O Escorpião Escarlate
Capítulo Anterior – No capítulo anterior, Afrodite apanha do cafetão por ter se encontrado com o grego. Milo se recorda de Seiya e Jabu e o francês volta a falar com o Sr Sólon. O preso sente ciúme do Aquariano e Kamus tenta uma reaproximação com o ex-, porém sem sucesso. Com os sentimentos abalados, o francês procura um garoto de programas com as características do criminoso para satisfazer suas frustrações.
... O miché OBRIGATORIAMENTE deveria lembrar fisicamente o ladrão. ... passou os olhos pelas fotos no álbum. Parou em um belo rapaz. Cabelos loiros cacheados, olhos azuis, pele bronzeada e sorriso maroto. Italiano. Tudo bem, desde que não fosse espanhol, serviria qualquer um.
Como o belo garoto de programa disse que teria o nome que o francês quisesse, o Aquariano chamou-o de Milo o tempo todo. Pediu também para o jovem não ser gentil consigo. Queria sentir-se como se estivesse junto com o grego e se o outro fosse grosseiro, certamente perderia o encanto por ele.
Ao menos era isso que esperava.
O Escorpião Escarlate – Capítulo VIII – Irresistível
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Delegacia. Período da manhã.
Kamus chegou na delegacia às nove da manhã. Mais uma vez estava arrependido. O pior é que depois do miché, sentia ainda mais tesão pelo criminoso. O jeito que o Escorpiniano o olhava e a pequena demonstração de ciúme no dia anterior tinha mexido com o investigador. O policial respirou fundo e tentou ficar impassível. Não podia deixar transparecer isso.
- Bom dia. – disse ao carcereiro de plantão – Vim buscar o preso Milo Nekalaous. – de uma pequena pausa - Ele deu trabalho esta noite ?
- Não. Nunca dá. Venha. Pode ir até lá comigo.
Na ala reservada, onde o grego estava, o silêncio reinava. Havia quatro celas, porém apenas mais uma estava ocupada.
- É um político. – o carcereiro cochichou ao francês – Está aguardando os advogados.
O investigador parou em frente à cela e chamou o preso, mas ele não atendeu. O Escorpiniano estava sentado em uma estrutura de alvenaria que servia como cama e encostava-se na parede. Lia a revista que o Aquariano tinha comprado enquanto cantava. O carcereiro bateu com a chave na grade fazendo barulho. O ladrão olhou na hora.
- Oi Kamus. – falou tirando os fones de ouvido e fechando a revista – Já vamos ?
- Já. – respondeu um tanto surpreso em ver o preso com um iPod (1) na mão enquanto o carcereiro abria a cela.
- Obrigado Maurice. – o Escorpiniano falou – Por favor entregue para o Alan. – e deu o iPod ao carcereiro.
- Quem é Alan ? - o policial quis saber
- É o plantonista da noite. – o guarda explicou – Foi ele quem emprestou o iPod para o Milo.
- Carcereiro, venha aqui. – o preso político chamou-o.
- Tenho que ver o que aquele enjoado quer. – fez uma careta - Vê se te cuida e anda na linha, garoto. – o carcereiro disse ao ladrão.
- Valeu irmãozinho. – o grego replicou sorrindo e despediu-se do jovem Maurice.
- Até mais investigador. – o guarda disse dando a mão também para o francês – Vocês sabem o caminho da saída, não ?
- Claro. Obrigado. – o Aquariano se despediu enquanto algemava o Escorpião.
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- O que você fez enquanto estava preso, além de fazer amizade com os carcereiros ? – perguntou enquanto ligava o carro.
- Joguei cartas com o plantonista da noite. Escopa (2). – explicou - Ele disse que não dá para jogar com os outros presos e o político não se mistura.
- E só porque você jogou escopa ele te emprestou o iPod ?
- Claro que não. Com a escopa eu consegui uma salada de frutas na noite de ontem. O iPod foi com o pôquer.
- PÔQUER ? – perguntou sem acreditar que o carcereiro tivesse dado tanta liberdade ao grego.
- É. Se ele perdesse eu ficaria com o iPod por 24 horas.
- E o que você daria se perdesse ?
Kamus mal terminou a frase e arregalou os olhos imaginando o que o ladrão daria. Jogou o carro imediatamente no acostamento. Milo se assustou com a manobra brusca. O francês olhou o Escorpiniano de cima a baixo.
- VOCÊ IA TROCAR POR SEU CORPO ? – perguntou indignado. O que mais poderia imaginar ? O grego não tinha nada para negociar.
- CLARO QUE NÃO ! – respondeu mais indignado ainda. – O que você está pensando, Kamus ? Não sou tão fácil assim.
- E o que você daria ?
- Eu negociei esta calça jeans que você comprou para mim. – respondeu sorrindo e passando a mão na perna para mostrar a roupa.
"Humm... o que foi ? Ficou preocupado policial ? Não quer ninguém tocando o meu corpinho gostoso a não ser você, não é ? Quer ser o primeiro a me experimentar, não quer ?" – refletiu sorrindo.
A mente do investigador recriminou-o. Imediatamente arrependeu-se de sua explosão. Não deveria ter se importado se o Escorpiniano ia ou não trocar o iPod pelo corpo. O corpo era do grego e não tinha nada a ver como isso.
- Quer dizer que eu poderia chegar na delegacia e te levaria embora só de cueca ? Que cena patética.
- Mas eu não ia perder. – disse sorrindo.
O francês balançou a cabeça em desaprovação enquanto voltava para o trânsito.
"Fala sério, francesinho. Bem que você gostaria de me encontrar só de cueca, não é ? Ou até sem ela..." – virou para o outro lado e sorriu abertamente sem que o outro percebesse.
- E aí ? Como foi o passeio de ontem à noite ? – perguntou ao policial, puxando conversa.
- Normal.
- Normal ? O seu ex- não te agarrou ?
- Milo, por favor.
- Aposto que você foi vestido para matar.
- Ele namora outra pessoa. – respondeu, lembrando-se que realmente foi "vestido para matar".
