Capítulo 5 - Minhas Dores, Meus Tormentos

Como era belo aquele céu estrelado e brilhante. Poucas foram as vezes em que teve a oportunidade de contemplar uma noite tão bonita assim em Bayville.

Não tarde, tampouco o sono havia chegado, logo ela se encontrava deitada em sua cama, lendo um livro. Depois que deixou claro para os rapazes que a partir das nove o silêncio deveria ser absoluto, eles atenderam "carinhosamente" ao seu pedido.

Era estranho pensar assim mas, pela primeira vez em muito tempo, estava conseguindo relaxar e desfrutar de sua leitura. Talvez tivesse algo a ver com o fato da comida de Fred não ser o melhor exemplo de "amor de mãe", ou simplesmente por não haver muito o que se comer na dispensa, mas em verdade até que fora um jantar bem gostoso. Talvez fizesse outra visita daquelas ao McCoy, quem sabe. Afinal, quem não ficaria feliz em Ter uma companhia feminina?

Hmm... - Tabitha se ergue, abrindo a portinhola do quarto e saindo em uma pequena varanda. Uma brisa suave batia em seu corpo, de modo que ela estica os braços para aproveitar ao máximo aquela sensação. Incrível como, por pior que uma situação, esteja, uma simples brisa, o menor raio de sol e até uma ducha eram capazes de fazer qualquer pessoa esquecer de seus problemas, mesmo que por um curto período de tempo.

Perto dali, podia ver claramente a casa do McCoy.

É, um novo mutante. Provavelmente iria se inscrever na escola do Xavier. E a julgar pelas luzes apagadas, deveria estar dormindo.

O vento se intensifica, obrigando-a abraçar seu próprio corpo, protegendo-se. Algo que ela estranhava, já que o clima não costumava mudar tão bruscamente assim, não naquela época do ano.

Ela ainda viria a odiar suas palavras quando, do nada, começa a ventar tão fortemente que ela se vê obrigada a entrar e fechar todas as janelas.

- Nossa! Que maluquice! - esbravejava, enquanto retornava ao conforto da cama, pouco depois de pegar uma toalha e secar seu corpo molhado enquanto uma forte chuva caia do lado de fora do alojamento.

Vez ou outra ela para, olhando para fora, constatando que aquela chuva não iria parar. Talvez, com um pouco de sorte, as aulas fossem canceladas pelo resto da semana...?

Não, seria sorte demais. Mas a julgar pelo barulho dos trovões, até que era uma alternativa interessante, e levando-se em conta que o fim-de-semana estava próximo, emendar com ele seria algo bem proveitoso.

- Hmmm? - ela se ergue, caminhando até uma das janelas. Havia um brilho no meio daquela chuva toda. E parecia estar se movendo, pelo visto - Nossa, uma estrela cadente! - ela unia as mãos, sorridente. Apesar de tudo o que já passou, ainda lembrava-se dos melhores momentos de sua infância, e do que sua mãe lhe falava a respeito daquilo - Nossa, eu tenho que pedir alguma coisa, mas o que? - Tabitha começava a pensar em todas as possibilidades. Tinha que ser algo que realmente precisava, alguma coisa que pudesse ajudá-la ou, ao menos, resolver parte dos seus problemas. Um carro? Não, tinha o de Lance para pegar emprestado. Outro lugar para morar? Até que aqueles patetas eram divertidos. - Vamos, Tabitha... pense, vamos, pense! - uma idéia maliciosa passa pela sua cabeça. Por que não? - Já sei!

Fechando os olhos enquanto faz seu pedido, a loira abre-os bruscamente, dando-se conta de um detalhe que quase lhe passou despercebido: aquilo era uma estrela cadente e... estava caindo... se aproximando e...

Sua primeira reação é se jogar no chão, procurando proteger-se da melhor forma possível. Podia ouvir o barulho da madeira sendo destroçada e despedaçada, e o alojamento vibrar como se seus alicerces tivessem ruído.

Seu corpo estava todo dolorido, mais por ter se arremessado bruscamente contra o chão, do que pelo impacto em si. Demora cinco segundos para ela se dar conta de que seu quarto, a despeito do que imaginava, estava intacto.

Seu primeiro pensamento é sair dali e tentar entender o que foi aquilo. Uma pessoa normal ficaria em estado de nervos, agradeceria alguma divindade por estar viva ou voltaria a dormir, achando que fosse um pesadelo, mas não ela. Já estava acostumada a ver coisas vibrando e explodindo, fora que não morava em uma área conhecida pela sua normalidade, mesmo. E o simples fato de morar no mesmo local que Fred e Todd já a deixava imune a qualquer coisa nova.

