Mundos
Cap. 2 - A partida
Aiko Hosokawa
Kamus abriu pesada e desanimadamente os olhos os olhos, a íris azul vagava na sua melancólica certeza...
Enfim chegou o dia, Milo partiria para sua viagem. Estranhamente o primeiro local escolhido foi à Índia, obviamente, sugerido por Shaka.
O único veio de esperança que Aquário possuía se esvaíra há quatro dias, quando Athena permitiu que o escorpião partisse.
Quatro dias antes...
"Tem certeza?" Kamus perguntou a Milo, ainda incrédulo com a decisão do amigo.
Milo olhou para o imponente portal branco-acinzentado da entrada do "Templo do Grande Mestre", onde, agora, Saori estava. Olhou para o companheiro, engoliu seco, sabia estar magoando a pessoa que mais se importava com ele e com quem ele próprio mais se importava.
Apesar da beleza moldada pela túnica longa e pelos cabelos azul-petróleo a visão era triste, pois o olhar de Kamus demonstrava medo e incerteza, sentimentos que o escorpião jamais imaginara ver naquele profundo mar.
"A única certeza que supera essa é a de que eu volto!". Afirmou confiante.
Kamus suspirou. "Então vamos".
Juntos entraram no Templo, passando pelo hall tipicamente grego com suas colunas brancas e piso claro, ambos despidos de qualquer tipo de adorno, indo de encontro a uma grande porta dourada entalhada com temas mitológicos mostrando o titã fadado a carregar o mundo nas costas.
Quando a alcançaram cada um empurrou um lado e o Grande Salão se fez visível com Athena sentada em seu trono, em seu costumeiro vestido branco, conversando animadamente com Afrodite que, parado ao lado esquerdo da deusa, sorria abertamente à jovem.
"Só podem estar conversando sobre moda!". Milo pensou ao ver a cena.
A conversa cessou imediatamente à aproximação da dupla.
Afrodite olhou intrigado. O que afinal eles poderiam querer ali? E por que Kamus estava com aquela cara de velório? Observava-os vestido como ele próprio, ou seja, com uma longa túnica branca de um ombro, os cabelos soltos e os pés calçados por sandálias de couro cru, afinal era essa a forma correta de se apresentar quando não se usava a armadura, principalmente perante a deusa.
Chegaram mais perto, curvando-se respeitosamente e cumprimentando os que ali estavam.
"O que desejam?" Saori perguntou com voz calma.
"Senhora, tenho algo muito importante a lhe pedir". Milo se adiantou,falando em tom sério e firme.
"Pois então diga, Milo". Falou um pouco preocupada, não estava gostando nem um pouco das expressões nas faces dos cavaleiros, principalmente na de Kamus.
"Nos tempos mais recentes, desde a derrocada de Hades, todos os cavaleiros encontraram novas possibilidades de vida, contudo eu, o Escorpião, ainda não encontrei as minhas, por isso gostaria de pedir permissão para viajar por alguns lugares, aprender coisas novas e encontrar o que quero". Milo estava temeroso, mas tentava mostrar confiança.
"Será que essa é a única forma, Milo? Será que aqui, no Santuário, não está a resposta para suas dúvidas?" Saori falou docemente olhando para o jovem que estava três degraus abaixo de seu trono.
Olhou rapidamente para Kamus, como quem reconhece algo, e imediatamente o cavaleiro entendeu aquele olhar: a deusa conhecia seus sentimentos! Ruborizou absurdamente, virando o rosto para o lado esquerdo fazendo com que alguns fios das belas madeixas movessem-se, ocultando parcialmente a face corada. Milo, como sempre distraído, não percebeu nada.
"Não vejo outra forma, senhora. Por favor, permita-me partir!". A súplica saiu implícita na frase, a voz mostrando o fino desespero daquela alma.
Athena suspirou fechando os olhos, pensativa; logo em seguida abriu novamente as belas orbes encarando seu guerreiro.
