OBSERVAÇÃO Esta fic aborda caso de pedofilia, mas não como forma gratuita e sim para exemplificar um fato que realmente acontece no mundo com algumas famílias. Procuraremos não descrever as cenas, mas faremos alguns relatos necessários para a melhor compreensão e desenvolvimento da história.
E não... ainda não é neste capítulo que estaremos abordando este fato em si. Então, se desejarem, podem ler tranqüilamente.

Notas explicativas sobre os personagens:

Os nomes de alguns personagens foram criados por mim e por Jade. Somente Carlo di Angelis é de autoria da escritora Pipe. Vamos aos nomes para que vocês não fiquem perdidos no decorrer da fic, ok?

Mu de Áries - Mutisha Dzogchen Dorje
Shaka de Virgem
- Sidartha Kramahidja Swentson
Milo de Escorpião - Milo Nikos Aleksiou Sikelanós
Kamus de Aquário - Michel Kamus Monchelieu
Afrodite de Peixes - Afrodite Lindgren Göte Gunnar
Shura de Capricórnio - Guillén Shura Quesada Montoro
Misty de Lagarto - Misty Lindgren Reenê Forann
Siegfried de Dubhe
(Guerreiro Deus de Asgard) - Siegfried Dubhe
Saga e Kanon (Gêmeos) – Irmãos Andropoulos

Conforme a fic for se desenvolvendo outros personagens irão aparecendo, então a medida isto for ocorrendo, nas notas explicativas, poderá haver menção sobre o nome de um determinado personagem.

Sumário:O destino tece bênçãos e tragédias nos corações de ricos e pobres, todos estão inexoravelmente presos na roda kármica da vida. O amor e o ódio queimam as marcas do destino, revelando dores e alegrias num rodamoinho interminável de emoções...

Boa Leitura...



Marcas do Destino
Capítulo 6

A Festa – parte 1


.

Misty estava exultante com o resultado de sua conversa com o jovem Dubhe. Não só pela conversa, mas porque a dona da bomboniere, senhora Éris, logo aparecera na loja e desta forma pode acertar tudo no mesmo dia. Ainda bem que seu primo tinha lhe dado carta branca sobre o assunto. Afrodite poderia ser tudo, mas pelo menos, para certos assuntos, ele reconhecia a sua eficiência.

Agora se direcionava para a boate. Havia muita coisa para se fazer ainda e a agenda de Afrodite com coisas 'a se fazer' para a boate parecia nunca diminuir. Por mais que fugisse de escritórios, pelo visto o destino não o deixaria se afastar tão cedo.

Pelo menos este tipo de trabalho não era desagradável com os outros. Não teria um chefe feio, barrigudo e careca a lhe assediar, não seria necessário estar trancafiado dentro de uma sala enfurnado em meio a monte de papelada. Sentia-se bem por poder estar sempre em contato com as pessoas. E agora, mais do que nunca se sentia feliz e determinado a fazer com que tudo desse certo.

Estava tão pensativo que nem notou o jovem manobrista Kinthos a sua frente. Acabou sem querer esbarrando no moreno fazendo-o derrubar uma caixa.

"Desculpe senhor Misty".

"Ah, que isto Kinthos, eu que tenho que me desculpar; estava distraído demais". Sorriu.

O jovem manobrista retribuiu o sorriso de forma discreta. Era estranho ver como o primo 'avoado' do Sr. Lindgren estava mudando e de maneira tão rápida. Sempre escutava o patrão reclamar das inconseqüências de Misty, mas, depois que o jovem a sua frente ficara responsável por boa parte da agenda de serviços que a boate – que mantinha um restaurante em um de seus ambientes - possuía, começara a pensar que Misty só atormentava-o dando lhe tanto trabalho para que de alguma forma chamar atenção.

"O senhor está muito bem hoje. Teve um bom desjejum?". Perguntou após o elogio sabendo que assim massagearia o ego e a vaidade do louro.

"Oh sim... Um ótimo desjejum e muito bem acompanhado por sinal. Comecei a trabalhar já na hora do café, Kinthos. E lhe digo... Não estou nem um pouco irritado com isto". Sorriu mais ainda arrumando os cabelos. "Bem, é melhor ir até o escritório. Tenho que fazer algumas ligações e cuidar do abastecimento das bebidas, ou o Dite me esfola. Ainda mais agora que ele vive saindo".

"Caso o senhor precise de alguma coisa é só me chamar. Por esses dias estarei substituindo o Caesar neste horário". Informou já se preparando para continuar seu trabalho.

"Ok, Kinthos. Qualquer coisa te chamo. Tenha um bom dia!".

Cada um seguiu o seu caminho, o dia ainda estava começando.

Naquela mesma manhã...

Shaka se encontrava calado demais. Relutara bastante em descer para tomar o café da manhã com Mutisha, mas não ir, seria demonstrar fraqueza perante seu inimigo. Sim, Shaka tinha Mu como seu inimigo, porque ninguém, nenhuma pessoa digna que se preze, faria com ele o que Mu estava fazendo, e, por assim agir, ainda assim ser taxada de normal ou amiga.

Pela sua má disposição, o hindu não estava trajando suas habituais vestimentas. Descera vestindo calças jeans, sandálias e uma blusa negra de gola alta para esconder os hematomas em seu alvo pescoço e mangas longas com o mesmo intento. Seu corpo estava todo marcado pela noite anterior e não queria deixar exposto o fato para o deleite dos olhos de Mutisha. Esperava que o creme que utilizara sobre os hematomas surtisse efeito rapidamente.

O que mais estranhava no momento é que, até então, o ariano não pronunciara nenhuma só palavra ferina. Não teceu nenhum comentário maldoso ou muito mesmo implicou consigo por não estar usando suas vestimentas normais. O máximo que arrancou de Mutisha foi um menear de cabeça como um comprimento de bom dia.

'O que ele deve estar tramando desta vez? Esse desgraçado só quer me humilhar'. Pensava enquanto fitava o liquido escuro na delicada xícara de porcelana.

Enquanto Shaka estava mergulhado em seus pensamentos tecendo qual seria a próxima jogada ardilosa de Mutisha, o ariano fingia muito bem que estava entretido com a leitura de seu jornal.

Aquelas palavras do louro hindu, que ele havia escutado, vagaram durante quase a noite toda em sua mente. Algo de muito grave o louro Sidartha escondia em seu passado e por isto mesmo Mutisha, remoendo seus pensamentos, havia tomado uma decisão naquela madrugada...

"Senhor Dorje?".

Sua atenção fora chamada pela jovem governanta.

"Sim, pode falar". Evitou desviar os olhos do jornal uma vez que sentia o peso dos orbes azuis sobre si.