- Sua doida, o que você fez? - Lance era o primeiro a lhe lançar acusações, mas ela pouco se importava, apenas descia correndo as escadas e, a julgar pelo barulho, não fora a única a interromper suas atividades. Quando ela chega na sala, percebe que Fred e Pietro já estavam lá, embora um pouco distantes. - Eí, o que foi que... - sua voz some ao ver o que estava diante de seus olhos. Parte do chão estava destruído, aquilo que um dia fora chamada de porta não existia mais, pois seus restos estavam espalhados em centenas de pedaços por toda a sala, a qual, aliás, estava toda bagunçada, como se um vendaval tivesse passado por ali. Na verdade, por algum motivo que ela não conseguia entender, as luzes do local ora acendiam, ora apagavam, em um ritmo que lembrava um vaga-lume. Mas nada daquilo chegava perto da verdadeira surpresa, a qual estava no centro da sala, apoiado no chão com as mãos e os joelhos, arfando pesadamente e com a camisa semi - destruída.

- O que foi que aconteceu? - Todd acabava de chegar aos saltos, dando de cara com todos os seus colegas ali, paralisados - Eí, que que tá rolando, gente? Tabitha, cê não se cansa de ficar explodindo as coisas não, é? Ué, que que houve contigo? - e apontava para o rapaz no meio da sala - cê parece que abraçou uma bomba!

- Por favor - mesmo arfando pesadamente, ele ainda possuía forças para se expressar - por favor... - estava exausto. Esgotado. No limite - por favor, me ajudem, por favor... socorro... socor... - as palavras começavam a falhar.

Até mesmo Fred percebeu um desespero em sua voz. Mas o que teria assustado o aluno novo? Teria sido perseguido por racistas?

- Não... por favor, me ajudem, por favor, ela.. ela...

- O que foi? Por que está com medo? E quem é "ela"? - Lance o inquiria, surpreso com seu estado.

A resposta não veio através de palavras, pois antes que ele tivesse a oportunidade de proferi-lás, a mesma se manifestou diante de seus olhos.

Toda a luz da casa cessou, deixando-os as escuras. Apenas a respiração pesada do rapaz era ouvida, assim como um desespero ainda maior vindo dela.

Até que o silêncio é quebrado quando um raio cai perto dali. Forte e destruidor como a força da natureza que o rege, o som gerado é assustador, tanto que Todd, no meio de um salto, perde a concentração e se arrebenta todo no chão.

Mas nem de longe era aquilo que mais os surpreendia. E sim pelo fato de que, quando o raio caiu, iluminou todo o exterior da casa e, pela primeira vez, por um curto espaço de tempo, os demais mutantes puderam ver a face daquela mulher, daquela mutante, a qual em momento algum tirara os olhos da "estrela cadente".

Ororo Munroe, vulgo Tempestade.

***

Medo.

Medo e desespero.

Medo, desespero e terror.

Medo, desespero, terror e pavor.

Logan aproxima-se de Lucas, o qual estava agachado. Podia sentir seu estado emocional, o feromônio exalado por ele estava muito, mas muito forte. Mas sua maior duvida era: medo do que? - e olhava ao redor, para a paisagem semi - destruída - O que o assustava tanto? O que seria capaz de tanto? E teria sido mesmo o garoto que causara tanta destruição? Até mesmo Lance, quando invadiu o terreno da mansão levou algum tempo para fazer tal coisa, e agora aquele rapaz fazia tudo aquilo em meros segundos?

- Charles...

- Você sabe que não é do meu agrado invadir a mente dos outros, Tempestade - Xavier observava seus demais alunos. A surpresa - ou seria melhor dizer, o espanto? - deles era óbvia. Praticamente todas as armas que protegiam o terreno do instituto estavam destruídas, fora as arvores e a estátua - ele mesmo estava surpreso - de modo que compreendia o que assustava tanto seus discípulos. Ele mesmo já encontrou seres cujos poderes ultrapassavam a simples compreensão, como seu irmão, dono de uma força assustadora. Em suas andanças, lutou contra mutantes que fariam o sangue de todos ali gelar, logo não era muito difícil entender as expressões em suas faces.

- Putz, esse é o cara? - Sam, vulgo "Míssil", estava surpreso. - O que foi que houve?

- O que houve? - Jubileu apontava para a paisagem ao redor - que tal isso, Samuel Gunthrie?

- Eu sei, mas... nossa!

- Wolverine, como ele está? - Ciclope olhava atentamente para a paisagem. Era como se um furacão tivesse passado por ali.

- Vai com calma, caolho. Não sei o que aconteceu, mas o garoto não parece muito bem - e continuava observando-o. Estava consciente, mas longe de estar no seu melhor estado. Era muito útil poder sentir o estado emocional das pessoas pelo cheiro, mas haviam raras ocasiões em que o medo exalado era tanto, mas tanto, que chegava a incomodá-lo.