- E daí ? Ele namorava você quando foi embora, não é ?
- Não quero mais falar sobre este assunto.
- Ok. – o grego sorriu intimamente. Pelo jeito a noite anterior não tinha sido das melhores. Isso era bom. Quanto mais o francês estivesse vulnerável aos encantos do prisioneiro, tanto melhor para o ladrão.
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Manhã de domingo. Cemetary de La Paix (3)
O Cemitério da Paz, quase fora de Paris, é um cemitério simples, porém bem organizado. As vagas do centro e da ala direita, quase completamente tomada, são utilizadas por pessoas de poucas posses ou sem jazigo próprio da família. É também neste local que, por três anos, descansam aqueles cujos parentes recorrem à prefeitura para um enterro decente.
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Os dois entraram na área de administração e foram diretamente encaminhados ao centro de identificação.
- Catalina Nekalaous. – o francês informou no balcão de atendimento.
- Um minuto por favor.
Milo ficou no outro canto da sala, longe da porta, conforme havia combinado com o Aquariano. Esta era a condição para não usar a algemas. Porém o policial poderia ficar despreocupado. O grego não estava pensando em fugir dali. No momento sua mente estava ocupada com as lembranças da mãe, mais especificamente, de seu sétimo aniversário.
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Era tarde do dia 08 de novembro. Estava frio e parecia que o mundo ia se acabar em chuva.
Naquele ano já não encontraram mais o pai no congresso. Sua mãe havia procurado incansavelmente por Dominique De Lusié, mas ninguém o conhecia. A decepção se abatera sobre o garoto. Milo tinha a impressão que jamais voltaria a ver o pai.
Na humilde casa em que mãe e filho moravam, o grego estava encostado na porta e olhava tristemente para o chão. O pequeno queria uma bicicleta, mas a mãe, faxineira, não tinha conseguido dinheiro para comprar. O garoto ganhara um belo carrinho de plástico, de aparência frágil, mas não era isso que o entristecia. Sua mãe fizera bolo de chocolate e sanduíches. Milo convidara cerca de dez amiguinhos para a festinha de aniversário, mas com aquele tempo horrível, ninguém aparecia. Os minutos se passavam e não se ouvia uma batida na porta. Seus familiares obviamente não viriam. Faziam questão de se manter longe da "mãe solteira" e do "pequeno bastardo".
A esperança do Escorpiãozinho se esvaia junto com o tempo. Logo seria a hora de cantar parabéns e apenas mãe e filho estavam na casa.
- Mãe, por que não vem ninguém na minha festa ? – perguntou com os olhinhos marejados – Eles não gostam de mim ?
- Claro que gostam, meu amor, mas com este tempo feio, eles ficaram com medo de pegar uma gripe.
- E por que faz frio toda vez que eu faço aniversário ? Eu não queria ter nascido neste dia. Eu queria fazer aniversário no calor. – e começou a chorar.
- Oh, meu anjo. – disse sensibilizada e abraçou-o – E se a gente brincasse de faz de conta enquanto espera os convidados chegarem ? – sugeriu enquanto secava o rostinho molhado de lágrimas.
- Brincar de faz de conta NÃO vai trazer sol para o meu aniversário. – choramingou irritado.
- Então vamos brincar de outra coisa.
- NÃO QUERO. – respondeu emburrado.
- Já sei. Vou pegar aquele livro grande que eu ganhei e vamos brincar de adivinhar.
- O livro dos desenhos ? – perguntou secando o rosto e apresentando os olhinhos azuis brilhantes de desejo.
Catalina Nekalaous ganhara há poucos meses um livro com a foto de vários quadros de pintores famosos. A bela jovem de cabelos cacheados era muito seletiva e havia decidido que só se envolveria com alguém que aceitasse ser um pai para o filho. Pelo jeito o rapaz tinha interesse apenas na moça. Catalina dispensou-o, mas manteve o presente.
- Cuidado Milo. Pegue assim.
- Que bonito. – replicou sorrindo e esquecendo da tristeza anterior.
www google com br – imagens – A persistência da Memória
- É de Salvador Dali. O nome do quadro é a persistência da memória.
- O que é pesistência ? – questionou com sua vozinha infantil.
- Persistência, Milo. Uma pessoa persistente é uma pessoa que luta até o final. Que não desiste fácil.
- Ah ! – olhou para o quadro - Por que ele fez os relógios derretendo ?
- Agora é que começa a brincadeira. – a jovem disse ao menino - Você consegue adivinhar ?
- Humm... – ficou pensativo - ... quando o homem que fez os relógios pendurou eles para secar, eles estavam quentes e derreteram igual queijo.
A mãe riu com a explicação do pequeno.
- Muito bem, mas porque este não derreteu ? E apontou um relógio de mão que estava com o mostrador voltado para baixo e apoiado em um plano.
- Ah, mãe. – repreendeu-a - Tem um monte de formiga em cima. Não é um relógio. É um pirulito com o cabo quebrado. Você não "tá" vendo ?
Catalina riu da explicação.
O pequeno procurou outro quadro para brincarem. Passeando pelo livro, acabaram descobrindo que o Museu do Louvre, onde grande parte daquelas obras estava ou já esteve exposta, abrira suas portas ao público justamente no dia 8 de novembro de 1793 (4).
- Viu como o dia 08 de novembro é importante ? Você faz aniversário junto com o Museu do Louvre.
O garoto mal teve tempo de sorrir e se deliciar com a novidade, pois logo ouviu uma batida na porta. Correu desesperado e a escancarou. Eram os dois filhos de uma vizinha próxima. A chuva tinha dado uma trégua.
Divertiu-se muito com seus amiguinhos, mas depois daquele dia, em que a mãe lhe apresentou à arte, nunca mais se esqueceu do seu companheiro de aniversário. Passou a se interessar pelo assunto e ficar cada vez mais fascinado em descobrir as histórias do famoso Museu.
- Catalina Nekalaous ?