"Sr. Dorje, tem um senhor lhe esperando na biblioteca. Ele disse que o senhor lhe ligou em caráter de urgência esta madrugada, e por isto logo tratou de vir rapidamente".

Ao escutar as palavras de Trisha, Mutisha se levantou abruptamente assustando as duas pessoas presentes. Sem dar nenhuma palavra ou se desculpar pela atitude, uma vez que raramente se desculpava pelo que fazia, se direcionou para o interior da casa indo em direção à biblioteca.

Tanto Trisha quanto Shaka ficaram observando a figura de Mu desaparecer pelo interior da mansão. A bela moça voltou seus olhos para o indiano notando a aparência cansada e o olhar apagado.

"Senhor Swentson, precisa de alguma coisa? Parece-me tão abatido esta manhã...".

Shaka abaixou os olhos não conseguindo encarar a jovem governanta. Após um longo suspiro, falou baixo enquanto com uma colher remexia o liquido escuro dentro da xícara.

"Não se preocupe, depois melhoro... É sempre assim".

A jovem estranhou a voz embargada do louro, mas não se pronunciou. Decidiu que seria melhor deixá-lo quieto com seus pensamentos, afinal ainda tinha muitas coisas para se fazer naquela manhã, logo aquela mansão estaria recebendo vários convidados para a festa beneficente.

oOo

"Não o esperava tão cedo, Anker Hector". Falou ao entrar na biblioteca com um sorriso nos lábios, mas com a curiosidade e ansiedade disfarçada.

"Depois de nossa conversa essa madrugada, resolvi aceitar a disponibilidade do transporte. E quanto mais cedo começarmos, mais cedo teremos informações".

"Você falou agora o que me interessa... Informações, respostas...". Falou se sentando no sofá que ficava localizado no meio da biblioteca e com um gesto indicou para que o outro fizesse o mesmo.

"Preciso apenas de algumas informações iniciais. Nome, local de origem, ou nacionalidade, se tiver uma foto também pode ser de ajuda para coletar dados no local". Comentou casualmente mexendo no paletó e retirando um maço de cigarros. "Se importa que eu fume?".

"Contanto que não jogue na minha cara... não, não me importo. Agora quanto ao que você comentou... Posso lhe arrumar a documentação e foto".

"Você não muda mesmo, não é Mutisha...". A frase apesar de parecer uma pergunta, era apenas uma conformação.

"Não, não com esses gostos". Sorriu fitando os olhos azuis à frente. E pensar que há um tempo atrás era adepto ao fumo...

"Posso saber qual o seu real interesse?". Perguntou fitando intensamente o ariano após soltar uma intensa nuvem de fumaça.

"Não. Se te contasse, teria que te matar depois, sabe como é... segredo não se deve ser partilhado". Risos preenchiam o ambiente.

"Mu, você me deixou curioso, sério... É uma situação rara você me pedir esse tipo de coisa. Digo... Este tipo de coisa... Ele deve ser especial, estou certo?".

O ariano crispou as unhas no estofado do sofá, mas a voz saiu como sempre saia em situações como esta... Normalmente tranqüila... Mortalmente calma.

"Especial? Ora, não me faça rir... É apenas um puto qualquer. Quero saber exatamente quem estou colocando em minha casa, apenas isto".

Mais uma vez os olhos dos dois homens se cruzaram e um pequeno silêncio preencheu a biblioteca.

Mu não conseguia tirar de sua mente o que escutara de Shaka na noite passada quando este estava dormindo e isso estava lhe deixando inquieto.

O silêncio fora quebrado pela voz firme e rouca do louro.

"Mu... Você sabe onde Guillén está? Fiquei sabendo que ele veio para Grécia".

O ariano mais uma vez fitou os olhos do homem a sua frente, e um sorriso começou a aparecer no canto de seus lábios.

"Ora, ora... Não sabia que você tinha mudado de preferências. Quer começar com sangue latino, isto é bom, acho que Shura pode ficar interessado...". Sorriu mais ainda ao notar os olhos azuis se estreitando em meio a fumaça do cigarro.

"Ainda não mudei e nem pretendo, Muyu". Riu ao ver a pequena carranca pelo apelido. "Tenho algo para entregar a ele, apenas isto. De qualquer maneira, pretendo resolver a sua questão e depois procuro Guillén". Depositou as cinzas no adornado cinzeiro na mesinha ao lado do sofá e sorriu. Deixar Mu curioso era um passatempo até que sentia falta.

"Certo, certo... já conheço suas jogadas e desta vez não pretendo ficar me corroendo de curiosidade. Vamos voltar ao assunto que realmente me interessa, sim?". Cruzou as pernas enquanto seus dedos se enroscavam em algumas mechas de seus fartos cabelos.

No centro da cidade de Athenas...

"Milo... olha esta aqui, não é mesmo linda?".

Milo andava de um lado ao outro se amaldiçoando por não ter conseguido despistar aquela mulher dentro da empresa. Quem deveria estar ali com ela era Kamus e não ele, Milo a lhe fazer a vez de consultor de fantasia. Nem conseguira escolher a sua própria, também, com aquela loira aguada lhe puxando para todos os cantos...

"É Annethe, realmente linda...". A voz saiu de forma automática, nem estava prestando a atenção realmente, se ela mostrasse uma fantasia de palhaço, ele diria que também era linda.

'Você ficaria melhor em uma fantasia com penas ou então se vestindo de vaca... Ordinária!'. Se não podia xingar a mulher como bem desejava, então pensar não seria de todo mal, afinal, xingar em pensamento não era proibido.

"E você Nikos, não vai escolher uma fantasia para você? Ou pretende fazer que nem meu francesinho preparando tudo em segredo?".

A voz da mulher atingiu em cheio Milo ao escutar a forma como ela chamara Kamus... "Meu francesinho...". 'Como assim meu francesinho? Essa vaca ta pedindo para morrer, só pode... O Kamus é meu, sempre foi... Ah eu vou jogar essa coisa da escada rolante a baixo...'. Seus pensamentos foram interrompidos pelo vibrar de seu celular. Mesmo irritado optou por atender a ligação, poderia ser da empresa, mas ao olhar o visor, um pequeno sorriso adornou seus lábios e logo atendeu.

"Oi amor, já estava com saudades da sua voz...".

Annethe que até então estava preocupada com as roupas, ao escutar a voz de Milo mudar repentinamente e notar o tratamento como este estava dando a pessoa do outro lado da linha, logo se calou para tentar buscar o máximo possível de informação, em outras palavras, fofocar.