Já teve a oportunidade de sentir tal coisa. Multidões enfurecidas, grupos assustados, todos eles emanando um cheiro coletivo muito, mas muito forte...

Mas agora era algo novo. Nunca imaginou que pudesse sentir tanto medo emanando de uma única pessoa.

- Ele está bem, Logan? - Jean se aproximava, mas um olhar repreensivo de Ororo a obriga a parar.

- Fisicamente ele está inteiro, se é isso o que querem. Já psicologicamente...

- Mas o que ele está fazendo aqui? - perguntava Kurt.

- Esse é o menor dos problemas. - Xavier se aproximava - me preocupa mais o estado dele do que o motivo de sua presença. Lucas, pode me ouvir?

- É inútil, Charles. Posso sentir de longe o medo que ele enfrenta neste exato momento. E garanto-lhe de que não é pequeno.

- Medo? - Kitty torcia o pescoço - medo do que?

- Nem imagino, Kitty. Mas é melhor ficar preparada - Ciclope continuava observando o terreno.

- O que? Espera um pouco, não acha que está exagerando?

- Quem dera ele estivesse, jovem Pryde - Ororo mantinha os olhos fixos nos demais mutantes - mas no momento, temo pelo bem de todos aqui.

- Eí, garoto! Pode me ouvir? Garoto? - Logan batia em seu ombro, tentando chamar sua atenção.

Medo, muito medo.

Sim, era isso o que sentia. Não sabia como, tampouco como aquilo veio a surgir, mas era medo que sentia.

O que foi fazer ali? Por que estava ali? O que era "ali"?

Ele... atacado... armas, muitas armas... ele as odiava, ele... ele...

Sim, elas estavam ali. De todos os lados, de todos os cantos, como um pesadelo, armas surgindo do chão, tendo-o como alvo... ele as odiava, ele as repudiava... ele... ele as queria destruídas, não tolerava sua presença, ele... ele...

- Ahhhhhhh! - Lucas se ergue bruscamente, segurando a mão de Wolverine - Ahhhhhh! - Como despertar de um grande pesadelo, seus olhos estavam arregalados, dando a impressão de que saltariam de sua face a qualquer momento.

- Você está bem? - a voz de Jean lhe chamou a atenção. Onde estava? O que fazia ali? - Lucas?

- Eu... eu... armas, aquelas armas... eu... eu... - um tom de desespero, o qual crescia gradualmente, era perceptível em sua voz - eu... eu...

- Calma, não tem o que...

- Pra trás, ruiva! - Wolverine trincava os dentes - não se aproxime!

- Hã? Mas o que... Logan?

- Eu disse - ele estava totalmente ereto, não conseguindo se mexer - NÃO SE APROXIME!!!

- O que está acontecendo, Logan? - Charles o inquiria.

- Eu... Charles, estou paralisado! - e movia seus olhos na direção de Lucas, o qual ainda segurava sua mão - Não sei como, mas senti uma fisgada e agora não consigo me mexer! É como se os meus músculos estivessem travados!

- Lucas, é você quem está fazendo isso? - Jean dava mais um passo em sua direção.

- Eu... eu... eu não queria, eu... eu tentei chamar, mas a campainha estava quebrada e... e...

- Entendemos o porque de você Ter vindo até aqui, Jovem McCoy - Ororo continuava em seu lugar - mas peço-te que se acalme para que nós...

- Acalmar? - ele arregalava seus olhos ainda mais - Me acalmar? - rapidamente ele olha ao redor, vendo aquele monte de gente e as armas que protegiam o perímetro, totalmente destruídas - Me acalmar? Mas o que é isso, um campo de guerra?

- Lucas, não tivemos a chance de nos apresentar, meu nome é Charles Xavier, administro esse centro de estudantes com habilidades especiais, como você. Sei que está confuso, mas todos aqui querem te ajudar e...

- Ajudar? - Qualquer um que vislumbrasse seus olhos, veria que o mesmo demonstrava uma confusão crescente a cada palavra pronunciada - ajudar? Isso aqui é o que, uma escola? Parece mais um campo de treinamento!

- É apenas uma medida de precaução, Lucas.

- Precaução contra o que? Essas armas quase me mataram!

- Apenas um mal-entendido - Charles podia sentir a confusão na mente daquele jovem - olha, o que acha de entrarmos e...

- Não se aproxime! - ele apontava a palma de sua mão para Charles, fazendo com que os demais ficassem em prontidão. - não se aproxime!

- Lucas, eu não irei fazer nada que você não queira, mas peço por favor que solte Logan.

