversou comigo durante quase seis horas sem parar. Bem... Talvez protegidas pela tela do computador as pessoas consigam demonstrar o que realmente querem... – Wufei deu de ombros afundando o rosto no travesseiro. Mas seu sono foi confuso. Cheio de sonhos que pareciam esconder algum significado.

Havia um jovem de trança em todos eles... Talvez Wufei ainda não soubesse, mas seu subconsciente já, estava sentindo alguma coisa por aquele rapaz, embora ainda não se conhecessem direito.


No dia seguinte Chang se moveu na cama macia. Atrás das cortinas já havia um Sol forte que insistia em querer invadir aquele recinto escuro que era o quarto do rapaz.

Wufei reagiu sonolento, pensando que sempre acordava tão cedo para o primeiro tempo de aula na faculdade que o Sol ainda não tinha ganhado ares, mas naquela manhã parecia diferente. Confuso ele levantou a cabeça verificando o despertador que ficava à sua esquerda na mesinha de cabeceira, mas esse não estava lá. Havia apenas um livro que ele lia de vez em quando, intitulado de Quando os olhos choram, mas o despertador, não estava lá.

Confuso olhou para o chão, junto à parede, lá estava o que buscava. Na verdade apenas umas peças do despertador, já que as outras estavam espalhadas um pouco adiante. Justo o antigo despertador de corda e ponteiros de zinco que era lembrança de seu avô, como pudera fazer tal monstruosidade? Sim, porque agora lembrava do barulho lhe incomodando de madrugada e ele no sono atacar o fabricante do barulho o jogando contra a parede.

Naquela manhã já bastante ensolarada Wufei já havia perdido dois tempos de aula, e o que tudo indicava perderia mais algum, afinal ele passaria antes da faculdade numa lojinha específica de peças antigas, talvez seu precioso bem tivesse ainda conserto.

Assim, sempre com muita pressa saiu à rua. As pessoas já seguiam aos montes se batendo em cada esquina. Como odiava aquela cidade caótica, mas a faculdade era importante e tinha que terminá-la. Ele pegou o ônibus na rua principal e após uns quinze minutos desceu andando rápido. Entrou na loja de aparência antiga ouvindo o barulho dos guizos soarem ao movimento da porta e sentindo cheiro de incenso de alecrim que sempre habitava aquele ambiente. Wufei conhecia aquela loja, pois sempre comprava peças ali, um estranho passatempo do chinês era produzir caixinhas de músicas. Aprendera com sua mãe ainda na China.

-Olá, Mandy. – Ele cumprimentou uma senhora que estava atrás do balcão.

-Menino chinês. Faz tempo que não passa por aqui. – A senhora lhe sorriu de forma misteriosa. – Como vai ser avô? – Ela perguntou.

-Eh... Ele vai bem. Mandou uma carta semana passada.– Chang sorriu de volta. O curto dinheiro estava limitando a produção de suas caixinhas.

-Ele é um bom homem. Escute. Já achou aquela pessoa da qual lhe falei? – Ela sorriu ajeitando os cabelos num coque grande no alto da cabeça.

-Olha, Mandy. Sem querer ser chato. Eu tenho minhas próprias crenças e a vidência não está incluída... – Ele tentou eliminar aquele assunto de uma vez por todas.

-Mas eu vi uma moça linda no seu caminho. Aqueles cabelos balançando com o vento... O sorriso. E os olhos... Que olhos. Lembra que saberá quem é a sua moça quando vir os olhos dela? – A senhora sorriu insistente.

-Chega, Mandy, Por favor. A única razão de eu estar em Chicago, são os estudos. Eu não quero saber de nenhuma garota daqui. Ta bem? – Ele falou sério. – Eu apenas queria saber se você pode consertar isso? – O chinês mostrou as peças do que um dia foi um despertador.

-Uau. É legítimo? – Ela sorriu pensativa. –Acho que vou ter que buscar peças fora da cidade. Vai levar um tempo. Talvez tenha que comprar essas peças em Chinatown, o bairro chinês em NY.

-Mandy. Chinatown é onde meu avô vive. Era melhor que eu fosse lá comprar as peças...

-Chinês, mal-agradecido. Eu vou fazer o favor de ir lá comprar a peça e consertar o despertador... – Mandy quase se ofendeu. –Eu acho que você mesmo pode ir a Chinatown e procurar as peças... – Ela se fez cara de difícil.

