Título da
fic:
Marcas do Destino
Personagens principais: Mu e Shaka
Personagens secundários: Miro, Kamus, MdM, Shura, Afrodite e
outros
Classificação: Yaoi, A.U., O.C.C., Angst, Dark-Lemon, Lemon,
Romance
Autoras: Litha-chan e Jade Toreador
OBSERVAÇÃO: Esta fic aborda caso de pedofilia, mas não como forma gratuita e sim para exemplificar um fato que realmente acontece no mundo com algumas famílias. Procuraremos não descrever as cenas, mas faremos alguns relatos necessários para a melhor compreensão e desenvolvimento da história.
Notas explicativas sobre os personagens:
Os nomes de alguns personagens foram criados por mim e pela Jade. Carlo di Angelis é de autoria da escritora Pipe. Vamos aos nomes para que vocês não fiquem perdidos no decorrer da fic, ok?
Mu de Áries
- Mutisha
Dzogchen Dorje
Shaka de Virgem - Sidartha Kramahidja Swentson
Milo de Escorpião - Milo Nikos Aleksiou Sikelanós
Kamus de Aquário - Michel Kamus Monchelieu
Afrodite de Peixes - Afrodite Lindgren Göte Gunnar
Shura de Capricórnio - Guillén Shura Quesada Montoro
Misty de Lagarto - Misty Lindgren Reenê Forann
Conforme a fic for se desenvolvendo outros personagens irão aparecendo, então a medida isto for ocorrendo, nas notas explicativas, poderá haver menção sobre o nome de um determinado personagem.
Sumário:O destino tece bênçãos e tragédias nos corações de ricos e pobres, todos estão inexoravelmente presos na roda kármica da vida. O amor e o ódio queimam as marcas do destino, revelando dores e alegrias num rodamoinho interminável de emoções...
Boa Leitura...
Marcas do Destino
- Capítulo 2 –
Shaka tinha um sorriso cândido nos lábios quando chegou no estacionamento da boate e olhou sedutoramente para o manobrista. O grego, casado e pai de quatro filhos, se dizia macho convicto, mas mesmo ele, olhava abobado para Shaka quando este passava lindo e altivo pela boate. Não consegui evitar um suspiro de satisfação quando viu o louro parar do seu lado, muito pálido, com olheiras, mas lindo.
"Kinthos, você sabe me dizer qual é o carro do senhor Mitusha Dzogchen Dorje?".
O manobrista assentiu...
"Sim, claro, Shaka, o senhor Lindgren (Afrodite) veio aqui pessoalmente e foi bem claro que eu deveria tomar cuidado com ele e não deixar nenhum arranhão acontecer... É um convidado muito especial do patrão...".
Shaka sorria, um sorriso cândido de criança... Os lábios ainda tremiam por causa da dor que controlava, mas isso só aumentava sua fragilidade adorável...
"Pode me mostrar qual é? Sabe, estou curioso, queria saber o que um ricaço desses gosta de dirigir...".
"Claro, venha, eu o deixei aqui nessa área reservada... Veja, é um Porsche magnífico...".
"Puxa, lindo mesmo... Escuta, eu não vou mais trabalhar hoje, você não podia ir buscar uma garrafa de vinho para nós dois?".
"Não posso beber em serviço...".
"Oh, claro que pode. Você sabe, eu tenho as minhas regalias por aqui, depois eu falo com o nosso chefe. Vamos lá, um copinho só... Não gosto de beber sozinho e não quero ficar perto daquela gente afetada mais!".
O pobre homem estava pasmo com o súbito interesse de Shaka por ele. Sem pestanejar, correu para fazer o que Shaka lhe pedia.
Ficaram ali, o carro e o dançarino. Shaka sorriu de novo... Puxou de trás de uma coluna o taco de beisebol que havia escondido minutos antes de se aproximar do manobrista...
"Agora, senhor Mutisha, acho que a sua noite não vai acabar tão bem quanto pensa... Vai gastar um 'pouco' mais do que gastou pelos meus favores...".
O barulho do vidro espatifando foi estrondoso. Mas a música alta não deixou os seguranças ouvirem o estrondo. Shaka ergueu o taco e bateu de novo, com toda sua força, agora na carroceria do automóvel espetacular... E bateu outra vez... E outra vez... Enquanto destruía a carroceria do belíssimo carro, sua voz acompanhava cada batida.
"Isto... é para... você... aprender a... não me... machucar... seu cretino".
Seus olhos brilhavam de pura fúria.
Seus atos descontavam a humilhação passada há anos atrás nas mãos de seu pai, descontavam também os atos sofridos nesta noite que o haviam feito se lembrar de um passado dolorido.
Seu corpo protestava de dor, seus músculos tensos pareciam que estavam prestes a entrar em colapso se continuasse com aquilo. Respirou fundo tentando reorganizar seus pensamentos, tentando buscar um fio de razão em meio a sentimentos conflitantes.
Alguns míseros minutos se passaram e Shaka logo tratou de esconder o taco de beisebol em um dos cantos do estacionamento. Teria agora que despistar Kinthos para que este nada percebesse, e, para isso, não poderia esperá-lo ali. Tratou de se direcionar para a entrada do estacionamento o mais rápido que pôde e logo que chegou lá, já conseguia vislumbrar a silhueta do manobrista voltando com uma garrafa em mãos.
Forçou um de seus mais belos – e falsos – sorrisos enquanto Kinthos lhe estendia uma taça.
"Obrigado Kinthos, eu estava realmente precisando de uma bebida para relaxar, ainda mais ao lado de uma pessoa tão bondosa como você".
Deixou o líquido verter por sua garganta, sabendo que o coitado do manobrista estava apenas sendo ludibriado.
"O que é isso Shaka, eu que agradeço a sua pequena atenção. Estou até surpreso que esteja aqui". Comentava o manobrista vendo a forma sensual como o dançarino bebia. Era um gesto simples até, mas mesmo assim como tudo naquele louro, cada gesto era sensual.
Os dois ficaram pouco tempo ali em um pequeno desfrute da companhia um do outro.
Kinthos estava apenas observando e até mesmo pensando como Shaka poderia ser tão belo como uma mulher, mesmo sendo um homem. E Shaka tentando bloquear a raiva, a mágoa e a dor que invadia seu corpo.
Shaka, olhando para os belos olhos castanhos de Kinthos, deixou um pequeno suspiro lhe escapar dos lábios. 'Será que ele é um bom pai?' Ficou pensando...
"Você ama seus filhos, Kinthos? É um bom pai e esposo?".
Para o jovem manobrista poderia soar uma pergunta estranha e até mesmo fora do contexto, mas Shaka, em seu interior, precisava saber da resposta.
O jovem de cabelos da cor chocolate fitou o belo rosto do louro com uma pequena ponta de confusão, mas que logo em seguida foi sobreposta por um belo sorriso seguido da voz animada do manobrista.
"Sim, amo todos do fundo do meu coração. Eles são minha vida, minhas três meninas e meu casula, são como se fossem minhas preciosas jóias, e minha esposa é a mulher mais amorosa que eu poderia ter ao meu lado". Kinthos estava ainda sorrindo enquanto olhava para Shaka.
"Que bom meu amigo, nunca deixe de amá-los e seja sempre um bom pai".
Shaka mal havia terminado de falar e já se preparava para ir embora. Nada mais foi dito entre eles.
No rosto de Shaka, que a esta altura se encontrava de costas para o manobrista, uma lágrima rolava enquanto o louro caminhava adentrando o estabelecimento, deixando para trás um jovem um pouco confuso.
.:.:.O.:.:.
"Grego imbécile. Porquê eu sempre tenho que ficar tenso quando estou perto dele? Droga!".
Kamus já tinha chegado no flat há alguns minutos e não conseguia deixar de refletir as palavras de Milo para si. Nem durante o trajeto da boate até o flat conseguira se acalmar, e agora estava ali, ainda tenso, andando de um lado ao outro tentando entender... Tentando SE entender.
"Eu não devo sentir nada. Somos amigos, apenas amigos".
Desabou no sofá branco. Seu rosto confuso, como se tais palavras lhe parecessem difíceis de serem entendidas.
Eram amigos de longa data, sempre andavam juntos quando Milo ia a França. Amigos... apenas amigos .
"Então porquê me sinto assim? Porquê? Será que estou confundindo os sentimentos? Eu não devo sentir nada além de amizade... Eu tenho Annethe...".