- Grrr! - todos olham para Wolverine, o qual rosnava como um animal - Charles, faça ele parar com isso, faça... a dor, eu...

- Dor? - Charles só não se ergueu por que não tinha tal capacidade - Lucas, pare! Seja o que você quiser fazer, não posso permitir que machuque Wolverine e...

- Não se aproxime!

- Professor, deixe-me conversar com ele - Jean se dirigia a Xavier, o qual não tirava os olhos do jovem - acho que ele vai me ouvir.

- Ruiva, não se aproxime - Logan praticamente berrava - ele está assustado, não vai te reconhecer e...

- Vá com calma, Jean. Posso sentir o quão ele está confuso.

- Eu sei professor, mas ele não é má pessoa. Não é como a Irmandade, sei que ele não teve a intenção. Lucas, lembra-se de mim? - ele recua um pouco, sem soltar Wolverine - calma, não vou te fazer nada de mal e...

- Não se aproxime!

- Calma - ela erguia seus braços - veja, não estou carregando nada, não precisa Ter medo, eu...

- Eu disse para não se aproximar!

- Lucas, ninguém aqui quer te fazer mal. Não estamos bravos por essa confusão toda, apenas...

- Eu falei para não se aproximarem! - Logan range os dentes ainda mais. A dor que estava sentindo aumentava, de modo que estava sendo bastante difícil controlar seus instintos, sua besta interior.

Na verdade, aquilo já havia se tornado bastante irritante, ao seu ver. Por mais que as criaturas, que os seres vivos pudessem viver em perfeita sintonia, no último momento, na pior situação, nas horas em que tudo está por um fio, a única coisa que interessa é sua própria sobrevivência.

Como era o caso. Instintivamente ele faz suas garras surgirem, rugindo como nunca.

A reação de Lucas, diante de tanto medo e desespero, é a única que podia vir, mediante aquela situação: se proteger.

Logan passaria o resto da noite se perguntando como aquilo aconteceu mas, no presente momento, pouco podia fazer quando seu corpo fora arremessado para trás, chocando-se violentamente contra uma árvore. A mesma não se parte, mas o som de seu poderoso esqueleto se chocando contra ela faz um som que ecoa por todo o perímetro.

Caído de onde estava, a cabeça de Logan zunia. A estranho dor que havia travado seus músculos havia sumido, mas seu corpo estava praticamente imóvel. Apesar da dor ter cessado, ainda sentia seus músculos travados.

- O que? Esse cara tem os mesmos poderes que a Jean?!?!?!? - Jamie apenas olhava impressionado aquela breve demonstração de poderes.

Durou menos de um segundo. Tão logo Wolverine fora arremessado contra a árvore, Lucas volta sua atenção para o perigo mais imediato.

Jean.

De seu canto, Berserk observava cada lance. Talvez por que fora mais rápido, talvez por que estava com uma vontade enorme de agir, a grande verdade era que, quando o corpo de Jean atingiu a parede da residência - como uma pedra arremessada contra um muro, lembrava-se. - ele invocou seus raios e disparou contra seu alvo.

Uma atitude que o professor Xavier reprovaria, obviamente. Haviam outros meios de imobilizá-lo, e conhecendo a personalidade de seu pupilo, sabia o que ele realmente queria.

Infelizmente para todos - Até mesmo Charles esperava que aquilo ao menos o nocauteasse - o resultado fora inesperado.

Tentando se erguer, a cabeça de Jean girava como um pião. Mal conseguia ouvir a voz de Amanda, a qual correra para socorre-lá, tampouco ouvir a ordem de ciclope para todos ficarem em posição.

Aquilo era... estranho. Ergueu seu campo telecinético, mas era como uma força poderosa que a empurrou com tremenda potência para trás, dando-lhe chance alguma de se defender. E o mais estranho era que sentia algo escorrer pela sua nuca, o que seria?

Quando os olhos do jovem McCoy começaram a emitir faíscas, o resto do mundo parecia Ter perdido toda a sua importância. Começava a girar menos devagar, permitindo-lhe identificar melhor as coisas ao redor - Logan resmungando palavras estranhas, Berserk incrédulo ao ver que seu poder aparentemente havia sido absorvido, As duplicatas de Jamie correndo para todos os lados, Jubileu se aproximando de Scott, aguardando sua ordem para agir...

Era como se uma bomba fosse explodir ali, até que, para a surpresa de todos, as faíscas pararam de emanar dos olhos do jovem mutante.

A última coisa que Jean viu, antes de apagar, foi seu mentor fitando o rapaz assuntado e, a julgar pelo que acontecera em outras épocas, podia muito bem imaginar o que ele iria fazer.