-Por favor, Mandy. Faça o possível. É uma relíquia para mim. – Wufei insistiu vencido.

-Claro... Mas... – Ela o olhou com seus olhos amarelados e esbugalhados. – Terá que deixar um sinal... E só conserto se levar esse despertador com você. – Ela insistiu.

-Que isso? Eu não tenho tanto dinheiro assim. E além de tudo essa coisa é velha e feminina. – O chinês recriminou olhando o pequeno objeto que lhe era oferecido pela velha. Era um despertador quadrado feito em prata trabalhada com ponteiros decorados e os dígitos romanos salientes. Uma peça que devia custar bem caro.

-Leve. Ou nada feito. – Mandy fez cara de pobre senhora indefesa.

-Maldita cigana caloteira. – Chang resmungou tomando a peça nas mãos. – Quanto custa isso? – Ele a olhou desconfiado.

-Chinês pão Duro. – Ela implicou. – É apenas U$ 100,00. – Sorriu.

-Eu não tenho tudo isso. – Wufei quase jogou o despertador contra a parede com o susto daquele preço.

-Ai... Eu alugo para você por U$ 10,00 por cada quinze dias. – Ela sorriu.

-E ai você fica com o meu durante um ano... Conheço seus truques. – Ele rebateu. Conhecia Mandy há três anos quando veio para a cidade morar naquele apartamento, próximo à faculdade.

-Um trato entre uma velha cigana e um chinês mal educado. – A velha mostrou os dentes pontiagudos e amarelos num sorrido vitorioso. – Eu devolvo seu despertador em um mês. – Ela afirmou.

-Mandy... Não sei se devo confiar em você. – Ele estreitou os olhos.

-Está fechado, chinês pão duro. – Ela terminou o assunto.

Já passavam das 10 horas da manhã quando um Chang Wufei contrariado saiu da loja de Mandy, a cigana. Estava atrasado demais. Muito atrasado por sinal. Ele atravessou a rua correndo, seu ônibus estava parado no ponto.

Foi tudo bem rápido e confuso. Wufei soube que havia sido atropelado quando sentiu a dor do impacto de alguma coisa de aço contra seu corpo e em seguida sentiu seu corpo rolando no asfalto.

O mundo pareceu parar para ele por um breve momento. Um quase relâmpago onde viu sua vida correr ligeira diante de seus olhos, em seguida tudo girou muito confuso e seus olhos perderam o foco. Wufei havia desmaiado ali mesmo no chão, no meio da pista, agora congestionada pelo acidente do rapaz.

O carro havia desenvolvido um potente movimento de frenagem, porem não fora o suficiente para evitar a colisão com o corpo que surgira sem aviso.

-Merda. Eu não acredito. – A porta do carro se abriu fazendo um homem de terno sair assustado. Estava trêmulo. – Deus. Eu não posso ter matado ele. – O homem pediu em voz baixa se aproximando do corpo estirado na pista. Ele sabia que não tivera como evitar, mas não conseguia se livrar da sensação de culpa.

-Ai... Minha perna. – Uns quinze minutos após o acidente, todos ainda esperavam ansiosos pela ambulância, de certo presa em algum engarrafamento. Mas Wufei passou a resmungar, parecendo recobrar a consciência. Mas ele achou melhor continuar no escuro do desmaio, afinal ali não havia a dor insuportável em sua perna esquerda.

-Graças a Deus. – O homem sorriu passando as mãos pelo cabelo arrepiado o desarrumando mais. Ele tinha os olhos azuis turquesa e a pele bronze.

-Cretino barbeiro! Você me atropelou! – Wufei se ergueu sentando-se no afasto.

-Ei... Foi você quem saiu feito um louco na minha frente.

-Mas era o que faltava. Eu sou atropelado e ainda devo ouvir isso. Minha perna está torta, senhor vítima de trânsito. – Ele bateu na própria perna indicando que estava quebrada.

-Ohhh... Desculpe-me por não tomar cuidado com um louco suicida que se atravessa na frente de carros inocentes... – O homem quase gritara a última frase, mas parara, passando em um momento de um estado de irritação ao um melancólico. Seus olhos azuis encararam o asfalto.