-oooo-
Ouvir o nome da mãe o tirou do transe.
- Aqui está. – o atendente apontou na tela. – A 3, L 10, F 4, G 2.
- O que significa isso ? – o grego perguntou com a voz trêmula.
- A é de Ala, L é de Lote, F de Fileira e G de Gaveta. É o endereço do lugar onde ela está enterrada.
A garganta do Escorpiniano secou e seus olhos se encheram de água. A palavra "enterrada" teve um efeito destrutivo no jovem e ele não conseguiu conter o choro.
Kamus suspirou. Seria difícil.
- Obrigado. Vamos Milo ?
O ladrão secou os olhos e começou a andar. Movimentava-se vagarosamente, como se as pernas fossem feitas de chumbo. O Aquariano observou a expressão consternada do outro e teve um pouco de pena, mas achou melhor não demonstrar.
- Milo, tem certeza que você quer fazer isso ? – perguntou em tom impessoal.
O criminoso apenas balançou lentamente a cabeça em sinal positivo.
Quando chegaram na placa do lote número dez as pernas do Escorpiniano travaram. Não conseguia dar mais nenhum passo. Ficou paralisado olhando uma porção de gavetas à sua frente. Kamus se aproximou de uma das gavetas. Ainda estavam na gaveta de número trinta. Teriam que andar mais alguns metros até a de número dois.
- Venha.
As lágrimas começaram a cair. Não queria chorar na frente do policial, mas não conseguia. Sua dor era maior que sua vontade.
O preso se aproximou lentamente da fatídica gaveta e quando viu as iniciais da mãe gravadas na gaveta que a emparedava, chorou como uma criança.
- Me perdoa mãe, me perdoa. – pediu encostando a cabeça na pedra.
Kamus ficou um pouco afastado, apenas observando. Depois de muito chorar, o grego repentinamente caiu de joelhos no chão e ficou de cabeça baixa. O francês foi acudi-lo.
- Milo ?
- Eu não consegui. – disse em tom choroso, com as lágrimas correndo por sua face – Vim para a França, arrumei o dinheiro, ela foi internada, - deu uma pausa para respirar - ela foi internada, mas não consegui evitar. Ela... se foi. – disse e passou a chorar compulsivamente.
Soltou-se das mãos do policial, fechou os olhos e tocou a pedra gelada.
- Mãe, eu tenho tanta saudade. - disse entre soluços - Me perdoa.
O policial tinha aprendido a não ser emotivo, mas aquele garoto chorando no chão conseguia mexer consigo. Aproximou-se e ajudou-o a se levantar.
Milo estava muito carente. Mal o investigador o levantou, ele se aproximou e o abraçou com força, chorando ainda mais.
Kamus ficou imóvel. Fazia tempo que não era abraçado com tanta intensidade. Fechou os olhos. Também estava carente e sentiu-se bem sendo abraçado pelo grego. Colocou vagarosamente a mão nas costas do ladrão e depois começou a acariciar seus cachos. O Escorpiniano apertou mais ainda o corpo do policial contra o seu, sem parar de chorar.
- Calma. – o francês disse suavemente enquanto o consolava.
O grego demorou vários minutos para se controlar. Quando conseguiu respirou fundo e soltou o investigador.
- Desculpa por ter te abraçado. – pediu olhando para baixo – Eu sei que você não gosta que eu te toque.
O silêncio se abateu sobre os dois até que o Escorpiniano colocou as mãos no rosto e recomeçou a chorar. Aquilo atravessou o coração do policial como um flecha. Kamus aproximou-se do preso e o abraçou, voltando a acariciar seus cachos. Milo não parava de chorar.
- Shhh. Vamos sair daqui. – disse ao grego – Isso não está fazendo bem a você. – comentou se soltando do abraço e passando o braço em volta dos ombros do presidiário para ampará-lo.
Andaram alguns lotes e pararam. O Aquariano tocou suavemente o queixo do outro e levantou seu rosto. Com um lenço secou delicadamente as lágrimas do preso. O francês nem sabia porque estava sendo tão gentil. Talvez por entender a dor que era perder os pais, talvez pelo abraço, talvez por outra coisa. Não importava. Não queria ver o ladrão chorando. Aquilo doía em seu próprio coração.
- Obrigado. – o criminoso e pegou o lenço que lhe era oferecido pelo policial.
- Você está se sentindo melhor ?
- Estou. – respondeu de cabeça baixa – Obrigado por me acompanhar. – disse voltando os belos olhos azuis claros, agora vermelhos, para o investigador.
Não conseguiu segurar o choro nem por dez segundos.
– Desculpa. – pediu baixinho.
- Vamos sair daqui e ir para outro lugar. – replicou e começou a pensar onde poderiam ir, pois ainda era muito cedo para almoçar. De repente se lembrou que estava com o carro que costumava usar no final de semana. Sempre deixava seus tacos de golfe no carro. – Venha. – disse ao outro.
- Aonde vamos ? – perguntou ainda choroso.
- Estou com o carro que uso no final de semana. A saqueira com os tacos estão no porta-malas. Vamos jogar golfe.
- Mas eu não sei jogar. – fungou.
- Eu te ensino.
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Clube de golfe não oficial. Meio da manhã.
- Que lugar bonito.
- E nem é um campo oficial. Os campos oficiais costumam ter dezoito buracos. Este só tem nove. – explicou enquanto se dirigiam à área de treinamento individual, onde cada um tinha um pequeno campo de cerca de três metros de cumprimento por um metro de largura, com um buraco em uma das extremidades para treino.
Depois que o grego treinou um pouco, foram para o campo. Logo na primeira tentativa o ladrão deu uma tacada completamente fora do ângulo necessário e jogou a bolinha absurdamente longe do buraco.
- Acho que não levo jeito. – comentou desanimado.
- Bobagem. Foi sua primeira tentativa em campo aberto. Você só precisa se posicionar melhor. – replicou fixando outro tee (5) na grama e colocando uma bolinha sobre ele - Segure o taco.
Milo obedeceu. O francês ficou atrás dele.