"Lucas - Xavier tentava manter contato - Lucas, nós não somos seus inimigos"

"Hã? Mas... o que? Minha cabeça, eu... eu... quem é você?"

Sou o professor Charles Xavier, Lucas. Não pense que você é o único que se sente desprezado pelo resto do mundo, por que não é verdade. Não é do meu agrado invadir a mente das pessoas, mas você não me deixa alternativa".

Passam-se alguns segundos, os quais Lucas fica completamente imóvel. Não querendo violar os segredos do rapaz, Xavier procura delicadamente o motivo de seus temores, tendo em mente impedir maiores problemas.

Suas tentativas vão se tornando em vão, uma a uma. Era como se as memórias tristes daquele rapaz estivessem muito bem guardadas. Não que ele não pudesse acessá-las, mas não queria deixar nenhum vestígio e/ou sensação ruim em Lucas.

Sem alternativa, ele começa a acessá-las. Sentia, de alguma forma, que tudo ali poderia ser resolvido.

A principio, nada tão surpreendente. Uma casa, um quintal... lembranças simples, mas que, a principio, eram muito importantes para aquele garoto.

A casa... sim, aquela casa deveria ser um momento muito importante de sua vida. Em verdade era familiar, mas...

Dentro da mente do jovem mutante, Xavier, caminhando, continua observando. Diante dele estava um garoto que era uma versão em miniatura do garoto, brincando com uma bola. Vozes eram ouvidas, oriundas de dentro da casa, enquanto o garoto corria atrás da bola e, de onde estava, a arremessa.

Ele se abaixa, esquecendo-se de que estava ali como espectador, não como participante. Tanto que, quando o jovem McCoy passa através dele, um grande sentimento de alegria é sentido.

- Lucas, o jantar vai esfriar! Henry, quer fazer o favor de dar o exemplo?

Xavier arregala os olhos e se vira. Pensando bem, por que estava surpreso? Aquele homem ao lado do garoto, sim... Hank, um pouco mais novo. Provavelmente tinha terminado de se formar. Lembra-se de que nesse mesmo período ele ainda insistia para Hank a respeito de sua mutação, mas por diversas vezes ele evitou o assunto e...

Havia algo do qual ele estava se esquecendo, algo muito importante. O que seria?

- Já vou, mamãe! - o pequeno corre sorridente para dentro de casa, atendendo ao chamado.

Havia algo ali, algo marcante deve Ter acontecido naquele lugar, mas... o que?

Hank tinha uma irmã... sim, ele tinha uma irmã mais velha, sim. Lembrava-se de que houve um acidente e... e...

A CASA!!!

Charles apenas vê a criança parar de correr e se virar na direção de seu tio, como se fosse convidá-lo.

Não o encontra. Olha ao redor, grita por ele, mas não acha nada.

Em seu íntimo, Charles queria que ele continuasse infinitamente ali naquela busca, procurando pelo tio. Preferia isso, pois enquanto não voltasse sua atenção para a casa, não veria o que iria acontecer.

Infelizmente era uma lembrança. Nada mais do que isso, uma lembrança. O fogo devorando cada pedaço do local, o teto explodindo... nada podia ser impedido, simplesmente por que já havia acontecido.

Sentia-se no lugar do garoto, vendo seu mundo ser destruído. Mais tarde ficou sabendo de todos os detalhes, com seus próprios... olhos...

Onde estava Lucas? Onde? Onde?

É nesse exato momento em que ele apalpa sua face e se dá conta de um novo fator: em todo o momento, observou as coisas como um mero espectador. Agora ele estava vendo as coisas pelo ângulo do próprio dono da lembrança.

Estava vendo as coisas pelos olhos de Lucas. E, por consequência, sentindo o que ele sentiu.

Mesmo sendo o telepata mais poderoso do planeta, ver tais cenas como uma criança não eram a coisa mais agradável do mundo. Sentia seu mundo ruir, suas pernas cederem, seus braços perderem suas forças.

Até que ele ouve passos. Passos fortes, os quais se tornavam cada vez mais altos.

Sua maior preocupação era tomar o controle da situação. Estava sendo afetado pelos temores internos daquele garoto, e sendo vencido! Tinha que fazer alguma coisa, mesmo que...

Charles ergue sua cabeça, tendo a última das surpresas que aquele lugar lhe ofereceria: Podia contemplar, apontado ameaçadoramente para sua cabeça, um rifle terrivelmente ameaçador. Um barulho é ouvido e, por um curto período de tempo, teve a certeza de que seria alvejado na cabeça. A sensação era tão real que por puro instinto ele se desligou da mente de Lucas.

Sua cabeça zunia um pouco. Tinha experiência e poder, mas até ele tinha dificuldades para acessar e sair assim, de forma tão brusca.