"Tens permissão para partir quando desejar, já foi exigido demais de vocês, é justo que queira conhecer coisas novas. Contudo, a oitava casa não pode ficar vazia, por enquanto encontrarei um substituto temporário, mas se você não retornar em um ano, haverá uma disputa por sua armadura. Entendeu? Você não mais será o cavaleiro de Escorpião se não voltar em um ano". Falou com sua doce imponência habitual.
"Compreendo, e agradeço muito a senhora. Se me permite, acho que já incomodei demais, com licença". Curvou-se perante ela, tentando esconder o sorriso que nasceu em seus lábios e a euforia que nasceu em seu coração, no entanto, sentiu uma leve pontada de dor no peito, a qual não soube explicar.
"Fique à vontade". Ela falou sorrindo triste e docemente.
Novamente reverenciaram a deusa e se apressaram em sair do local. Só quando estavam do lado de fora foi que Milo reparou no amigo. Kamus havia ficado mudo, a face sem cor como se a alma tivesse deixado o corpo e os olhos perdidos em algum ponto do chão de mármore.
"Pelos deuses! Kamus, o que houve?". Perguntou Milo muitíssimo preocupado, colocando a mão direita no ombro esquerdo do outro enquanto a outra foi para a face pálida tocando levemente o queixo guiando-o a lhe olhar.
"Um ano?" Saiu apenas um sussurro triste contido pelo nó de pura dor e angústia que se formou na garganta do cavaleiro.
"Ah! É esse o problema? Não pretendo ficar tanto tempo fora! Além do que não quero perder a minha armadura!". Afirmou sorridente. "Vamos, tenho muito que preparar!". Milo sorria empolgado, abraçou o amigo por cima do ombro guiando-o a descer pelas escadarias...
Nos dias que se seguiram todos ajudaram nos preparativos, indicando países e cidade de beleza, teoricamente, insuperáveis. Claro, não faltaram pedidos de 'lembrancinhas'.
Enfim o dia chegou...
As memórias finalmente se esvaíram e Kamus resolveu se levantar. Ainda não eram seis da manhã, mas Milo iria para o aeroporto em pouco mais de uma hora, queria poder ficar do lado de seu moreno o máximo possível, até mesmo na partida queria estar ao lado dele...
Levantou-se vagarosamente, tomou um banho rápido, vestiu uma calça social preta e uma camisa também social de mangas longas quase da cor de seus cabelos, na verdade era um tom abaixo, apenas.
Olhando-se no espelho passou a mãos por sobre o tecido, na região do peito, havia ganhado aquela camisa dele... Suspirou desviando o olhar, passando, rapidamente, as mãos pelos cabelos prendendo-os em um rabo de cavalo baixo, calçou os sapatos e saiu rapidamente.
Quando chegou em Escorpião os outros três cavaleiros acima da oitava casa já estavam lá. Não gostou! Queria ter sido o primeiro a chegar!
Milo estava na sala secundária da mansão, cercado pelos amigos. Todos falavam animados, e o escorpiano sorria para esconder o medo que se instalava em seu coração: valeria mesmo a pena deixar a segurança de seu lar? Mas também não dava para conviver com o vazio que estava em seu coração! Iria! Por todos os deuses do Monte Olimpo: iria!
Um enorme sorriso se formou na face do moreno ao ver o seu melhor amigo, era bom ter o aquariano por perto, ele passava uma sensação maravilhosa de segurança!
Kamus olhou para o seu amado, em meio a Shura, Afrodite e Aiolos, ele estava diferente, visualmente estava com uma calça social preta sapatos da mesma cor e uma camisa social de mangas curtas vermelha, os cabelos presos em um rabo de cavalo alto, lindo... Mas, não era isso...
Era... Era a sua aura que parecia reluzir mais intensamente, os olhos brilhavam de uma forma muito improvável de se ver em outro lugar! Força, ânimo, beleza... Era isso que aquele olhar transmitia, uma garra enorme, tão grande quanto o desejo de MAIS. Era esse o ponto: Milo parecia sempre querer MAIS, e Kamus sentiu-se pequeno ante aquela vontade e mais longe viu a possibilidade de um dia ser correspondido.
Chegou perto olhando para o grego, mas sem nada dizer, do mesmo modo Milo ficou apenas fitando o amigo. Um mórbido silêcio se fez por alguns segundos no grupo.