Em seu rosto, uma pequena lágrima percorria a face alva. Uma lágrima única e solitária. Tão solitária quanto ele se sentia agora.
"Quem de nós dois é o mais estúpido?".
Suspirou deitando-se no sofá enquanto fitava o teto da sala de seu flat.
.:.:.O.:.:.
Ainda dentro da boate, Milo não conseguia se divertir como antes. Dançava, conversava, mas sabia que algo estava fora de seu lugar. Detestava brigar com Kamus. Implicar era uma coisa, brincar era outra, mas brigar, se desentender com o francês era algo que detestava fazer.
Entendia a posição de Kamus com os atos de Mu, mas nem de longe gostaria de ter que ver uma briga entre as duas pessoas que mais gostava nesta vida! Mu estava errado em agir daquela forma. Sabia muito bem a que ponto seu amigo ariano poderia chegar quando contrariado e humilhado. E o que pôde observar antes de todo desenrolar do "estopim", era que seu amigo realmente havia ficado interessado no mestiço louro. Era uma pena o ocorrido! Talvez se os rumos fossem outros, eles se dariam bem. Shaka era até que um bom companheiro de conversa.
Estava na mesa olhando em direção a pista e dança, vendo Mu dançar como se nada tivesse ocorrido. Um ar despreocupado ao lado de Carlo que também dançava.
"Milo, não esquente a cabeça. Tanto Mu, quanto Kamus, são bem crescidos".
Shura despertou Milo de seus pensamentos.
Ao seu lado, Misty observava a conversa entre o espanhol e o belo grego. Sua curiosidade estava a mil, mas não ousaria se pronunciar e vir a estragar a oportunidade de ouvir a conversa toda.
Aconchegou-se mais ao lado do espanhol, sorrindo lhe de maneira encantadora.
"O que acha de me acompanhar em uma dança?". Seus dedos passavam levemente sobre o antebraço de Shura em uma pequena carícia.
"Que tipo de dança você está se referindo, Misty?".
"Uma bem sensual, tão sensual quanto um certo espanhol que conheci hoje. O que acha?". Riu maroto.
"Humm, podemos pensar sobre isto na pista. Vamos".
O tempo parecia ter alçado vôo. Faltava pouco para o dia amanhecer e nem Mu, Misty, Shura e Dite pareciam cansados. Milo e Carlo estavam apenas sentados à mesa observando o movimento da boate se reduzir.
"Milo, acho melhor irmos para casa. Não estou cansado, mas preciso relaxar em uma banheira com água bem morna".
Mu estava completamente suado, seus cabelos já havia se desprendidos a muito tempo do rabo de cavalo baixo, e sua blusa estava quase totalmente aberta deixando a mostra uma boa parte do torneado tórax.
"Tudo bem, Mu. Vou lhe acompanhar até sua casa, já que me carro ficou em sua garagem".
Milo estava mais do que desanimado. A saída de Kamus lhe perturbara tanto que o grego não conseguira mesmo se animar muito o restante da noite.
"Ok, então vamos logo, antes que eu resolva dar uma pequena esticadinha e te deixe a pé pela cidade". O ariano estava, incrivelmente, com um bom humor. Nem parecia que horas atrás ele esbanjava fúria por todos os poros!
Despediram-se dos amigos que ali se encontravam e foram caminhando até o estacionamento reservado.
"Milo, o que houve para você estar com essa cara azeda?".
"Nada que possa ser comentado".
"Olha, notei a falta de Kamus. O que aconteceu, vocês brigaram?".
Não gostava de ver Milo daquela forma. Eram raras às vezes disto ocorrer, de vê-lo tão calado com o semblante preocupado.
"Brigamos, creio. Ele queria intervir nas suas ações insanas da noite e eu não deixei". Falava baixo. Haviam parado no meio do jardim que dava para o estacionamento.
"Humm, ele se incomodou com o que fiz, não é mesmo?".
"Até eu me incomodei, Mu, lhe digo que às vezes é detestável presenciar suas crises. Se eu não lhe conhecesse tão bem, eu mesmo teria me metido, e você bem sabe que a gente teria saído no braço".
"Eu sei disto. Você poderia... Eu sei que passo dos limites". Confirmou suspirando. "Mas ele provocou!". O brilho rebelde estava ali nos orbes verdes.
Milo apenas balançou a cabeça constando que Mu não mudaria nunca pelo visto. Sempre rebelde sempre turrão.
"É, mas o Kamus, depois que eu falei que nada adiantaria, e que só iria piorar o seu estado de irritação, me chamou de covarde e etc. Ele disse que iria embora e eu acabei dando com a língua nos dentes sobre a nossa situação. Acho que não deveria ter dito nada".
"Milo... eu acho que você deveria conversar com ele de forma adulta".
Ambos voltaram a andar. Passaram pelo manobrista Kinthos, pegando a chave do carro e seguiram em direção a área privativa do estacionamento.
A conversa era até normal e baixa. Isto até Milo estancar os passos em frente ao carro, chamando também a atenção de Mu para o veículo.
"Pelos Deuses, o que aconteceu aqui?". Milo estava boquiaberto com o que via.
"QUEM FOI O DESGRAÇADO QUE FEZ ISTO AO MEU CARRO?".
A imagem era realmente bizarra.
Mu não conseguia respirar direto, pois a raiva estava tomando todo o seu corpo. Seu carro, seu adorável carro, uma das primeiras coisas que comprara ao chegar na Grécia, um Porshe Carrera GT prateado estava completamente amassado, quebrado... destruído. O chassi continha marcas fundas, como se pedras ou alguma coisa com muita força tivera sido arremessada contra ele. Os vidros estavam estilhaçados, faróis já não mais existiam. Nada estava inteiro. Nada.
Milo estava atônito. Olhou para o rosto do amigo sabendo que ali se daria uma guerra, seja lá com quem fosse. Mu tinha uma paixão por carros. Não que não tivesse condições de comprar um outro, pois tinha dinheiro para isso e muito mais, mas o fato de ter um de seus "xodós" depredados não era uma das melhores situações.
"Milo, se eu pego o desgraçado que fez isto... juro, que o preço será muito alto". A voz mesmo baixa era de amedrontar qualquer pessoa que escutasse. Os olhos de Mu estavam vibrantes, mas o que mais assustou Milo foi um pequeno sorriso no canto dos lábios do ariano.
"Mu, o que você pretende fazer? Você está muito controlado para o meu gosto!".
O fato era que Milo conhecia realmente o amigo. Conhecia tão bem, que sabia que a pólvora havia sido acessa, e que, o tempo estava correndo para que a bomba explodisse.
"Vem comigo Milo. Sei muito bem quem poderia ter feito isto. Agora eu vou apenas cobrar uma solução".
Mu saiu andando na frente com passos decididos. Destino? Afrodite Lindgren. Solução? Só os Deuses poderiam saber a esta altura.
Milo saiu correndo atrás do amigo, perguntando-se se algo pior do que um grande escândalo poderia ocorrer ainda para encerrar a noite.
.:.:.O.:.:.
Não conseguia dormir. Seu corpo doía por ser encontrar tenso. Rolar de um lado ao outro na cama, só ajudava a aumentar ainda mais a sensação incomoda. Sentindo-se irritado, acabou-se por se levantar abruptamente.
"Maldição!". As mãos passam pelos fios desarrumados demonstrando um pequeno desespero.
Toda vez que tentava dormir, não conseguia tirar aquele corpo de seus pensamentos. A voz, o sorriso, o odor e principalmente aquele brilho característico que somente aqueles orbes azuis possuíam.
"Droga! Você parece um fantasma a me rondar... Eu não devo, não é certo... não devo pensar em você assim Milo". Um suspiro podia ser ouvido.
Levantou-se sentido uma leve tensão se alojando em sua pélvis. Sem muito pensar, foi caminhando para o banheiro tencionando tomar uma ducha fria para aplacar quaisquer pensamentos incoerentes que por ventura pudessem surgir.
Após ter posto a banheira para encher, prostrou-se a frente do espelho e permaneceu alguns segundos se fitando. Seus dedos se direcionaram para o vão entre o pescoço e ombro direito, como se estivessem a procurar algum indício. Um pequeno sorriso brotou em seus lábios ao se lembrar do sonho – mesmo que curto – que tivera há alguns minutos atrás. Na verdade se o sonho fosse real, seu pescoço estaria tomado de marcas vermelhas ou até mesmo arroxeadas, uma vez que sua pele era extremamente pálida. Mas em um estalo, alguns segundos depois, se olhou severamente balançando a cabeça em negação como se recriminasse por tal pensamento.