"Conseguiu? Ótimo! Não tive tempo para achar algo... Certeza que vai ficar perfeito em mim? Sim, você conhece todas as curvas de meu corpo". Riu da gracinha que escutou do outro lado. "Eu sei que não é tão original, mas acho que ficaria legal com a minha personalidade, mas e a sua roupa? É mesmo? Hey, nada muito justo ou colado hein, não quero o povo babando em você... Ok, a gente se fala mais tarde... Está bem, às 21h no meu apartamento...".

Assim que Milo desligou, ela tentou captar mais dados. Estava mesmo curiosa...

"Quem era Milo? Um belo garoto ou uma musa inspiradora?".

'Isso não é da sua conta, vaca'. Respondeu em pensamento ao olhar para o rosto da francesa.

"Oh, você vai descobrir na festa... Na verdade, eu também gosto de surpresas e segredos, e não apenas o 'seu francesinho...".

oOo

Shaka, assim que terminou seu café, resolveu escovar os longos pelo de Parvati. Fazia isso religiosamente, dia sim, dia não, para deixa-la ainda mais bonita. Ia caminhando devagar, meio pensativo meio deprimido. Entrou no quarto que lhe era reservado com uma apatia de quem não tinha mesmo a menor vontade de fazer nada. Mas agora, pelo menos sua gatinha lhe faria companhia e o distrairia um pouco.

Ao chegar perto da cama, notou que ao lado da linda gata, que se encontrava embolada travesseiros de pena de ganso perfumados de lavanda, havia uma enorme caixa dourada, com um imenso laço trabalhado em fios de ouro.

Aquilo foi mesmo algo inesperado. O que seria aquilo? Um presente? Não, fosse o que fosse, e fosse de quem fosse, não queria ver! Se fosse dos gêmeos, jogaria a caixa pela janela, e, se fosse... de quem? Não... Mu jamais lhe daria nada além de provocações e dissabores...

De repente, a curiosidade falou mais alto do que tudo. Iria ver o pacote! Fosse o que fosse, leria o cartão e depois queimaria, rasgaria o que fosse que estivesse ali dentro!

Apanhou a caixa, resoluto, dizendo a si mesmo que iria abrir apenas para jogar fora depois o conteúdo da belíssima caixa.

Mas...

Deslumbre. Encantamento. Já vira tecidos suntuosos, sedas caras, mas nada que se comparasse a aquilo!

Da caixa surgiu um tecido translúcido, seda pura, bordada em fios de ouro puro e prata. Os olhos de Shaka brilhavam, incrédulos, não apenas pelo valor da vestimenta, mas sim pela sua beleza incomparável. Era um sari indiano, como os que eram usados nas danças que ele, Shaka, fazia, mas era de uma perfeição indescritível. Em tons de dourado, amarelo e marrom, parecia ser feita de ouro. E realmente era! Os fios de metais preciosos trançavam na roupa, levando consigo uma profusão de pedras coloridas, que, para o espanto total de Shaka, eram mesmo legítimas gemas: rubis, esmeraldas, diamantes, safiras e topázios desfilavam diante dos seus olhos.

Por Budha... Quem?

Procurou um cartão, mas nada... Que frustração!

Seu coração se agoniava... Uma forte intuição lhe dizia que aqueles dois gêmeos que o haviam usado como carne de açougue jamais se incomodariam em lhe dar algo assim... Só sobrava uma opção... Mutisha!

Seu coração disparou de emoção.

O que ele queria com aquilo? Era um suborno? Um pedido de desculpas? Um presente? Porque Mu se importaria em lhe dar algo tão lindo?

Subitamente, Shaka percebeu o cartão que tanto procurava. Ele estava no meio de roupa, e caiu sobre a cama na hora em que ele puxou o véu para admirar o trabalho da franja bordada em ametistas e fios de prata.

Com mãos tremulas pegou o cartão.

Ali, estava o seguinte, em letra pessoal e cursiva:

"O céu e a lua

Acolhem a alma nua...

É o amor a espreita

Da alma eleita

e pura.

Tua.

E só.

Eternamente só.

Brilhe comigo na festa. Brilhe enquanto durarem as estrelas...".

Não havia assinatura, mas reconheceu a letra forte de Muthisha. Vira bem suas letras imensas como se fossem letras góticas no livro de assinantes vip da boate de Afrodite. Lembrava-se bem delas.

ELE lhe dera aquelas roupas lindas e aquele poema...

Oh, ele queria ridicularizar a ele, Shaka. Só podia ser isso...

Mas, ao ler o poema pele enésima vez, e ao tocar de novo a roupa esplendorosa, Shaka ponderou que não podia ser uma armação... Não era possível que alguém escrevesse algo tão lindo e fosse apenas uma provocação para depois humilhá-lo...

E o pior de tudo, é que havia só um jeito de descobrir o que motivara Mutisha a escrever aquilo: aparecer no baile com a bela vestimenta e se colocar ao lado dele...

oOo

Kamus estava intratável. Queria dizer a si mesmo que tudo estava bem, mas não estava. Passara as últimas duas horas, durante seu almoço, ouvindo Annethe falar de sua fantasia.

Aquilo seria algo tolerável, se no meio da conversa, ela não tivesse disparado o seguinte comentário:

"Oh, acho que não vai haver só um noivado esse ano. Além do nosso, tenho certeza de que dessa vez Milo saí do clube dos solteirões convictos. Está com um amor novo, todo entusiasmado, acho que é mesmo sério dessa vez. Pelo que ouvi, ele vai levar seu novo amor no baile de Mutisha".

"Isso é ridículo, Nethe. Milo é um playboy incorrigível. Ele nunca leva ninguém a sério".

"Ah, não, querido, vá por mim. Do jeito que eu ouvi ele falando no telefone, está mesmo apaixonado. Irremediavelmente in love!".

Pronto, foi como se mil demônios de repente houvessem saído de uma garrafa mágica. Kamus não mais conseguiu comer ou prestar atenção em outra coisa que não fosse seus próprios pensamentos o atormentando incessavelmente.

E agora, que conseguira dispensar Annethe e ir para o escritório, aquela história bizarra ainda não lhe saía da cabeça. Só havia um jeito de tirar isso a limpo.

Kamus bateu na porta do escritório de Milo e entrou. Este estava verificando alguns relatórios jurídicos no seu notebook. E, para o espanto de Kamus, não desviou o olhar do monitor quando ele chegou. Sempre que Kamus aparecia por ali, Milo se levantava parando o que poderia estar fazendo, ou corria para o frigobar pegar refrigerantes ou cerveja para os dois embarcando em uma conversa. Mas dessa vez...

"Milo...".