"O papo tá bom, mas temos que ir. Lembram?". Shura falou sorridente dando uma tapinha nas costas do escorpiano, quebrando assim o clima estranho.
"Ah, eu odeio despedidas...". Afrodite falou choroso e manhoso.
"Eu também não sou muito adepto à prática...". Aiolos falou sorrindo sem graça.
"Credo! Vocês falam como se eu não fosse voltar! Eu volto viu? Não vai ser assim tão fácil se livrar de mim!". Milo falou sorridente, era bom saber que era querido pelos amigos.
"Sério? Eu pensei que irai ficar livre de você pra sempre...". Shura falou com sarcasmo.
Milo olhou fingindo estar com raiva, cruzou os braços e mostrou a língua para o capricorniano.
"Zeus...". Kamus falou incrédulo balançando negativamente a cabeça.
"Vamos logo, Milucho". Afrodite falou passando o braço pela cintura morena, recebendo em troca um abraço por cima do ombro.
Kamus olhou indignado! Seus olhos pareciam soltar faíscas de ódio, principalmente quando o 'Mais belos entre os cavaleiros' olhou-o com um semblante sorridente, mas malicioso.
O grupo começou a descida. À direita Milo tinha Afrodite abraçado a si e Shura ao lado dele, do outro lado Aiolos e na ponta Kamus. O escorpiano o olhava sem entender o motivo daquela cara de bravo, não poderia ser só pela viajem, já haviam conversando tanto a respeito...
A cada casa que desciam um cavaleiro se unia ao grupo, até que Mú se juntou a eles.
Vários carros estavam na entrada do Santuário, já que todos queriam ir com o moreno até o aeroporto, inclusive Saori e os de bronze que esperavam os dourados junto aos carros.
Meia hora depois, que mais pareciam incontáveis horas pelo tortuoso silêncio que se fazia no Mercedes negro onde Milo, Kamus, Afrodite e Shaka estavam, enfim o aeroporto.
Tudo estava pronto, o vôo partiria em pouco tempo, enfim a real despedida começou!
Abraços, desejos de boa viajem, lágrimas nos olhos do menos contidos como Afrodite, grandes sorrisos nos mais empolgados como Aldebaran, Aiolia e Shura, MDM com ar de 'já vai tarde' e outros sorrindo mais discretamente, e uma expressão indecifrável na face do Mago do Gelo.
O olhar perdido nos movimentos de Milo. Olhava o sorriso, o olhar brilhante, a força que aquele homem transmitia; desejava, acima de tudo, ser capaz de dar aquele sentimento ao seu escorpião, desejava fazê-lo feliz, mas não se sentia capaz, estava perdendo-o, se é que algum dia o teve, porém se Milo fosse feliz valeria a pena, poderia viver sabendo que ele estava bem, que era feliz, mesmo que em outro lugar, com outra pessoa... Esse pensamento doeu profundamente e ao mesmo tempo acalentou de uma maneira estranha o apaixonado coração do aquariano.
Finalmente Milo olhou para Kamus, vendo-o distraído a lhe encarar. No melhor estilo escorpiano abriu um enorme sorriso abrindo também, apenas um pouco, os braços em convite.
"Vai me dizer que vou embora sem um abraço seu?" Falou com seu sorriso maroto e inconfundível.
Kamus sorriu e caminhou sem nada dizer, chegando perto e deixando os corpos se tocarem passando um braço por cima do ombro esquerdo do escorpião enquanto o outro ia por baixo do braço direito alcançando as costas de seu lindo moreno, com os mesmos movimentos foi abraçado e os corpos se uniram mais pela força que ambos faziam.
"Eu te amo...". Kamus murmurou baixinho no ouvido direito de Milo.
"Também te amo, meu amigo. Prometo voltar logo!". Disse confiante, mas sentindo o coração apertar de maneira inédita em sua vida.
Um estranho sentimento apareceu em seu peito, era um calor agradável que ardia suavemente, mas que logo se dissipou, pois os corpos se separaram, estranhamente desejou que aquilo nunca tivesse sumido, automaticamente desejou nunca se afastar de Kamus.
