O Escorpião Escarlate

Capítulo Anterior – No capítulo anterior, a equipe de Kamus e o grego começam a discutir os crimes. Por uma falha da secretária o francês é obrigado a se responsabilizar pelo ladrão durante a noite.

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...poucos minutos depois o francês parou na frente da garagem de um edifício muito bonito.

- Nossa, alto padrão ! – o Escorpiniano exclamou abaixando-se para ver o prédio luxuoso pelo vidro da frente do carro – É aqui que mora o tal cara que vai autorizar a minha ida para alguma delegacia ?

- Não. – replicou abrindo o portão automático, visivelmente aborrecido – Aqui é onde eu moro.

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O Escorpião Escarlate – Capítulo IV – Uma grande chance

O portão se abriu e entraram. Kamus afastara os pensamentos sobre o ex- e passou a prestar mais atenção nos movimentos do grego. Apesar do outro estar desarmado, não podia se descuidar.

O Aquariano parou o carro em uma das suas vagas de garagem; desceu, deu a volta no carro e abriu a porta para preso.

- Vou tirar suas algemas – disse enquanto as abria com a chave - pois não quero perguntas dos vizinhos, mas não me dê trabalho. Minha paciência acabou por hoje.

O Escorpiniano apenas assentiu com a cabeça.

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Quando o elevador abriu, no décimo primeiro andar, havia duas portas.

- Qual delas ? – o grego perguntou.

- É o mesmo apartamento.

- Uau ! Um por andar !

- Recoloque as algemas e fique ali onde eu possa te ver. - o francês ordenou.

Milo obedeceu, ficando um pouco mais distante da porta. Kamus digitou os códigos de acesso e o preso espichou os olhos sobre os números. A porta se abriu e o Aquariano entrou, acendendo a luz e chamando o ladrão.

Estavam em uma bela sala de estar. O Escorpiniano ficou maravilhado com os móveis e a decoração.

- Nossa, sua esposa tem muito bom gosto.

- Não sou casado.

- Então foi você quem decorou ?

- Foi.

"Eu sabia !" o grego pensou – "Viado !"

- Você mora sozinho ? – perguntou ao francês.

- Moro... já chega de tanta pergunta, não é, Milo ? – disse um tanto irritado.

Entraram em um pequeno corredor e seguiram em direção à cozinha. Passaram pela copa e por uma lavanderia que era maior que a cela em que o ladrão dividia com mais nove. Chegaram em um quarto e abrindo uma porta Kamus revelou um banheiro com chuveiro.

- Você vai ficar aqui neste quarto.

- Legal, vou ficar em uma suíte.

Além da dependência de empregada, onde o ladrão ficaria, o apartamento tinha mais três dormitórios, mas aquele era o único quarto que não tinha sacada, então era melhor deixar o preso ali pois Kamus queria evitar que o grego escalasse o prédio para fugir. Claro que isso seria improvável com as mãos e pés algemados como dormiria, mas era melhor não arriscar.

- Venha.

O preso seguiu o outro.

O francês passou rapidamente no escritório para deixar o notebook e depois foram até um dos três quartos. Caberiam umas quatro celas ali dentro. Os móveis eram claros e o carpete de madeira um pouco escuro, fazendo um contraste muito bonito. O policial levou o ladrão até a suíte onde havia uma enorme banheira branca. Kamus soltou uma das mãos do grego e passou a algema através da barra de metal da banheira, voltando a fechá-la no pulso do Escorpiniano.

- Quando eu voltar, eu não quero ver UM risco neste metal, entendeu ? – disse um tanto seco.

Milo assentiu e sentou-se na borda da banheira para esperar o policial. Algum tempo depois o Aquariano voltou com os cabelos molhados.

- Venha. – disse soltando o ladrão - Vou tirar suas algemas, mas não me aborreça. Estou com a paciência esgotada.

O investigador levou-o novamente até o quarto da empregada. Natalie, uma jovem senhora de quarenta e cinco anos que limpava a casa e cozinhava, dormia duas vezes por semana no apartamento, de segunda para terça e de quinta para sexta. Como era quarta-feira, o preso poderia ficar ali sem problema algum já que no dia seguinte estaria em alguma delegacia.

– Pode entrar no banho e usar a toalha que está lá. Minha empregada trocou ontem.

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A água caiu deliciosamente morna caiu sobre o corpo do grego.

- Até o sabonete é macio. – disse sorrindo ao pegar o sabonete líquido.

Kamus entrou no banheiro e o Escorpiniano se assustou.

- Não se preocupe, não vou ficar te olhando, apenas trouxe roupas limpas. - e colocou–as sobre uma banqueta.