"Kamus, Kamus... pare com isto, não é certo... não...". Suspirou cansado por lutar contra os pensamentos daquela noite. Vencido, olhou para a banheira que já se encontrava na metade e resolveu entrar na mesma.
Encostou a cabeça na borda gelada, sentindo sua pele se arrepiar levemente. Adorava sentir o frio, sentir toques gelados em seu corpo. A Grécia era por demais quente para ele, e ainda mais naquela noite, o calor parecia ter aumentado.
Deixou um pequeno gemido escapar lhe os lábios ao sentir sua pele quente, quase febril, de encontro com a água gélida. Esticou-se de forma quase preguiçosa na banheira, fechando os olhos enquanto suas mãos repousavam por sobre seu abdômen moldado.
Infelizmente, sua mente também estava conspirando contra a sua sanidade, sua razão. Segundos após cerrar as pálpebras, imagens invadiram sua mente.
Eram flashs, mas cada um mostrava nitidamente os acontecimentos.
Milo Nikos. O dono de seus... Pesadelos?
O jeito de andar que Milo possuía, tirava qualquer do sério. O corpo possuía um gingado, possuía uma áurea sensual que o fazia ser comparado a qualquer Deus grego.
A água fria já se encontrava na altura dos mamilos de Kamus, e o toque entre o frio e o quente, resultou em uma corrente elétrica pelos nervos do belo francês. Kamus gemeu, e inconscientemente levou uma de suas mãos para um dos mamilos que já se encontravam rijos. Sem pensar, tocou-o levemente, passando uma das unhas longas e bem cuidadas. Era o início de um estopim.
Kamus forçou a cabeça um pouco mais contra a borda e seus lábios se entreabriram deixando um gemido ecoar. Em sua mente, a imagem de ter Milo imprensando seu corpo contra a parede da sala de reuniões era como se fosse bem real.
"Hummm... ahhh...".
Sanidade? Que sanidade? Imaginar ter seu corpo imprensado, tocado, mordido selvagemente como estava sendo em seus devaneios agora, era algo que minava a boa razão de qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo.
Seu sexo voltara a despertar com toda intensidade. Sentia-o pulsar em meio à água gelada. Seus olhos antes cerrados abriram-se nublados de desejo, e fitaram o próprio sexo rijo que teimava e pedia por alívio.
A outra mão de Kamus foi sendo deslizada para baixo, indo de encontro com aquele pedaço de carne pulsante do corpo do francês.
Seus dedos se fecharam em torno de seu membro ao mesmo instante em que na mente de Kamus, este imaginava os lábios de Milo a lhe envolver. Ao contrário da temperatura da água, a sensação que predominava, era a suposta quentura dos lábios de Milo em seu membro. Sua mão começou a se movimentar lentamente como se estivesse acompanhando o ritmo imposto pelos lábios do grego.
Seus lábios vertiam gemidos e dizeres desconexos. Seus olhos voltaram a se cerrarem e em seu rosto, um leve rubor começava a se instalar.
As pernas foram levemente afastadas, a mão subia e descia em movimentos intensos em torno do sexo endurecido de Kamus. O francês já podia sentir o corpo sucumbindo os espasmos que anunciavam o clímax. Em sua mente, a visão era deliciosa. Milo enquanto lhe sugava e acariciava seus testículos, fitava-o de maneira selvagem. Um predador pronto para engolir sua pequena presa. Kamus podia sentir que o fim estava próximo, seu corpo tremia intensamente, mas seus olhos não conseguiam se desvencilhar dos olhos de Milo.
Em um grito rouco e vencido, Kamus deixou jorrar toda sua tensão.
"AHHHHHH...". O Grito, que na verdade era um gemido bastante intensificado, ecoou pelo banheiro do flat.
Alívio... Um enorme alívio, seguido de um delicioso torpor lhe invadia o ser.
Após alguns minutos, Kamus acabava de cair em si. Em seu peito uma pontada de remorso pôde ser sentida. Ele, logo ele, Kamus, noivo de uma fabulosa mulher, Annethe, que por onde passava chamava atenção... estava ali a se tocar pensando em um homem. E para piorar a situação, seu amigo Milo.
Seria engraçado se não fosse, até mesmo para ele, uma situação trágica. Ele não era como Milo ou como Mutisha. Ele não era homossexual e muito menos bissexual. Não entendia o que estava se passando com ele. Estava confuso e sentindo-se perdido. De repente a água lhe pareceu muito, mas muito fria e nada convidativa.
Levantou-se esquecendo até mesmo de terminar de se lavar, - coisa que fôra esquecida desde que sentara ali na banheira -, e começou a caminhar pesadamente para o quarto.
Seu corpo nu e cansado desabou por sobre a cama, e seus braços buscaram o conforto dos travesseiros, abraçando-os como se desta forma encontrasse proteção. Proteção de si mesmo. Proteção contra sua confusão mental.
Acabou adormecendo abraçado a eles.
.:.:.O.:.:.
Afrodite encontrava-se terminando de fechar o caixa. Todos os clientes já haviam se retirado do local. Tivera que basicamente expulsar seu primo para que ele não ousasse cogitar lhe perturbar o restante do tempo que ali permaneceria. Soltou um suspiro ao se lembrar dos avanços de Misty para cima de seu adorado italiano.
Sim, Carlo era seu. Seu em sonhos, seu em desejos, seu, somente seu, mas isto era uma visão somente dele, já que o italiano era avesso a cogitar uma relação com uma pessoa de mesmo sexo.
Afrodite sabia que Carlo flertara com Misty apenas para irritá-lo. Não era um grande segredo que ele gostava do maldito italiano, mas também não declarava isto a todos e nem a quatro ventos.
Quando finalmente decidira ir embora, escutou a porta lateral se abrir abruptamente. Seus olhos fitaram o amigo de Milo, Mutisha, e o próprio escorpiano, adentrando o local.
Seus pelos do corpo se arrepiaram, mas não de excitação, e sim por presenciar perigo. Perigo este que brilhava nos orbes do rapaz de cabelos cor de lavanda. Respirou fundo e tentou soar o mais normal possível.
"Oi lindinhos, pensei que já tinham ido embora". Sorriu enquanto mexia em uma mexa de seu cabelo para se acalmar.
A expressão no rosto de Milo era preocupante, mas o pior fora escutar o timbre de voz usada por Mutisha quando este lhe direcionou a palavra.
"Senhor Lindgren... Afrodite...".
Era baixo. O tom de voz de Mu era baixo e rouco. Os olhos do jovem estavam se estreitando como se preparassem o pulo para dar o bote em alguma presa. E Afrodite rezou para que ele não fosse o alvo daquele ataque.
Bem, em parte ele era o alvo.Mas não o único.
"Sim, Senhor Dorje! Em que posso lhe ajudar?".
Mu se aproximou perigosamente do corpo de Afrodite. Sua respiração estava começando a se descontrolar, e sua pele alva estava avermelhada demonstrando a raiva crescente dentro de si. O jovem elevou uma de suas mãos fazendo-a agarrar a gola da blusa que Afrodite vestia.
Afrodite tremeu com aquela reação. Ele pelo visto seria agredido e sem motivo aparente. Engoliu em seco e sua voz saiu um pouco assustada.
"Mas o que significa isto? Por favor, me solte senhor Dorje!". Tentava retirar a mão de Mu da gola de sua blusa sem êxito.
O ariano aproximou o próprio rosto da face de Afrodite. Encostou seus lábios no ouvido do outro, e disse, num sussurro ameaçador como a própria Morte:
"Escute, senhor Lindgren... Vou quebrar você, essa espelunca toda e ainda, não satisfeito, vou chamar a polícia para fechar esse puteiro. Acredite. Não vai sobrar pedra sobre pedra aqui dentro...".
Afrodite começou a suar frio. Não era do tipo covarde, nunca fôra, mas a fúria que via nas íris verdes era algo sobrenatural, de tão violenta!
"Escute, vamos conversar... O quê...".
"Vou conversar sim, mas com meus amigos influentes... Essa porra de boate vai ser a mais mal falada da cidade e NINGUÉM vai vir aqui! Vou fazer você virar pó, seu merda!".
"Deus do céu, mas o que aconte...".