Milo olhou para o outro, ainda próximos, aquele cavaleiro era realmente lindo! Cada traço simplesmente perfeito! A face tão alva quase como porcelana fina, os olhos de um estupendo azul, brilhantes e profundos, o belo e fino nariz e os lábios discretos, como todo o resto, porém sensual e muito atraente.
"Como todo o resto". Pensou Milo ainda olhando o encantador, porém triste sorriso na face amiga.
A comitiva se encaminhou para o portal de embarque, os últimos abraços estavam sendo trocados, e logo Milo já se encontrava na fila, apenas duas pessoas na sua frente. Na mão direita carregava a passagem e o passaporte, na outra havia apenas o casaco preto.
Olhou para trás vendo as pessoas que constituíam sua família, uma estranha e feliz família, sorriu ternamente, virando-se para a moça graciosamente vestida com seu uniforme azul-escuro na saia e no colete e azul-claro na camisa de gola e botões por baixo desse, a face era jovem e bonita trazendo nos olhos castanhos o mesmo sorriso que havia nos lábios.
"Bom dia, senhor". Disse a voz feminina e suave.
"Bom dia". Disse ele sorrindo, erguendo a mão para entregar a passagem.
"Milo, ESPERA!".
Ouviu-se um grito grave no saguão e, em meio às varias pessoas, viu-se um homem alto, de longos cabelos azuis esvoaçantes devido ao rápido movimento que fazia, desviando-se habilmente das pessoas.
"Kanon!". Milo murmurou incrédulo levantando a sobrancelha direita, não pensou em momento algum que o outro gêmeo viria.
Agora ele vinha, ainda correndo, mas diminuindo o ritmo, nesse momento reparou em como Kanon era bonito, ainda mais vestido assim, com uma calça despojada verde-musgo larga, com bolsos grandes ao lado dos joelhos e com uma camisa preta justa, mostrando a bela forma do torso trabalhado.
"Tinha que ser!". Saga pensou, balançando negativamente a cabeça, em reprovação.
Em poucos segundos Kanon já estava à frente do Escorpião, e não esperou nem sua respiração voltar ao normal, tomo-o em seus braços colando os corpos em abraço forte demostrando todo o carinho que podia, e da mesma forma foi retribuído.
"Achei que não ia dar tempo". Murmurou docemente ainda apertando forte, sem se constranger com os muitos curiosos que observavam, já que ele havia entrado a trotes rápidos e nada discretos.
"Que bom que veio". Milo disse baixinho aconchegando-se ao peito forte do outro, sorrindo e sentindo o perfume gostoso que o bonito cavaleiro exalava.
"Quero aproveitar a oportunidade...". Kanon disse em tom moderado, sorrindo e desfazendo o contato, mas mantendo uma mão em cada ombro de Milo. "Para fazer umas encomendas!". Falou em tom de brincadeira. Sorriu maroto ao ver a cara de "eu já sabia" do amigo.
"Demorou... Não sou muambeiro!". Disse o escorpião fingindo indignação.
"Senhor, com licença. O senhor deve embarcar agora ou o avião vai levantar vôo". Disse a aeromoça, sempre sorrindo simpática.
"Claro!". Assentiu com a cabeça olhando-a, em seguida voltando o olhar para Kanon.
"Boa viagem!". Falou o geminiano sorrindo lindamente.
"Obrigado.".
Finalmente Milo entregou a passagem, entrou no portão de embarque dando um último tchau com a mão direita e logo em seguida perdendo os amigos de vista. Começou a caminhar refletindo sobre suas atitudes e sobre as possíveis conseqüências. Finalmente alcançou a escada e adentrou o avião, indo para a primeira classe e sentando-se na poltrona junto à janela.
"Saori foi generosa mesmo!". Afirmou para si em pensamento, já que a deusa havia se oferecido para pagar a primeira passagem e hospedagem.
No saguão os cavaleiros ainda estavam parados, apenas observando pelo vidro a aeronave de número 178 na qual estava o oitavo guardião dourado.