- Tudo bem. Tanta gente já me viu pelado no chuveiro da prisão que um a mais ou um a menos não faria a menor diferença. – replicou sorrindo e se exibindo um pouco.

Os olhos do Aquariano passearam sobre o corpo do presidiário, que tinha virado de costas e passava lentamente a mão pelo corpo. Milo tinha consciência de sua beleza. O trabalho de marceneiro era puxado, mas também fazia muito bem aos seus músculos.

Imediatamente uma imagem veio à mente do policial...

-oooo-

- Vem, Kamus.

- Mas aqui é o quarto da Nicolle, ela vai descobrir.

- A gente arruma depois.

Olhou para o corpo perfeito do namorado que terminara de se despir e entrar no minúsculo banheiro. Shura ligou o chuveiro e depois de colocar o sabonete na mão, começou a passear a mão pelo próprio corpo, excitando o francês.

- Olha só o que você está perdendo. – disse jogando sensualmente a cabeça para trás e molhando os cabelos. - Vem me saborear, vem. – pediu com volúpia. – Você não sabe o quanto estou quente.

O Aquariano retirou a última peça de roupa que faltava.

- Mas o box é muito apertado. – reclamou ainda do lado de fora.

- Que bom. Assim você vai ficar bem juntinho de mim.

O espanhol abriu a porta do box e puxou o namorado para dentro. Deslizou seus lábios quentes pelo corpo branquinho do francês fazendo uma pequena pressão e arrancando gemidos do outro policial.

- Humm... você também está quente. – sussurrou ao tocar o membro do Aquariano que gemeu ao contato.

- Shura...

- Me faz todo seu, Kamus. – pediu puxando-o para um beijo.

-oooo-

Já fazia praticamente seis meses que o namorado o abandonara, mas ainda doía muito ficar sozinho naquela imensa casa vazia.

Milo parou de se ensaboar.

- Está tudo bem ? – perguntou ao ver que o policial olhava para o vazio há algum tempo.

- Porque não estaria ? – questionou secamente e saiu do banheiro.

"Um a zero Kamus" o preso pensou sobre a forma grosseira com que o outro falou.

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Fora do banheiro que o francês refletiu um pouco sobre seus últimos dias. Sabia o que estava acontecendo consigo. Estava perdendo o controle emocional pois se aproximava o dia em que se encontraria com o ex-.

"Kamus, controle-se. Você nunca foi assim. Será que um encontro com o Shura e a presença de um ladrãozinho exibido são motivos para você se descontrolar deste jeito ?" perguntou-se "Não." respondeu decididamente e esqueceu os dois.

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Alguns minutos se passaram e Milo voltou para o quarto. O investigador ouviu um barulho e bateu na porta.

- Pode entrar. – o grego comunicou.

- Abra. – o policial ordenou.

O Escorpiniano abriu a porta. As roupas que o Aquariano tinha providenciado ficaram um pouco justas. Kamus lembrou-se que pedira a Fleur para comprar roupas para o detento, já que todos os pertences do ladrão só seriam liberados depois que cumprisse sua pena, mas sabia que a menina não havia feito isso porque não tinha lido todo o e-mail.

Felizmente no dia seguinte Marin ingressaria em sua equipe. Pediria que ela levasse o Escorpiniano no shopping. Essa era uma boa oportunidade para que a investigadora fizesse amizade com o grego. Seria muito útil se ele confiasse na policial.

O francês fez um sinal e o ladrão o seguiu até a cozinha.

- O que você quer comer ? – perguntou abrindo o freezer e mostrando várias comidas congeladas devidamente etiquetadas.

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Após esquentar o jantar Kamus colocou dois pratos na mesa da copa. Não ia usar a mesa de jantar para um criminoso.

- Deve ser ruim morar sozinho nesta casa tão grande. – Milo comentou.

"Péssimo" o Aquariano pensou de imediato.

Durante a época em que namorava o espanhol, Shura viera morar com o francês, mas há quase seis meses estava sozinho naquela casa enorme.

- Já acostumei. – foi o que respondeu.

O policial novamente afastou os pensamentos, vestiu-se de sua frieza habitual e observou melhor o grego, pensando no que Shaka tinha lhe contado.

Segundo o Virginiano, Milo tinha uma habilidade natural para manipular as pessoas. Popularmente era possível dizer que o jovem era um sedutor nato. O loiro também alertou o Aquariano para uma outra habilidade do grego: a mentira. Shaka não chegou a esta conclusão porque o ladrão comentou que na cadeia fingia ser um ator se preparando para fazer o papel de um preso e nem porque o prisioneiro contou que na Clairvaux fingia ser bonzinho e amigo de todo mundo. Na verdade o indiano percebeu por si só algumas pequenas contradições na narrativa do Escorpiniano.

