Disclaimer: Sailor Moon, bem como os seus respectivos personagens, não me pertence, e sim a Naoko Takeuchi. Eu posto esta fic apenas por diversão e entretenimento, e sem nenhuma intenção de lucrar algo com isso.

Esclarecimento: Esta história também não é de minha autoria, ela é uma adaptação do livro de mesmo nome, de Barbara Cartland, que foi publicado na série homônima de romances da editora Nova Cultura (edição 251, publicada no Brasil em 1990).

OBS: Esta adaptação muito provavelmente terá OoC. Muito bem, todos foram avisados...


ENCONTRO EM BUENOS AIRES

Capítulo 1

1894

- Não adianta, mamãe ! Não sei costurar como você ! Preciso encontrar outro tipo de trabalho.

A mulher deitada na cama protestou:

- Não, Usagi ! Não quero que saia pela rua à procura de emprego. Além do mais, o que sabe você fazer ?

Usagi sorriu.

- Esquece-se, mamãe, de que falo espanhol, português e um pouco de italiano ? Posso muito bem ser secretária de algum executivo.

- Impossível ! Que diria seu pai se soubesse ?

Usagi sentou-se na cama, segurando os dedos delicados de sua mãe.

- Vamos falar com sensatez, mamãe...

- Garanto que posso costurar ao menos uma hora por dia - interrompeu-a a mãe.

- Você tem de fazer o que seu médico mandou - replicou Usagi - E é simplesmente: nada !

- Acha que não é possível levarmos a vida adiante com o que temos, minha filha ? - indagou a sra. Tsukino com um suspiro.

- Não, não é possível, mamãe.

-Tudo por minha causa. Os remédios estão caríssimos e a comida, então !… Talvez não seja necessário eu comer tantos ovos nem tomar tanto leite. Não agüento pensar em você trabalhando num ambiente só de homens, linda como é.

A sra. Tsukino falava a verdade, pois sua filha Usagi tinha uma beleza deslumbrante. Seus traços eram quase perfeitos, o nariz aristocrático, o rosto bem oval. Os enormes olhos azuis, de longos cílios escuros, chamavam mais atenção que tudo. Os cabelos de Usagi eram loiros. E a mãe estava certa em pensar que qualquer homem que a visse se sentiria atraído.

Desde que mãe e filha voltaram à Inglaterra, a saúde da sra. Tsukino periclitava progressivamente.

A razão disso consistia não apenas no desespero pela morte do marido, mas na catástrofe que precedera esse final trágico. Ela e a filha ficaram praticamente sem nada.

Venderam o pouco que possuíam e, nos últimos seis meses, viviam do produto da venda dos bordados que a sra. Tsukino fazia, como profissional.

Uma loja de Bond Street comprava todas as peças de lingerie bordadas por ela. Na verdade, a demanda era maior do que a sra. Tsukino podia produzir.

Usagi ajudava-a rematando as costuras, pregando rendas, mas não conseguia bordar como a mãe, tanto do ponto de vista da perfeição, como da ligeireza.

E o preço dos remédios e da comida subia semanalmente.

A sra. Tsukino estava muito magra, tossia constantemente, e tinha uma cor artificial nas faces que contrastava com a alvura do lençol.

- Você acha, minha filha, que há pessoas na Inglaterra… que necessitam de uma secretária que fale espanhol ? - perguntou a sra. Tsukino com certa hesitação.

- Deve haver. Li no jornal, há dias, que este país está comprando carne na Argentina mais que nunca. Alguém aqui precisa redigir os contratos, escrever cartas aos fazendeiros argentinos. E sabemos que poucos dentre eles falam e entendem inglês.

- Fizemos tantos planos para o seu futuro, Usagi ! Antevíamos que você seria linda, que brilharia na sociedade com vestidos elegantes, e que encontraria, no devido tempo, um pretendente à altura.

- E papai adoraria ir a festas comigo ! - rematou Usagi com um sorriso.

- Você também gostaria muito ! Que mulher não aprecia ser admirada, festejada, cortejada ?

Após alguns segundos, Usagi respondeu com tristeza, mas sem rancor:

- "Não adianta chorar sobre o leite derramado", mamãe, como minha governanta costumava dizer.