"É, tenho que admitir, as coisas vão ficar meio chatas sem aquele grego estúpido por aqui.". Comentou Máscara da Morte em tom estranhamente sério.
Kamus olhou para o canceriano, depois voltou o olhar para a pista de decolagem; o avião começava a se mover, a dor em seu peito crescia e a angústia apertava o sentimento puro em seu coração. Enfim a aeronave alçou vôo e uma lágrima solitária rolou pela face do Mago do Gelo.
"Que é isso, Kamus? Não precisa ficar assim. Ele só quer crescer um pouco!". Afirmou Aldebaran sorrindo com ternura e confiança ficando ao lado do companheiro.
"O meu medo, Deba, é que ele cresça demais e fique grande para o Santuário...". Falou em um sussurro o décimo primeiro guardião sentindo uma dor ainda mais forte no peito, tal como se o coração desejasse sair e ir junto com o amado.
O taurino olhou o amigo depois fitou seriamente o avião que diminuía seu tamanho no horizonte.
"Será?...". A pergunta ficou presa em sua mente, mas no fundo sabia... Realmente existia a possibilidade de um não retorno...
"Agora não tem mais volta!". Disse para si o grego que olhava pela redonda janela vendo apenas as nuvens que, àquela altitude, não mais pareciam algodões.
Voltou o olhar para a frente, fechou as orbes relaxando, tentando esquecer, no entanto uma imagem sempre lhe vinha perturbar a mente, a bela e triste face de seu melhor amigo que machucava cada vez mais e mais profundamente.
oooOOOooo
Finalmente o desembarque!
A viagem havia sido cansativa. Milo estava feliz por estar em um bom hotel. Entrando no quarto percebeu que era tudo muito simples e singelo, uma suíte com grande cama de casal, algumas plantas serviam de adornos na pequena varanda que dava vista para a populosa cidade. Era um país pobre, porém seu amigo Shaka lhe falara que muitos sábios ali residiam e que em especial um deles poderia ajudar muito em sua busca.
Jogou o casaco sobre a cama, desabotoando a camisa enquanto retirava os sapatos, sentou-se apenas para retirar as meias e foi para o banheiro. Terminou de se despir ligando o chuveiro enfiando-se em baixo da forte e morna ducha, deleitando-se com a sensação de frescor. Lembrava-lhe um toque suave de mãos macias... Mãos masculinas amigas...
"Kamus...". Murmurou baixinho tocando levemente o lábio inferior com o indicador direito deixando a água rolar por sua face, contornando a tentadora boca descendo por seus dedos, refrescando cada centímetro da pele morena, percorrendo cada saliência do corpo forte, espalhando os fios azuis pelo dorso, escondendo alguns dos salientes músculos.
Fechou os olhos e voltou a face para cima, deixando a ducha cair-lhe direto na face. Não entendia o motivo, mas Kamus não saía de seus pensamentos. A visão do outro lendo compenetrado seus papéis chatos sem notar nada ao redor, a visão do outro treinando, conversando e sorrindo... Ahhhh tinha certeza, aquele sorriso era para poucos e quem o recebia com maior freqüência era sempre ele, o cavaleiro de escorpião.
"Droga!". Praguejou, fechando velozmente o registro, cessando a queda d'água.
Com rispidez deixou o box, pegando a felpuda toalha verde-clara passando-a na face e enrolando-a na cintura. Não queria ficar pensando naquelas coisas, por isso iria imediatamente ao encontro do sábio indicado por Virgem.
Vestiu uma calca jeans desbotada confortável, desfiada na barra, calçou um par de tênis branco e vestiu uma camiseta sem mangas preta justa apenas o suficiente para mostrar o contorno bonito do corpo, colocou algumas coisas em uma mochila, pendurando-a nas costas e deixando o aposento.
Na recepção foi advertido por um jovem gerente de que uma excursão, àquela hora da tarde poderia ser muito arriscada para quem não conhecia a região, já que era pouco provável um retorno ainda à luz do dia.
"Logo a noite vai chegar!". Afirmou o homem uniformizado de vermelho.
