Cap.1 Decisão

Santuário grego, o sol começava a mostrar seus primeiros raios, iluminando lentamente as imponentes casas zodiacais e o salão do Grande Mestre. O lugar onde antes terríveis batalhas foram travadas agora apenas é um reduto dos mais poderosos homens na Terra que, a essa hora da manhã, já começavam a levantar.

Kamus levantou satisfeito. Ganhara o dia de folga na Fundação, isso era um grande alívio, apesar de gostar de estar sendo útil para algo além de lutar. Mentalmente, agradeceu a Saga por tê-lo ajudado, assumindo a responsabilidade naquele dia. Agora iria até a oitava casa, Escorpião; seu melhor amigo era o dono da mansão e juntos poderiam treinar, algo que há tempos havia deixado de lado quase completamente.

Vestiu uma calça larga impecavelmente branca e uma camisa de mangas curtas da mesma cor, prendeu os fios, verde-azulados e lisos em um rabo-de-cavalo frouxo e baixo, os pés ficaram em um par de confortáveis sandálias de tiras de couro cru. A sensação era incrivelmente boa! Nada de terno ou gravatas, nem mesmo sapatos, e, melhor ainda, nada de sócios velhos e caretas! Só uma confortável roupa, a agradável brisa que corria pela manhã, e em vista a melhor parte: a Casa de Escorpião.

Kamus já estava na entrada do templo, sentindo o vento e olhando para baixo.

"Meu Escorpião...". Murmurou sozinho, deixando um pequeno sorriso escapar por entre os lábios.

Quanta falta aquele perfume lhe fazia! Há quanto tempo não via aquelas safiras entorpecentes, não ouvia a voz melodiosa que fazia seu coração pulsar mais rápido. Sim, tinha que admitir que o que sentia não era apenas amizade; um dia foi, mas há muito tempo havia mudado. Notou isso quando morreu pela primeira vez, pelas mãos de seu discípulo querido. Um gostoso sentimento invadia seu coração quando pensava no outro, o coração se alegrava, a alma parecia flutuar, porém sempre se sucedia um sentimento ruim, era a certeza de que ele nunca seria seu; era visto apenas com um amigo, o melhor amigo, é verdade, mas apenas um amigo! Conforme o pensamento seguia o bem-estar retornava ao se lembrar daquele sorriso e do carinho que lhe era devotado.

"Sim, é o suficiente...". Murmurou já na saída da casa do escorpiano.

Entrou sem chamar. Era o único lugar, com exceção à própria casa obviamente, em que conseguia entrar sem cerimônias. Contudo, estranhou o clima do local. Estava quieto demais, como se ali não tivesse viva-alma. Concentrou-se um pouco procurando pelo outro, logo encontrou a ardente cosmo-energia, que agora, estava tranqüila e estagnada no segundo andar.

"Ainda está dormindo, seu preguiçoso?". Perguntou falando baixo, já caminhando para a escadaria que o levaria ao amigo.

Atravessou a sala secundária, que depois da batalhas havia ganhado móveis novos e mais requintados. Mas claro, tudo com a exuberância do dono do local: sofá vermelho, móveis em tom café, adornos modernos contrastando com a simplicidade das paredes... Agora sim aquilo parecia um templo escorpiano!

Subiu rapidamente passando pelo corredor, indo em direção à última porta, abriu-a e parou sem reação alguma!

Ainda segurava a maçaneta. Sentia com se o tempo houvesse parado, quase esqueceu de respirar pela entorpecente cena que seus olhos contemplavam. A única coisa que ouvia era o próprio coração, mais acelerado do que nunca, com se desejasse sair do peito. Olhou percorrendo cada centímetro da bela visão, engolindo seco, ainda incapaz de reagir.