Kamus era um bom investigador e um bom jogador. Nunca foi uma pessoa naturalmente sedutora, mas no treinamento para a Inteligência Policial Francesa aprendeu a arte da manipulação e sabia jogar com o sentimento alheio em um combate psicológico de tirar o fôlego. O grego não tinha como escapar, se ele estivesse escondendo algo, o Aquariano descobriria.

- E então, Milo, como é a prisão ? – perguntou ao término do jantar.

- Bem diferente daquele conto de fadas que a gente vê nos filmes.

- Se você não tivesse feito o que não deveria, não estaria lá dentro.

- E o quê você queria que eu fizesse, policial ? – perguntou em leve tom de deboche - Que eu ficasse sentado, comendo pipocas, enquanto assistia minha mãe definhando diante dos meus olhos ?

- Um problema não justifica um erro. – replicou inexpressivamente – Ainda mais um erro que te leve para a cadeia.

Milo cerrou os olhos e ficou aborrecido. Já não gostava do jeito do francês, mas aquilo era demais.

- Acho que você sabe que minha mãe tinha uma doença MUITO rara. – disse um tanto alterado – A gente gastou TODO o dinheiro que eu estava guardando para a faculdade com exames inúteis e médicos incompetentes. A casa em que morávamos teve que ser vendida para pagar os tratamentos que FINGIAM prometer a cura. – disse mais alterado ainda - Um ERRO ? – perguntou indignado - Você acha que é UM ERRO amar e fazer de tudo PELA PRÓPRIA MÃE ?

O Aquariano ficou algum tempo em silêncio. Baixou o olhar por alguns instantes e depois voltou a fixar os belos olhos no grego.

O preso se irritou mais ainda. Já sabia o que ia ouvir em resposta: "Não sou do tipo emotivo, Milo. Não vou chorar com a sua história."

Com suas experiências de vida Kamus podia ter se tornado uma pessoa fria, mas aprendeu com a profissão que em determinadas horas é necessário um pouco de sentimentalismo, nem que fosse completamente fingido, como seria o caso.

- Não. Não acho que é um erro fazer de tudo pela própria mãe. – replicou calmamente - Só acho que foi um grande erro você ter se tornado um ladrão e, principalmente, ter parado na Clairvaux. – disse com um certo pesar.

O Escorpiniano se desconcertou e engoliu seco. Não esperava este tipo de resposta do investigador.

- Milo, imagine se a sua mãe estivesse viva e você estivesse preso... – deu uma pequena pausa - ...você não acha que ela morreria de desgosto ?

O criminoso baixou o olhar. Não queria admitir, mas o policial tinha razão. Se sua mãe soubesse que o dinheiro para a cirurgia não veio do pai do grego e nem da generosidade do Pisciano, o ladrão nem saberia dizer o quanto ela ficaria triste e o quanto isso afetaria negativamente a sua doença.

O francês sorriu por dentro. "Vamos lá Escorpião, colabore. Prometo que não vou te torturar muito. Só mais algumas frases e aí você estará pronto para mim" pensou.

- Eu não quis te ofender, Milo. Sei que a sua mãe não está mais entre nós, mas pense... – continuou paternalmente – ...você foi condenado a onze anos e oito meses de prisão. Como não foi crime hediondo, você precisa cumprir um terço da pena para obter uma condicional. Isso dá quase quatro anos de cadeia. Quatro anos é muito tempo. – deu uma pequena pausa - Como acha que a pessoa que está aqui fora te esperando está se sentindo ?

O preso pensou no Pisciano. Afrodite também deveria estar sofrendo. Sentiu-se culpado.

- Não há nenhum registro de visita para você, Milo. A pessoa que está te esperando está esmorecendo. Deve doer para ela saber que você está em uma das prisões mais temidas da Europa. – o francês disse "a pessoa" pois ainda acreditava que era um homem que estava com o grego no dia de sua prisão.

O Escorpiniano engoliu seco. Será que seu Peixinho, seu grande amor estava desistindo ?

O Aquariano era um bom jogador e estava conduzindo a conversa exatamente para o momento em que o preso ficaria tão envolvido e tão cheio de culpa que falaria qualquer coisa que o policial quisesse saber.

- Diga Milo, você acha justo o que está fazendo com esta pessoa ? Acha justo obrigá-la a te esperar ?

Parecia que o coração do grego tinha parado. Não. Não era justo. Sentiu-se um verme. Levantou os olhos e observou o francês em tom suplicante.

- Quatro anos não são quatro semanas. – Kamus continuou - Quatro anos é um longo tempo de espera. Talvez esta pessoa não tenha ido te visitar porque já desistiu de você. Sei que é triste, mas talvez não tenha ninguém te esperando na porta no dia em que você sair.