Quando finalmente conseguiu deter o barulho, ele se deu conta do que acontecia "do lado de fora". Teve a desagradável surpresa de descobrir que estava no chão, caído. E nem era o pior que podia acontecer.

Acessar aquelas memórias não fora algo muito bom, nem pra ele, nem para Lucas. Tanto que o rapaz agora apontava um dos dedos para Xavier, do qual faiscas estalavam.

A partir daí, tudo aconteceu muito, mas muito rápido. Temendo pela vida de seu mentor, Jamie salto nas costas de Lucas, segurando-o. Não que um garoto como ele pudesse fazer muito, mas o fato de suas outras duplicatas fazerem a mesma coisa era incomodo.

- Fiquem longe de mim - as únicas palavras que Jean pôde ouvir, antes de começar a perder os sentidos - fiquem longe de mim - lentamente seus olhos iam fechando e seus sentidos, sumindo - fiquem longe de mim - e, apesar de tudo, tinha absoluta certeza de que o professor encontraria uma alternativa pacifica de parar com tudo aquilo - FIQUEM LONGE DE MIM!!!

Jean não estava mais consciente quando, para a surpresa geral, o jovem jogou todos os "Jamie's" para longe. Mais do que isso, o jovem McCoy, quando abriu seus braços e arremessou as duplicatas para o mais longe possivel, surpreendeu a todos. A todos, mesmo.

A começar por Ciclope, o qual, por uma força inexplicável, forra arremessado contra a parede. Sam, Jubileu, Spiker, Jubileu... todos, sem exceção.

Conjurando um poderoso escudo de ventos em torno de si e de Charles, Tempestade consegue se proteger. Seja o que for aquilo, afetou a todos. Era como se ele estivesse empurrando a todos em todas as direções, algo que conseguiriam se Jean usasse sua telecinése para afastar todas as pessoas que estavam próximas.

Com a exceção de que Jean nunca conseguiu um efeito tão forte assim. Podia ver as duplicatas de Madrox em vários lugares, Logan cravando suas garras na arvore... realmente ele queria afastar o que o incomodava, mas acabou atingindo a todos.

Quando finalmente sentiu a força diminuir, Ororo apenas viu o jovem McCoy se desligar do chão e, tal como um míssil, singrar os céus, indo embora dali.

- Charles...

- Eu sei. - ele estava bastante dolorido - Vá atrás dele, Tempestade. Em seu estado atual, não sabemos os problemas que ele pode causar, e uma vez que Jean não está em condições de agir, você é a única que pode segui-lo.

- Sim - e alçava vôo atrás do jovem McCoy. Tinha que detê-lo, tinha que impedi-lo de causar maiores danos, custe o que custar.

Só esperava chegar a tempo. Somente isso.

Aos poucos Logan ia se recuperando. Xavier ficava em total silêncio, procurando uma resposta. O que seria capaz de paralisar e causar dor, daquela forma, a uma pessoa como seu amigo que, há muito tempo, já aprendeu o significado da palavra "dor ao extremo"?

Quanto ao resto dos X-men e dos Novos Mutantes...

Aos poucos alguns iam se erguendo, outros eram ajudados pelos que conseguiram se segurar. Sam estava com a cabeça zunindo, Berserker, Amanda e Jubileu ainda estavam caídos no chão. Um pouco doloridos, mas conscientes. Noturno, o qual se teleportou no momento em que todos foram arremessados, ajudava o professor Xavier a voltar para sua cadeira. Kitty atravessava a parede da casa, uma vez que, devido ao hábito de estar se chocando constantemente com as coisas, se tornou intangível quando tudo começou.

Quanto a Ciclope, o mesmo ajudava Jean a se erguer, preocupado.

- Jean! Jean! Ai, droga! Jean!

Para Jamie Madrox, vulgo "homem - múltiplo", a situação não era das melhores. Todas as sua duplicatas estavam espalhadas - até mesmo seus amigos tinham dificuldade para saber quem era o original - de modo que o "montinho" deixaria de ser sua brincadeira favorita. Já fizeram tal coisa em outras pessoas para testar sua força, mas nem Jean o arremessou tão longe assim. Havia um no topo da casa, outro preso no galho da árvore, um perto da porta, outro perto do professor Xavier...

Para Ororo a situação não era das melhores. Nem ela, a qual um dia fora idolatrada como uma deusa, estava acreditando. Mas que velocidade aquele garoto se movia!

- Pela deusa! - a domadora dos ventos era guiada pelo seu servo em grande velocidade - que velocidade! Nem Jean se move assim!