Milo estava deitado de bruços. Vestia apenas uma cueca preta, como se fosse um pqueno short que aderia à pele escondendo apenas as nádegas e o sexo, deixando as coxas grossas e bronzeadas à mostra. A perna esquerda estava esticada, enquanto que a outra dobrava-se de modo que o pé direito estava próximo ao joelho esquerdo; o braço direito estava ao redor de um travesseiro e o outro, flexionado, largado do lado oposto. Os cachos azuis caíam por sobre

os lençóis em bela cascata, quase indo até a mão esquerda. Viu o rosto perfeito de perfil com uma expressão tranqüila, como uma criança que tem belos sonhos. A visão se completava com o exótico lençol de seda preta com peculiar característica: em suas dobras apareciam um brilho avermelhado, não com lantejoulas, era como se houvesse duas cores, uma sobreposta à outra, de modo que uma prevalecia sob a outra em determinados pontos. Desceu novamente o olhar, vendo o sobe e desce que o corpo fazia em embalo calmo, contemplou os músculos das costas admiravelmente trabalhados e com cor dourada pelo sol... Um pouco mais abaixo parou o olhar, admirando as belas nádegas arredondadas, mordendo o lábio inferior tentando dominar o próprio desejo que crescia em seu baixo-ventre.

Com muito esforço, conseguiu desviar o olhar abaixando o rosto. Repreendeu-se mentalmente e respirou fundo, colocando as idéias novamente em ordem.

Mais uma vez respirou fundo, e caminhou até ficar do lado da cama para onde o rosto estava virado.

Ajoelhou-se ali ficando de frente para seu amado. Delicadamente, tirou um cacho que caía-lhe na face.

"Milo, acorda". Disse suavemente, mas em tom normal.

O escorpiano apenas virou-se, ficando com o rosto para o outro lado.

"Ora, vamos! Sei que você está me ouvindo! Combinamos de treinar hoje! Levanta!". Levantou um pouco o tom de voz fingindo impaciência.

Novamente o dono da casa remexeu-se, agora pegando o travesseiro e colocando-o por cima da cabeça.

"Me deixa dormir". Foi a única coisa que saiu, abafada pelo tecido.

"Ah, nem vem! Você prometeu!". Protestou Aquário ajoelhando na cama com o intuito de fazer o outro levantar.

Retirou o travesseiro, mas esse foi um erro fatal!

Milo virou-se rápido segurando em sua cintura, puxando-o por cima do próprio corpo, fazendo com que Kamus caísse deitado com o Escorpião a suas costas e agarrando em seu corpo!

Sentiu um enorme calafrio transpassar como um raio sua espinha, sentimento que aumentou consideravelmente quando a perna do moreno enlaçou as suas.

"Vamos dormir um pouquinho... Fica aqui... Comigo". Murmurou Milo sonolenta e manhosamente.

Kamus sentiu cada músculo do corpo enrijecer, aquelas últimas palavras eram perfeitas e tudo o que sempre quis ouvir, mas sabia, não estavam sendo ditas com o sentimento que desejava. Sentiu os olhos arderem com algumas lágrimas que surgiram sem rolar pela face.

Em movimentos rápidos conseguiu levantar, pegando o travesseiro e usando-o para bater na cabeça do moreno. Nem deu tempo para que o outro reagisse já caminhou de encontro à porta e de lá falou.

"Te espero na arena. Você tem dez minutos". Falou com tom estranhamente frio, que praticamente não usava quando conversava com Milo.

"Credo! Já mal humorado a essa hora da manhã!". Falou o Escorpião, sentando-se na cama e atirando o travesseiro na direção de Aquário; mas não o acertou, pois a porta já estava fechada.

Milo cruzou os braços impaciente, deixando-se cair novamente na cama, olhando para o teto. Logo os pensamentos que lhe angustiavam há tempos novamente tomaram-lhe a mente, e a apatia começou a tomar conta de seu olhar. Nem mesmo a idéia de treinar com seu melhor amigo, que, aliás, andava cada vez mais distante, lhe proporcionava ânimo.

Kamus suspirou pesadamente na entrada do oitavo templo. Dessa vez foi difícil se segurar! Aqueles braços em sua cintura, a perna que envolveu as suas, o sexo do outro que roçava em sua região glútea, a voz rouca em seu ouvido... Pelos deuses! Porque tinha que amar assim? Qual o sentindo de tanto sentimento se nunca o teria concretizado? Nunca sentiria aqueles lábios carnudos apertando-lhe os próprios lábios...

Balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos e recomeçou a descida. Felizmente não teve que parar nas casas seguintes, cada cavaleiro estava envolto em suas próprias tarefas. Somente Aldebaran encontrava-se na entrada de seu templo, sentado olhando o nascer do sol.

"Bom dia, Aldebaran". Falou educadamente parando ao lado do amigo.

"Bom dia Kamus! Não vai trabalhar hoje?". Perguntou com seu tão característico ar de alegria.

"Ganhei o dia de folga". Kamus falou com alivio na voz.

"Que bom. E o que vai fazer hoje?". Ainda sorrindo perguntou o brasileiro.

"Agora pela manhã treinar um pouco com o Milo, depois ainda não sei". Falou tranqüilamente.

"Isso é bom! Milo anda muito estranho nos últimos dias. Acho que esta realmente precisando de distração". Kamus olhou com cara de interrogação para o outro e nem precisou perguntar para ouvir as explicações. "Milo anda abatido, sem ânimo algum, nem para as noitadas ele vai! Tá acontecendo algo e não sabemos explicar ou ajudar, talvez você possa, já que é o melhor amigo dele". Agora o grande cavaleiro não mais sorria, expressava muita preocupação na voz e na face.

"Vou tentar descobrir e ajudá-lo". Falou preocupado.

Kamus ficou atordoado. O que poderia estar afligindo seu amado? Perguntava-se enquanto caminhava para a arena. Sentou em um dos degraus que rodeavam o 'palco' de algumas lutas entre cavaleiros, e ali se perdeu em pensamentos.

Superando a preguiça que parecia amarrar-lhe à cama, Milo levantou-se, tomou um banho rápido para espantar o desânimo, vestiu uma calça preta de moletom e uma camiseta azul quase do tom de seus olhos, calçou sandálias e saiu correndo. Há muito tempo já se havia passado os dez minutos que o amigo lhe dera, sabia que ia receber um belo sermão quando chegasse lá em baixo.

Correu passando por todas as casas sem ver alguém. Estranhou quando vi Kamus sentado e pensativo. Caminhou felinamente, ia pregar um susto no amigo, sorriu sadicamente com o pensamento. Chegou por trás, abaixou e falou quase no ouvido do outro.

"Vamos treinar ou vamos meditar!" .

Kamus apenas virou para trás vendo o rosto muito próximo ao seu com aquele sorriso desconcertante de tão maravilhoso. Olhou em silêncio por longos segundos.

"Tá atrasado!". Falou impaciente.

"Chato!". Praguejou Milo muito decepcionado. Não havia conseguido arrancar uma emoção sequer dele.

"Vamos logo!". Disse Kamus autoritário levantando-se e dando as costas para o outro.

Milo ficou inconformado e fez uma careta pondo língua para o amigo.

"E não adianta fazer careta!". Disse Aquário sem olhar para trás.

Escorpião levantou-se com a cara mais indignada do mundo. "Hei! Eu não faço careta!".

"Como se eu não te conhecesse... Agora chega de papo e vem treinar!".

Ainda emburrado Milo foi. Como alguém poderia conhecê-lo tão bem? Isso era perturbador! Mas aquele era Kamus, seu melhor amigo. Pensando bem era até plausível que o outro soubesse o que se passava em sua mente. Embora não soubesse a agonia que lhe atingia o coração...

Alongaram-se, preparando os músculos para os exercícios que seguiriam. O treino seria em combate corpo a corpo, um estilo no qual Milo sempre levava vantagem, já que possuía maior força física. Porém, levava desvantagem quando era um treino tático, considerando que Kamus era mais poderoso na manipulação do cosmo.

Partiram um de encontro ao outro, desferindo golpes que os olhos de um humano comum não poderiam distinguir; em movimentos ágeis e precisos defendiam e atacavam com fervor. No início havia um empate técnico, já que nem um nem o outro levara ainda um golpe certeiro. Porém essa situação logo começou a mudar. Kamus passou a levar vantagem, vez ou outra atingindo o corpo do escorpiano.