- Pobre miss Ishihara, o que terá acontecido com ela ! - comentou a sra. Tsukino - Porém, a pessoa em quem penso mais freqüentemente é Giovanna, a querida empregada que nos amava tanto.

- Ela venerava papai - acrescentou Usagi - Lembro-me também das cançonetas italianas que cantava para mim quando eu era criança. Mas não vamos falar sobre coisas tristes, mamãe.

- Penso nisso o tempo todo. Penso nos últimos anos que vivemos em Buenos Aires, quando seu pai exercia as funções de representante do governo britânico. Os amigos diziam que a próxima nomeação dele seria para uma embaixada em algum país da Europa. E então…

A sra. Tsukino parou subitamente de falar, e fechou os olhos para que a filha não lhe visse as lágrimas.

- Então aconteceu ! - sussurrou Usagi E, não importa o que as pessoas tenham dito, para você e para mim papai era inocente !

- Claro que era inocente ! Você acha possível que ele tivesse feito tal coisa ? Seu pai não apenas amava a Inglaterra como também a Argentina. Sempre dizia que a Argentina estava em seu sangue, e que Buenos Aires era para ele o mesmo que Londres.

- Recordo-me de papai dizendo isso - concordou Usagi - Ele falava também que, estando longe da Argentina, pensava constantemente no rio da Prata, nos pampas, e nas pessoas que gostavam tanto dele.

- Até que veio o dia em que essa amizade chegou ao fim…

- Nunca perdoarei os argentinos pelo modo como trataram papai ! - exclamou Usagi - Eu os odeio ! Está me ouvindo, mamãe ? Eu os odeio ! Como também odeio os chamados "amigos" da Legação Britânica que não ficaram do lado de papai quando tudo saiu errado.

- Eles não puderam fazer nada - observou Ikuko Tsukino - Uma vez enviado o relatório à Inglaterra, seu pai teve de voltar para cá a fim de comparecer ao inquérito.

- E o que o Ministério do Exterior esperava descobrir contra papai ? - perguntou Usagi.

- Se ao menos o mapa não houvesse desaparecido ! - murmurou a sra. Tsukino falando consigo mesma - Esse foi o pivô do drama. A bordo do navio, seu pai andava de um lado para outro, noite após noite, dizendo: "Onde estará esse mapa ? O que aconteceu com ele ?"

Havia tanta mágoa na voz da mãe, que Usagi tentou consolá-la:

- Não se torture assim, mamãe. Jamais descobriremos coisa alguma. Ao menos papai morreu como um herói.

Nenhuma das duas falou mais, porém mentalmente reviviam o acidente que matara o sr. Tsukino a bordo do navio que o levava de volta à Inglaterra.

Kenji Tsukino mergulhara para salvar uma criança que caíra no mar.

Colocou-a sã e salva no bote que fora baixado para apanhá-los. Então, inexplicavelmente, antes de subir a bordo, desapareceu nas ondas do oceano, e seu corpo nunca foi resgatado.

Ele era um exímio nadador, e o mar não estava agitado.

Não deixava de ser um mistério o fato de, após ele ter salvado a criança, ter perdido sua vida… a menos que assim o desejasse.

Os jornais tiraram o máximo proveito do acidente. As manchetes diziam:

"Diplomata sob suspeita morre ao salvar uma criança. Traidor ou herói ?"

Havia uma infinidade de artigos que começavam assim:

"Teria havido um erro trágico suspeitando-se de um de nossos mais brilhantes diplomatas ?"

Na Inglaterra, graças à gentileza do comandante do navio, a sra. Tsukino e Usagi foram poupadas do encontro com os repórteres que as esperavam no cais.

As duas mulheres desembarcaram incógnitas e sumiram em Londres.

A imprensa tentou encontrá-las, mas em vão.

Ninguém jamais suspeitou de que a insignificante sra. "Hasegawa", que morava com a filha num modesto apartamento, fosse a procurada viúva do diplomata morto que ocupara a primeira página dos jornais durante quase uma semana.

E ninguém poderia esperar que uma tragédia desse porte surgisse em conseqüência da tentativa dos Estados Unidos, em 1892, de exercer sua influência no mercado da Argentina.

Em março desse mesmo ano, a embaixada britânica em Buenos Aires enviou à Inglaterra um relatório "estritamente confidencial".