Sim, não se movia. Na verdade, havia uma velocidade limite para a qual um corpo sem proteção podia se locomover antes de começar a sofrer da pior forma possível os efeitos do atrito. Ela tinha uma vantagem, estava sendo carregada pelo vento, criando uma espécie de barreira de ar ao seu redor. Tecnicamente falando um dia Jean poderia fazer o mesmo com sua telecinése, mas... e quanto a ele? Como um garoto da idade de Vampira poderia Ter um poder mais forte do que o de Jean? Se não tivesse conjurado um escudo de vento, teria sido arremessada também.

- Espere, jovem McCoy! Espere! - gritava, sabendo que era um tanto quanto inútil. Pouco sabia, pouco entendia o que se passava pela cabeça daquele jovem, mas ele estava assustado. Algo o assustou, e muito. Não o culpava, era um jovem com problemas como todos ali, mas tinha que detê-lo.

E não era verdade? Kurt tinha o problema de sua aparência, Vampira o de não poder tocar em ninguém, Kitty o de tentar seguir sua vida antes de seus poderes aparecerem, Scott o de se dedicar por completo para seguir adiante com o sonho de Charles, Logan com seu passado desconhecido e ela, com seu pavor de lugares fechados.

Todos tinham problemas, todos. As vezes se pegava imaginando o que aconteceria se não tivesse sido idolatrada como deusa por um período de sua vida. Provavelmente de uma ladra teria se tornado uma pessoa obcecada pelos seus poderes, enxergando-se como uma verdadeira soberana.

Fazendo uso de uma manobra rápida, Ororo passa por debaixo de Lucas e para há poucos metros na sua frente, bloqueando sua passagem.

- Lucas, por favor... pare. Eu não sei o que está acontecendo, mas deixe-me ajudá-lo.

- Saia da frente. - sua voz estava séria e seus olhos, fechados.

- Por favor... eu nem sequer consigo imaginar os infernos pelos quais você passou, mas... deixe-me ajudá-lo!

- Saia da minha frente. - sua voz era totalmente desprovida de emoção.

- Eu sei que você deve estar confuso, jovem McCoy. Mas por favor, tente enxergar além do que está diante dos seus olhos!

- SAIA... DA... MINHA... FRENTE!!!! - ele abre os olhos os quais faiscavam.

Faiscavam?

- Grande deusa... - Ororo o olhava, atônica. Aquilo... eram os poderes de Berserker! Então ele os absorveu?!?!?!?

Se fosse assim, então por que suas mãos começavam a faiscar também? Na verdade, por que ela podia ver eletricidade pulsando por todo o seu corpo? Seria isso, teria ele os mesmos poderes que Vampira?

Mas ele não tocou em Berserker... como era possível?

Não, ela o viu arremessando Jean para longe como se não fosse nada, assim como todos os demais. Ele era um telecinético muito poderoso, isso já tinha percebido. Em verdade já tinha visto mutantes com mais de uma mutação, como Jean, que possuía telecinése e telepatia, mas havia uma coerência entre eles, eram poderes mentais, o que não era o caso daquele garoto. Absorção e telecinése?

Tempestade ficaria ali parada pelo resto da noite, divagando sobre que diabos de mutação aquele garoto havia sofrido, até que sua linha de pensamentos é interrompida por um barulho muito, mas muito forte.

E deveras familiar.

Um trovão.

Ela olha para os céus - na verdade, para as nuvens que estavam pouco acima de ambos - e percebe que ele vai mudando rapidamente, ficando mais negro, acizentado - não podia ser, podia? - e faiscando. Bastante.

- Pela deusa... - Tempestade não conseguia acreditar no que seus olhos viam - grande deusa - nunca, mas nunca imaginaria tal coisa. Podia ouvir o estrondo dos raios se movendo entre as nuvens, o clarão gerado por eles - mãe Gaia, o que e isso? - e, finalmente, caindo.

Trovões. O som ecoando pelas nuvens era inconfundível, e vez ou outra algum caindo apenas a deixava mais impressionada.

- Mãe misericordiosa... você... você também controla o clima? - ela estava estática. Mal conseguia acreditar no que seus olhos viam, tampouco no que seus lábios haviam pronunciado.

Como era possível existir um mutante assim?

Como?

***

- Socorro - ele desfalecia nos braços de Tabitha, sem força alguma para reagir.

- Lucas! - ela estava surpresa. Na verdade, assustada. Pouco depois olha para frente, percebendo que Tempestade caminhava em sua direção - o que você fez com ele?

- Ele estava descontrolado e tive que acalmá-lo - falava, respirando pesadamente e tentando não perder sua pose, pois era a única coisa da que dispunha naquele momento - eu vou levá-lo comigo, Tabitha. Ele poderá se recuperar no instituto.