Os corpos já estavam suados, em ambas as faces os fios pregavam-se devido ao líquido salgado que escorria. Aquário estranhava a postura do amigo, Milo lutava somente com o corpo, sua alma parecia estar em outra dimensão. Desejava afoitamente que ele voltasse, mas se não sabia onde ele estava, então como o ajudaria?

Em meio à desconcentração de ambos, Kamus desferiu um golpe mais forte que atingiu em cheio o rosto de Milo, que voou longe de encontro a uma pilastra que desmoronou em cima do cavaleiro.

Aquário olhou assustado e correu em direção ao outro. Quando chegou perto, Milo retirava a pedra maior que havia caído em cima de si usando apenas o braço esquerdo. Apoiando o corpo no outro braço, mantinha a cabeça abaixada, não permitindo que seus olhos fossem vistos devido ao cabelo que lhe caía na face.

"Você está bem?". Perguntou preocupado.

"Sim, estou...". Murmurou sem olhar para o amigo. "... Acho melhor deixar para treinar outro dia".

Kamus abaixou-se, tentando ver o rosto do Escorpião, mas esse olhou para o outro lado. "Aldebaran me disse que você tem andado triste e abatido. O que está acontecendo?". Cada palavra era carregada de carinho e preocupação.

"Nada...".

"Milo, olha pra mim!". O tom ainda era preocupado, mas deixava claro que era uma ordem, porém, Milo não se mexeu. "Eu disse: Olha pra mim!". Repetiu impaciente pegando o queixo do moreno e forçando-o a lhe encarar.

O coração do aquariano pareceu quebrar-se como uma fina taça de cristal que vai ao chão quando viu aquele olhar. As belas safiras que iluminavam sua própria existência, agora estavam repletas de lágrimas e incertezas.

"Pelos deuses, meu amigo, me diz o que está acontecendo! Você nunca foi de chorar sem motivos". Foi mais uma súplica que um simples pedido.

"Ah, Kamus... Eu não quero falar... Quero ir para minha casa". Milo falou choroso, novamente virando o rosto.

O aquariano respirou resignado. "Tá bem! Vamos para sua casa e lá conversaremos".

Milo concordou com a cabeça e levantou-se.

Juntos caminharam em silêncio até chegar às doze casas. Passaram pela primeira, e na segunda encontraram com o taurino, que os recepcionou com um grande sorriso nos lábios.

"Já terminaram o treinamento? Foram rápidos! Ahhh Milo lembra do livro que eu te falei? Pois bem, encontrei a versão em grego1, já que você não sabe português. Só um segundo que eu vou pegar". E saiu sem dar tempo para que qualquer um dos dois pronunciasse uma palavra.

"Que livro é esse que pode ser tão importante?". Kamus perguntou ainda surpreso com a atitude do brasileiro.

"É um livro de um escritor do país dele. Segundo Aldebaran, irá mudar minha vida...".

"Mal sabe ele que você não gosta de ler".

"O pior é que ele sabe! E ainda assim insiste para que eu leia!". Milo falou fazendo uma careta horrível.

Kamus apenas sorriu. Estavam no meio do salão principal da Casa de Touro, onde não havia decoração, assim como nas outras casas, pois era o espaço destinado às possíveis batalhas.

Instantes depois Aldebaran apareceu com um livro pequeno e fino. Na capa, um deserto desenhado de forma que as áreas pareciam mover-se com o vento, ao fundo três pirâmides e em primeiro plano havia um homem envolto em uma túnica azul piscina que lhe cobria todo o corpo, o rosto estava escondido por um tecido um pouco mais claro que a túnica deixando apenas os olhos à mostra e os cabelos estavam ocultos por um simples turbante da mesma cor. Na mão direita ele trazia um cajado, como se fosse um pastor, e olhava para o horizonte de modo que somente seu perfil era visto, como se procurasse algo. Escrito em vermelho no alto estava o título, e um pouco mais acima o nome do autor.

"Obrigado, Deba, prometo que vou tentar ler". Milo falou com um sorriso sem graça.

"Se você começar te garanto que não vai querer parar até chegar ao fim".