O Aquariano ficou aguardando. Tinha jogado bem. Sabia que tinha conseguido perturbar os sentimentos do grego. "Logo ele vai começar a falar" pensou "Vamos Milo, fale. Cante para mim meu canário. Diga o que eu quero saber. Diga o nome dele. Diga o nome da pessoa que estava com você".

- Você não sabe de nada, Kamus. – disse entristecido.

- Tem certeza disso ?

"Vamos Milo, continue. Fale tudo o que está preso em sua garganta. Chore. Desabafe. Fale !"

- É CLARO que vai ter alguém. – disse emocionado – Eu sei que foi pouco o tempo que passamos juntos, mas estávamos namorando. Eu tenho CERTEZA que quando eu sair el... – parou imediatamente de falar.

Era como se um choque tivesse estremecido o corpo do Escorpiniano. Ele cerrou os olhos e olhou bem para o outro. O francês continuava com a expressão serena. Milo sorriu. Tinha descoberto o jogo do investigador. Ele queria saber sobre Afrodite.

"Se é isso que você quer policial, pode desistir".

- Parabéns Kamus,... – disse com um leve sorriso – ...tenho que concordar que foi uma boa tentativa, mas não sou tão bobo quanto pareço. - levantou-se – Vou no banheiro. – e saiu.

"Miserável". – o Aquariano pensou.

De repente o francês lembrou-se do telefone. Pegou-o e digitou um código. Se Milo tentasse ligar para alguém, ficaria o registro da ligação.

- Vamos passar para o escritório ? – sugeriu quando o preso retornou.

- Claro. – respondeu com um sorriso debochado nos lábios.

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No escritório, Kamus não tentou prolongar a conversa e também não demonstrou que estava irritado. Algemou o preso e lembrou-o que no dia seguinte iriam até o homem que fizera seus escorpiões. Milo concordou. Agora que não estava mais sobre pressão, o preso já conseguira se lembrar onde ficava a feira de artesanato. Em seguida o francês pegou as gravações das entrevistas coletadas e preparou o equipamento. Milo colocou o fone de ouvido e começou a escutá-las. Os dois ficaram até tarde ouvindo gravações, vendo documentos e inúmeros levantamentos já realizados sobre os crimes.

Kamus havia separado duas gravações: a de Seiya, que achou o escorpião e a de Cassius, que restaurou a tela. O policial queria que o grego visse o vídeo da empresa de restauração antes de ouvi-las, mas quando foi pedir a atenção do Escorpiniano para os vídeos, percebeu que ele havia apoiado a cabeça no braço e estava dormindo. O Aquariano olhou no relógio. Faltava dez para meia noite. Provavelmente o grego dormia cedo.

Levantou-se sem fazer barulho e foi arrumar a cama do presidiário. Depois voltou até o escritório e o acordou.

- Milo ?

- Sim senhor. – respondeu sonolento.

Kamus pegou a mão do outro.

- Venha dormir.

- Sim senhor. – disse completamente dominado pelo sono.

O francês deitou-o na cama e o cobriu com um lençol. Os belos cachos azuis se destacavam no travesseiro claro.

Kamus juntou os pés do Escorpiniano e o algemou. O policial apagou a luz, saiu do quarto e voltou para o escritório. Escreveu um e-mail para Marin e enviou, desligando o notebook em seguida. Foi para o seu quarto e colocou a chave-cartão da casa em seu criado mudo. Em seguida certificou-se que sua arma estava embaixo do travesseiro, deitou-se e apagou a luz.

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Apartamento do francês. Manhã de quinta-feira...

Kamus entrou no quarto onde Milo dormia às seis e meia. A intensidade da luz era regulada por um botão. O investigador girou-o um pouco e uma claridade suave se fez.

Depois da conversa da noite anterior o policial estava mais atento. O preso era esperto. Tinha sacado o jogo do investigador para descobrir mais sobre sua companhia misteriosa. O Aquariano sorriu. Tinha achado um oponente à sua altura. Gostava de criminosos inteligentes. Detestava ter que competir com tipinhos que eram uma porta de estupidez. Lembrou-se momentaneamente da secretária. Fechou os olhos para tirar a menina da mente.

Aproximou-se um pouco mais e o observou melhor o presidiário. Realmente Milo não era apenas esperto, era também muito bonito. O corpo bronzeado e perfeito movia suavemente por causa da respiração. O Aquariano estremeceu de leve. Fazia tempo que não tinha outra pessoa em casa para lhe fazer companhia. Fechou os olhos e respirou fundo. Não podia deixar que sua mente desejasse o criminoso. Já havia feito um pacto consigo mesmo de que isso não aconteceria e apesar de não ter se relacionado com mais ninguém depois que Shura partira, achava que por sua posição e por seus anseios profissionais tinha que ser discreto e controlado.