"Meu Porshe... DESTRUÍDO. Ouviu bem, Lindgren, DESTRUIDO, ARRAZADO, FODIDO COMO VOCÊ VAI FICAR, É ISSO O QUE ACONTECEU!".
Agora, realmente, pequenas gotículas de suor surgiram na testa bonita de Afrodite, como gotas de orvalho numa flor Ele respirou fundo, tentando dominar o pânico que começava a invadi-lo:
"Senhor Dorje... Tenho certeza de que podemos chegar a um acordo...".
"Não há acordo, vou processar você e destruir tudo aqui dentro, sua cara, sua boate e até seu cachorro, se você tiver um!".
"Mas como...". De repente, a imagem de Shaka veio à mente de Afrodite. Claro, só poderia ter sido ele...
"Eu sei que a responsabilidade é minha, senhor Dorje, mas se houve uma agressão ao seu carro, o senhor provocou essa reação porque... AI".
Mu deu um tranco forte nos cabelos de Dite, que gemeu alto de dor...
"Não me dê lições de moral, seu gigoló, eu sei muito bem PORQUÊ isso aconteceu... E QUEM ousou encostar a mão no meu carro... Ele vai se arrepender de ter nascido, eu juro pela minha mãe morta! Agora, pode começar a rezar... Porque vou começar com você...".
Mu chegou a armar um soco com a mão direita. Afrodite gritou:
"Espere, vamos resolver isso como cavalheiros!".
Mu riu, um riso alto e nervoso, mas cheio de ironia... Abaixou a mão agressora. Milo olhava agoniado para o amigo, Afrodite, mas sabia que, se falasse algo agora, só iria tornar a fúria de Mutisha ainda maior.
"Cavalheiros? Hum, muito bem, senhor Lindgren, um pedido razoável, porque sou um cavalheiro... Quero a cabeça desse dançarino numa bandeja, e você, viado, vai me dar ela AGORA!".
"Mas... Mas... Senhor Dorje, seja razoável, Shaka jamais teria feito isso em condições normais, eu... AI".
Um novo puxão nos cabelos claríssimos fez Afrodite se calar:
"Não quero um advogado pro vagabundo! É isso, senhor Lindgren, a cabeça desse escroto, ou a polícia inteira fechando esse puteiro e levando você para a cadeia. Acredite, não falo nada que eu não possa cumprir!".
"Está bem, está bem, vamos conversar!".
Mu afrouxou a mão que ainda segurava a gola de Dite como um torniquete perigoso. O dono da boate chegou a tossir, de puro nervoso... E puxou o ar com mais forças para os pulmões, tentando se acalmar um pouco...
Mu disse:
"Muito bem, agora, como prova de boa fé, comece pagando o meu carro. Todo o valor dele. Um Porshe reformado para mim não vale nada. Quero outro. Novo".
Afrodite empalideceu. Era uma fortuna!
"Eu não tenho esse dinheiro!".
"Sua família tem, cara".
"Eu... Milo, explique pra ele que a minha família não me dá nada, que nós brigamos e que... Ah, céus, e que eu fiquei endividado com a reforma para inaugurar a boate... Mesmo que eu vendesse o meu carro, iria demorar para conseguir o dinheiro!".
Milo socorreu o amigo...
"É verdade o que ele diz, Mu".
"Não me importo, venda o seu carro, dê o rabo, faça alguma coisa ou vai se dar mal...".
"Senhor Dorje, por favor... Eu... Não tenho como arrumar esse dinheiro agora!".
"Então me entregue o dançarino, já disse".
"Mas, como, eu...".
"Você deve alguma coisa a ele? Ele tem algum dinheiro com você?".
Afrodite pensou em mentir, mas mudou de idéia quando percebeu que Mu não estava ali para brincadeiras...
"Sim, sim, ele tem quase quinze mil dólares comigo, fora o cheque que o senhor deu essa noite, e que eu ainda não dei a parte ele...".
"Me entregue o meu cheque agora, e mais o dinheiro todo dele! Já!".
"Mas são todas as economias dele! Ele confiou em mim para guardá-las!".
Mu riu de novo, um riso cheio de escárnio...
"Que comovente! Devo chorar nessa parte? Ande, cara, se ele não pagar o meu carro, é VOCÊ quem vai pagar. Escolha, eu quero sangue novo. Seu ou dele, o que vai ser?".
Afrodite engoliu em seco. Viu que não iria mesmo ter nenhuma escapatória. O homem estava mesmo decidido a levar aquilo até o fim...
"Tudo bem. Eu entrego o dinheiro dele para você".
Milo a essa altura se perguntava se não estava mesmo sendo covarde. Não. Mesmo que ele gritasse com Mu, conhecia bem o amigo, isso só iria servir para deixá-lo ainda mais sedento de vingança...
"Ótimo, cara, começou a pensar com a cabeça ao invés de pensar com o rabo. Ande, vá ao cofre e me dê o cheque".
Muito a contra gosto, Afrodite obedeceu. Foi até seu cofre e puxou o cheque que Mu havia dado pelo pagamento da noite com Shaka. Depois, pegou seu talão e assinou mais um cheque de quinze mil dólares. Antes o pescoço de Shaka na guilhotina do que o dele...
Mu pegou os cheques com um sorriso maléfico nos lábios bem feitos.
"Muito bem, essa quantia ridícula não paga nem a foto do meu carro, mas pelo menos, vou ter a certeza de que esse ordinário vai ficar sem um tostão... Agora, ouça: se você não quiser a polícia fechando esse puteiro amanhã logo cedo, vai chamar o cretino aqui e vai jogá-lo na rua AGORA MESMO".
"Mas, ele... Como ele vai lhe pagar se você tirar o sustento dele?".
Mu riu...
"Acha mesmo que vou me dar por satisfeito com ele apenas pagando meu carro em parcelas dignas de um mendigo? Esse cara vai pagar de outra forma... DA MINHA FORMA. Dê o endereço de onde esse vagabundo se esconde...".
"Eu não...".
"Não comece de novo. A minha paciência está no limite...". Estreitou os olhos.
Afrodite deu um suspiro desanimado, mas apanhou a caneta com a qual havia assinado o cheque e rabiscou um endereço numa folha de papel...
"Pronto, aqui está o endereço dele".
Mu sorria, agora. Milo não se conteve...
"O que você vai fazer, Mu?".
"Isso é da minha conta. Chame um táxi e vá para seu canto. Depois conversamos...".
"Mas...".
"Esse cretino escolheu o cara errado para provocar, Milo. Eu nunca desisto de uma batalha. Na empresa ou fora dela".
Milo suspirou, preocupado. Era verdade...
O escorpiano saiu, apreensivo... Aquilo iria ainda acabar mal... Mas Deus havia dado o dom da vida a todos, para cada um cuidar da sua! Eles que se entendessem!
Mu deu um "ultimatum" a Afrodite:
"Despeça esse ordinário. Se o alertar que tenho o endereço dele, juro que vai perder todos os dentes quando eu encontrar você de novo".
Sem esperar pela resposta do outro, Mutisha saiu... Afrodite deu um suspiro exasperado de alívio. Que pôrra! Escapara por pouco de uma surra bem dada...
.:.:.O.:.:.
"Mas eram todas as minhas economias, eu confiei em você!".
Dite sentia-se arrasado. Mas não via como fazer aquilo terminar de outra forma:
"Eu não tive escolha, cara, ele iria chamar a polícia e armar o maior rebôo aqui dentro! Você sim deveria ter pensando duas vezes antes de agir como um amador cretino!".
Os lábios de Shaka tremeram de ódio e frustração. Amador? Ah, Afrodite nunca iria entender o que ele, Shaka, havia sentindo com aquela humilhação! Como poderia entender? Vinha de uma família rica e fôra amado pelos pais na infância... O pai dele nunca...
Shaka respirou fundo fazendo um esforço sobre-humano para não desabar na frente do amigo e ex-patrão... Segurou suas lágrimas com muito custo:
"Você vai mesmo me jogar na rua?".
"Que escolha eu tenho, cara?".
"Se ponha no meu lugar, Dite, o que...".
"Se coloque VOCÊ no meu lugar! Eu avisei que Mu era poderoso, e o que você fez? Provocou o cara, esnobou ele daquele jeito antipático e altivo de quem dá as cartas sempre, desde o primeiro instante em que o viu! Caia na real!".
"Então a culpa é minha?".
"Minha é que não é! Eu teria agradado o bofe, feito ele me encher de mimos e presentes! E não bancado o gostoso!".