"Consta", dizia o embaixador, "que o governo americano ofereceu à Argentina uma enorme quantia para conseguir uma base naval neste país."

Antes que viesse da Inglaterra a resposta a esse relatório confidencial, o embaixador tirou férias e, em seu lugar, deixou Kenji Tsukino.

Kenji ficou tão preocupado com as negociações argentino-americanas que mandou à Inglaterra o mais longo telegrama em código na história da Legação Britânica da Argentina. Os boatos começaram a se espalhar.

O jornal londrino The Times publicou um artigo sobre a tentativa americana de estabelecer uma base no rio da Prata.

O embaixador francês, contudo, alegrou-se com a polêmica, e tanto ele como o embaixador do Uruguai concordaram que os americanos empenhavam-se em comprar uma base naval na Argentina ou no Uruguai.

Foi nessa hora que um funcionário subalterno da Legação Britânica, em Buenos Aires, Tetsuo Inamoto, enviou um relatório, também confidencial, a Londres, dizendo que Kenji Tsukino fazia negociações com os americanos em detrimento da Inglaterra. Tratava-se de uma completa e deslavada mentira. A acusação foi motivada por inveja e vingança pessoal, pois o homem em questão, Tetsuo Inamoto, insultara a sra. Tsukino num baile com seu atrevimento, e fora rechaçado e humilhado pelo marido dela, o sr. Tsukino.

A acusação poderia ter sido esquecida pelo Ministério do Exterior, pois o espectro alarmante da interferência americana na Argentina em breve sumiu do cenário. Resultou apenas numa proibição da entrada no país do petróleo, madeira e maquinaria americana.

Infelizmente, contudo, os inimigos de Kenji Tsukino descobriram que um mapa secreto e muito importante das defesas marítimas de Buenos Aires desaparecera da Legação Britânica.

Fora visto pela última vez nas mãos do sr. Tsukino, fato esse que ele não negou. E, quando lhe pediram que devolvesse o tal mapa, Kenji constatou que sumira.

Por essa razão o governo britânico exigiu que ele comparecesse em Londres para o inquérito sobre o caso.

Ninguém soube com certeza quem entregara toda a história aos jornais argentinos; mas, para Kenji, não foi difícil adivinhar.

Na época, Buenos Aires estava atacando violentamente os estrangeiros que lá viviam, embora o dinheiro investido por eles fosse de grande valor para o país.

Por semanas uma onda de "fora aos estrangeiros" invadiu a cidade e resultou numa série de tumultos provocados por membros da União Cívica Radical.

Kenji Tsukino foi repudiado pelo movimento, como se ele fosse um traidor ao invés de um homem que dera anos de sua vida ao serviço diplomático entre seu país e a Argentina.

Sensível, culto, pessoa de grande responsabilidade e íntegra, Kenji ficou inconsolável à simples idéia de que alguém pudesse imaginar ser ele capaz de ato tão indigno.

De volta à Inglaterra, no navio, a jovem Usagi, com dezesseis anos, constatou que o pai envelhecera da noite para o dia.

E, naquele instante, vendo a mãe ali deitada, sofrendo, abatida, Usagi dizia a si mesma que não apenas o pai morrera há dois anos, mas também uma parte da mãe se fora com ele.

- Você ficará boa logo, mamãe - insistia Usagi - Não vamos continuar a vida toda nesta miséria, escondendo-nos e morrendo aos poucos de fome. Pretendo ganhar dinheiro ! O suficiente, ao menos, para vivermos com conforto !

- Não posso permitir que procure emprego em escritórios, minha filha - protestava a sra. Tsukino - Desconhece o que é o mundo para uma jovem bonita como você. Sempre saiu acompanhada, foi sempre superprotegida.

- Essa vida é para mulheres aristocráticas, mamãe, que não fazem nada o dia todo. Nós não temos dinheiro, e eu preciso trabalhar !

Ela olhou-se no espelho. Soltou os cabelos que caíram quase até a cintura, em ondas douradas. Escovou-os, trançou-os e fez um coque na nuca. Prendeu-os firmemente com grampos. Depois, abriu uma gaveta e de lá tirou os óculos escuros, quase pretos, de seu pai.

O sr. Tsukino usara-os num verão porque ferira um olho em acidente de equitação. O médico recomendara que evitasse luz forte, muito prejudicial à retina.