Kamus corou. Diabos. Como iria chegar lá e perguntar: 'É verdade que você está namorando firme?'. Como perguntar isso sem parecer interessado demais nele?

O francês suspirou. Por Dieu... Seu coração iria lhe sair pela boca...

"Eu... Bem, Annethe comentou comigo que você iria levar uma nova companhia para o baile de Mu. Bem, é alguém que eu conheço, quero dizer, se você quiser, podemos nos reunir numa única mesa e...".

Milo queria morrer. Como é? Amando Kamus do jeito que amava teria que formar dois casais numa mesa e ficar tagarelando idiotices enquanto o cretino fingia que não sentiam nada um pelo outro?

Acabou explodindo...

"Escute aqui, 'Monsieur Michael Kamus Monchelieu', se o senhor é um perfeito desocupado que não tem o que fazer, eu tenho. Não vou parar a leitura do meu relatório para discutir as minhas horas de lazer nem as minhas companhias com o senhor. Se está assim com o tempo livre, peça para Mu lhe arrumar algum serviço decente, que não seja falar de fantasias e idiotices do tipo. Annethe já estourou a minha cota desse tipo de conversa. Estou farto. Dela, e de você também".

Kamus ficou ainda mais rubro, e depois empalideceu, como se houvesse perdido todo o sangue do corpo. NUNCA Milo falara assim com ele antes, fosse qual fosse o estado de espírito dele.

Ficou tão chocado, tão surpreso mesmo, que nem reagir com animosidade reagiu.

Balbuciou um quase inaudível pedido de desculpas e saiu devagar, fechando a porta.

Milo por pouco não jogou o notebook na parede... Oh, Deus! O que se deveria fazer para que um completo idiota saísse de dentro do armário?

o0o

Já havia visto a pauta dos ensaios dos artistas que iriam se apresentar no fim de semana, feito a degustação de alguns vinhos para a compra de novas safras, discutido com o maitrê uma mudança no cardápio...

Estava exausto, porque ainda não tivera tempo de parar para nada, sequer um almoço decente. Apenas se sustentara com algumas xícaras de café e chocolate...

E, para piorar seu mau humor, ah, não recebera convite para o baile de fantasia de Mutisha. Dite sim, fora convidado, mas fizera o desaforo de não estender o convite a ele, seu querido primo.

Dite ficava com as festas, e ele, o burro de carga, ficava com o trampo. Ah, aquilo que era 'colocar o Misty no bom caminho'? Mas que droga! Amanhã era o grande dia da festa e ele iria ficar no trabalho enquanto o primo se divertia! Isso era uma grande injustiça!

Subitamente, Misty percebeu que Dubhe estava adentrando o salão principal... E sua reação foi a de ajeitar o cabelo, ao mesmo tempo em que sentia sua adrenalina disparar pelo corpo.

Ah, como era bonito aquele rapaz! Seria mesmo um caso irremediável de heterossexualidade? Será que nem por curiosidade o outro não topava...

"Ah, senhor Dubhe".

"Olá, senhor Forann... Falei com minha patroa e ela me mandou lhe dizer que aceita sua oferta. A bomboniere vai fornecer com exclusividade as sobremesas de que a boate necessita".

Misty exultou por dentro. Foi com muito esforço que se manteve sério, sem dar um gritinho de alegria.

Queria observar aquele bofe de perto!

Fora mesmo muito apropriado que Afrodite não estivesse satisfeito com o antigo fornecedor, e também que não quisesse começar a fazer as sobremesas na boate. Ele preferia terceirizar alguns pratos, e deixar seus maitres apenas com os quitutes principais do cardápio, que possuía pratos internacionais e comida típica do Mediterrâneo.

"Mas ela está a par, senhor Dubhe, que eu desejo que o senhor seja meu contato e que me atenda diretamente?".

Siegfried deu um olhar sério para Misty, e aqueles olhos lindos fitando-o diretamente lhe tirou o fôlego.

"Sim, está, eu lhe agradeço a oportunidade que me deu, mas, aproveitando, queria lhe perguntar o porquê disso ter acontecido".

"Oh, porque você é bofe mais lindo que já vi, e tem uma bundinha adorável de olhar".

Misty deu um sorrisinho amarelo. Não, não podia dizer isso logo de cara, ou corria o risco de levar um "sopapo" na cara.

"Bem, eu o observei na bomboniere e reparei que é muito solícito com seus clientes, e... Achei que você seria uma pessoa ideal para cuidar dessa parte, alías, bem, na verdade, eu quero, que além de ser o representante da doçaria, que o senhor venha aqui algumas vezes na semana para me ajudar com o treinamento de um pessoal novo que eu contratei. Um serviço a parte, mas pelo qual, será bem pago. Sua patroa não vai se importar. Você e eu vamos aproveitar para discutir negócios que ela deverá ter interesse...".

O outro sorriu...

"Mas isso não tem nada a ver com o suprimento de doces para a boate... Não estou entendendo porque ela deixaria eu vir aqui para fazer um serviço alheio ao dela...".

"Mas eu já disse! É um trabalho que vou pagar a parte, e muito bem pago. Ela não vai se opor, porque, bem, afinal, somos parceiros numa empreitada comercial, agora... Eu melhorando o atendimento aqui na boate, vou aumentar os pedidos com ela, ah, enfim, uma mão lava a outra! Você me ajuda aqui e eu aumento as vendas lá!".

"Eu não sei se isso seria adequado para mim... Esse ambiente... Não faz o meu estilo".

Misty suspirou. POR ISSO, não oferecera o emprego de assistente simplesmente e enfiara a matrona da doçaria no rolo. Era o único jeito de fazer o Dubhe pensar no assunto de às vezes aparecer na boate sem pular fora.

"Vamos, Siegfried, posso chamá-lo assim, não posso? O ambiente da boate não tem nada a ver com o serviço. Sua patroa está feliz, os negócios vão prosperar, e se o senhor aceitar me ajudar... Tudo vai dar certo para todos".

"Está condicionando o fornecimento de doces da Liten Walhala ao fato de eu ajudá-lo a cuidar dos seus funcionários?".

"Oh, eu não colocaria dessa forma assim tão... Fria, mas, na verdade, eu acho que para mim apenas seria interessante se AS DUAS COISAS acontecessem... Como é mesmo? Adoro essa palavra chique: concomitantemente!".

Siegfried não gostou muito do que ouviu. Apesar do outro ter um sorriso lindo nos lábios, o que ele dizia, trocando em miúdos, era: ou você vem trabalhar algumas horas da semana aqui comigo, ou eu corto o contrato da boate com a doçaria!