- Incline o corpo – e empurrou-o suavemente para frente – Se o buraco está longe você precisa de força, mas também precisa estimar o caminho que a bolinha vai percorrer. Vire um pouco mais para a esquerda. Agora, mire o tempo que for necessário e segure o taco assim. Firme. Não tire o olho da bola.
O policial praticamente colou no corpo do grego e segurou suas mãos para mostrar como deveria se posicionar em jogo. O Escorpiniano estava atento à bolinha e ficou algum tempo olhando para o buraco ao longe, tentando imaginar se a batida levaria a bola para perto do buraco.
- Agora é só bater ? – o ladrão perguntou.
Kamus não respondeu. Seu corpo estava ali, mas sua mente estava há mais ou menos um ano e dois meses atrás.
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Era sua terceira semana de namoro com Shura. Parecia até mais tempo; talvez por causa dos cinco ou seis meses de olhares insinuantes e cheios de segundas intenções, trocados entre os dois, antes da noite em que se beijaram pela primeira vez.
Kamus não era sedentário. Freqüentava a academia do prédio durante a noite e uma vez por semana jogava squash, mas quando o Capricorniano veio com a idéia, o outro deu risada.
- Golfe é coisa de velho.
- Kamus, larga de ser preconceituoso. É um esporte muito legal e tem muita gente nova que joga. Você me disse que até o seu pai jogava.
- É. Só que meu pai estava beirando os quarenta anos e o outro cara mais "novo" da turma estava com cinqüenta e nove. Coisa de jovem mesmo. – disse para brincar com o outro.
- Quanta bobagem, Kamus. Não aceito esse seu preconceito besta. Venha comigo. Aposto que você vai gostar.
Foram até um campo oficial, muito bonito.
- Não segure assim. – o espanhol posicionou-se atrás do namorado e colou nele. Deslizou suas mãos até as mãos do francês. – Segure assim. – disse com sensualidade.
- Kamus ?
-oooo-
- Kamus ? – o grego repetiu, tirando o investigador do transe.
- Já bateu ?
- Não. Estou esperando você falar. – deu uma pausa – O que você estava pensando ?
- Em nada.
- No seu ex- ? – perguntou se virando de frente para o investigador e ficando um tanto agressivo.
O francês não respondeu.
- Ele não gosta de você. Se gostasse não teria te abandon... – disse e imediatamente se arrependeu - Me desculpa. Não foi isso que eu quis dizer.
O Aquariano demorou a responder.
- Posicione-se – disse secamente - Vamos jogar. Com tanta conversa só vamos acabar os buracos amanhã. Segura firme, mire e bata na bolinha. – replicou saindo de perto do outro.
O grego ficou em silêncio. Sentiu-se desconfortável por ter chateado o outro. Não deveria ter feito isso. Estava para falar alguma coisa para se desculpar quando sua consciência o impediu. O policial estava carente, não estava ? Imediatamente sua mente criminosa elaborou um plano de sedução. "Acorda Milo. Você quer fugir, não quer ? Se é isso mesmo o que quer, seja esperto. Se o francesinho está chateado, tanto melhor. Assim é mais fácil ele cair nas suas garras" - refletiu.
O ladrão desistiu de pedir desculpas e se calou. Os dois continuaram a jogar e pouco menos de três horas depois terminaram o jogo. Kamus convidou o Escorpiniano para almoçarem por ali mesmo.
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Entraram no restaurante. Era um lugar muito bonito e evidentemente caro. Óbvio. Só havia gente com grana ali dentro. Apesar de bem mais difundido, que no passado, golfe ainda era um esporte dominantemente da elite.
À mesa o grego tentava imitar os gestos finos do outros. Já cometera a gafe de perguntar se não tinha guardanapo e o francês apontar um guardanapo de tecido dobrado elegantemente sobre o prato.
- Onde você colocou o guardanapo de pano ? – perguntou baixinho depois que o garçom serviu a salada e saiu.
- Ele deve ser colocado sobre a perna, um pouco abaixo da cintura, onde começa a bermuda. Assim também evita que você suje a roupa se cair algo.
Milo fez uma cara enjoada.
- Deve ser muito chato ser rico.
O Aquariano sorriu com o comentário.
- Você acaba acostumando.
- Você deveria sorrir mais vezes. O seu sorriso é lindo.
- Vai começar a me cantar ? – perguntou ficando um pouco sério.
- Sabe Kamus, está tudo errado no mundo. Não existe justiça. – disse ignorando a pergunta do outro.
- Como assim ?
- Se existisse mesmo justiça, a gente é quem deveria escolher por quem se apaixonar. – sua mente era um poço de idéias para seduzir o outro – E se fosse
assim, eu poderia dizer "Estou sozinho, o Kamus está sozinho. Vou me apaixonar por ele". Aí você decidiria a mesma coisa e seríamos felizes para sempre. Não seria perfeito ? – perguntou com o sorriso mais encantador do mundo.
- Seria perfeito se não fosse por um detalhe.
"Humm... Então você concorda que seria perfeito, hein francesinho ?" – pensou.
- Que detalhe ? – questionou curioso.
- Eu sou um policial e você um ladrão.
O grego ficou olhando para o Aquariano por algum tempo.
- Não entendi o problema. Por que um policial e um ladrão não poderiam se apaixonar ?
- Até poderiam, mas não deveriam. Seria perigoso para ambos. Já pensou você chegar na Clairvaux e dizer que está namorando um policial ? É capaz dos presos te servirem no jantar. – disse com seriedade.
O Escorpiniano começou a rir.
- Já estou até vendo. – o grego falou ainda rindo – Imagina só você em uma festa e todo mundo te perguntando "E o seu novo namorado, Kamus Cartelié, o que faz da vida ?" e você respondendo "É presidiário !"
Milo riu até chorar. O Aquariano não agüentou a piada e riu também.
- Mas você não ficaria atrás. Os guardas da Clairvaux morreriam de medo de você. – o francês replicou ainda sorrindo.