"Não tem problema, devo voltar só pela manhã mesmo.". Disse sério, ignorando o aviso e logo em seguida saindo do hotel.
Começou a caminhar e deu graças aos deuses ao fato de Shaka ser um grande perfecionista que, além de explicar-lhe verbalmente qual caminho devia seguir, também fez um mapa que era a única coisa que usava para não se perder.
Era a província de Gujarat e o idioma era estranho, não compreendia nada; no hotel, usara o fraquíssimo inglês que havia aprendido tempos atrás, mas em meio ao povo isso nada adiantava, guiava-se por instinto e o precário mapa. A cidade era basicamente campestre e conforme seguia o número de casas diminuía, o céu começava a se tornar alaranjado mais forte e o manto da noite, ainda suave, começava a cobrir a imensidão.
Após mais algum tempo já se encontrava em uma região de plantações, reconheceu como sendo de arroz, não havia mais casas, a estrada era de terra e apenas uma grande montanha se fazia presente no horizonte.
Mais um tempo se passou, um camponês se aproximava no horizonte, caminhando em sentindo contrário ao incerto escorpião, que aflito resolveu perguntar. Já estava andando há horas e não encontrava o lugar indicado no mapa.
"Com licença, poderia me ajudar? Onde fica o templo do sacerdote Yanne?". Perguntou apontando o mapa em suas mãos.
O homem moreno de olhos verdes, envolto em sua túnica laranja, carregava nas costas um jarro de barro que prendia com alças parecendo a mochila de Milo; trazia os cabelos ocultos em um turbante que caía também na lateral do rosto e no pescoço. Olhou curioso como se nada entendesse.
"Tô ferrado mesmo!". Praguejou o moreno olhando para o jovem senhor que analisava o mapa.
O homem fitou o cavaleiro com seu estranho olhar verde como se demostrasse preocupação e receio, pronunciou algo ininteligível aos ouvidos do grego e logo em seguida ergueu o braço esquerdo apontando para a montanha e montrando-a no mapa com a outra mão.
"Nossa, isso aqui é uma montanha? É! Para desenho o Shaka não tem talento! Muito obrigado!". Afirmou sorrindo e curvando-se levemente em cumprimento, e recomeçou a caminhada.
O homem olhou por alguns instantes mantendo o cenho franzido.
"Que Deus tenha piedade de sua alma". Repetiu em dialeto local, retomando sua caminhada.
O Escorpião olhou desanimado para a longa distância que teria que percorrer, naquele ritmo demoraria demais, por isso resolveu usar de sua velocidade de cavaleiro, começando a corrida e em poucos instantes chegando ao local indicado.
Começou a subir a montanha, recoberta por mata que se tornava mais densa conforme adentrava, a noite já cobria o céu com o suave tom de seu início. Andou por aproximadamente vinte minutos, ultrapassou um bambuzal e deparou-se com uma clareira, surpreendeu-se ao ver que logo à frente de onde estava iniciava-se uma escadaria de três lances de degraus com aproximadamente cem deles. Sorriu e, com hábeis movimentos, começou a subida saltando apenas algumas vezes, estando no topo ao término do terceiro impulso.
Olhou ao redor, vendo um imenso pátio todo feito da mesma pedra cinza-escuro que moldava a escadaria; bem no meio dele havia um estátua de aproximadamente um metro e meio de um forte e viril touro: era Nandi, servo de Shiva. À frente viu o templo que aparentava apenas dois andares, com o topo assemelhando-se a um "U" de cabeça para baixo - porém em degradé feito por ondulações-, e grande no comprimento. Contava apenas com uma grande porta e algumas janelas, feitos em madeira rústica, não possuindo a grandiosidade e suntuosidade que esperava.
Resolveu entrar, ultrapassado o pátio chegando à porta que jazia aberta como em convite.
Logo no salão de entrada encontrou uma jovem que, com uma vassoura improvisada com ramalhetes de galhos, varria o local.
"Boa noite. Procuro por Yanne." Disse educadamente, fitando a jovem que parou o que fazia para olhá-lo.
"Então procura por mim!". Afirmou ela sorrindo e olhando para o estranho que estava parado na entrada do templo.