Olhou novamente para o grego adormecido. A expressão serena, a beleza, os cachos... "Parece um anjo." pensou e a sorriu levemente, mas logo sua mente o alertou. "Cuidado Kamus. Esse Anjo é nocivo e você sabe que não deveria tê-lo trazido para casa. Ele só te faz sentir mais sozinho e atiça a sua cobiça. Autocontrole, Kamus. Autocontrole"

Fechou os olhos. Revestiu-se novamente de sua frieza. Respirou profundamente. Não podia demonstrar fragilidade. Não podia demonstrar desejo.

Abaixou-se para chamá-lo. Costumava chegar cedo na IPF e não queria se atrasar.

- Milo ?

Nada.

- Milo, acorde.

- Que horas são ? - perguntou sem abrir os olhos.

- Mais de seis e meia.

- Mais de seis e meia ? – questionou completamente insone e ainda de olhos fechados - O ARMÁRIO ! – gritou levantando o corpo de uma só vez e puxando as mãos algemadas, sentindo um tranco.

Olhou em volta assustado e constatou que não estava mais no presídio. Quando viu o Aquariano, sorriu.

- Pensei que eu estava sonhando. Que bom que estou aqui. Bom dia, Kamus. – disse com um sorrindo encantador.

O belo sorriso desmontou o francês por dentro e o fez ter vontade de retribuí-lo, mas manteve-se firme e não sorriu.

- Levante-se. – disse com frieza – Não quero me atrasar.

- Posso ir no banheiro ? – pediu estendeu as mãos para que o policial o soltasse.

Assim que abriu as algemas, Kamus viu um machucado nos pulsos do preso. O investigador tirou a algema. O vergão feito pelo guarda da prisão que já estava roxo agora tinha um pequeno corte que sangrava. Talvez na hora em que o outro acordou assustado, tivesse se ferido mais ainda.

O francês tocou devagar e Milo puxou a mão instintivamente.

- Dói ? – perguntou ao Escorpiniano.

- Um pouco.

O investigador soltou os pés do criminoso.

- Vá ao banheiro.

O Aquariano suspirou. O preso estava sob sua responsabilidade, não estava ? Foi até a sua suíte e pegou o kit de primeiros socorros. Assim que o outro saiu do banheiro mandou-o se sentar na cama. O policial sentou-se ao seu lado e tirou um frasco da pequena maleta. Colocou um pouco do conteúdo em um algodão pegando delicadamente a mão do grego e começou a limpar o ferimento. Em seguida passou um cicatrizante e depois começou a enrolar os pulsos do ladrão com uma faixa.

"Quanta delicadeza para um criminoso, Kamus. Não sou de porcelana, não" o grego pensava enquanto o investigador tocava suas mãos "Humm... quanto cuidado... Você me deseja, não é policial ? Quer que eu seja seu, não quer ?" deu um sorriso sedutor "Posso ser seu. Todo seu" continuou a pensar "Uma transa em troca da minha liberdade..." olhou o Aquariano de cima a baixo "...hummm ...ao menos você é bonito. Acho que consigo fingir que gosto de você. Posso até te dar um beijo se você quiser."

- Mãos suaves. – o ladrão comentou em tom sedutor.

O francês olhou para o preso. Tinha cuidado da mão direita do grego e agora estava amarrando a faixa da mão esquerda. Em primeiro lugar Kamus prometera a si mesmo que ficaria sempre distante e cortaria qualquer tentativa de aproximação, mas o comentário do outro o irritou profundamente. Não pensou duas vezes: apertou a faixa com força.

O Escorpiniano prendeu a respiração e fechou os olhos com a dor.

- Desculpe. Acho que exagerei e apertei demais. Doeu ? – perguntou sem dar muita importância à dor do outro.

- Só um pouquinho. – respondeu com a respiração ainda presa e o pulso latejando.

- Talvez eu não tenha a mão tão suave assim. – replicou inexpressivo.

- É. Talvez não. – disse soltando a respiração quando o Aquariano afrouxou a faixa.

Os dois ficaram alguns instantes em silêncio enquanto o francês refazia o curativo.

- Me desculpa. – o ladrão pediu.

- Por quê ? – olhou-o com frieza.

- Por ter falado que as suas mãos eram suaves. Eu não quis te ofender, me desculpe. – e ficou olhando para baixo com ar de coitadinho.

- Vou te arrumar algemas mais folgadas. Vamos. – e se levantou.

- Está tudo bem ? – o grego perguntou.

- Por que não estaria ?

- Desculpa, não quero te aborrec... – disse com um meio sorriso.