- Aí, não parece que ele queria ir contigo não, sacou! - Todd pulava na frente dela, encarando-a.

- Poupe-me de suas palavras, Tolansky - uma pequena corrente de vento o empurra para longe - esse jovem precisa de cuidados, não me impeça.

- Olha, dona Ororo... eu não sei o que tá havendo, mas eu acho melhor ele ficar aqui, ao menos por essa noite - Tabitha, ainda segurando-o, murmurava - e ele não parecia querer ir com a senhora, não.

- Tabitha, você não tem a menor idéia do que esse jovem acabou de passar, e ficar aqui de nada ajudará, você sabe disso - e olhava pra Fred, Lance, Pietro e Todd - ou eu estou errada?

- Não, mas - droga! Por que concordou com ela? - eu acho que devíamos ao menos respeitar a opinião dele, não concorda? Seria o que o Professor Xavier diria.

- Sim, é verdade... mas me diga, o que ele conseguirá aqui? Vocês não são médicos. Não são professores. E quanto a Irmandade dos Mutantes, Tabitha... acha que eles podem fazer algo por ele? Esse rapaz precisa de ajuda, não de alguém que deixe agir de maneira irresponsável.

- Ele não é irresponsável - Tabitha lembrava-se do belo jantar que provou. Mais do que isso, de como a casa estava arrumada, as luzes só usadas quando necessárias, a graxa que ele havia acabado de limpar, provavelmente estava mexendo com alguma máquina, a conversa que tiveram... ficou surpresa ao ver que alguém como ele cuidava sozinho de uma casa - nem um pouco, dona Ororo. E se quer saber, ele tem mais responsabilidade do que seus "X-men".

- Isso é discutível, mas eu não permitirei que esse jovem permaneça aqui.

- Aí, Tempestade - Lance, de braços cruzados, se colocava entre Ororo e Thabita - quer ver por que nos chamam de "Irmandade" dos mutantes? - Blob estava atrás de Lance, Pietro encostado em Blob com um sorriso maroto, e Groxo sentado no ombro de Fred, puxando uma cadeira com a língua e fazendo malabarismo. Lance, por sua vez, estalava seus dedos, e um rápido tremor era sentido por todos ali.

- Não tenho tempo para brincar com vocês, senhor Alvers.

- Quem falou em brincar? Não me lembro dele ter dito que queria ir com você, então... o que acha de nos levar... a todos nós?

Aquilo estava ficando muito, mas muito complicado. Embora não demonstrasse, estava bastante machucada. Sentia vários músculos de seu corpo desobedecerem aos seus comandos, fora alguns que estavam quase travados, além de sua perna esquerda, a qual estava queimada. Não estava em condições de enfrentar a Irmandade de Mutantes, não naquelas condições. Mesmo que tal grupo perca muito de sua força sem um líder no comando, não era páreo para eles naquelas condições. Não sem colocar em risco toda a estrutura daquele dormitório.

Sem dizer uma palavra sequer, ela lentamente vai recuando e, quando está do lado de fora do alojamento, alça vôo. Não era inteligente causar problemas ali, seria bem melhor voltar com reforços. Isso, claro, se algum dos X-men estivesse em condições de agir, e a julgar pelo estado deles, começava a ter suas suspeitas...

E que a deusa tivesse piedade daquele jovem.

- Gostei de ver, Lance - Tabitha, apesar de tudo, não perdia a chance de alfinetá-lo - não sabia que você tinha coragem de peitar a Tempestade!

- Claro que tenho. - uma gota descia pela sua testa. Não acreditava que ousou desafiar uma mulher que muitos já chamaram de deusa, e com excelentes motivos! - e ai, como é que ele tá?

- Ele apagou. Mas não acho que ele esteja legal.

- Fred, pega umas talas. Pietro, ele é um pouco mais alto que você, mas suas roupas devem servir.

- E eu, o que que eu faço? - Todd pulava para todos os lados.

- Fica de guarda para o caso da bruxa aparecer.

- O que?!?! Mas e se ela me atacar?

- A gente ouve.

Seguindo as ordens de Lance, os demais começavam a Agir. Ele segura nas pernas de Lucas e, carregando-o com a ajuda de Tabitha, o coloca no sofá da sala, com a cabeça no colo da loira explosiva.

Era uma surpresa para Tabitha aquela atitude de Lance, pela primeira vez não teve a menor vontade de tirar um sarro de sua cara. Bom, só um pouquinho.

Enquanto isso, o novo hóspede do dormitório havia recebido de bom grado o abraço de Morpheus.

Para ele, Lucas Blaire McCoy, a noite chegava ao fim.

Mas, para seus "amigos" da Irmandade dos Mutantes, estava apenas começando...