Wufei também não falou. Alguma coisa naquela frase havia causado nos dois um estranho estado de tristeza. Era como se alguma palavra na frase tivesse tido o poder de Chamá-los para um mundo particular de angústia.

Sim, era isso. Suicídio. Era aquela palavra pesada. Afinal o chinês crescera com aquela idéia fixa de tirar de si a chance de continuar a vida, na verdade era como uma fuga para sair daquela vida infeliz que ele sempre sentia ter.

Finalmente a ambulância chegou. Os para-médicos agiram rápidos e logo o chinês estava dentro do veículo sendo removido para o pronto socorro. A sirene pedia passagem pelo trânsito fazendo o percurso até o hospital ser o mais breve possível.

Lá o chinês foi atendido rapidamente. Não havia quebrado a perna. Foi sorte ter apenas torcido o tornozelo, e tido algumas escoriações no corpo devido a queda.

Em uma semana ou duas estaria pisando com firmeza. Ficaria ali só na parte da manhã, e ganharia alta de tarde.

Agora ele estava sentado na maca ainda tentando digerir o susto que levara ao ser acidentado. A vida toda desejou que algo interrompesse sua trajetória e ele fosse livre daquela obrigação de viver, porém quando isso finalmente chegou perto de acontecer ele se assustara. Viu que ainda não queria partir.

Suspirou cansado olhando as pessoas em volta na enfermaria. Pessoas simples, mas em comum tinham sempre alguém ao encalço de seu leito. Quando não uma esposa, ou marido, um filho ou filha. Ele, Chang Wufei estava sempre sozinho. Não importa o que fizesse, ou onde fosse, era sempre sozinho. Isso lhe doía.

A solidão apesar de ser uma constante em sua vida, não lhe era bem vinda. Sempre achou que não combinava com o papel solitário, mas desde cedo ele havia aprendido que na vida a pessoa tinha que interpretar o papel que lhe fosse dado e assim ele ia seguindo.

-Já está de alta. – O mesmo homem que o havia atropelado se aproximou.

-Ah... Quase me mata e ainda vem ver minha cara. – Wufei falou mal-humorado.

-Venha... – O homem nada respondeu. Apenas o ajudou a sentar-se numa cadeira com rodas o levando em silencio pelo corredor.

Wufei se deixou ser direcionado pelo corredor do hospital até parar numa mesa. Estavam na cantina.

-Um suco de laranja pra mim. – O homem pediu a uma garçonete. – E pra você? – Se dirigiu a Chang.

-Também... E traga um daqueles bolos que está ali. – O chinês apontou desinteressado para o balcão indicando a moça o que queria. –E então? Meu quase assassino tem nome? – Ele olhou para o homem a sua frente. Era jovem, talvez pouco mais velho que ele próprio. Vestia um terno elegante.

-Hn. Você consegue ser mais mal-humorado que eu. – Ele sorriu. – Heero Yui. – Se apresentou.

-Ah. Sou Chang Wufei. Sou chinês e você? Acaso é oriental? – Wufei quis saber intrigado com os traço do rapaz a sua frente. Os traços eram exóticos para um oriental, os olhos belos e profundamente azuis. Tão raros.

-Sou, japonês. Meu pai é americano, mas eu nasci lá no Japão numa visita que minha mãe fez à terra natal. Estou em Chicago há seis anos, depois que me formei em administração passei a trabalhar em um escritório no centro.

-Tá... Eu não me lembro de ter pedido sua ficha, cara. Apenas queria saber seu nome e de onde era. – Wufei não fazia por mal, era bem espontâneo aquele seu mau-humor.

-Chang... Eu era como você. Sabe. Bem, na verdade, nunca vou ser um cara sociável, nem ganhar nenhum prêmio de mister simpatia, mas consigo controlar minha vontade de sair por ai quebrando a cara de todo mundo. – Ele comentou enquanto era servido pela garçonete. –Dona, Eu não pedi bolo, apenas ele. – Heero se dirigiu polidamente à moça que o servia.

-É cortesia da casa. Por apenas U$ 4.00 o senhor leva o suco e o bolo. – A moça sorriu.

-Mas eu não quero. Eu só quero o suco, por favor. – Heero a olhou.

-Desculpe, será melhor ficar com o bolo. O senhor vai pagar apenas U$ 4.00 pelo lanche, mas se levar somente o suco vai pagar a mesma quantia. – Ela explicou.