- Se não quer me aborrecer então se levante e troque de roupa. – disse secamente.

"Droga Kamus. É para você se apaixonar por mim e não para ser grosso comigo" pensou se levantando.

O Aquariano queimava de raiva por dentro. "Como você é idiota, Kamus" repreendeu-se "É obvio que ele percebeu que você é viado e está tirando sarro. Você já sabia que essa sua cobiça toda não ia acabar bem." - recriminou-se – "Mãos suaves... humpf ! Mãos suaves é a pxxx qxx pxxxx, seu bandidinho grego abusado." pensou muito irritado.

O policial olhou para o outro com ar de desprezo. Não o deixaria mais pisar em sua casa. Queria-o longe e o mais rápido possível.

-oOo-

Prédio da Inteligência Francesa. Quinta-feira. Terceiro andar. 7:45 da manhã...

Os dois chegaram no edifício e Kamus estacionou o carro. Pegaram o elevador e subiram.

Marin já estava dentro da sala. Aquele era seu primeiro dia na equipe do francês.

- Bom dia. – o Aquariano cumprimentou a todos.

- Bom dia. – o grego repetiu o cumprimento e pegando na mão da policial, beijou-a. – Bom dia, Marin.

- Bom dia, Milo. - a menina sorriu em resposta.

O Escorpiniano virou-se para Aioria e piscou para ele. O Leonino não gostou do beijo na mão da menina.

Enquanto o preso se acomodava, Kamus discretamente chegou perto da policial.

- Recebeu meu e-mail ?

- Você tem preferência de Shopping ?

- Não. – deu uma pequena pausa - Voltem até as 14:00. Use o cartão de crédito para tudo e leve ele para almoçar. Não esqueça de avisar se acontecer.

- Pode deixar.

- Milo ? – Kamus chamou-o – Você vai com a Marin comprar algumas roupas. Espero que você se comporte. Quando você voltar vamos visitar o homem que fez os escorpiões. Em seguida você verá o vídeo da restauradora e ouvirá entrevista do Seiya e do Cassius.

O preso sorriu abertamente, não cabendo em si de felicidade. Essa era sua grande chance de encontrar Afrodite. Agora só precisava pensar em uma forma de conseguir falar com ele.

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Assim que Mu chegou do quarto andar, onde fora fazer uma pesquisa, o Aquariano pediu que todos se sentassem à mesa de reunião para retomarem alguns pontos discutidos no dia anterior. Começaram a conversar sobre os principais suspeitos e Tatsumi estava entre eles.

- Mas o quadro sumir da restauradora não foi ruim para o dono ? – o preso perguntou – As pessoas não vão ficar com receio de enviar quadros para serem restaurados lá ?

- Claro que a restauradora tem muitos anos de tradição e ninguém quer jogar isso fora, mas pelo valor que ele vai receber do seguro de danos morais, não dá para deixá-lo fora dos suspeitos. – Aioria comentou.

- Como assim seguro de danos morais ? – Milo perguntou curioso.

- Se uma obra de arte for roubada e causar desaprovação pública gerando danos morais, como a falta de clientes, a empresa recebe um valor alto em dinheiro. – o Leonino explicou.

- Inclusive nós o estamos investigando pois o seguro de danos morais, curiosamente, só foi feito duas semanas antes do roubo.

- Muito conveniente. – o ladrão observou – Esse tal de Tatumi tem culpa no cartório. A empresa tem quase trinta anos e só agora eles fazem este seguro ?

- Senhor Tatsumi, Milo. – Mu corrigiu – E não podemos acusá-lo de nada sem provas concretas. Por enquanto ele é apenas um suspeito. Ele mencionou que só fez o seguro agora porque só agora a agencia de seguros sugeriu, mas já validei a informação e sabemos que não é verdade. A seguradora já propôs este tipo de seguro por cinco vezes e desta vez foi o próprio Tatsumi quem foi atrás do seguro.

- Segundo a agência ele teve um sonho, ficou com medo de roubarem a empresa e fez o seguro. – o Leonino completou novamente.

- Ah, claro. E ele tem uma bola de cristal em casa que prevê o futuro. – Milo opinou - Bah ! Vocês são muito moles. Se fosse eu já mandava prender o dono da empresa, o tal Tatumi, Tatsumi ou o diabo que seja e o moleque que achou o escorpião. Eles estão de lama até o pescoço.

- Não se precipite. - Kamus tomou a palavra – Só mandamos prender quando é um suspeito em potencial ou quando temos provas substanciais, o que ainda não é o caso. Bem, vamos voltar aos pontos iniciais. Eu e o Milo montamos uma seqüência sobre os envolvidos. – o francês apagou a luz e conectou o notebook à tela. - Aqui está.