Despediram-se e a dupla continuou a subir em silêncio até chegar na oitava casa. Nem entraram direito e Kamus já abriu a boca para perguntar.

"O que está acontecendo?".

"Nossa! Nem chegamos e o interrogatório já começa!". Milo tentou manter o ar brincalhão, caminhando para a sala secundária onde havia seu maravilhoso sofá vermelho!

Kamus foi atrás, vendo o escorpiano largar o livro na mesa de vidro com hastes em metal prateado, rebaixada, que ornamentava o centro da sala, e indo em direção ao sofá. Porém parou e ficou olhando, provavelmente sem ter coragem de sujá-lo, já que tinha o corpo suado e as roupas sujas pelos resíduos da pilastra. Foi de encontro ao moreno, tocando-lhe gentilmente o ombro direito com a mão esquerda e virando-o com carinho.

"Confie em mim, talvez eu possa te ajudar". Falou, deixando a emoção falar mais alto.

Novamente os olhos de Milo enevoaram-se pelas lágrimas.

"Ninguém pode me ajudar, Kamus...".

"Eu posso! Eu posso fazer qualquer coisa por você! Faria tudo para não te ver assim! Você é a única família que possuo, confie em mim, por favor". Falou, abraçando o escorpiano com se assim pudesse acabar com toda a dor que o outro sentia.

"O problema, Kamus, é exatamente a ausência total de problemas". Milo falou ainda agarrado ao outro.

"Não entendo".

Milo desfez o contato e encarou o amigo. "Veja bem, assim como todos os cavaleiros, eu sempre me dediquei aos treinamentos sem me importar com nada mais. Porém, agora que Hades foi derrotado, qual o sentido da minha existência? Até mesmo MDM conseguiu se arrumar ajudando o Aldebaran na segurança da Senhorita Kido, sem contar que até namorando ele está. Cada cavaleiro encontrou uma nova razão para existir, um trabalho ou um amor, menos EU! Sou o único que fica todo o tempo no Santuário, e não quero mais ter um parceiro a cada noite, essa vida não me basta! Estou sufocando, me afogando em minha própria melancolia, sem ver como sair dessa posição".

"Se esse é o problema, é só mudar. Podemos pedir a Saori para arrumar-lhe um emprego ou qualquer outra coisa, não é necessário ficar nessa agonia".

"Eu não quero, Kamus, não quero a ajuda dela. Sinto que eu mesmo tenho que fazer, mas me angustia o fato de não saber o quê fazer! Athena já fez muito dando-nos nova vida, não pedirei que me dê também um motivo para viver, isso eu mesmo tenho que fazer!".

"Milo, eu...".

"Você também não pode fazer nada. Sei que me ama com um irmão mais novo, mas não pode me ajudar agora. A única coisa que quero é ficar sozinho". Completou tristemente.

"Tem certeza?". Perguntou triste.

Milo fez um sim com a cabeça, Kamus olhou mais uma vez para o moreno. Estava inconformado por não poder ajudar. Saiu da casa e rapidamente chegou na décima primeira.

"Irmão! É assim que me vê...". Murmurou para si, na entrada de sua casa, olhando para a oitava. "Nunca o terei...". Uma lágrima solitária rolou na face direita do mestre do gelo. Logo em seguida ele entrou para descasar um pouco.

Milo tomou um quente e demorado banho, vestiu apenas uma túnica longa toda preta e agora sim largava-se no sofá. Olhou desanimado para o teto, depois virou o mesmo olhar para sua mesa de centro, vendo o livro. Pegou-o, olhando novamente a capa.

"'O Alquimista, Paulo Coelho'". Leu em voz alta o título e o nome do autor.

Abriu, e estranhou as primeiras letras. Eram palavras da Bíblia cristã. Leu-as e virou a página: 'Prólogo'. Achou interessante e novamente virou, vendo apenas uma página escrito: "Primeira parte". Folheou novamente, agora sim era o início: "O rapaz chamava-se Santiago." Eram as primeiras palavras ali escritas. Lentamente foi lendo, e a cada nova linha que seus olhos interpretavam, mais e mais queria saber... Assim passou o resto do dia e algumas horas da noite até que enfim chegou ao final. Fechou o livro, com uma decisão já tomada em seu interior. Deitou-se e dormiu com uma tranqüilidade que há tempos não o tocava.