-Jesus Cristo. Eu não quero esse maldito bolo, eu quero apenas um suco de laranja. Por U$ 4.00 eu compro uma dúzia de laranja e faço suco todos os dia da semana. – Ele falou levando aquilo a sério, como se sua vida dependesse daquilo.

-Deus. Moça. Deixe o bolo, eu como o meu e o dele. – Wufei se impacientou.

-Você não devia ter se metido. Isso é um roubo. –Heero falou.

-Eu sei. Mas você levou muito a sério. E não era você mesmo que falava de mau-humor? – Wufei sorriu petiscando seu bolo.

-O que você faz, Chang? – Heero tentou descontrair a conversa.

-Eu sou estudante de psicologia... Apenas isso. – Ele informou. – Vim morar em Chicago em um apartamento alugado pago pelo meu pai. Ele vive na Austrália, ele é desembargador do governo chinês, por isso vive sempre viajando, mas manda a grana para pagar meus estudos e o apartamento por isso não trabalho. – Chang explicou achando que falara demais. Nunca contava muito de sua vida a ninguém, principalmente a um estranho.

-Legal. Não é bom misturar estudo com trabalho. – Heero comentou. – E sua mãe?

-Mamão morreu muito cedo, Yui. Ainda lá na China. Meu pai e ela se separam quando eu tinha cinco anos e ela ficou bem abalada. Naquela época na nossa região uma mulher sem marido não era bem vista. – Ele falou.

-Eu sinto muito.

-Eu não me importo. – Mentiu. É claro que sentia muito de falar sobre aquilo e na verdade ele quase nunca conversava com ninguém que quando tinha oportunidade abria tudo que sentia.

-Mas ainda assim, não deve ser fácil para você.

-Pode ser. Vim morar com meu avô em Chinatown, em Nova York, o velho me criou. Depois que passei para a faculdade vim para Chicago.

-Parece não gostar muito daqui? Quando se formar vai voltar a Chinatown? – Yui observou.

-Sim. Meu avô ama aquele lugar e eu também. É bom estar cercado de nossa cultura. Sei lá. Aqui eu sinto como se tivesse caído de pára-quedas. – O chinês explicou.

-Seus olhos brilham quando você fala de seu avô e de Chinatown. – Heero falou.

-Eu amo aquele lugar.

-Meus avôs vieram para a América fugindo da guerra, quando saíram do Japão deixando pra trás apenas dor e medo. Acho que como fomos recebidos de braços abertos pela América nós nunca pensamos em voltar para o Japão. E no mais meu pai é daqui... – Heero parou tomando seu suco e achando que já havia falado demais a seu respeito.

-Entendo...

-Chang. Vou levá-lo em casa e ir para o trabalho. – O japonês quis cortar a conversa. Ele nunca falara tanto em uma conversa quanto nesse dia. Estranhamente estava ali se abrindo para o chinês. Seria melhor a fazer para aquela conversa.

-Não se incomode. – Wufei sorriu sem jeito.

-É o mínimo que eu posso fazer depois de te atropelar. – Yui também sorriu.


À tarde chegara em Chicago. Era sempre rápido demais a passagem da manhã para à tarde.

Duo estava sentando à sombra de uma árvore no jardim principal do campus. Ali ele podia ter uma visão de quem saía ou entrava na faculdade, mas nem sinal de Chang Wufei.

O rapaz de trança o havia esperado na aula do professor Hardy, mas o chinês não comparecera. Duo havia procurado na sala de Wufei, mas não o vira. Assim passara a tarde ali sentado, na vã esperança do colega se lembrar de que haviam combinado um encontro.

-Ele não vem mais. Foi muita bobagem minha achar que um cara como ele ia querer vir me encontrar no tempo vago. No mínimo deve ter sentido vergonha de andar comigo... Ou mesmo esqueceu. Ele nem sabia meu nome. – Duo comentou triste se levantando.

-Olha lá o quatro olhos. Ta esperando o que pra ir servir aqueles pratos de lavagens, seu bostinha? – Um rapaz alto de cabelos compridos e loiros se aproximou cercado de um grupinho risonho.

-Zechs. – Duo gemeu sabendo que seria vítima de mais gozação.

-Limpa a boca para falar meu nome, seu lixo. – Zechs sorriu.