PRIMEIRO CRIME – restauradora de quadros – quadro do pintor francês Gustave Moreau.

Esmeralda (Recepcionista) – recebeu o quadro e registrou no computador a gaveta em que ele estaria.

Jabu (Montador 1) – Não tocou na tela. Levou a moldura até a sala de montagem. Segundo ele, como era o outro montador que faria toda a montagem, não se preocupou em confirmar se a tela estava lá.

Seiya (Montador 2) – desmontou o quadro e colocou cada parte em suas devidas gavetas. Levou a tela, já pronta, até a sala de montagem a pedido do restaurador Cassius. Deveria ter montado o quadro novamente, mas encontrou um escorpião em seu lugar. Apenas suas digitais estão no escorpião.

Cassius (Restaurador 1) – fez a restauração da tela e encaminhou para a sala de montagem.

Dante (Restaurador 2) – fez a restauração da moldura.

Argol (Restaurador 3) – não tocou no quadro.

RELATO DO DIA DO CRIME

O montador Seiya entrou na sala de arquivo e puxou pelo computador o pedido do dia. Depois retirou a armação de madeira e deixou-a de lado, na bancada. Foi até a gaveta onde estava a moldura e, retirando-a, também deixou sobre a bancada. Quando abriu a gaveta onde deveria estar a tela, levou um susto ao ver um escorpião. Antes de chamar o dono, tocou o objeto. O senhor Tatsumi e Seiya retornaram na sala e vasculharam tudo, mas não encontraram a tela.

- O escorpião tem as digitais do moleque. Foi ele quem colocou lá. – o grego replicou convencido.

- Ainda não podemos afirmar isso, Milo. – o Ariano lembrou-o.

O Escorpiniano balançou a cabeça em desaprovação aos métodos de investigação da IPF. Para ele a polícia demorava demais e a solução era óbvia.

- Já foram levantados todos os objetos liberados naquela semana ? – Marin perguntou.

- Já. Um quadro do museu do Louvre; dois quadros do museu impressionista l'Orangerie; uma escultura do museu Rodin; um quadro de pouco valor de uma senhora; um quadro de pouco valor de uma casa de saúde e uma escultura de um empresário. Além, é claro, do quadro roubado do museu D'Orsey. – Aioria respondeu.

- Foi confirmado se as pessoas realmente receberam o objeto que enviaram para o restauro ? - a policial insistiu.

- Eu e o Aioria ligamos para cada uma das pessoas pedindo a descrição das obras recebidas. A descrição de todas as obras bateu com as obras que as pessoas esperavam receber. – Mu respondeu.

- Mas e o problema da umidade ? – o ladrão questionou - Sem o curto no aparelho o quadro nem teria sido levado para a restauração.

- Apesar da explicação, o analista técnico Ikki Amamiya está sendo investigado também. – o Leonino informou – Sabemos que ele é um trainee e ainda está em aprendizagem, mas não se pode descartar seu envolvimento.

- Kamus, - o indiano chamou a sua atenção – eu não vi mencionado neste relato que o restaurador Cassius teve uma briga com o senhor Tatsumi durante a semana do roubo e que na última sexta-feira antes da descoberta do crime ele pediu demissão. Você não achou relevante ?

- Eu não sabia disso. – o ladrão falou para o Aquariano.

- Você dormiu antes de ouvir estas duas entrevistas.

Fez-se um pequeno silêncio na sala, que Shaka tratou de encerrar, pois se Kamus tinha dormido juntou ou perto do preso, certamente foi por algum motivo. O indiano também tinha percebido o curativo nos pulsos do Escorpiniano, mas acreditava que o francês tinha responsabilidade suficiente para discernir o que era melhor, ainda que fizesse algo fora do convencional.

- Na verdade o Cassius tinha pedido um aumento, mas o senhor Tatsumi negou. Os funcionários ouviram claramente ele dizer que a empresa de restauração ia se arrepender porque todos saberiam dos podres dali de dentro. – o indiano explicou.

- Peraí, mas o crime foi descoberto na segunda... – deu uma pausa - ...ele pediu demissão na sexta anterior ? Três dias antes ? – Milo começou a rir - Caramba, será que vai ter cadeia para tanta gente ? Tem certeza que vocês estão fazendo as perguntas certas ? Tem mais de um milhão de suspeitos para o mesmo crime ! – o presidiário comentou ainda rindo.

Kamus respirou fundo. Milo até que era bom de deduções, mas o jeito debochado do outro perante o trabalho da IPF já estava deixando o francês irritado. Controlou-se e exibiu as próximas anotações.