Antes que ele dissesse algo, Misty continuou:

"Ora, veja, sua patroa iria ficar muito chateada se você perdesse esse contrato por preconceito machista. Você vem para cá me ajudar, fazemos um contrato expressivo com a doçaria, ela coloca outro garçom lá, você é promovido a contato dela e ainda faz um bico aqui, e todos ficam felizes e com dinheiro no bolso. E você poderia ajudá-la num ou outro dia se quisesse, e também trabalhar aqui... É uma boate GLS sim, caro Siegfried, mas isso não quer dizer que ditamos as condutas dos nossos funcionários. Você não será constrangido de forma alguma, eu prometo".

Enquanto prometia, Misty colocou os dedos para trás e cruzou-os, secretamente.

"Bem, eu... Tudo bem, aceito. Desde que ela não se oponha, é lógico".

"Ótimo, ela não vai se opor, eu sei! Vamos assinar um contrato milionário hoje, e ela vai ficar muito feliz, isso sim! Telemaco...".

O barman, que estava por ali para começar a inspecionar a chegada de algumas bebidas, se aproximou.

"Pois não, senhor...".

"Leve o senhor Dubhe para conhecer o resto do pessoal eu... Vou só até o escritório fechar tudo e me encontro com vocês".

Os dois funcionários se afastaram. Misty estava rumando para o escritório do primo quando um vulto familiar adentrou o salão...

"Ora, se não é o primo bonitinho daquele sueco folgado...".

"Apolo!".

"Em carne e osso. Acabei de chegar de uma viagem exaustivamente chata, e quero ter uns dias agradáveis na cidade..."·

Apolo secou Misty de cima abaixo. O louro estremeceu. E agora? Dava mole praquele playboy entendido ou apostava no hetero cujos olhos pareciam diamantes azuis? Ah, era mesmo uma escolha difícil... Mas talvez, com sorte, não precisasse escolher... 'Melhor do que um pássaro na mão... Era ter dois...'.

o0o

Enquanto Misty trabalhava, Afrodite estava aproveitando a folga de tempo que conseguira graças à ajuda do primo.

Havia comprado a fantasia dele, e também a de Shura. Ah, sim, já aprendera TODAS as dimensões do corpo longilíneo, mas forte e bonito. Fora fácil escolher a fantasia no tamanho certo do espanhol.

A sua fantasia, deixara-a em casa, agora, iria entregar a fantasia do amigo para ver se ela não precisava de algum ajuste de última hora. Faltava apenas um dia para a festa, e não poderia haver atrasos com as fantasias.

Afrodite estacionou na vaga para convidados e adentrou o hall do prédio apressadamente. O zelador o interpelou.

"O senhor não pode subir sem ser anunciado...".

Dite riu...

"Diga que é o entregador de roupas com uma encomenda. Vou eu mesmo lá em cima, falar com o Guillén".

Afrodite subiu o elevador panorâmico e saiu dele quase feliz, com a grande caixa na mão.

"Guillén, abra, sou eu!".

A porta abriu. Dite empalideceu quando viu percebeu QUEM abriu a porta.

"Carlo!". O coração de Dite disparou aloucadamente. O carcamano estava ali, molhado, apenas com uma toalha na cintura. Era uma visão atordoante, de tirar o fôlego! "Você não é o Guillén".

"Claro que não".

"Está tendo um caso com ele?".

O carcamano quase rosnou:

"Não seja estúpido, idiota. Meu apartamento sofreu um vazamento de água. Está chovendo dentro dele! Vou ficar hospedado aqui, até o maldito problema ser resolvido. E eu vou processar o condomínio desse prédio!".

"Não vai me convidar pra entrar?".

O outro deu de ombros, e deixou o pisciano entrar.

"Onde está o Shura?".

Ao ouvir seu nome, o espanhol falou alto, pra que o sueco o escutasse.

"Aqui, lindo, na cozinha, fazendo uma paella como se deve".

Shura saiu da cozinha enxugando as mãos. Largou o pano de copa e puxou Dite para um beijo apaixonado. O sueco estremeceu e corou. Ah, sim, havia mesmo combinado de se passarem por namorados na frente daquele carcamano intratável!

Carlo olhou incrédulo para Shura, que enlaçou Afrodite pela cintura e lhe deu um beijo gentil nos cabelos claros. Disse, contendo a vontade de rir ao ver a cara estupefata do amigo eternamente mal humorado:

"Ah, sim, eu não tinha comentado com você hoje de manhã que havia começado a namorar sério uma pessoa? Bem, você está agora olhando pra ela... Vamos comemorar nosso compromisso na festa de amanhã a noite. Você não acha que ele vai dar uma boa 'esposa'? ".

"Isso deve ser uma piada de mau gosto. Guillén, você...".

"Carlo, se somos mesmo amigos, gostaria que não começasse a ofender o MEU garoto".

Por pouco o italiano não bufou feito um touro prestes a investir... Como é? GAROTO DELE?

"Você definitivamente perdeu o juízo. Mas bom proveito. Uns gostam dos olhos, outros da remela. Problema seu. Só não me peça para felicitar a 'noiva'".

Carlo saiu a passos rápidos e quase derrubou a porta do quarto de hóspedes, tamanho o estrondo que fez...

Shura percebeu que os olhos de Afrodite estavam marejados, e que a boca carnuda tremia como se estivesse com frio.

"Oh, ele me odeia! Por que? Que mau eu fiz a ele? Ele agüenta as viadagens do Mu, do Milo, mas a mim...".

Guillén ficou com dó do olhar sofrido do outro.

"Ah, não ligue, ele é o capeta em pessoa. Agüenta Mu e Milo sem rosnar porque um é o patrão dele e o outro, um diretor da empresa onde ele trabalha, senão, iria falar as mesmas grosserias para todos. E acredite, já falou muitas. Mu só não manda Carlo para o inferno porque o que ele tem de cavalgadura, tem de competência".

"Mas ele precisa me tratar tão mal?".

"Já disse, não ligue. Quem desdenha muito, quer comprar. Agora, vá logo para casa e descanse para ficar bem lindo para o grande dia. Eu passo pra pegar você lá amanha às nove horas em ponto".

o0o

E a grande noite chegou.

A mansão, como um grande palco, tinha sido iluminada com fachos de laser e luzes especiais que a deixavam resplandecente como uma grande pérola branca. A imponente casa refletia um brilho capaz de ofuscar a lua cheia que embelezava o céu bordado de incontáveis estrelas.

Nos frondosos jardins, à beira da piscina, uma orquestra com vários músicos saudava os convidados que iam chegando nos carros luxuosíssimos, tocando melodias tipicamente gregas e clássicas.No imenso salão de festa todo envidraçado, mais adiante, uma banda de rock e vários DJs faziam a festa esquentar, mas o som moderno e barulhento ali não chegava, graças a um eficiente isolamento acústico.