-Eu já estou indo, me deixa em paz. – Duo pegou seus livros tentando se livrar do grupo.

-Ei... Olha como fala. – Zechs não suportava o cdf da turma. Vendo que Duo se afastaria ele de forma cruel e proposital pôs o pé na frente fazendo com que o rapaz fosse ao chão e num azar grande fosse de encontro a uma poça se lama.

A ação arrancou gemidos e gargalhadas arraigadas de todos o que presenciaram a cena.

-Já chega, Zechs. Já mostrou para sua prateia como é forte em mexer com os mais fracos. Agora deixa o garoto e se manda. – Treize era o inspetor do setor de psicologia.

-Ohhh... Vamos que a encrenca chegou. – O loiro saiu com sua turma. Ainda devia respeito a um inspetor, afinal não queria problemas.

-Devia parar de deixá-lo fazer isso com você. – Treize comentou entregando os óculos grossos a Duo.

-Obrigado, senhor. – Duo não o encarou.

-Vai chorar de novo? – O homem o segurou no queixo do menino. –Porque não tenta reagir. Leve Zechs até o conselho de disciplina. – Ele aconselhou.

-Eu não posso. – Duo quase gritou nervoso. – Pelo amor de Deus. Não posso me meter em nenhuma confusão.

-Ahhh...

-Por favor, prometa que não faz nada.

-Duo. Você se sacrifica demais. É o melhor aluno da faculdade, trabalha na lanchonete e ainda tem um comportamento exemplar. Acha mesmo que suporta isso? E até quando?

-Eu não sei. Mas eu preciso muito disso. – O jovem falou com os olhos banhados de lágrimas.

-Faz tanta diferença assim? Ser o melhor? – O inspetor o soltou.

-Não tem haver com isso. O senhor sabe que preciso das notas. A igreja paga minha bolsa aqui, mas exige notas altas e bom comportamento. E eu preciso muito me formar. Quando sair da faculdade vou estar sem a proteção da igreja e vou acabar indo para as ruas se não tiver um diploma. – Ele falava rápido e trêmulo enquanto juntava suas coisas do chão. – Sei como é isso. Já vi muitos garotos que depois dos 18 anos têm que sair do orfanato, eu tive sorte de ganhar a bolsa para a faculdade, não posso desperdiçá-la. – Ele se levantou.

-Eu... Sei. – Treize abaixou a cabeça. Odiava aquela maldita pobreza que subjugava aquele belo jovem àquela vida de sacrifícios.

-Mas, obrigado por se preocupar. Agora eu tenho que ir porque estou bem atrasado para o turno na lanchonete. – Ele sorriu saindo correndo.

-Pobre menino. Mas tem uma força que é admirável. – Treize sorriu.

A vida do jovem chamado Duo Maxwell não era lá muito fácil. Duo não conhecera os pais e muito cedo conhecera o drama da vida nas ruas. Um dia o destino o fez cruzar com o padre que o havia levado para o orfanato onde passara a infância. Quando completou 18 anos tivera que ser mandado embora do orfanato. Porém havia conseguido uma chance num grupo de reabilitação em Chicago. Assim a igreja decidira pagar seus estudos na faculdade, assim Duo conseguira por intermédio do grupo o emprego na lanchonete que lhe proporcionava pagar o aluguel da vaga em que morava e a alimentação e alguns livros mais urgentes. A vida não era das melhores. Ele tinha que tirar as melhores notas para garantir a manutenção da bolsa, bem como ter um comportamento exemplar. Era difícil, ser o melhor na faculdade quando trabalhava na parte da noite e dormia pouco mais que quatro horas de sono, lia constantemente e se esforçava muito para ser o melhor aluno da sala por isso tinha que usar os óculos de grau alto. As roupas eram sempre largas, muitas vezes doadas pela igreja. Mas Duo nunca reclamava, na verdade se sentia privilegiado por ter aquela chance de estudar.

Duo pegou o ônibus que o deixaria na lanchonete. Sentou-se cansado no banco. Lá fora as coisas e pessoas ia ficando para trás como borrões. Ele suspirou infeliz. Wufei não se lembrara do encontro.


De volta ao apartamento de Chang a conversa foi bem animada com Heero. O jovem japonês deixara o chinês apenas quando a noite caiu. Mas Chang estava exausto, que nem mesmo se lembrou que existia uma pessoa chamada Duo Maxwell. Assim ele pegou no sono.