Usagi pôs os óculos. Eram enormes para seu rosto pequeno. Virou-se então para a mãe e disse:

- Veja, mamãe ! A própria secretária eficiente !

A sra. Tsukino fitou a filha, exclamando:

- Você está horrível, Usagi ! E esses óculos a deixam desfigurada !

- É essa a minha intenção. Garanto, mamãe, que homem algum olhará para mim.

- Não deixa de ser um bom disfarce - concordou a sra. Tsukino.

Usagi usava um vestido preto. Findo o luto, nem ela e nem a mãe tiveram condições de comprar roupas novas. Havia nas malas lindos trajes comprados em Buenos Aires, mas nenhuma das duas ousava exibir as roupas luxuosas que pertenciam ao passado.

Ela foi ao guarda-roupa e apanhou um chapéu preto. Era enfeitado com fitas escuras, dispostas de maneira deselegante. Amarrou o chapéu sob o queixo e vestiu uma jaqueta preta abotoada até o pescoço.

- Vou-me agora. Posso demorar um pouco, mamãe, mas não se preocupe.

- Onde vai ?

- Numa agência de empregos em Piccadilly - declarou Usagi - Fui uma vez lá com papai, há alguns anos, a fim de arranjar um contador para a embaixada da Espanha.

- Lembro-me desse homem - murmurou Ikuko Tsukino - E era um rapaz muito simpático.

- Gostaria de encontrar uma pessoa para fazer companhia a você, mamãe.

- Não é necessário, fico bem sozinha. Mas volte depressa, querida. Sabe que não gosto de pensar em você andando pela rua.

Usagi sorriu e falou:

- Ninguém dará atenção a este horror de mulher. O homem que me seguiu ontem não olharia uma segunda vez para mim.

- Um homem seguiu você ? Por que não me contou nada ? E continua achando que está agindo acertadamente ? Num escritório, você estará ainda menos segura do que numa rua cheia de homens.

- Prometo, mamãe, que escolherei com muito cuidado meu chefe. Tratarei de achar um tão velho quanto Matusalém e bem rico.

A sra. Tsukino tentou sorrir, mas não conseguiu. E, assim que Usagi saiu, lamentou não ter protestado mais contra a idéia louca da filha. Sabia, contudo, que o dinheiro que possuíam não duraria muito.

Usagi estava cada vez mais magra, privando-se de tudo para lhe comprar remédios e comida. E as contas médicas eram astronômicas.

O futuro apresentava-se sombrio. Ikuko Tsukino recostou-se nos travesseiros e fechou os olhos.


Usagi chegou em Piccadilly depois de ter tomado duas conduções. Não teve problemas. Não podia negar que sua aparência, sem o disfarce, inflamava os homens. No West End havia sempre cavalheiros de chapéus altos, que não se comportavam como tal quando a viam.

Naquele dia, pela primeira vez, ela passou despercebida a todos, e concluiu com prazer que seu disfarce funcionava bem. Esperava, também, que a fizesse parecer mais velha.

Poucos empregadores acreditariam que uma jovem de dezoito anos pudesse ser tão fluente em línguas estrangeiras.

Usagi nascera numa cidadezinha perto de Buenos Aires, onde os Tsukino passavam umas férias.

Quando ela completou cinco anos de idade, seu pai foi designado para um cargo na Espanha e, após três anos em Madrid, ocupou uma alta posição em Lisboa.

De Portugal, os Tsukino mudaram-se para a Argentina e, tanto Kenji quanto Usagi sentiam-se como se tivessem voltado ao lar.

Kenji parecia um menino entusiasmado mostrando à filha os lugares que ele conhecia bem em Buenos Aires. Nos feriados, pai, mãe e filha percorriam as cidades vizinhas, e Usagi aprendeu a amar a Argentina como seu pai.

- Estou convencido - disse ele um dia à esposa - de que aqui ficava o Jardim do Éden; e, se eu fosse Adão, não poderia pedir a Deus uma Eva mais bonita que você, minha querida.

A sra. Tsukino riu muito, mas havia adoração em seu olhar.

O casal vivia absolutamente feliz. A sra. Tsukino, filha de lorde Nishikawa, casara-se com o jovem Kenji, rapaz sem dinheiro, contrariando sua família.