Uma fileira de rapazes, vestidos com o tradicional 'peplos' da Grécia Antiga, jogavam sobre os convidados que subiam as escadarias, pétalas de rosas e esborrifavam neles água perfumada... Pasmem! Estavam eles, todos belíssimos, pintados com purpurina dourada, como se fossem homens feitos de ouro puro!

Shaka, ao ver ao longe aquela fileira de rapazes de ouro e o luxo que beirava a luxúria, sentiu-se subitamente pequeno e sem graça. Não sabia ele que, ao descer as escadas da mansão e ir até o grande hall de entrada, causara um frisson em todos, tamanha sua beleza: todo em tons de ouro e cobre, e resplandecendo um olhar azul ainda mais cintilante do que os pingentes da esplendorosa veste que Mutisha lhe dera, ele estava simplesmente deslumbrante.

O véu que usava cobria apenas parcialmente os cabelos loiríssimos, de modo que ele parecia ser o soberano daquele reinado de criaturas feitas de ouro.

Caminhou devagar, sem bem saber que rumo tomar. Na verdade, bem no intimo, odiava lugares cheios demais, onde só havia pessoas querendo umas serem mais do que as outras. Aquela artificialidade toda era linda, mas vazia. Não conseguia se adaptar bem a lugares assim e sempre sentia um pequeno princípio de pânico, uma vontade absurda de sair correndo.

Apenas quando dançava, ao entregar seu corpo à música, é que conseguia realmente relaxar e ser ele mesmo. Ondulava seus quadris, braços e pernas ao sabor da melodia e se esquecia de tudo o mais que não fosse seu amor à arte. Mas ali não era uma boate e nem ele iria dançar...

Ao se virar novamente em direção às escadas, pensando em voltar para o seu quarto, Shaka viu Mu se aproximando dele a passadas largas e decididas.

Prendeu a respiração. Foi como se uma flechada de Eros o houvesse atingido.

Mutisha estava lindo, os cabelos soltos como uma grande cascata lilás. Seu olhar era altivo, como sempre, mas havia um sorriso doce em seus lábios, que fez com que o estômago de Shaka sentisse uma deliciosa vertigem, enquanto a adrenalina corria seu corpo loucamente.

Todo de negro, com botas de cano alto. O colete, aberto, exibia uma camisa de seda de mangas bufantes cuja gola displicente mais mostrava do que escondia. No tórax esguio, mas forte, um medalhão gótico de prata indicava um famoso clã de vampiros.

Shaka, sem perceber o que fazia, deu um sorriso de admiração.

Um vampiro gótico: Lindo, onipresente. Fatal! Não havia fantasia melhor para Mutisha do que aquela! Nem o vampiro Lestat, personagem de uma escritora da qual muito gostava, seria deliciosamente sedutor como aquele homem!

O coração de Shaka disparou ainda mais, de espanto e emoção, quanto percebeu que Mu caminhava mesmo na direção dele!

E sua surpresa foi ainda maior, quando Mu apanhou as mãos dele, Shaka, e a levou aos lábios, depositando nelas um beijo suave e gentil, mas que fez com que a pele alva do mestiço hindu se eriçasse de prazer emoção.

"Você é mesmo lindo".

Shaka corou, sem saber o que retrucar. Já vira muitos olhares de cobiça e admiração, mas havia algo nas íris claras de Mu que, por alguns instantes, o fez se esquecer de todas as mágoas e barreiras que havia entre eles dois...

"Obrigado... A fantasia que você me deu... Também é linda".

"Ela empalidece diante da sua beleza. Venha, vamos receber os convidados".

Shaka quase abriu a boca de espanto, agora. Como é? Mu estava convidando a ele, um puto pago, para assumir a posição ao seu lado, diante dos convidados, como co-anfitrião da festa?

Antes que pudesse retrucar algo, Muthisha o puxou pelas mãos e o fez caminhar ao seu lado, novamente para a escadaria principal. Quando os dois apareceram ali, os convidados que riam e bebiam a beira da piscina lhes deram uma salva de palmas. Era como se os reis houvessem chegado a Versailles...

o0o

Nesse instante, Afrodite se esgueirou entre os convidados, para ver melhor a gloriosa roupa de Shaka.

Puxou Shura pela mão e foi caminhando, distraído, ao longo do deck da piscina. Mal sabia ele que, com a sua incomparável ousadia de se vestir como a rainha do Egito, Cleópatra, estava tão deslumbrante quando o hindu!

Seus cabelos, escurecera-os com uma tinta de química temporária, e os olhos, ah, sim, aqueles belíssimos olhos azuis, adornados pelo k-hal que lhe fazia a linha egípcia nas pálpebras, o deixava lindo como um Deus. Era como se a própria soberana do Alto e Baixo Nilo houvesse encarnado no corpo andrógeno e lindo daquele homem.

Guillén também estava muito atraente na sua roupa impecável de toureiro. Os dois, tal qual Mu e Shaka, chamavam a atenção de todos.

"Oh, Shaka está mais lindo do que eu!".

Havia uma ponta de inveja na voz grave e macia que fez Guillén rir:

"De jeito nenhum. Está tão lindo quanto você. Mais, não!".

"Você fala isso para me animar!".

"Falo porque é verdade, além disso...".

Guillén parou o que dizia quando, numa das mesas que ficavam a beira da piscina, reconheceu uma figura familiar. O louro não estava fantasiado, e apesar de ter uma beleza quase agressiva, destoava do ambiente GLS. Aiolia!

Estremeceu. Aiolia ali, na festa de Mu? O que ele estava fazendo ali? Observava os convidados? Ou estava esperando alguém?

"Dite, me dê licença por alguns minutos, acabei de ver um velho amigo. Não me demoro".

"Sim, e na volta, traga um Dom Perrignon para mim, ok?".

"Combinado". Shura se afastou apressado.

De tão encantado que estava em admirar as jóias que cintilavam na roupa de Shaka, Afrodite não percebeu que, na festa, havia uma pessoa que não lhe desviara o olhar: Carlo.

O carcamano já há alguns minutos observava o andar felino e encantador daquele homem travestido de Cleópatra, cuja beleza estonteante era lhe uma verdadeira provocação. Uma afronta!

Como aquele cretino ousava ser mais belo e sensual do que uma fêmea verdadeira?

O desgraçado era tão lindo moreno quanto era louro. De certo, ficaria lindo até de cabelos azuis, o boiola!