No dia seguinte o escorpiano acordou cedo, vestiu com uma bermuda azul-marinho e uma camisa de mangas curtas branca, calçou o chinelo mesmo e saiu correndo para a Casa de Aquário.

Entrou no quarto, que tinha as cortinas ainda fechadas e o proprietário do lugar ainda na cama adormecido.

Milo pulou na cama ficando de joelhos sobre ela, imediatamente acordando o aquariano.

"Milo! O que foi? Aconteceu alguma coisa? Hades voltou?". Falou ainda perdido, tentando se localizar no tempo. Sentou-se para olhar o mais lindo sorriso que já havia visto em sua vida.

"Claro que não, seu bobo! Tomei minha decisão! Sei como encontrar a minha razão de viver!". Afirmou, sorrindo ainda mais e mostrando o livro.

Kamus deu um pequeno sorriso. "Você leu? Realmente te fez pensar? Do que ele fala?".

"Sim, eu li! Ele conta a história de um pastor de ovelhas que seguiu um sonho que teve e foi em busca de seu tesouro! E conseguiu, Kamus! Ele encontrou seu tesouro e aprendeu muitas coisas! Me inspirou a tomar minha decisão".

"E que decisão seria essa?". Perguntou muito interessando.

"Vou embora! Vou sair do Santuário, viajar pelo mundo e conhecer coisas novas! Claro que tenho que pedir permissão à Deusa, mas acho que ela não irá se opor!".

As palavras caíram como uma bomba na cabeça do aquariano. Ele sentiu como se tivesse sido jogado em um abismo onde a queda não tinha fim, o peito ardia, um frio e doloroso relâmpago transpassou sua coluna, começando no pescoço indo até a região lombar, e um enorme desespero cresceu em seu coração.

"Você vai me deixar?". Foi a única coisa que saiu.

O sorriso no rosto de Milo murchou, só agora tinha pensando nisso.

"Kamus, eu vou, mas volto". Disse, engatinhando até o outro e lhe acariciando a face.

"Eu sei que estou sendo egoísta, mas é que gostaria que você sempre estivesse comigo".

"Sempre estarei, meu irmão, eu sempre estarei aqui...". Com a mão livre, tocou o peito do aquariano onde fica o coração. "... E você sempre estará aqui". Disse calidamente, retirando a mão do rosto pálido do amigo, pegando a mão direita de Kamus e colocando-a em seu coração.

A cena era bonita, porém triste: Kamus tinha uma mão no peito do escorpiano e a outra estava por cima da mão que lhe tocava o peito. Do mesmo modo estavam as mãos de Milo, uma tocando diretamente o peito do amigo e a outra por sobre a mão que lhe tocava o coração.

"Espero que encontre o que deseja". Kamus falou ainda triste, aninhando-se no peito forte do moreno.

Milo abraçou o aquariano como se pudesse acabar com o sentimento ruim que fez nascer no coração de seu amado amigo. Sem notar, enxugava com a camisa as lágrimas que brotavam nos olhos azuis e tristes do, outrora, mais frio entre todos os cavaleiros.

Continua...


N/A:

1 - Os livros do Paulo Coelho foram publicados em vários países, inclusive na Grécia.

Essa fic vai ser crossover: Saint Seiya, Yuu Yuu Hakusho e Sakura Card Captors.

Fiz questão de deixar bem claro que Milo e Kamus não são amantes, para que depois não me matem, pois tenho a intenção de fazer o Milo pelo menos flertar com alguns personagens.(isso é mentira, ele não vai só flertar, mas isso é um segredinho nosso!').

Por que eu escolhi o Milo para fazer a viagem? Simples! Como escorpiana, fica mais fácil escrever sobre ele, afinal é o personagem com o qual mais me identifico em relação à personalidade. E alguém imagina o Mu tendo uma crise existencial?

Para terminar: se você já leu o livro "O Alquimista" pode, intuitivamente, deduzir o fim da estória, mas o desenrolar será bem diferente.