"Hã? Você?". Milo falou incrédulo.
Reparou melhor na jovem: era baixinha, mais ou menos um metro e sessenta, possuía longos cabelos vermelhos lisos e fartos e franja cobria parcialmente o azul-safira dos olhos que brilhavam intensamente, a face era delicada e meiga; aparentava ter no máximo dezessete anos.
"Mas o Shaka havia me falado que esse tal sábio já era adulto quando ele era criança!". Milo ardia em dúvida, não poderia ser, aquela menina ser o tal sábio!
"Sim, sou eu mesma. Como um estrangeiro conseguiu chegar até aqui sozinho?". Perguntou sendo simpática, ainda segurando a vassoura.
"Ahhh! Não! Não cheguei sozinho! Se não fosse o mapa do meu amigo Shaka eu nunca haveria encontrado esse lugar!". Afirmou sem graça, mostrando o pedaço de papel, achando que o loiro havia aprontado uma grande brincadeira sem graça e tentando esconder seu nervosismo atrás de um sorriso alegre.
"Você é amigo de Shaka? Logo vi que não se tratava de um ser normal, és um cavaleiro e pela sua aura é da elite dourada". Yanne tomou uma postura séria a voz sendo entonada calculistamente.
Milo sentiu um arrepio por todo o corpo, seu sorriso murchou e transpareceu toda a preocupação que lhe açoitou.
"Sim, é isso que sou. Vim aqui...". Começou a falar com firmeza.
"Para encontrar seu caminho!". Ela completou a frase fechando os olhos como quem quer racionalizar sobre um dado fato ou assunto.
"Como sabe?" Perguntou o grego curioso, começando a acreditar no que ouvira da jovem.
"Sou Yanne, uma sarcedotiza, minha missão é mostrar o caminho. Venha comigo." Ela falou sem olhar para o moreno, começando a caminhar indo à direita de onde estava, adentrando um estreito corredor, iluminado apenas pela luz prateada da noite.
O escorpiano foi atrás, seguindo-a sem nada perguntar. Ao termino do corredor havia uma porta que dava para uma escadaria em espiral, que descia. O caminho era escuro, tochas iluminavam alguns pontos apenas o suficiente para ver a forma feminina que ia à frente e os degraus. Seguiram em silêncio mórbido enquanto o coração do escorpiano se apertava estranhamente, como se pressentisse que algo muito importante e irremediável fosse acontecer.
Após o que pareceram dois andares, um novo corredor se formou, dessa vez pequeno e com mais iluminação, sendo possível ver ao fim uma porta dupla prateada fechada, que logo foi empurrada por ambas as mãos da jovem ruiva, fazendo ambas as partes abrirem para dentro e parando totalmente abertas.
Quando finalmente conseguiu ver, Milo ficou atônito. Era um salão grande, tinha o chão de mármore branco, as paredes recobertas por tapeçarias vermelhas e bordadas em dourado, e o mais surpreendente era o altar ao fundo, que possuía uma grande estátua de Shiva, o deus sentado sobre suas pernas, a naja envolta em seu pescoço descansando a cabeça no ombro esquerdo do senhor 'sustentador',os cabelos com incrível leveza, ao lado direito o tridente Trishula, toda feita em ouro com pedras preciosas das mais diversas cores e tamanhos encravadas em seu corpo; velas iluminavam bruxuleando ao redor da estátua enquanto tochas cercavam todo o local, deixando-o claro como se o sol ali refletisse seus raios, e o suave perfume de absinto tomava conta do ar saindo de incensários que, ao lado do monumento e nos quatro cantos do salão, expeliam sua fumaça cinza e perfumada.
"O templo é subterrâneo!". Afirmou, em um murmúrio, o moreno atônito.
A sarcedotiza caminhou em silêncio parando em frente a estátua da deusa; uniu as mãos, começando a recitar um mantra que Milo não compreendeu.
"MAHESAYA VIDMAHE". Ela falava com voz suave e melódica.