E conforme ia pensando naquelas coisas, a raiva do italiano crescia. Sem querer, as imagens daquela cavalgada louca que vira Shura fazer em Afrodite lhe voltava a mente, e ele não conseguia parar de pensar no corpo andrógeno nu, perfeito, pleno de uma excitação nem um pouco feminina!

E, a medida em que percebia que aquelas lembranças o excitavam, mais louco da vida ficava.

Não estava fantasiado. Apesar de Mu ter sido enfático quanto a necessidade da fantasia, e colocado a exigência no convite que distribuira aos convidados, Carlo somente fazia o que queria. E agora, o que ele queria era fazer Afrodite pagar a afronta de ser tão ou mais belo do que uma mulher!

Caminhou como um touro enfurecido, até chegar diante do outro.

"Você está ridículo nessa roupa. Um fiasco".

Afrodite estremeceu. Na verdade, passara horas diante do espelho se produzindo pensando apenas em agradar um único homem, e aquele homem estava ali, bem na sua frente, dizendo que ele era um fiasco.

Respirou fundo. Não iria dar o gostinho a ele de chorar e borrar a maquiagem.

"Shura não reclamou. Aliás, ele gostou, e muito. E o que você diz ou pensa, não me atinge".

E por dentro, seus pensamentos eram outros...

"Mentira, me atinge, e muito".

"Shura perdeu o juízo e o senso de ridículo. Se gosta de andar com uma imitação barata de mulher...".

"Eu não imito as mulheres! Fiz uma homenagem a Cleópatra apenas porque ela era forte e determinada, e levou reis a se curvarem a ela, como fez com Júlio César e Marco Antônio. Além de inteligente, era uma diplomata invejável! Ela desafiou o mundo com sua posição de mulher independente e livre!".

"Ora, ora, o viadinho entende de história...".

"Escute, não vou ficar aqui ouvindo suas mediocridades".

Carlo empalideceu de raiva.

"Como é? Repita se...".

"Se for homem? Repito. PORQUE SOU HOMEM. Mediocridades. Isso mesmo, essa sua posição é medíocre e mesquinha. Eu já escutava coisa pior desde que eu tinha onze anos e estava no primeiro ano do ginásio. Uma vez, os garotos, machistas como você, me bateram tanto que eu cheguei em casa com o braço e duas costelas quebradas. NADA me assusta Carlo, nem ofensa, nem xingos, nem desprezo. Apenas uma coisa me enfraquece... Uma coisa que é mais forte do que eu mesmo...".

"O quê?".

"O amor que eu sinto por você".

Pronto!

Deuses, finalmente, havia dito! Que se fodessem todos, era verdade. Não conseguiria mais fingir que não amava aquele intratável!

Um silêncio sepulcral pairou no ar.

De repente, era como se nem os músicos, ou os convidados, estivessem ali. Parecia haver somente eles dois e a tensão do momento. Os olhos de um e de outro buscando sentimentos que não mais conseguiam ficar ocultos.

E de repente, Afrodite enxergou a verdade nos olhos escuros... E disse, firme, com uma segurança invejável...

"E agora eu sei porque você me persegue com suas grosserias... Você também me ama. Negue isso mil anos, e ainda continuará me amando".

"Você está louco, sua bicha!".

Afrodite sorriu...

"Pode me xingar do que quiser, agora, EU SEI o que motiva você a agir assim...".

Num gesto de raiva e violência, Carlo empurrou Afrodite com toda a força e, este, pego de surpresa, caiu na piscina.

Shura, que estava mais adiante conversando com Aiolia, veio correndo...

"Escute aqui...".

Carlo estava furioso...

"Cale a boca, Guillén, e, da próxima vez, diga ao seu viado pra não ficar cantando os outros, enquanto você se afasta para falar com os amigos, o papel de corno não lhe cai bem!".

Aiolia, que vinha chegando correndo atrás de Shura estancou de susto. 'Como é?'.

"Guillén, diga que o Carlo está de brincadeira. Você não esta namorando um cara, está?".

A voz do ruivo era um misto de surpresa e desprezo.

O coração de Guillén se apertou. Preferiu não responder nada e ajudar Afrodite a sair da piscina. O pisciano tremia mais de raiva do que de frio. Sua fantasia estava arruinada!

"O que aconteceu?".

Afrodite emergiu, resoluto. Realmente, era diabolicamente lindo e suave, mas não era efeminado.

"Aquele cretino ouviu a verdade que precisava ouvir. E não gostou...".

o0o

Kamus e Annethe chegaram logo depois à queda de Afrodite na piscina. Definitivamente, aquela festa estava cheia de belos espécimes masculinos. Muitos olhares, de homens e mulheres, se voltaram para Michael Kamus quando ele adentrou a festa usando uma toga grega curta, semelhante a dos garotos que recepcionavam os convidados. Seus olhos misteriosos e seus traços aristocráticos tinham um que de sensualidade refinada que fazia com que a beleza dele fosse ainda mais chamativa que a de Annethe, que, apesar de muito bonita, era quase comum.

Ele personificava o príncipe Páris, e ela, a bela helena de tróia. Eles cumprimentaram os amigos e Kamus, mesmo sem perceber, a medida que via rostos conhecidos, procurava um em particular...

Não, Milo ainda não havia chegado à festa... Com quem estaria ele?

o0o

Shaka, apesar de magoado com Afrodite por este ter dado a Mutisha todas as economias dele que estavam no cofre da boate, não deixou de socorrer o amigo...

Correu com ele para um dos quarto da casa e lhe emprestou um de seus próprios sari... Logo, Afrodite estava de banho tomado e roupas trocadas.

Shaka sorriu...

"Você está tão lindo de hindu como estava de egípcio. O que deu naquele bofe pra empurrar você para dentro da água?".

Afrodite deu de ombros... Não queria falar do seu amor não correspondido. Desviou o assunto...

"E você e Mutisha, já se entenderam?".

Aí, foi a vez de Shaka desconversar...

"Espere, num instante, vou desenhar uma roseta na sua mão esquerda, com henna. Vai ficar lindo, eu já volto. Vou pegar a henna no meu quarto... Quero dizer, no quarto onde eu durmo".

Saiu apressado. Foi quando esbarrou em uma pessoa que, sem dúvida, não queria reencontrar de jeito nenhum! Saga!

O grego estava muito bonito numa fantasia de soldado espartano e tinha um sorriso zombeteiro nos lábios.

"Ora, ora, ora... Vejo que Mu caprichou na roupa da bonequinha de luxo dele...".

"Eu não sou bonequinha de ninguém!".

"Verdade. É mesmo. Eu me esqueci de que puto não é propriedade de ninguém em particular. É de utilidade pública".

Shaka corou com a ofensa, mas preferiu não retrucar.