- Hummm... medo de mim ? – Milo ficou pensativo – Kamus, quer namorar comigo ?
Os dois trocaram sorrisos.
O Escorpiniano tomou um pouco do suco e colocou displicentemente a mão sobre a mesa, tocando a mão do investigador. O Aquariano sentiu um calor subindo por seu corpo e o grego um calor na barriga. Ficaram em silêncio, apenas trocando olhares. Isso era perigoso e o policial sabia bem o que era isso. Sentira isso quando trocava olhares com o ex- antes de começarem a namorar. Na época descobrira que estava APAIXONADO por Shura.
- Acho que não daria certo. – o francês falou retirando a mão de perto do outro – Mesmo que você "escolhesse" se apaixonar por mim, eu não poderia fazer o mesmo. Você ainda tem muito tempo de pena para cumprir.
- Qual é Kâ ? – perguntou sem que o policial percebesse que tinha usado um diminutivo para chamá-lo – São SÓ onze anos e oito meses. – o Aquariano sorriu com o "só" – Eu já cumpri um ano e cinco meses. Como meu crime não foi hediondo, consigo condicional depois de cumprir um terço da pena.
- Três anos e... onze... meses. – Kamus fez as contas.
- Só faltam dois anos e seis meses.
- É muito tempo, Milo.
- Ah, Kamus, fala sério. – levantou-se e deu uma voltinha – Não sou tão ruim assim. Até dou para o gasto, não é ? Não vale a pena esperar ?
O Aquariano arregalou os olhos pela coragem do outro se levantar e girar na frente de todo mundo.
- Ok, até dá para o gasto. – falou ainda sem-graça – Mas dois anos e meio ainda é muito tempo.
- Claro que não é. – replicou sorrindo.
- É, Milo. E você sabe que é.
O grego desmanchou o sorriso e adquiriu um ar triste. Sentou-se novamente.
- Tem razão. – falou com pesar – O Afrodite não conseguiu me esperar um ano e cinco meses, por que você me esperaria por dois anos e meio ? Não estou valendo tanto assim.
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Tudo bem, não esquenta. – olhou para o policial com os olhos marejados – Vou no banheiro rapidinho. – e se levantou.
Kamus foi atrás do outro. Apesar de tudo era um ladrão e não dava para facilitar. Entraram no banheiro e o preso se trancou em um dos sanitários.
- Está tudo bem ? – o policial perguntou.
- Quero ficar sozinho. – e fungou, fingindo que chorava.
O Aquariano encostou-se na parede e sentiu-se péssimo. Sentia mesmo atração pelo outro e não queria machucá-lo.
- Desculpa pelo que eu te disse. – pediu ao ladrão.
O grego não respondeu. Tinha seus próprios problemas. Seu coração estava pesado. Tinha dúvidas sobre seus sentimentos. Era óbvio que o francês fingia. Fingia que não gostava do presidiário, mas gostava. E o grego sabia disso. Kamus era duro nas palavras, mas um doce nas ações. Milo sorriu ao se lembrar do outro secando seus cabelos.
Agora o ladrão tinha um grande problema em suas mãos. Queria odiar o Aquariano, mas não conseguia. Sempre ouvira dizer que a distância que separa o ódio do amor é mais fina que um fio de cabelo. Será que era isso ? Tanto ódio estava se transformando em amor ? Os dois se tratavam como cão e gato. Será que estavam apaixonados ?
"NÃO POSSO ESTAR APAIXONADO PELO KAMUS. NÃO !" – respirou fundo para se controlar. Precisava esquecer tudo isso. Apaixonar-se pelo policial só significava uma coisa: cadeia.
Pensou melhor. Tinha que fazer uma escolha. Ou optava por sua liberdade ou por sua nova paixão. Não dava para ser burro. Escolheu a liberdade.
Saiu do sanitário e foi até a pia. Kamus desencostou da parede. Milo lavou as mãos e o rosto também. Tinha que continuar fingindo que estava chorando. Tinha que sensibilizar o outro. Tinha que ter o policial em suas mãos, para o grande momento: sua fuga.
O coração do Aquariano se incomodou. Não queria que o preso sofresse. Ainda abriu a boca para falar, mas a frase morreu em sua garganta. Sua consciência cruelmente o lembrou que deveria ignorar o que sentia. Por mais que fingisse que não, a verdade é que um abismo os separava. "Água e óleo" - pensou ao respirar fundo, lavar sua mão e sair do banheiro junto com o grego.
O investigador fechou seu coração. Não podia se envolver com o Escorpiniano. Brevemente seria candidato a Superintendente e um namorado presidiário ou ex-presidiário seria péssimo para sua carreira.
Voltaram para a mesa e o policial se sentou pacientemente. Milo tinha um ar muito abatido. O Aquariano lutava interiormente. Sua vontade era se levantar, abraçar o rapaz que fungava à sua frente e lhe dizer que tudo ficaria bem, mas pelo contrário, revestiu-se de toda sua frieza para perguntar se poderia pedir o prato principal. Como se nada tivesse acontecido.
O presidiário percebeu o olhar frio que o outro lhe dirigiu e apenas concordou com a cabeça, baixando o olhar em seguida. Essa atitude desmontou o investigador. O francês sentia-se péssimo por tratar o Escorpiniano daquele jeito.
"Isso mesmo francesinho. Caia no meu jogo. Mostre-se duro comigo. Eu vou fazer a minha parte e vou me tornar o humilhado. Quanto a você ? Só te resta se sentir o pior dos seres por me tratar assim". – refletiu para tentar esquecer a dúvida que pairava em sua mente.
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Os dois terminaram o almoço e entraram no carro. O policial o algemou.
- Kamus, eu queria ver "A Persistência da Memória" de Salvador Dali. Era o quadro que a minha mãe mais gostava. Será que seria pedir demais se a gente fosse até o Museu do Louvr...