Não muito longe dali Duo deixava uma bandeja cair sobre um cliente. Seu pensamento estava muito longe. Na verdade estava no chinês que lhe dera o bolo nessa tarde e pela qual mantinha uma secreta paixão.

Desde quando chegou àquela faculdade louco para ser o melhor da classe e honrar a ajuda dada pela igreja e vira aquele garoto de feições chinesas Duo sentira o coração bater mais forte, porem sua missão era mais importante que seus sentimentos. Assim manteve em silencio esse estranho interesse por aquele colega. Mas bastava se aproximar do rapaz para se sentir completamente tomando por algum tipo de desejo que o confundia.

-Merda. Ficou louco? – O homem gritou furioso.

Ahhh, perdão. –Duo quase se lançou aos pés do cliente.

-Vou falar com seu chefe. Você tem que ir para o olho da rua. – O cliente bradou.

-Não! Eu preciso muito. Eu imploro que me perdoe.

-Não se preocupe, senhor. Hoje à noite o senhor e sua bela companheira comem o que quiserem aqui e não pagam nada. É por conta da casa hoje. – Uma moça baixa de cabelos curtos e nefros, com olhos verdes musgos sorriu ao cliente lhe passado um pedido de desculpas.

-Desculpe Hilde. Estou péssimo hoje. – Duo resmungou triste.

-Docinho. Você deve estar estudando demais. Olhe. Como o movimento está fraco hoje você pode ir mais cedo para casa. Mas amanhã eu quero te ver bem melhor. – A moça sorriu. Ela simpatizava muito com Duo e com a situação difícil do menino. Havia dado a oportunidade a Duo na lanchonete a pedido da igreja.

Assim o jovem seguiu de volta para sua vaga. Ele caminhou cabisbaixo. Wufei havia simplesmente ignorado que ele existia e hoje Duo não tinha dinheiro para acessar o micro na lan House da esquina. Assim ele se conformou a ir para casa. Era um velhíssimo prédio escondido em ruas escuras e fétidas daquele bairro próximo do centro. Era como se a decadência habitasse por aquelas partes. Duo passou apressado pelos estreitos becos fedorentos e escuros e finalmente entrou em seu conjugado.

Pequeno e simples, era composto de um quarto que servia como sala e cozinha, um banheiro com uma pequena janela que acessava uma vista turva e caótica.

Naquela noite Duo não teve ânimo para mais nada. Ele estava magoado com o comportamento do colega, queria muito que Wufei tivesse lhe aceito, mas ao contrário fora rejeitado de uma forma cruel e despreocupada.

-Só me resta estudar e esquecer. Eu tenho sempre que esquecer tudo que sinto. Fome, medo, solidão, tristeza... Tudo em prol desse sonho de um dia conseguir me forma. – Ele pensou cansado adormecendo sempre sozinho como a vida havia lhe ensinado.


continua>>


Se as águas no do mar da vida quiserem te afogar
Segura na mão de Deus e vai

Se as tristezas dessa vida quiserem te sufocar
Segura na mão de Deus e vai

Segura na mão de Deus
Segura na mão de Deus
Pois ela... Ela te sustentará

Não tema. Segue adiante e não olhes para trás.
Segura na mão de Deus e vai

Se a jornada é pesada e te cansas a caminhada
Segura na mão de Deus e vai

Orando, jejuando, confiando e confessando
Segura na Mão de Deus e vai
Segura na mão de Deus
Segura na mão de Deus

Pois ela... Ela te sustentará

Não temas. Segue adiante e não olhes para trás
Segura na mão de Deus e vai

O espírito do senhor sempre te revestirá
Segura na mão de Deus e vai

Jesus Cristo prometeu que jamais te deixará
Segura na mão de Deus e vai
Segura na mão de Deus
Segura na mão de Deus

Pois ela... Ela te sustentará
Não tema. Segue adiante e não olhes para trás
Segura na mão de Deus... E vai...


Acho que o melhor de viver é quando em momentos raros conseguimos segurar num galho seco pouco antes de se chocar com o solo, depois de uma queda livre... Porém há muito o que escalar até o plano novamente...

A todos que participam dessa ajuda mútua para eu chegar a superfície novamente.Vai um agradecimento...

Hina (sempre tentando)