"Então talvez o puto aqui seja você e não eu!".
"Pode desabafar, Shaka, falar o que quiser, mas a verdade é que você não me deu outra alternativa. Você e Kinthos estão na rua".
Shaka empalideceu. Sua pele se tornou ainda mais clara do que era. Não... Kinthos não... O sorriso singelo do manobrista invadiu sua mente: 'Sim, amo todos do fundo do meu coração. Eles são minha vida, minhas três meninas e o meu casula, são como se fossem minhas preciosas jóias, e minha esposa é a mulher mais amorosa que eu poderia ter ao meu lado'.
"Dite... Pelo amor de Deus... Kinthos não tem nada a ver com isso...".
"Como não... Se ele não tivesse ajudado você a...".
"Ele não me ajudou!".
"Como não? Ele deveria ter vigiado o maldito carro como eu mandei!".
"A culpa foi minha, cara, minha!".
"Ele era o responsável! Se tivesse me avisado, eu teria ido lá e falado com você, colocado juízo na sua cabeça! E evitado essa confusão!".
O coração de Shaka estava aos saltos. Não podia prejudicar o pobre homem daquela forma... Era um bom pai! O bom pai que nunca ele, Shaka, tivera...
"Dite, por favor, eu nunca lhe pedi nada, mas eu lhe peço agora... Sei... Sei que você tem razão de estar com raiva, mas fique com raiva de mim, não dele, ele não teve culpa, não pode perder o trabalho! Ele tem esposa e quatro filhos!".
"Todos nós temos problemas, Shaka... E você me causou um enorme, por sinal...".
"Por favor...".
Afrodite abriu os braços e soltou um gritinho irado:
"Ah, está bem, está bem! O manobrista fica onde está, mas com a condição de você dar um jeito de acalmar o Mutisha!".
"Acalmar aquele cretino? QUERO QUE ELE QUEIME NO INFERNO! VOU ARRANCAR OS OLHOS DELE!".
"Escute, se o homem vier pra cima de mim, vou desforrar nesse... manobrista que não ficou no posto dele fui bem claro? FUI CLARO?".
Shaka deu um suspiro desanimado...
"Foi...".
"Então... É isso, Shaka. Eu sinto que tudo tenha acabado assim... Mas você tem que consertar essa merda toda sozinho, se é que quer mesmo ajudar Kinthos, mas se eu fosse você, pensaria no seu rabo, e não no dele. O Mu está furioso...".
Shaka ergueu o rosto daquele jeito lindo e altivo que somente ele sabia fazer...
"Tudo bem, eu vou arrumar minhas coisas e assim que o dia amanhecer, caio fora daqui. Esvazio o camarim para outro artista...".
"Espera...".
Afrodite puxou sua carteira do bolso e tirou uma nota de cem dólares...
"Tome. Você pode precisar...".
Mas Shaka era orgulhoso... Não estendeu a mão para pegar o dinheiro.
"Já que você deu todo o meu dinheiro para aquele esnobe, também agora não preciso da sua esmola! Adeus, senhor Lindgren".
Sem esperar pela reação do outro, Shaka foi para o camarim pegar algumas poucas peças de roupa que eram de sua propriedade... Sua cabeça latejava de dor, raiva e frustração, tudo ao mesmo tempo. Estava despedido, sem um tostão no bolso! Ah, mas não iria se deixar derrotar assim tão fácil...
Suspirou fundo, magoado. Aprendera, nos meses que estivera em Atenas, a gostar de Afrodite, da boate e do camarim. Era como se fosse um pedacinho de lar, mas agora... Mu estragara a pouca segurança que ele, Shaka, conquistara às duras penas...
Shaka colocou algumas peças de roupa numa mochila velha e tirou da parede o panô com o Deus Shiva que ficava sobre as almofadas do sofá. A verdade é que estava exausto... O dia estava quase amanhecendo... Iria dormir ali uma última noite e depois iria para casa...
Triste, tentando esquecer aquela noite que lhe fôra um verdadeiro pesadelo, Shaka tentou não pensar no medo, na insegurança, no desemprego, na dor do seu corpo, no coito forçado, no pai, em Mu, em nada. Iria descansar por no máximo duas ou três horas. Depois, iria embora dali para sempre...
Evitou a cama. Não queria ficar ali e lembrar o que havia acontecido entre ele e Mutisha. Preferiu encostar-se no sofá. Fechou os olhos e deixou a exaustão e a tristeza embalarem o seu sono. Não percebeu que lágrimas silenciosas umedeceram o sofá enquanto ele adormecia.
.:.:.O.:.:.
Mal o dia amanheceu e Kamus se perguntou o que estava fazendo em frente ao prédio onde Milo morava. Respirou fundo. Nada de mais. Apenas queria... Exorcizar aquelas fantasias ridículas da cabeça, sim, era isso! Não podia ficar alimentando aquela situação absurda, só porque o amigo era um homossexual assumido. MILO ERA, ele não! Talvez ele, Kamus, estivesse curioso, talvez tivesse ficado impressionado pelas palavras absurdas que Milo lhe jogara na cara durante aquele episódio infeliz na boate, mas suas reações na banheira haviam sido uma brincadeira idiota do inconsciente dele e isso não iria mais acontecer, não de novo!
Iria até o amigo, lhe pediria desculpas por ter acusado ele de omisso naquela violência gratuita de Mu e juntos iriam fazer o desejum. Depois, iriam conversando amenidades pelo escritório como sempre faziam, já que Mu marcara uma reunião louca para Sábado. Sim, era isso e ponto final. MAIS NADA! Uma rotina camarada entre dois amigos. Era esse o relacionamento que tinha com o senhor Sikelianós. O resto... O resto não existia!
Parou diante do zelador e pediu para ser anunciado. O homem, um grego da ilha de Creta, sorridente, disse no seu inglês estropiado:
"O senhor Sikelianós não está aqui, mas o senhor pode achá-lo logo ali, na oficina do meu sobrinho, parece que o senhor Milo alugou um box lá para fazer alguns reparos...".
Kamus sorriu. Milo sempre inventando moda...
"Fica longe daqui?".
"Não, senhor, eu disse, é aqui nessa rua mesmo, logo na esquina. O senhor pode deixar seu carro aqui e ir vê-lo a pé mesmo. É logo ali, na outra quadra...".
O francês concordou com a sugestão do zelador. Fechou seu carro, acionou o alarme com seu controle remoto e foi caminhando distraidamente em direção à oficina.
Logo viu a placa e o ambiente cheio de carros desmontados e peças de motos. O gordão mal encarado da entrada sorriu todo satisfeito quando viu Kamus se aproximando, muito elegante com seu blazer azul marinho e camisa branca, e um rabo de cavalo discreto prendendo os fulgurantes cabelos de fogo. Era impecável como um almirante naval... Um homem de posses, com certeza!
"Bom dia. O senhor Milo Nikos Sikelianós se encontra aí?".
O homem assentiu com a cabeça...
"Bem lá no fundo, no último box...".
Ainda era muito cedo e, além do sobrinho do zelador, não havia mais nenhum outro funcionário, apenas dois cachorros que latiram enquanto Kamus caminhava na direção indicada. Ele foi andando com um sorriso suave nos lábios... O que teria feito Milo acordar assim tão cedo? Ele odiava acordar cedo, ainda mais depois de uma noitada... Será que não dormira... Será... (Kamus corou como um tomate maduro) que ele havia se incomodado com a discussão deles dois?
Kamus ouviu umas marteladas... Fez uma curva e viu, mais adiante, o brilho niquelado e fulgurantemente azul da moto de Milo. Mas viu algo mais, que o deixou totalmente atônico: corpo de Milo, lindo, jogado no chão como se fosse mais uma peça mecânica. Foi como se um choque elétrico percorresse todo o seu corpo violentamente.
Milo cantarolava alegremente e mexia na moto, enquanto sua musculatura retesava involuntariamente devido ao esforço físico de sustentar a peça da moto no ar enquanto engraxava o motor.
O aquariano ficou aturdido com aquela visão sensual e aterradora: Milo ali, sem camisa, sujo de graxa, os cabelos soltos pelos ombros num desalinho total! O escorpiano estava protegido da nudez total apenas por uma calça jeans velha rasgada no joelho direito. As coxas firmes e torneadas, o abdômen desenhado... Os quadris estreitos e o volume protuberante entre as pernas pareciam querer explodir o maldito tecido do jeans!