- Não será possível. – disse secamente, cortando o outro – Primeiro o quadro está em exposição aqui em Paris, porém em outro museu. E nem adianta me pedir para ir a qualquer museu. Museu é um lugar muito movimentado. Ainda que você fosse algemado, chamaria a atenção desnecessariamente e seria difícil para te controlar.
- Claro. Desculpa. – disse sarcástico - Às vezes eu esqueço que sou apenas um ladrãozinho grego.
- É realmente uma pena. – disse inexpressivamente – Mas se você...
- Já sei, já sei. Se eu não tivesse cometido estes roubos... – disse cortando o francês - ...eu poderia ir até o museu como qualquer pessoa normal e ver o quadro que minha mãe mais gostava, não é ? – perguntou com os olhos enevoados – Caramba. Onde será que eu estava com a cabeça quando resolvi me tornar um ladrão ? – replicou com uma lágrima querendo descer – Imagine eu. EU pensando na saúde e na vida da minha mãe ? Que absurdo ! COMO um filho pode pensar assim, não é ? – replicou sarcástico – Concordo com você Kamus. É mesmo uma pena. É uma pena que eu saiba o significado da palavra amor. – limpou as lágrimas e virou-se para o outro lado. Poucos instantes depois começou a chorar.
- Eu... proponho uma troca. – disse afinal – Infelizmente não posso te levar no museu. De verdade. Tem muito fluxo de pessoas e você não poderia entrar lá algemado.
Como o Escorpiniano queria, o policial se penalizou.
- Ótimo. Quer que eu veja o quadro pela internet ? – perguntou irritado e secando as lágrimas.
- Não. Eu troco este passeio por outro.
- Qual ? – perguntou um pouco mais calmo.
- Você gosta de teatro ?
- Vamos visitar um teatro ?
- Não. Vamos a uma peça.
- Você está brincando. É sério ? - perguntou empolgado.
- Você quer ir ?
- CLARO que quero.
Os olhos do preso brilhavam de satisfação. Tanto falava na Clairvaux que era um ator, que estava se saindo muito bem. A idéia era mesmo ir a um lugar movimentado e se perder na multidão. "Obrigado Kamus. Estou a um passo da liberdade" – pensou.
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Apartamento do francês. Domingo à tarde.
Os dois foram até o apartamento do investigador. O grego estava na dúvida. Pensava que seus dias terminariam no domingo, mas pelo jeito Kamus só o levaria de volta para a Clairvaux na segunda. Tanto melhor. Era mais uma noite para tentar fugir.
Passaram a tarde em casa. Milo assistindo TV e Kamus trabalhando em seus outros casos.
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Teatro de Paris. Final da tarde de domingo.
O policial e o ladrão chegaram no belíssimo teatro pouco antes do início da peça e foram direto para o camarote. O lugar do grego era bem na frente e Kamus ficou praticamente colado no preso. A porta do camarote foi fechada. Milo não tinha como fugir. O jeito era aproveitar a apresentação.
A encenação de "Os Três Mosqueteiros" foi impecável. O criminoso realmente se divertiu e ficou atento durante todo o espetáculo. Sorriu algumas vezes para o investigador, afinal, tinha que se mostrar agradecido.
- Gostou ? – o policial perguntou ao final da peça.
- Está brincando ? Eu ADOREI. – deu uma pequena pausa – Obrigado, Kâ.
"Kâ ? Milo, não faz isso comigo. Não me trata assim" – pensou.
- Vamos jantar ? – o francês convidou.
-o-
Os dois foram a um restaurante com vista para a torre Eiffel. Obviamente o Aquariano escolheu um lugar de difícil acesso no piso superior. Se o grego tentasse fugir, teria muito trabalho para chegar até a saída. O Escorpiniano disfarçou bem a decepção.
- Nossa Kamus, hoje o dia está sendo maravilhoso. Com exceção da ida ao cemitério, claro.
O policial deu um leve sorriso. Sentia o peito pegando fogo e a barriga gelada. Era claro que não deveria, mas seus sentimentos estavam fugindo a seu controle. Sabia que estava se apaixonando.
- Com licença, senhores. – o garçom interrompeu - Gostariam de apreciar nossa carta de vinhos (6) ?
O Aquariano olhou a carta e pediu um vinho branco para combinar com o prato.
O grego observou como o francês era bonito. Não era apenas a bela roupa e nem o perfume caro que o tornavam desejável. Sabia que não deveria imaginar aquilo, mas não pôde evitar em querer que realmente pudesse namorar o policial. Há tempos sua mente estava lhe dizendo que sua flor preciosa, Afrodite, nunca o amara de verdade. O sueco SEMPRE disse que o amava, mas depois de encontrá-lo o presidiário sabia que isso nunca aconteceu de fato. E agora, aquele belo homem à sua frente lhe trazia novamente esperança. Será que realmente poderia ? Sorriu de leve.
O garçom chegou com o vinho. O criminoso observou o jeito do outro experimentar a bebida antes de permitir que o garçom servisse. Aquilo era completamente fora da sua realidade. O policial era bonito, inteligente, rico e educado. De riqueza e bons modos o Escorpiniano não tinha nada. Jamais faria parte daquele seleto mundo de pessoas que tem um carro só para o final de semana, jogam golfe, assistem a peças de teatro em camarotes, colocam guardanapos de tecido nas pernas e experimentam vinho antes de mandar servir. Seu mundo era completamente diferente. Seu mundo era o das pessoas que acordam cedo, trabalham em dois empregos, gastam dinheiro com bebidas baratas e se esfregam com gente da mesma laia.
O sorriso morreu nos lábios do moreno.
- O que foi ? – o francês perguntou – Você prefere outro vinho ? Gosta de algum em especial ?
Aquela pergunta machucou o larápio mais ainda. Não tinha conhecimento algum para rejeitar ou sugerir um vinho.
- Não. Este está bom. – respondeu baixinho – Eu... só estava pensando em outra coisa.
- No seu ex- ?
- Em você. – disse sinceramente.
O Aquariano pareceu se aborrecer com a resposta e ficou em silêncio o resto do jantar.