O que tornara as coisas piores foi que, na ocasião, ela estava noiva de um nobre de destaque, escolhido pelo pai.

- Minha família nunca me perdoou - confessara a sra. Tsukino à filha - , não somente porque me casei com o homem que amava, mas por causa do escândalo. Para meu pai, ter o nome no jornal além de quando se nasce, se casa ou se morre, é ofensa imperdoável. E o rompimento de meu noivado foi publicado em todos eles.

Usagi lembrou-se dessas palavras quando se viu sem dinheiro para comprar remédios para a mãe. Pensou em se aproximar do avô, em lhe pedir auxílio. Mas logo concluiu que sua mãe não permitiria, e que o avô se negaria a ajudá-las, com certeza.

Se o velho ressentira-se da notícia nos jornais sobre o rompimento do noivado da filha, o que estaria ele pensando das manchetes, dos editoriais, das infindáveis especulações acerca da suposta traição e morte dramática do genro ?

"Não, preciso cuidar de mamãe eu mesma", admitiu Usagi, já chegando na agência de empregos.

O sr. Niwa, o dono da agência, era um senhor de idade, de olhar desconfiado, que partia do pressuposto que todos os requerentes iam contar- lhe mentiras.

Fitava-os com ar desdenhoso, um ar que os intimidava no primeiro instante em que entravam na agência.

Quaisquer pretensões que pudessem ter eram reduzidas a zero, quando o sr. Niwa os interrogava com uma habilidade de longos anos, conseguindo arrancar informações que os candidatos talvez pretendessem esconder.

Usagi esperou pacientemente por sua vez.

O sr. Niwa observou primeiro o vestido preto dela, e constatou que não era feito com tecido da melhor qualidade. Notou o chapéu simples, e demorou o olhar nos óculos escuros.

- O que deseja ? - indagou ele.

- Procuro um emprego de secretária - disse ela.

- O que há com seus olhos ?

- Nada, exceto que prefiro usar óculos.

O sr. Niwa por certo pensou numa resposta rápida que não veio.

Abriu então o livro de registro.

- Nome ? - indagou ele.

- Hasegawa.

- Idade ?

- Vinte e quatro anos.

- Endereço ?

Usagi deu-o bem devagar, e o sr. Niwa anotou-o.

- Qualificações ?- havia algo no tom de voz do homem que fez Usagi pensar que ele não esperava que ela tivesse uma sequer.

- Falo espanhol, português e italiano. E um pouco de francês - o sr. Niwa surpreendeu-se com a resposta e anotou tudo sem comentários.

- Sabe escrever à máquina ?

- Sei. E posso taquigrafar usando um sistema próprio, e bastante rápido.

Usagi pensou imediatamente em sua sorte pelo pai a ter usado como secretária não oficial, quando trabalhava em casa.

- Não é interessante que o pessoal da embaixada invada nossa casa a qualquer hora - ele costumava dizer - Usagi pode datilografar tudo muito bem. Quero minha casa só para mim.

Às vezes, quando tinha relatórios a submeter à Inglaterra, comunicava na Legação que não compareceria por dois ou três dias. Então, aproveitando as horas de Sol, ele e a filha cavalgavam o dia inteiro e, à noite, trabalhavam.

Ela adorava cada minuto da atividade que exercia junto do pai.

Por esse motivo, adquirira aptidões que surpreenderam até o desagradável sr. Niwa.

- Apresente-me suas referências - pediu ele.

- Sempre trabalhei fora do país. Posso escrever a meus antigos empregadores, mas levará algum tempo para obter uma resposta.

- E não teve o bom senso de requisitar essas referências antes de sair de seu último emprego ? - indagou o sr. Niwa, com maus modos.

- Na verdade, não achei necessário. Não esperava vir a trabalhar na Inglaterra. Contudo, se for essa uma condição imprescindível, tratarei de conseguir o que me solicita.

Nesse instante, um homem de meia-idade, bem trajado, entrou na agência. Aproximou-se do sr. Niwa que logo disse, amavelmente:

- Bom dia, sr. Akagi ! Não esperava vê-lo de volta tão cedo.

- Sinto muito dizer-lhe, sr. Niwa, que o jovem que nos mandou é um incompetente. O espanhol dele é fraco, e o português não existe.