Agoniado, Kamus viu todos os detalhes que pareciam brilhar aos seus olhos como luzes de neon!
Como os cachorros não paravam de latir, Milo riu, e brincou, achando que era o dono da espelunca que estava ali:
"Ora, ora, Papayannarus, você precisa alimentar os seus cães melhor do que alimenta a sua pança, eles estão famintos. Vou...".
Milo deslizou o corpo, saindo de baixo da moto, seus olhos brilharam de surpresa e satisfação quando ele percebeu quem realmente estava ali!
"Kamus!".
Kamus não tinha a menor idéia como estava adorável com sua pele muito rubra e seu olhar perdido, quase confuso, como se tivesse mesmo arrependido de ter aparecido ali... A visão do corpo de Milo o desnorteara por completo!
"Olá, eu... Eu achei que, bem, sei lá, achei que você iria querer uma carona para o escritório hoje, afinal, só nós, dois escravos, para irmos até lá num sábado... Mas acho que me enganei, pelo jeito, você não vai para lá agora...".
Milo se ergueu em um pulo só, como se fosse um felino querendo dar um bote. E queria. E sua presa estava bem ali, na sua frente. Seu coração batia loucamente e seu sangue corria mais do que sua moto, quando disparava... Ficou bem próximo de Kamus, deu o sorriso mais lindo que conseguiu...
"Mu não vai precisar de nós dois antes da segunda feira, cara, ele disse que poderíamos esquecer a reunião de hoje, acabou de me ligar, adiando aquele almoço com os koreanos, afinal, hoje é sábado, não é dia de trampo".
"A secretária dele poderia ter me avisado".
"Ela ia avisar, mas... Eu disse que eu mesmo avisaria, porque eu queria falar mesmo com você... Na verdade, achei que você iria mesmo vir me buscar pra gente conversar...".
Kamus corou ainda mais, mas já não tinha idéia se era de pudor ou raiva.
"Sou tão previsível assim?".
Milo procurava um pano para limpar as mãos, como não achava, usou sua camiseta mesmo, que estava jogada sobre a moto. Olhou sério para o francês...
"Não, Kamus, mas se você não viesse, eu iria até você. Não gosto quando... Discutimos. Na verdade, aquilo nem me deixou pregar o olho direito. Acabei nem dormindo...".
Pronto. E agora, dizia o que para Milo "Eu também não, não dormi porque fiquei pensando em você?" Chega. Aquilo não era papo para dois amigos.
"Esqueça, aquilo não foi nada".
"A questão é essa, Kamus, eu não quero esquecer. E não vou esquecer. E nem deixar que você esqueça".
Agora sim Kamus se sentiu caindo numa armadilha. Percebia que Milo não falava da discussão deles por causa de Mu, mas sim, daquele bate boca rápido na boate, quando ele, Milo falara que havia DESEJO entre eles dois.
"Milo, eu não quero falar sobre isso...".
"E quem disse que precisamos falar algo? Não se fala de sentimentos... Se expressa!".
Sem deixar tempo para Kamus reagir, Milo se aproximou dele e o enlaçou pelo pescoço, puxando-o para um beijo. Exatamente como nos mais loucos devaneios eróticos que Kamus sentira na noite anterior!
O francês chegou a dar um gemido alto e rouco, de susto e desejo, enquanto seu corpo agia como se uma droga poderosa houvesse sido injetada nele!
Milo gemeu também. Há muito sonhava em tomar os lábios de Kamus daquele jeito e nem em seus mais secretos delírios conseguira imaginar uma boca tão saborosa...
Kamus reagiu, Deus sabe lá com que esforço, mas reagiu, empurrando Milo para trás...
Sua reação havia sido de repulsa, mas todo o seu corpo gritava o contrário. Seu coração parecia que iria parar de emoção, e seu peito arfava, ofegante. Seus olhos brilhavam como estrelas e... Estava visivelmente excitado! Milo gemeu de frustração...
"Kamus...".
"Eu deveria matar você. Encoste em mim de novo, e eu juro que te quebro de porrada".
"Droga, Kamus, você também me quer!".
Havia dor e mágoa nos olhos de Kamus agora, e ele parecia mais confuso do que raivoso.
"Eu não quero nada, Milo, eu tenho Annethe e minha sexualidade... E nós dois somos amigos! Eu posso... Eu até posso ter ficado curioso, confuso, sei lá, mas você querer se aproveitar disso para...".
Milo estava com os nervos à flor da pele também. Não conseguia mais fingir que não queria o francês loucamente!
"Como é? Acha que eu estou querendo me APROVEITAR de você?".
"Não é isso o que você faz com todos os garotos que leva para sua cama? Eu não sou um daqueles moleques que você gosta de usar e jogar fora, Milo! Não vou cair na sua sedução num momento idiota de curiosidade e fraqueza e transformar a minha vida em um inferno!".
"Escuta, seu cretino, eu JAMAIS faria algo que... para USAR você! Eu..." Milo engoliu em seco. Olhava agora desesperado para Kamus. "Eu amo você...".
Silêncio. Choque. Ouvia-se ainda os cães, presos nas correntes, latindo, e os barulhos habituais da rua, mas era como se mais nada existisse no mundo naquele instante, somente eles dois...
Kamus ser recusava a acreditar no que havia escutado...
"Você disse...".
"Você ouviu, cara. Eu te amo".
Kamus virou as costas, como se fosse sair dali sem dizer nada. Milo se agitou:
"Espera, vai fugir de novo, não vai dizer nada?".
"Você está louco de pedra".
"Porque, louco? Porque é tão difícil assim entender dois caras se gostando? Todo mundo diz que entende a foda, mas na hora do amor, as pessoas pensam, não, isso não pode ser... Você também é assim, Kamus?"
Kamus virou-se para Milo e seu olhar agora era surpreendentemente frio:
"Escute, te conheço desde que você era um pouco mais do que um fedelho. Cansei, ouça bem, CANSEI de ouvir você falando coisas envolventes, se metendo com os garotos, às vezes crianças ainda, seduzindo, aliciando, desvirginando... Iniciando os caras! Fazendo apostas com os rapazes da faculdade sobre quem iria ser a sua próxima 'carne fresca'... Cheguei a segurar a barra de dois ou três que foram chorar as mágoas comigo...".
Milo empalideceu...
"Kamus, você acha que eu faria com você o que eu faço com...".
"Ora, senhor Nikos, cansei de ver você trocar de garotos de programas como troca de camisa. E quando os caras vinham dizer que estavam apaixonados, você os despachava com um sonoro pontapé! 'O chute é a melhor parte da diversão', não é assim que você sempre dizia? Você ria, ria a valer, você e Mu, dizendo que não havia amor partido que o dinheiro não consolasse... Você sempre fez como Mu fez com Shaka na boate ontem, e agora, na primeira conversa fiada, você acha realmente que eu vou acreditar que eu sou magicamente diferente de todos os que você usa como troféu?
Milo agora olhava para Kamus como um garotinho perdido.
Seus olhos suplicavam a compreensão do outro... Sim, sempre fôra um garanhão incorrigível, um inconseqüente, mas jamais ousou supor que Kamus estivesse tão atento às suas conquistas e ataques amorosos e, pior ainda, também jamais ousou supor que, um dia, se apaixonaria daquela forma pelo seu amigo!
Agora, por ironia do destino, teria que provar ao seu amor que ele, Kamus, não era mais um na fila de corações que ele, Milo, despedaçara pelo caminho...
"Mas o que nós dois sentimos não tem nada a ver com...".
"Milo, por favor! O que me dói mesmo é você subestimar assim a minha inteligência!".
Os olhos azuis escuros estavam inconformados. Os olhos azul-violeta de Kamus, por sua vez, pareciam duas contas de gelo.
"Você não acredita em mim...".
"Ora, claro que não. Somos ainda amigos, numa boa, mas, para mim, essa conversa acaba por aqui. Até uma outra hora, Nikos. Nos vemos na segunda feira".
Kamus saiu do modo mais altivo e vagaroso que conseguiu. Não queria parecer que estava fugindo de novo. Na verdade, ainda não conseguia acreditar que havia sido beijado por um outro homem... E que gostara! Seus lábios pareciam estar pegando fogo onde Milo tocara...
Milo, por sua vez, ficou ali, aturdido, pensando agoniadamente, tentando achar um modo de convencer aquele teimoso que sua declaração de amor fôra verdadeira!
.:.:.O.:.:.