"Esquece Milo. Você é pobre e presidiário. O Kamus não é para você" – refletiu com tristeza – "Apenas continue com o seu joguinho. Conquiste o policial e quando conseguir, vá embora. Fuja. Você ainda tem o Van Gogh. Venda e volte para a Grécia. Aqui não é seu lugar. A França é para os franceses."
-oOo-
A caminho da delegacia...
- Kamus, antes de ir para a delegacia, a gente pode passar na sua casa ? Eu queria pegar a sopa que a Nicolle deixou para mim.
- Engraçado você querer sopa depois do jantar que você comeu. Até vinho você bebeu.
- Mas era comida boa e a comida da delegacia é muito gordurosa.
- Já estamos na rua da delegacia. Eu passo depois para deixar a sopa para você.
O francês não era bobo. Sabia que Milo queria dormir na sua casa e estava inventando tudo isso. Onde já se viu a comida da cadeia ser gordurosa ?
- Kamus, por favor, me deixa dormir na sua casa. Eu imploro. Viro seu escravo. Faço QUALQUER COISA que você quiser. Tudo o que você mandar. Por favor. – implorou.
Parou o carro em frente à delegacia e ficou firme para não deixar que sua mente imaginasse mil coisas que gostaria que o grego fizesse.
- E se como seu mestre eu te mandar dormir aqui ?
- Ok. Eu já entendi. Você vai dormir com alguém não é ? Foi mal.
- Eu não vou dormir com ninguém. – respondeu imediatamente.
"Nossa policial, que pressa em me dizer que estará disponível" – pensou achando graça.
- Então me leva para a sua casa. Por favor. – suplicou.
- Milo, o que tanto você viu na minha casa ?
- Sua cama.
- Esquece. Você não vai dormir na minha cama.
- Então na cama da Nicolle ? Por favor. – implorou - Eu já cansei de dormir no cimento duro e amanhã é meu último dia. Depois eu vou para a Clairvaux e você vai se livrar de mim para sempre. – deu uma pausa para o outro se convencer – Eu juro que vou me comportar.
"Não, Kamus, não ceda." – sua mente interveio – "Ele é um criminoso e você sabe que os criminosos são imprevisíveis".
- Por favor, Kâ. – suplicou.
"Kâ" o francês pensou. O jeitinho doce do Escorpiniano fez a parede de distância desmoronar. Que mal havia ? O grego já havia ficado em sua casa por duas noites e não teve problema algum, a não ser pela vez em que o ladrão queria tocá-lo. Mas querer tocar o Aquariano não era crime, ou era ? Respirou fundo. "Não. Querer me tocar não é crime" - respondeu a si mesmo.
- Ok Milo. Vou ceder desta vez.
- OBA !
"Kamus, você ainda vai se arrepender amargamente" - sua mente o alertou.
-oOo-
No apartamento do francês...
- Você vai dormir agora ? – o Aquariano perguntou.
- Por quê ? O que você vai fazer ?
- Tenho que trabalhar em outros casos.
- Eu posso te ajudar.
- Melhor não.
- Me conta como são os casos. Explicando para mim você pode pegar algum detalhe que deixou escapar.
- Eu agradeço, mas não posso te revelar nada. – deu uma pausa – Por quê você não assiste um pouco de TV ? Eu fico lendo os documentos na sala e você usa o fone de ouvido para não fazer barulho.
- Ok.
-o-
Quando o Aquariano se deu conta, já era uma da manhã. Estava sentado na mesa de jantar, que dava de frente para a sala de estar. Era só levantar os olhos que enxergava o grego. Detectaria qualquer movimento suspeito em questão de instantes, mas há algum tempo ele não se mexia.
Kamus se levantou e andou sem fazer barulho até a sala. O preso estava dormindo sentado.
- Milo ?
- Oi ? – respondeu acordando.
- Acho que é hora de ir para a cama, não ? – o francês perguntou.
- Hum, hum. – respondeu esfregando os olhos e com cara de sono – Podemos ir para a sua cama ? – pediu infantilmente.
- Não, não podemos, mas vou te colocar em uma cama muito boa.
- Tem pena de ganso também ?
- Não.
- Então não vou gostar.
- Prefere dormir na delegacia ?
- Fico com a cama.
-o-
O grego saiu da suíte do quarto de hóspedes e se deitou na grande cama de casal.
- Kamus, obrigado por hoje. Nem sei como eu poderia te agradecer. Ah ! Acabei de me lembrar que eu me ofereci para ser seu escravo. O que você quer que eu faça ? Pode pedir QUALQUER COISA. – disse lentamente, se descobrindo e dando um sorriso arrebatador.
"KAMUS !" – o francês repreendeu a si próprio pelos inúmeros pensamentos maliciosos.
- Quero suas mãos. – pediu ao Escorpiniano.
- Humm... – disse sedutoramente e se sentou – E o que você quer que eu faça com elas ?
O policial resistiu bravamente para não falar nada que o fizesse se arrepender depois. Apenas mostrou um par de algemas.
- Quero suas mãos para colocar as algemas.
- Kamus, por favor, – suplicou com um certo ar de decepção com a utilidade que suas mãos teriam – me deixa dormir ser algemas ? O machucado já está fechado. É só para não cortar de novo.
- Milo...
- Última noite, Kamus. Amanhã eu volto para a Clairvaux e não te encho mais o saco.
- Você não vai voltar para a Clairvaux amanhã.
- Como é ? – perguntou surpreso.
- Milo, eu até poderia de te deixar sem algemas, - comentou sem se preocupar em responder sobre a volta do outro para a cadeia - mas para isso eu precisaria confiar em você.
- Kamus, não sou homem-aranha para escalar o prédio, não sei a senha que abre a porta – mentiu - e nem tenho a chave cartão para colocar na fechadura.
O francês ficou mudo.
- Vai Kâ – disse amorosamente - te dou minha palavra. Pode não valer nada, mas é tudo o que eu tenho. Não vou fugir. Eu juro. – e bocejou em seguida.