- Lamento, peço-lhe mil desculpas. Mas o rapaz apresentou referências ótimas.

- O domínio do espanhol, que os ingleses consideram ótimo, é nada do ponto de vista de meu chefe.

- Posso apenas pedir-lhe que me desculpe, e espero encontrar outras pessoas. Mas, francamente, sr. Akagi, não consta de meus livros nenhum candidato que fale outra língua além do inglês.

- Sei que isso é difícil. Enfim, o senhor fez o que pôde. Paciência !

O sr. Akagi preparava-se para sair quando Usagi entrou na conversa:

- Falo espanhol e português - disse.

- Eu sei ! - exclamou o sr. Niwa - Mas não queremos uma mulher para esse trabalho.

- E o que importa contratar uma mulher, levando-se em conta que não puderam achar um homem ? - insistiu ela.

O sr. Akagi observava-a. E perguntou:

- É mesmo fluente em espanhol ?

- Falo tão bem quanto inglês - replicou Usagi.

- E português ?

- Também. Morei em Portugal durante cinco anos - o sr. Akagi hesitava. Mas, enfim, decidiu-se.

- Talvez o sr. Chiba queira entrevistar a jovem.

- Então, por que não a leva consigo agora ? - sugeriu o sr. Niwa - A única coisa desagradável que pode acontecer é o sr. Chiba rejeitá-la.

- É verdade - concordou o sr. Niwa - Quer vir comigo, miss…?

- Hasegawa - completou Usagi.

- Tenho uma carruagem aí fora. Se a senhorita não for aceita, poderá usá-la para voltar até aqui.

- Obrigada.

- Apenas espero - declarou o sr. Niwa de maneira rude, dirigindo-se a Usagi - que você tenha falado a verdade, e que seja mesmo fluente nas duas línguas. O sr. Chiba é uma pessoa muito exigente.

- Exigente mesmo ! - confirmou o sr., Akagi com um suspiro - Mas não vamos perder tempo. O sr. Chiba já ficou furioso ao descobrir que o rapaz contratado era um incompetente. Tivemos uma manhã difícil, posso lhes garantir.

- Sinto muito, sinto muito mesmo ! - desculpou-se mais uma vez o sr. Niwa - Vamos esperar que miss Hasegawa o satisfaça, embora eu duvide.

Sem mais, o sr. Akagi conduziu Usagi à carruagem. Um lacaio abriu a porta e ela foi a primeira a entrar.

- Tem certeza, minha jovem, de que fala espanhol fluentemente ? - indagou-lhe novamente o sr. Akagi.

- Sou uma ótima triílingüe - declarou Usagi.

- Meu chefe é um homem exigente, muito exigente. Deseja perfeição, e espera que todos sejam rápidos no trabalho, como ele. É intolerante com falhas dos funcionários.

- Seu chefe é espanhol ?

- Não, é argentino. É o sr. Mamoru Chiba.

Ela quase desmaiou. Sabia de quem falavam. Mamoru Chiba era um dos homens mais conhecidos em toda a Argentina. Figura de destaque no mundo social, surgira como resultado da rápida expansão econômica do país.

Lembrava-se vagamente, embora nunca o tivesse visto, de que se dizia ser ele um homem bonito, famoso entre as mulheres e no jogo. Era riquíssimo e aristocrata também. Descendia de espanhóis que desembarcaram na América do Sul como conquistadores. Usagi não se recordava bem se a mãe ou a avó dele fora inglesa. Seu pai falava sobre Mamoru freqüentemente.

- Um dia, Mamoru Chiba será presidente da Argentina - Kenji dissera certa vez à filha.

- Por que acha isso, papai ?

- Os argentinos necessitam de alguém para venerar, e Mamoru preenche todos os seus sonhos românticos.

O sr. Tsukino falava com ar meio crítico; mas, mesmo assim, Usagi percebeu que ele invejava o atraente milionário, com tudo a seu favor.

Ela desconfiava de que Mamoru Chiba fora um dos homens que duvidara de seu pai quando o mapa sumira. Mamoru talvez estivesse entre os muitos que falaram contra ele, deram entrevistas nos jornais e insistiram com a Legação Britânica para que o enviasse de volta à Inglaterra.

Uma onda de raiva tomou conta de Usagi ao se recordar do que os argentinos, até os amigos, haviam feito a seu pai. Teve vontade de mandar a carruagem parar e descer.