"Por favor, me dê licença, eu estou com pressa...".

"Para que a pressa? Mu não lhe deixou claro que deveria ser bonzinho comigo?".

Shaka tentou usar um tom cortante na voz, mas não teve certeza de que conseguiu isso...

"Faça o favor de me deixar passar".

Saga apanhou o pescoço delgado de Shaka e o pressionou com violência contra a parede, ao mesmo tempo em que lhe fazia um carinho atrevido entre as coxas, sobre o sexo.

"Não se faça de difícil, garoto. A gente pode 'brincar' um pouco mais... Kanon já deve estar subindo... Estou ouvindo os passos dele...".

Mas não era os passos de Kanon. Era Mu, que, com um forte tranco, puxou Saga para trás e lhe sussurrou, entre dentes, de forma perigosa, tentando evitar que Shaka lhe escutasse.

"Shaka não está mais disponível, Saga, e se você encostar de novo nele, lhe garanto que vai ter que pagar uma prótese de dentes generalizada".

"Ora, Mu, o que é isso? Desde quando você briga com os amigos por causa de vagabundos pagos?".

O olhar de Mu era de quem estava prestes a surrar o outro.

"Desça para ficar com os outros convidados e com o seu irmão. AGORA".

Algo no olhar assassino de Mu avisou Saga que ele não estava brincando. O outro deu de ombros e capitulou. Desceu para o andar de baixo sem dizer nada.

Mu e Shaka se olharam, sem jeito. O ariano tentou falar algo neutro...

"Como está Afrodite?".

"Arrasado por causa da fantasia molhada, mas vai sobreviver. Vou fazer uma tatuagem de henna nele, mas eu não demoro".

Mu fez um leve assentimento com a cabeça.

"Ótimo. Eu estarei esperando você lá embaixo...".

Ao começar a descer a escada, Mutisha ouviu a voz doce de Shaka:

"Obrigado, Mu. Eu vou me lembrar desse seu gesto de proteção e carinho para sempre".

Mu tentou disfarçar a emoção que sentia. Tentou ser irônico.

"Oras... e porque um puto deveria se sentir protegido?".

Shaka respirou fundo...

"Porque você não protegeu apenas o meu corpo, mas a minha alma. A mesma alma que se encantou quando leu o seu poema...".

Mutisha parou no meio da escada, como se ponderasse se deveria virar a cabeça ou não. Mas preferiu descer as escadarias, sem olhar para trás para procurar o olhar de Shaka com o seu. Estava emocionado e estranhamente frágil. Não gostava de sentir emoções fortes como as que sentia naquele instante... Jamais se deixava ser guiado pelas emoções, não era prático.

o0o

Na mesma hora em que Mu retornava ao salão principal e se juntava aos amigos, Milo adentrou a grande porta frontal da casa. Kamus, que conversava com a noiva e alguns outros amigos, sentiu seu corpo gelar de emoção e depois se aquecer violentamente. Era uma visão esplendida.

Milo estava esbanjando charme e beleza, com aquele seu sorriso lindo e irreverente, mas, ao lado dele, ah, havia uma ruiva cuja beleza fazia qualquer outra mulher da festa parecer uma bruxa! Estava adorável, o casal. Milo personificava Eros, e a ruiva, Psiquê. Lindos, perfeitos e em glória!

Os dois adentraram o salão abraçados, e, tão logo os intensos olhos azuis de Milo localizaram os amigos a poucos metros, se direcionou para perto deles.

Em sua curta caminhada, vários olhares se voltavam para o casal.

Mu admirava a beleza do amigo e se questionava mentalmente quem poderia ser sua acompanhante. Shaka que logo após ter auxiliado, e de ter lhe feito a roseta na mão de Afrodite já se encontrava perto dos outros convidados do ariano, olhava atentamente para o grego. Shura, Afrodite e Aiolia também se encontravam no local e um pouco distante Carlo a contra gosto, escutava a conversa.

Todos os amigos mais próximos estavam ali, visualizando o deslumbrante casal, que vinha sorridente até eles.

"Mu, pelo que estou notando a festa esta maravilhosa. Muito bem organizada, arranjos belíssimos. Obra de Saga e Kanon?".

Mutisha sorriu ao amigo diante do elogio. Milo sabia como massagear perfeitamente o ego do ariano.

"Sim, os gêmeos tem bom gosto para muitas coisas. Isto não se tem como negar. Pedi e eles trabalharam perfeitamente, mas...". Os olhos verdes se direcionaram de Milo para a figura repleta de esplendor ao lado do amigo. A mulher que mais se aparentava a uma Deusa. "Não vai nos apresentar quem é a sua belíssima amiga e acompanhante, Milo?".

O escorpiniano sorriu de maneira encantadora, não percebendo que este simples ato afetara uma determinada pessoa ali presente. Voltou seu corpo na direção de sua companheira e olhando nos olhos da mulher, deixou sua voz sair para a apresentação de forma carinhosa e envolta em adoração:

"Esta é minha Psiquê, Marin De l'Aigle, minha musa, e, atualmente, minha namorada". Milo desviou o olhar rapidamente da face corada da pequena ruiva para fitar o rosto dos amigos.

Uma mistura de choque e incredulidade poderia ser vista na face de cada um.

Seus olhos pairaram sobre uma pessoa. Percebendo que os olhos de Kamus estavam cravados sobre si, Milo virou-se repentinamente para Marin envolvendo-a firmemente pela esguia cintura, aproximando o pequeno corpo de contornos simétricos ao seu, e capturou os lábios carnudos em um beijo cinematográfico.

CONTINUA...


Significado para o sobrenome do Aiolia Anker Hector:

Anker Másculo, viril
Hector Fiel, sempre leal, firme.


Agradecimentos especiais e carinhosos a Pipe (Rosnadora) por betar nossa baby e por não nos matar com o que lê XD

Agradecemos também aos nossos fofos leitores, amigos conhecidos, ou não, que nos incentivam comentando ou por aqui, neste site, ou por MSN. Vocês são uns amores e a cada comentário que recebemos, nos sentimos felizes e animadas para mais um capítulo.
Contamos com vocês para esse fôlego de animo a cada 'Continua...'.

E agora? O que vocês estão pensando? Qual foi a pior maldade deste capítulo? E Mu e Shaka, o que vai acontecer? Milo e Marin?
Estas e outras questões serão respondidas nos próximos capítulos de:
Marcas do Destino. Sua novela brasileira sobre Saint Seiya.
Aguardem, no melhor ff.bomba mais perto de você!

XD

Ok, estaremos aguardando os coments, não-bombas, sobre este capítulo.

Beijinhos

Litha-chan & Jade Toreador.