SEGUNDO CRIME – casa do empresário de Camaleão – broche de um escaravelho egípcio - RELATO

Uma festa à fantasia promovida pela senhorita June de Camaleão deveria ter acontecido dia primeiro, mas devido um problema de saúde da mãe, ocorreu dia cinco. Na relação de convidados havia apenas gente da alta sociedade. Não há digitais pelo escritório a não ser dos moradores e criados. O objeto roubado possuía seguro, porém tinha um grande valor sentimental já que fora presente do marido para a esposa no quinto ano de aniversário de casamento.

- Eu vou lá daqui a pouco fazer o reconhecimento dos convidados e pegar mais informações com a família. – o loiro comentou.

O grupo discutiu em cima destes itens e depois de algum tempo, um pequeno bip se ouviu.

- Está na hora. – Marin anunciou. – Vamos, Milo ?

- Pegou o cartão de crédito ? – o francês perguntou.

- Peguei.

Shaka aproveitou o momento de pausa para ir ao banheiro. O Escorpiniano apressou-se em ir atrás do indiano.

Assim que o Milo entrou no banheiro viu o Virginiano se dirigindo a pia.

- Shaka, eu vou no shopping com a Marin. Me arruma uns dois euros para comprar bala só para ela não ter que usar o cartão ?

- Arrumo. – respondeu sorrindo e colocou a mão no bolso para pegar o dinheiro. - Xi Milo, minha carteira ficou na sala. Eu só tenho moedas.

- Quantas ?

- Bem... – começou a contar as moedas do bolso - ...um euro e dez centavos.

- Serve. – disse pois não queria que o francês soubesse que ele estava pegando em dinheiro.

- Aqui está. – e colocou as moedas na mão do grego. – Bom divertimento.

- Obrigado. Até mais.

Quando o grego saiu do banheiro, seus olhos brilhavam de satisfação.

- Vamos ? – perguntou à menina.

-oOo-

No Shopping...

Marin parou o carro no estacionamento do shopping e a policial ditou as regras.

- Vou te deixar sem algemas, mas se necessário, e espero que não seja, usarei violência.

- Não se preocupe, vou me comportar como um bom menino. – disse sorrindo.

- Ok. – sorriu enquanto tirava as algemas com cuidado por causa do curativo – Vamos.

Mal entraram no shopping e Milo pediu para ir ao banheiro.

- Mas você não foi na Inteligência ?

- Fui só lavar as mãos.

- Ok. Não demore e não me faça ficar brava.

- Não se preocupe – e mandou um beijo para a policial.

Na verdade Milo tinha entrado no banheiro assim que chegou pois tinha avistado seu alvo entrando lá também. Tratava-se de um garoto de uns quinze anos com um celular no bolso. Não. Não tentaria roubá-lo. Primeiro tentaria comprá-lo.

- Oi. Será que eu posso te pedir um favor ? – perguntou ao menino – Cheguei faz pouco tempo na cidade e estou com a minha namorada lá fora, uma morena muito bonita, e eu queria fazer uma surpresa para ela. Eu queria chamar um amigo nosso até aqui, mas o problema é que esqueci meu celular e minha carteira no hotel e não quero que ela me veja ligando. É para ser uma surpresa. – explicou – Será que você não me vende dois minutos do celular por um euro ?

- Nem pensar.

- Um minuto e meio ? – deu uma pausa para o garoto se convencer - Por favor, ela vai gostar tanto da surpresa...

O menino fez uma cara de desconfiado.

- Jura que não vai passar de um minuto e meio ? – perguntou em dúvida.

- Pode contar no relógio. – disse ao garoto.

- Está bem. – disse entregando o telefone ao ladrão.

O grego discou um número. Tocou quatro vezes antes de atender.

- Alô ? – uma voz sonolenta falou.

- Dido ? – sorriu - É o Milo.

-oOo-

Próximo Capítulo – O Escorpiniano finalmente consegue encontrar com seu amado e tem uma surpresa. Milo relata a história de sua vida e sem que o grego desconfie, Kamus lança mão de alguns meios para vigiá-lo. Graças à sua esperteza, o francês consegue um grande avanço com um suspeito em potencial.

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Notas da autora – Agradecimentos

Milhões de beijos a todos que acompanham, principalmente a quem escreveu: Anjo Setsuna; Ana Paula; Dana Norram; Elfa ; Giselle; Ilia-chan; Litha-chan; Mademoiselle DeathMask; Nana Pizani; Neme; Shakinha e Srta. Nina. Bilhões de beijos, girls.

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Nota da autora – contato

Podem me contatar, brigar, criticar (é sério), reclamar, dar dicas ou só escrever para bater papo no erika(ponto)patty(arroba)gmail(ponto)com ou via review neste site. Prometo que respondo todos os e-mails e reviews.

Bela Patty .

- Dezembro / 2005 -