Depois, considerou que talvez a mão do destino pusera aquele homem em seu caminho. Ela teria uma chance de vingar o pai, de destruir um argentino como o pai fora destruído por eles.

"Eu odeio os argentinos ! Odeios-os, todos !", ela quis gritar. A carruagem parou à porta da mansão imponente.

- Esta casa pertence ao governo argentino - explicou o sr. Akagi - O sr. Chiba fica aqui quando está em Londres, e ocupa para si o primeiro andar. Os demais escritórios localizam-se no térreo e nos andares superiores.

No hall de entrada havia meia dúzia de lacaios de libré. O sr. Akagi deixou Usagi numa sala elegantemente mobiliada e disse:

- Espere aqui, miss Hasegawa. Vou ver se o sr. Chiba encontra-se em casa, e se pode recebê-la já. Sabe, ele não cogitava contratar uma mulher.

- Quer dizer que posso me considerar com sorte, apesar do infeliz acidente de meu nascimento ! - replicou Usagi com ironia.

O sr. Akagi não falou nada e retirou-se. Ela sorriu.

"Preciso ser mais humilde", pensava, mas sentia dentro de si muita rebeldia.

"Você deve se orgulhar de sua pessoa", o pai dizia-lhe sempre. "Levante a cabeça e encare qualquer homem de frente ! Somente os covardes abaixam a cabeça e rastejam à espera de serem chutados."

"E meu pai foi chutado quando menos esperava", admitiu Usagi com amargura.

Ela queria ter certeza absoluta de que Mamoru fora, de fato, um dos homens que abandonaram seu pai na hora da necessidade.

"Se ao menos eu pudesse fazer a Mamoru Chiba o que ele fez a papai !"

Na partida de Buenos Aires para a Inglaterra, apenas três pessoas foram ao cais. Em outras ocasiões, dúzias de amigos lá compareciam para se despedir deles. E a cabine do navio ficava abarrotada de flores, frutas, chocolate e livros.

"Eu odeio os argentinos ! Nunca mais voltarei à Argentina !"

A porta da sala se abriu. Lá estava o sr. Akagi que comunicou:

- O sr. Chiba vai recebê-la, miss Hasegawa.

Usagi pôs-se de pé. Não queria encontrar-se com Chiba. Alguma coisa lhe dizia para evitá-lo.

Teve vontade de fugir. Mas logo classificou sua atitude como um ato de covardia. Precisava de trabalho, e quem mais adequado para empregá-la que um argentino necessitando de uma secretária que falasse fluentemente o espanhol ?

Enquanto acompanhava o sr. Akagi, dizia a si mesma que seu emprego não duraria muito, pois as visitas do sr. Chiba a Londres seriam, possivelmente, curtas.

Se fosse esperta, poderia economizar dinheiro para um mês ou dois após a saída dele.

O importante era ter dinheiro para dar à mãe o essencial à sua recuperação.

O sr. Akagi parou em frente a uma porta do primeiro andar. Abriu- a e anunciou respeitosamente:

- Miss Hasegawa, senhor.

Usagi entrou numa sala luxuosa, com poltronas e sofás dispostos diante de uma lareira de mármore. Grandes janelas davam para o St. James's Park, e um enorme lustre de cristal pendia do teto.

Usagi sabia que Mamoru Chiba era atraente, pelo que o pai falava, mas nunca imaginou que fosse tão alto, tão espadaúdo e, ao mesmo tempo, tão elegante.

Tinha traços marcantes, um queixo quadrado, sobrancelhas bem delineadas, cabelos escuros e sedosos.

Havia um ar de soberania em Mamoru Chiba que ela notou logo no primeiro instante em que o viu.

Era um verdadeiro aristocrata; um homem nascido para mandar; um homem que dava ordens e esperava ser obedecido, e que se surpreenderia se não o fosse.

Mas havia também qualquer coisa no olhar dele que a fez sentir-se, de repente, tímida.

Encarava-a como se procurasse descobrir algo, examinava-a profundamente, não apenas no exterior.

- Sente-se, miss Hasegawa - ordenou ele, apontando-lhe uma poltrona em frente à escrivaninha.