- Ok. – bocejou também – Vou te dar um crédito. Não me decepcione. – e apagou a luz.
- Kamus ?
- O que é ?
- Quando eu vou voltar para a Clairvaux ?
- Amanhã a gente fala sobre isso.
- Ok. Então boa noite. – disse bocejando.
– Boa noite. – respondeu - Mon Ange. – o investigador completou baixinho e respirou fundo por conseguir se manter firme e não ceder aos encantos do outro.
-o-
Milo acordou antes do policial. Abriu a varanda do quarto e analisou as possibilidades. Seria difícil descer por ali. Foi até a sala e entrou no terraço. Com certeza escalar este lado seria pior. Suspirou e voltou para a sala. Alguns pensamentos corroeram sua mente. Tinha sua grande chance. Só precisava aproveitar.
O Escorpiniano foi até a cozinha e escolheu uma grande faca afiada. Entrou no quarto do francês silenciosamente e girou um pouco o botão da luz. Kamus dormia tranqüilamente. O grego sabia que a arma estava debaixo do travesseiro do outro. Tinha que ser cuidadoso ou não conseguiria matar o policial e ainda levaria um tiro.
Não conseguira dormir direito. Acordou por várias vezes pensando se deveria ou não matar o francês. Se tivesse seduzido o outro não precisaria matá-lo, mas infelizmente não conseguiu. Kamus não o aceitou como escravo.
O Aquariano se mexeu e virou para o outro lado, ficando de costas para o ladrão.
"Fácil demais. Está oferecendo o coração para mim, Branca de Neve ? Não sou o caçador (7) da história, mas vou arrancar esta pedra que você tem dentro do peito e colocar em uma bandeja." – pensou levantando a faca e segurando-a com firmeza. Ia enfiá-la de uma vez no coração do francês, mas desistiu. Não. Não conseguiria fazer aquilo.
Observou o corpo que se movia suavemente à sua frente. Apesar das divergências que tinha com o policial, sentia-se atraído por ele. Talvez pelo fato do Aquariano ser tão contraditório, sendo duro nas palavras, mas tratando-o tão carinhosamente.
Aproximou-se um pouco mais. Teve vontade de tocá-lo e beijá-lo. Beijar seu rosto, seu pescoço, seus lábios... Mas antes que se movesse para fazer isso, a imagem do francês degustando o vinho antes de mandar servir veio em sua mente. "Mundos diferentes" - refletiu com pesar.
Apagou a luz completamente e saiu do quarto em silêncio.
Foi até a cozinha, cortou um pedaço de bolo e cobriu com uma generosa quantia de cobertura. Foi até a sala, abriu a porta da varanda e recebeu novamente o ar da manhã. Sentou-se em uma das cadeiras que ficava lá fora e ficou admirando a vista que tinha de uma pequena parte da cidade.
- Quando não te vi no quarto pensei que você tinha fugido. – Kamus falou entrando na varanda e se sentando na outra cadeira.
- Infelizmente eu fiz uma promessa para um policial e não podia fugir. – respondeu com um sorriso doce.
O Aquariano sorriu levemente em resposta. Seu coração começou a bater mais rápido e o investigador se perdeu na beleza dos olhos azuis do grego. Sorriu mais ainda. Kamus sentiu seu coração aquecer e desejou que este momento durasse eternamente. Porém, como um balde de água fria, sua mente o recordou que eram lei e crime, água e óleo. Voltou a ficar sério. Seus olhos caíram sobre o prato de bolo.
- Se ontem você estava ruim do estômago e queria comer sopa na cadeia, por que comeu o bolo com cobertura ?
- Quem disse que eu queria comer sopa ? – replicou sorrindo.
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Próximo Capítulo – Shura passa a manhã na sala do Aquariano e tanto Aioros quanto Milo ficam enciumados. Uma descoberta relacionada a um dos crimes gera uma grande reviravolta na investigação. Aioros arma a maior confusão no coquetel da empresa por causa do francês. O Escorpiniano fica irritado com o investigador e toma uma decisão drástica. Kamus chama três suspeitos em potencial para depor.
ATENÇÃO: O próximo capítulo contém material erótico - verifique a indicação de permissão de idade do site antes de prosseguir...
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Notas da autora – Explicações
( 1 ) Lê-se "Ai Pod". Trata-se de um computador de bolso da Apple Computer. De dimensões de um celular magrinho, o aparelho pode armazenar dados, som e imagem. Alguns armazenam mais de 20 mil músicas. Outros até reproduzem filmes.
( 2 ) Jogo de cartas cujo objetivo é fazer o maior número de vazas. Cada vaza é igual a 15 pontos que é obtido com a combinação dos valores das cartas.
( 3 ) Cemitério da Paz . Esse cemitério é fictício.
( 4 ) Vi este comentário em um fórum do Saint Seiya Dreams, mas não me lembro a fonte. Caso alguém conheça a garota que deu esta informação, por favor avise para que eu dê os devidos créditos. Obrigada .
( 5 ) Pino, de plástico ou madeira, que sustenta a bolinha para que o jogador de golfe faça sua tacada.
( 6 ) Menu de vinhos
( 7 ) O caçador na história da Branca de Neve deveria arrancar o coração da menina e trazer para a madrasta.
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Notas da autora – Agradecimentos
Gentem, fiquei muito feliz com as reviews. Espero por mais. Milhões de beijos a todos que acompanham, principalmente a quem escreveu: Ilia; Litha-Chan; Ophiuchus no Shaina; Srta. Nina ; XxLininhaxX; Guilherme; Margarida; Cardosinha; Anjo Setsuna; Elfa; Volpi; Nana Pizani; Perséfone-San; Ana Paula; Xonikax Hiwatari
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Nota da autora – contato
Podem me contatar, brigar, criticar (fiquem à vontade), reclamar, dar dicas ou só escrever para bater papo no erika(ponto)patty(arroba)gmail(ponto)com ou via review neste site. Prometo que respondo todos os e-mails e reviews.
Bela Patty .
- Fevereiro / 2006 –