De repente, Shaka despertou, quando os raios de sol foram se tornando mais fortes e invadindo o camarim pela janela. Deu um pulo, agitado, como se acordasse de um sonho ruim. A sensação de dor e desconforto ainda estava no seu corpo e coração.
Como se caíssem de um jarro de água, as lembranças despencaram em sua mente... A violência sexual, a depredação do carro, a discussão com Afrodite... Tudo.
Chateado, Shaka levantou-se do sofá com um suspiro de indignação... Perdera, numa só noite, seu trabalho e todas suas economias! O que tinha que fazer agora era tentar manter sua serenidade...Pelo menos Afrodite não despedira o pobre motorista!
Shaka foi até o toalete, usou-o, tomou uma rápida ducha e se vestiu simplesmente com jeans, camiseta e uma jaqueta de couro surrada, que comprara numa ponta de estoque de um brechó tão logo chegara em Atenas, como imigrante clandestino.
Fazer a barba? Shaka não a tinha! Pouquíssimos pêlos louríssimos nasciam antigamente, e assim mesmo, eram necessários pelo menos uns três dias para que se pudesse alguém notar algum pêlo em seu rosto de moça. Pêlos esses que haviam sido removidos a lazer tão logo ele conseguira emprego na boate de Afrodite. Era naturalmente lindo e imberbe, um capricho bonito da natureza!
Pegou um ônibus e foi para o cortiço onde morava no subúrbio de Atenas. Era um lugar simples, um velho edifício de quatro andares. O primeiro andar dele tinha uma lanchonete decadente e nos outros três, a proprietária fizer várias vagas para rapazes, com um banheiro coletivo no final do corredor de cada andar. Shaka tivera sorte: conseguira a única vaga, que era uma kitchinete com um banheiro próprio, pelo mesmo preço das outras vagas.
Odiava promiscuidade e sujeira! Seu pequeno 'Santuário', como ele chamava a kitchie, era limpo e asseado. Ele, ali, guardava pequenos objetos e lembranças de um jeito cuidadoso e harmônico, deixando o pequeno espaço lindo como se fosse um grande palacete. Havia almofadas da índia, incensos, um velho sofá marroquino que ele mesmo reformara nas folgas, um micro ondas e um pequeno frigobar. A parede, ele mesmo decorara com desenhos de massa corrida e tinta esmalte, criando um clima harmônico e sensual que daria inveja a qualquer projetista de Feng Shui!
Tudo o que ele queria agora entra entrar em seu canto e lamber suas próprias feridas, aliás, deixar que sua gatinha, Parvati, fizesse isso para ele!
Encontrara Parvati no beco ali próximo, pequenina e maltratada, como ele próprio fôra um dia... Nunca conseguira ter um animal seu na infância, e o amor e a empatia com o destino dela o invadira por completo! Recolhera-a e tratara-a como uma se fosse uma linda princesinha e o pequeno animal retribuiu a dedicação dele, transformando-se numa gata saudável e amorosa.
Parvati era a única companhia, segundo ele, era incapaz de trair ou magoar... Por isso, preferia a companhia dela a de qualquer outro ser humano!
Vislumbrou o habitat do seu bairro: velhos com seus grandes bigodes, jogando dominó na frente do bar, a dona do cortiço lavando roupa no pátio lateral, as crianças correndo pela rua atrás de uma bola... Uma visão tranqüilizante, que dava um pouco de paz ao seu coração machucado.
Pegou as chaves no bolso e subiu rapidamente os dois andares de escada que o levavam à sua pequena kitchie. Enfiou a chave na porta e girou, pronto para receber Parvati no colo e deitar-se no seu sofá marroquino. Talvez fizesse algumas torradas para o café e...
Shaka parou estático, totalmente incrédulo, sem entender o que havia acontecido. Na sua frente, havia somente uma sala vazia. VAZIA! Não havia absolutamente nada ali dentro. Nem móveis, nem almofadas, nem gato. NADA!
Seu coração se apertou e ele deu um grito agoniado, como se estivesse ainda num grande pesadelo. Sim, deveria ser isso. Deveria estar dormindo ainda no camarim e sonhando tudo isso... Sua gatinha...
"PARVATI!".
A dor de entender com toda a extensão a ausência de sua gatinha, lhe doeu mais do que se perdesse todo o dinheiro do mundo!
Correu alucinadamente para o pátio lateral onde a gorda senhora ateniense lavava as roupas dos netos dela...
"O que aconteceu com as minhas coisas? Dona Helena...".
A velha olhou para ele como se Shaka fosse um desvairado...
"Como o que aconteceu? Ficou maluco? Seus pais vieram aqui hoje logo bem cedo, com uma van, dizendo que você iria se mudar para Creta. Conversaram muito sobre você e sobre o novo emprego... Me mostraram a carta onde você pedia para eu deixar eles carregarem o carro o quanto antes... Muito bonita, a senhora sua mãe, se parecesse com você... Me falou que desde cedo você tinha jeito pra dançar e cantar...".
Shaka ouvia tudo em absoluto estado de choque...Carta... Pais.. Emprego? A velha continuava tagarelando...
"Muito gentil aquela senhora, e o senhor seu pai, também! Me deu três meses de pagamento adiantado pela vaga, para que eu não tivesse problema em alugar para outras pessoas, aliás, ele mesmo me indicou um amigo seu, disse que o homem vem hoje mesmo com as coisas dele...".
Shaka gemeu... Era um gemido de um animal acuado...
"Minha gata...".
"Oh, ela e sua mãe se apaixonaram uma pela outra. A senhora disse que iria cuidar muito bem dela para você...".
Shaka saiu andando sem responder nada, ainda em absoluto estado de choque.
Agora, tudo o que tinha na vida era aquela mochila que trazia nas costas! Como... Como podia se isso?
Aos poucos, a confusão mental foi diminuindo um pouco, e ele começou a entender do que Mutisha Dorje era capaz quando se sentia desafiado!
E agora? Como ele, um garoto de programa sem documentos legais, um imigrante clandestino, poderia chegar na polícia e dizer que fora violentado e roubado por um dos caras mais importantes da sociedade? Como iria provar que era tudo verdade? Como fazer alguém acreditar que o sujeito tivera o desplante de contratar dois atores para enganar a sua senhoria e tirar do seu lar tudo o que era dele, Shaka?
Quem, em nome de Deus, acreditaria nisso? Nem ele próprio conseguia acreditar!
Caminhava a ermo, sem destino, tentando ainda compreender a extensão dos últimos acontecimentos, quando uma limusine preta parou ao seu lado. Ele ficou atônico enquanto um segurança abria a porta do carro:
"Peço que o senhor entre, o senhor Dorje o espera dentro do carro...".
Ridículo, isso só podia acontecer nos filmes, não na vida real! Não era possível...
Shaka entrou no carro, como se entrasse na toca de um perigosíssimo felino. E realmente, o perigo estava lá: Mu, muito lindo num suéter negro e calças cinzas, acariciava displicentemente a gatinha Parvati, enquanto saboreava um capuccino com creme... Estava numa atitude de serenidade e calma, mas suas íris verdes ainda brilhavam perigosamente:
"Olá, Shaka. Bom dia. Espero que já tenha entendido que ninguém me desafia impunemente. Desista e peça perdão pela sua ousadia...".
"Nunca. Prefiro morrer de fome na sarjeta".
Mu riu, um riso másculo e sedutor... A voz dele era sempre grave e aveludada.
"Sim, sem lar e sem dinheiro, só lhe resta a vida da rua, a sarjeta! Isso seria muito bom, ver você engolir essa adorável empáfia, se vendendo para os turistas e bêbados da rua. Mas, na verdade, ficaria difícil para você saber quando seria um turista, e quando seria um empregado meu contratado para usar você e bater, para depois deixá-lo sem nenhum tostão no bolso".
"Por que tudo isso, Mu? Por que me humilhar o diverte tanto?".
A pergunta incomodou Mutisha. Viu nos olhos azuis uma dignidade e tristezas tão pungentes, que, por um momento, sua raiva se abrandou um pouco. Na verdade, não sabia exatamente dizer porque começara tudo aquilo. Mas agora que começara, levaria até o fim! Não podia se deixar enganar pelo olhar falsamente cândido daquele vagabundo de luxo!
Preferiu não pensar nos motivos implícitos naquela guerra particular que travava com o mestiço, aquilo mexia com suas emoções. A resposta dada foi a mais simplista possível. Não queria se forçar a ter reflexões...