Ela acomodou-se na beirada da poltrona, bastante nervosa. Teve a impressão de que Mamoru enxergava-a por trás de seu disfarce, adivinhando que ela escondia a verdadeira identidade.

- Soube pelo sr. Akagi que a senhorita fala fluentemente o espanhol. Estou certo ?

- Está - replicou Usagi, secamente.

Sem mudar o tom de voz, ele começou a falar de seu trabalho na Inglaterra, referente à importação de carne.

Fez perguntas, e Usagi respondeu em espanhol. Ele fitou-a com surpresa.

Não interrompendo o diálogo, ele passou para o português. Ela replicou na mesma língua, sem hesitação. Não ignorava que seu português era ainda mais puro, do ponto de vista lingüístico, que o espanhol. Perguntava-se se o sr. Chiba podia perceber esse detalhe.

E ele percebeu !

- Seu português é perfeito ! E fala muito bem o espanhol, miss Hasegawa. Notei o sotaque argentino !

Usagi não deu explicações ao fato. Preferia, na verdade, que o sr. Chiba se limitasse ao assunto do trabalho.

- Como pode falar tão bem assim ? - insistiu Mamoru Chiba.

- Estudei ambas as línguas.

- Sabe escrever à máquina ?

- Sei.

- E tem conhecimentos de taquigrafia ?

- Tenho. Posso receber ditados quando feitos numa velocidade razoável.

- Chamaria de "razoável" o modo como estou falando agora, miss Hasegawa ?

- Mais ou menos. Talvez eu tenha algumas dificuldades com palavras técnicas, mas logo ficarei acostumada a elas.

Mamoru brincava com uma espátula de marfim.

- Penso que está a par, miss Hasegawa, de que eu procurava contratar um homem e não uma mulher.

Ela fez um gesto afirmativo com a cabeça, e Mamoru prosseguiu:

- O sr. Akagi informou-me não haver nenhum disponível no momento, e como tenho uma infinidade de telegramas a responder, chegando todos os dias, necessito de uma secretária com urgência.

Fez uma pausa esperando que Usagi se manifestasse; não obtendo resposta, ele perguntou:

- Quando pode começar ?

- Amanhã, senhor.

- Muito bem, então, miss Hasegawa. Gostaria de contratá-la semana por semana, pois não sei quanto tempo ficarei em Londres. E quero se franco: se encontrar um rapaz para este lugar, dispensarei seus serviços.

- Entendo. A mulher está sempre em segundo plano - ela observou com ironia.

Arrependeu-se logo do que dissera. O sr. Chiba lançou-lhe um olhar cheio de surpresa. Para ele, com certeza, secretárias não passavam de estátuas sem opinião.

- Muito bem, miss Hasegawa. Espero-a amanhã de manhã, às nove horas.

- Mais um coisa, sr. Chiba. Qual vai ser o meu salário ?

- É mesmo, esse é assunto de máxima importância. Quando pretende ganhar ?

Ela atrapalhou-se com a pergunta, não sabia o que responder.

- Não tenho idéia dos salários na Inglaterra. Até agora só trabalhei no exterior.

- Como também não tenho idéia - replicou Mamoru - , deixe-me perguntar a meu assistente.

Ele tocou a sineta. A porta abriu-se e o sr. Akagi apareceu.

- Akagi - disse Mamoru - , qual o salário que íamos pagar ao rapaz que não valia nada ?

Akagi enunciou uma quantia que fez Usagi ficar pasma. Era muito, muito mais do que supusera que uma secretária pudesse ganhar !

- Muito bem - disse Mamoru - Espero, miss Hasegawa, que seja um salário satisfatório.

- Aceito o emprego, com a condição de que eu comece a trabalhar às nove horas da manhã e termine às cinco.

Mamoru franziu a testa.

- Às vezes será necessário que fique até mais tarde. Os telegramas têm o terrível hábito de chegar no fim do dia.

Silêncio. Depois, com uma nota divertida na voz, Mamoru disse:

- Quer insinuar, miss Hasegawa, que se ficar até mais tarde deseja receber pagamento extra ? Tudo bem. O sr. Akagi providenciará isso.

- Obrigada.

Usagi fez uma saudação e retirou-se. Mamoru Chiba não tinha idéia de como o coração da jovem pulsava com violência.


P. S.: Nos vemos no Capítulo 2.