As palavras saíam como música cantada por sensuais e malignas sereias, por alguma razão que não soube explicar retirou a mochila e a jogou próximo à porta, caminhando para o centro do salão tendo a jovem de costas para si.
"MAHADEVAYA DHIMAHI".
Aquela voz era inebriante, a mente do grego concentrava-se apenas naquele som sobrenatural, estava entrando em transe, suas orbes perderam o brilho da vida, a alma ficou inerte assim como o corpo que, ereto, não se movia.
"TANNAHA SIVAHA PRACODAYATA".
Então ela parou, virando-se para o moreno com ar sereno porém imponente.
"Milo de Escorpião, sua viajem começa aqui!". A voz soou levemente lasciva, denotando força.
O cavaleiro então recuperou a consciência, olhando surpreso para a ruiva.
"Eu não disse o meu nome...". Falou assustado encarando-a, então tentou dar uma passo para trás, porém suas pernas não obedeceram teimando em ficar no mesmo lugar, causando um fino desespero no peito do moreno.
"O que busca... Irá encontrar da maneira mais difícil...". Falou sombriamente Yanne.
Então uma luz dourada apareceu ao redor do cavaleiro formando um círculo de dois metros de raio tendo ele como centro, outros raios se seguiram cortando o círculo, formando uma estrela de cinco pontas, Milo sempre ao centro. A energia começou a circular, indo para cima, movendo ferozmente as madeixas bonitas azul-arroxeado e onduladas.
O moreno estava apavorado. Olhava para a jovem que havia perdido o ar meigo e agora parecia uma geleira cruel e fatal demonstrando nas orbes azuis.
Escorpião sentiu o chão ceder, arregalou os olhos ao ver que tudo, antes branco puríssimo, agora estava em negro absoluto. Não conseguia pronunciar palavra alguma, era como se algo lhe apertasse a garganta impedindo o som de sair, e então, tal qual uma estalagmite, um braço negro surgiu do chão, movendo-se, abraçando a roliça perna direita e outro tomou a esquerda começando a puxar, e o corpo desceu penetrando no solo como se ele fosse feito de algo pastoso, engolindo o corpo bonito.
Já estava mergulhado até a cintura na escuridão, os olhos azuis transmitiam pavor incontido, a alma gritava e clamava o que a voz não conseguia, nem mesmo seu potente cosmo conseguia se sobressair.
O braço esquerdo foi tomado, apenas a face e o direito ainda se via, novamente a imagem, a face de Kamus, tomou a mente do moreno, o coração doeu inigualavelmente perante a dor de nunca mais vê-lo.
"KAMUS!". A única palavra saiu desesperada dos lábios do grego, que em seguida foi tomado totalmente pela escuridão.
"Sua viajem começa agora...". Repetiu Yanne fitando o chão escarlate.
Continua...
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Nota da autora
Hinduísmo
Shiva: originalmente conhecido como o destruidor, mas incorporou adjetivos de criador (ele destrói as coisas para renová-las) e sustentador.
O trishula - É com essa arma que Shiva destrói a ignorância nos seres humanos. Suas três pontas representam as três qualidades da matéria: tamas (a inércia), rajas (o movimento) e sattva (o equilíbrio).
Nandi é o touro branco que acompanha Shiva, sua montaria e seu mais fiel servo. O touro está associado às forças telúricas e à virilidade. Também representa a força física e a violência. Montar o touro branco significa dominar a violência e controlar sua própria força. A palavra "Nandi" significa "aquele que dá a alegria". Sua devoção por seu senhor é tão grande que sempre se encontra sua figura diante dos templos dedicados a Shiva. Ele está deitado, guardando o portão principal.
Os mantras recitados por Yanne são os de invocação ao deus.
Essa fanfic está parada há muito tempo, porém recentemente voltei a me empolgar com ela (graças a um feliz comentário!).
No próximo capitulo começa a parte Crossover propriamente dita, o lindo do Kurama vai dar o ar de sua graça.
Ahhh! A Yanne vai ser melhor explicada, não precisa atirar pedras, ok!
Obrigada, espero que esteja gostando.
Aiko Hosokawa
24/11/05 11:50 (sim em horário de serviço " )