"Pelo meu carro, isso é óbvio. Pelo que mais poderia ser?".
Shaka ergueu os olhos, em sinal de resistência. Não, não podia mostrar fraqueza diante daquele homem!
"Eu deveria ter usado o talco de baisebal na sua cara, isso sim!".
Mu riu, um riso divertido:
"Não duvido nada de que o faria, se tivesse a oportunidade. Mas não pretendo dá-la, senhor Sidartha Kramahidja Swentson... Na verdade, até que me pague sua dívida, tudo o que você tem, inclusive você mesmo, está sob minhas posses."
"Isso deve ser algum tipo de brincadeira. A escravidão acabou...".
"Acha que sou homem de brincar? Não, de jeito nenhum. Mas não quero que pense que vou fazer da sua vida um inferno. Verá, com sua gatinha já percebeu, que sou um homem muito afável quando não sou provocado. Na verdade, você poderá até sentir alguma satisfação nesse nosso 'acordo', se perceber logo que não tem outro caminho, a não ser colaborar com os meus planos... E fazer a minha vontade".
"Prefiro morrer de fome na rua, já disse".
"Não seja tolo. Iria sofrer desnecessariamente antes de 'morrer de fome' como diz. Além disso... Hum... Eu poderia ir até as autoridades mandar prender o cretino do manobrista que depredou o meu carro...".
Shaka arregalou os lindos olhos azuis...
"Você não ousaria acusar um homem inocente! Eu... Eu iria até a polícia e contaria tudo o que você me fez!".
Mu acariciava o bichano que dormia graciosamente em seu colo. Blefava. Na verdade, o mestiço hindu tinha razão! JAMAIS seria cafajeste a ponto de colocar um homem inocente naquela guerrinha sórdida entre ele e o hindu, mas, na verdade, Shaka não tinha como saber isso!
Blefar era algo fundamental, não somente no jogo de pôquer, mas também no dia-a-dia empresarial e pessoal. Tolo daquele que não soubesse jogar a altura daquela selva que era a vida... E a idéia do carro destruído ainda o enfurecia demais para, simplesmente, deixar Shaka partir!
"Hum... Você já passou por algum exame de corpo e delito antes?".
O silêncio de Shaka fez Mu continuar sua fala, meigamente, como se falasse algo para uma criança rebelde. E era isso que ele, Shaka, parecia agora: um menininho, muito louro, os cabelos dourados emoldurando desordenadamente a face corada pela revolta... Simplesmente lindo!
"Vejo pelo seu silêncio que não... Tem idéia como as autoridades recebem um garoto de rua, um viado, quando este diz que foi agredido? Como eles humilham e ridicularizam? Não, Shaka, acho que você não seria tolo a ponto de imaginar que eles dariam crédito a um vagabundo, quando este acusasse um dos nomes mais importantes da sociedade internacional... Além disso, meus seguranças já foram buscar o taco de beisebol que você simplesmente largou lá no camarim... Com certeza, quem seria preso por depredar propriedade alheia seria você, e ninguém lhe daria o menor crédito em nada do que descesse... Seria a sua palavra contra a minha. Jamais isso daria certo para você, não percebe isso?".
Shaka suspirou, desanimado. Era verdade...
"O que você quer de mim afinal?".
"Já disse, vai pagar, de uma forma ou de outra, o meu carro. Por enquanto, tome...".
Mu puxou um cartão elegante com um endereço.
"O que é isso?".
"O cartão da minha secretária. Ela vai lhe dar roupas decentes e um lugar para ficar por hoje. Depois, vamos nos encontrar no final do dia, e quero que você simplesmente me faça DESEJAR esquecer o que aconteceu com o carro. Você é um puto. Esforce-se por me agradar, ouviu bem? Você deve saber como fazer... Empenhe-se. Eu sou muito exigente... Na cama e fora dela!".
Shaka corou diante da simples menção de que teria que se deitar com Mu novamente!
"Droga, você pode ter qualquer um puxando o seu saco, por que...".
Mu fez uma cara de puro tédio:
"Justamente é esse o ponto. Seu jeito irreverente, seu ódio, seu modo rebelde de ser, me diverte! Estou já farto dos puxa-sacos e nada me excita mais do que uma boa guerra, menino! É justamente uma boa dificuldade que dá tempero a qualquer relacionamento...".
"Eu posso me tornar servil e amorfo apenas para contrariá-lo...".
Mu gargalhou!
"Oras, com a raiva que tem de mim, duvido que consiga!".
"Já pensou, senhor Dorje, se eu aceitar e conseguir fazer você se apaixonar por mim?".
Aí sim, Mu riu ainda mais...
"Impossível, gente tão linda e esperta como você falhou nessa tentativa... Meu coração é vacinado contra vagabundos...".
Os olhos de Shaka agora brilhavam perigosamente.
"Nossos destinos estão selados numa roda kármica de ódio. Não é sensato que nossos caminhos se cruzem. E eu posso SIM fazer você pagar tudo o que me fez".
"Quem está em dívida aqui é você, moleque, e eu lhe digo o que já disse antes: não acredito em bobagens kármicas... Tome!".
Mu fez a gata de Shaka pular para o colo deste.
"Esta é a minha prova de uma trégua temporária. Vá ao endereço e pense em tudo o que falamos. Você vai ver que agora, na sua vida, só existe uma opção: obedecer!".
"Você vai ainda engolir toda essa sua empáfia, Mu, eu juro".
"Garanto que quem vai perder a arrogância garoto, não vai ser eu... Agora vá. Está dispensado, por enquanto".
Shaka fremia de ódio agora. Como ele ousava dispensá-lo como se fosse um lacaio? Ah, isso não iria terminar assim! Desceu do carro, segurando a sua gata. Iria SIM fazer Mu comer na sua mão, fosse qual fosse o preço disso! Agora, não iria mais recuar, diante de nada, até conseguir fazer o maldito empresário ficar de quatro por ele!
Shaka disse, olhando pela janela da limusine, que Mu abaixara um pouco para ver os cabelos de ouro de Shaka reverberarem no sol da manhã.
"Muito bem, senhor Dorje. Temos um acordo, talvez até uma pequena trégua. Mas não se esqueça. Estamos em guerra eu e você, e isso ainda está longe de acabar...".
Mu riu. Aquele menino lindo despertava o seu mais primitivo instinto de desejo e posse! Iria ser mesmo muito prazeroso lutar com ele... Principalmente, na cama!
"Claro, mas aprenda uma coisa: Mirte, a Deusa da Vitória, acompanha os mais favorecidos que, nesse caso, sou eu, menino. Essa nossa pequena 'guerra' já tem um vencedor... Sua causa é perdida!".
Shaka, com muito custo controlou a vontade de soltar todos os palavrões que conhecia. Ah... iria dar uma lição em Mutisha, nem que para isso tivesse que vender sua alma ao próprio diabo!
Pensou, mordendo a língua para não responder malcriadamente: "Isso nós veremos!".
"Bem, moleque, nos vemos mais tarde. Sugiro que não pense em fugir, porque meus capangas conseguiriam achá-lo muito facilmente. E isso só me deixaria muito aborrecido...".
Mu fechou a janela da limusine, dando ordem para o seu motorista partir.
Shaka ficou ali, de pé, na calçada, vendo o luxuoso carro ir embora, sendo seguido por outro carro, onde estavam os seguranças de Mu.
O mestiço hindu segurava a gata com uma das mãos e o cartão que Mu lhe dera, na outra. Ah, aquele arrogante não perdia por esperar!
Mas a vingança, todos sabem disso, é um prato que se saboreia frio...
.:.:.O.:.:.
Continua no próximo capítulo...
Rápidos agradecimentos a:
Ia-chan; Pipe; LadyCygnus;
Cardosinha; Akai Tenshi; Lola Spixii;
Ariadna Blue; Josiane Veiga; Sandy Youko;
Kaho Mizuki; Lili Psique; e vários outros que comentaram a nossa baby, por
e-mail e por MSN.
Tentaremos responde-las sobre o capítulo anterior por e-mail (para quem deixou
é lógico).
Agora para a Ariadna Blue... Muito obrigada mesmo. Nós duas, Litha e Jade, agradecemos de coração pelo seu comentário. Como você não deixou um e-mail de contato, então fica aqui essas poucas palavras.
Quaisquer dúvidas que vocês venham a ter, é só perguntar que faremos o possível para responder.
Comentem a nossa baby.
Bjins
Jade Toreador e Litha-chan
