A/N: Esse capítulo contém linguagem chula (mas nada de mais, apenas um xingamentozinho e dirigido a uma pessoa que tenho certeza que a maioria gostar) e cenas de quase lemon. Se você se sente ofendido (a) com esse tipo de material, por favor, não leia.
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Cap. 4 – A carta de Atena
Os dois dias que se seguiram ao quase jantar de Milo e Camus foram normais. Isto é, normais levando-se em conta a "variável Santuário". Ou seja, nesse dois dias houve brigas entre Máscara da Morte e Afrodite, já que o último não querida desgrudar do primeiro; discussões calorosas entre Marin e Aiolia; surtos do Saga que teimava em rir à la "Saga mau", assustando os pobres Mu e Shaka, que corriam sempre em disparada pra tentar proteger Atena; algumas confusões dos cavaleiros de bronze; Shura estourando seu violão de estimação na cabeça de Aiolia pois Leão teimava em tentar se reconciliar com a amazona de Águia fazendo serenatas que acabavam com as noites de sono de meio Santuário; entre outras peripécias.
Quanto a Milo e Camus, após o quase jantar não mais se falaram. Trocavam cumprimentos calados, apenas gestos com a cabeça ou um leve abrir e fechar de olhos. Escorpião ora maldizia-se por não ter tido paciência com Aquário, ora maldizia o outro por não ter tido paciência com ele. O turbilhão de sentimentos paradoxais prestes a levar o grego à loucura. Camus fingia indiferença (muito bem, diga-se de passagem), mas em seu íntimo pegava-se pensando em Milo, no que o jovem estaria fazendo, e porque afinal eles haviam brigado.
Naquele dia acordaram todos muito cedo, o barulho no Santuário estava ensurdecedor. Os preparativos para a festa de fim de ano de Saori, que seria no dia seguinte, tomavam um ritmo cada vez maior. Os de bronze carregavam pesados enfeites de um lado pro outro, faziam faxina no salão do Grande Mestre, uma algazarra sem tamanho. Eventualmente Seiya reclamava de excesso de trabalho e tomava tapas na nuca (o famoso "pedala") dos outros, pois aparentemente Pégasus havia se oferecido (e arrastado seus amigos) para auxiliar Saori nos preparativos, a fim de ajudar (leia-se: exibir-se para) a garota.
Enfim, tudo ia maravilhosamente bem no Santuário, se descontarmos o temperamento arredio de Milo e a sisudez mais acentuada do que nunca de Camus.
Na oitava casa do zodíaco, um certo grego acordou extremamente bem humorado. – Raios, maldita bateção, maldito barulho! – gritou e correu em direção à barulheira que o acordara. Atingiu a entrada de sua casa a ponto de ver Seiya rolando escada abaixo com uma grande estrutura de metal que parecia ser uma estátua de Atena. Atrás de Seiya, corriam Shiryu, Hyoga, Ikki e Shun, tentando salvar o amigo. – Por Zeus, Seiya, até quando a gente vai ter de te salvar pra você se dar bem no último minuto? – berrou Ikki, cumprimentando Milo com a cabeça ao passar pelo atordoado cavaleiro de ouro. Milo não pôde deixar de dar razão a Ikki.
Escorpião correu para sua casa e pegou um binóculo, tinha que ver como aquilo ia acabar. Olhou para baixo através da ferramenta e pôde perceber que Pégasus se espatifara com o nada na porta da casa do Máscara da Morte, no que foi seguido pelos outros cavaleiros de bronze, que igualmente se espatifaram. Ninguém entendeu nada até que deram de cara com Mu, que voltava da casa de Shaka a pé (estava com vontade de caminhar, por isso não usara o teletransporte) e aplicara seu parede de cristal a fim de salvar o dia. Do alto de sua casa, Escorpião ria com gosto, exibindo seu riso alegre e despojado pela primeira vez naqueles dois dias. "Ah, esses moleques...", pensou e olhou para baixo. Foi quando notou um papel, uma espécie de carta, que aparentemente tinha sido colocado embaixo de sua porta. Tomou o papel com as mãos e viu nele o símbolo de Atena.
– Ai, Zeus, o que essa pirralha inventou dessa vez? – Milo pensou alto e começou a ler. Conforme lia, empalideceu. Suas pernas chegaram a bambear. Saiu correndo dali, sem se trocar ou mesmo escovar os dentes.Seu destino: a quinta casa.
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Escorpião entrou ventando na casa de Aiolia, passando pela sala e escancarando a porta do quarto, entrando sem pensar duas vezes, acordando o casal que aparentemente tivera uma noite excelente, levando-se em consideração os cacos dos objetos de porcelana no chão e as roupas atiradas pela casa inteira.
– Aiolia, acorda AGORA! – Milo berrou.
Aiolia deu um pulo, assustadíssimo, e ficou em pé, posição de ataque, cosmo elevado. E nu. Olhou para Milo com uma expressão abobalhada, gritando em seguida todos os xingamentos que conhecia. Marin, assustada, cobrira-se com o lençol, evitando que o cavaleiro de Escorpião visse seu rosto.
– Milo, sua desgraça ambulante! Como você entra aqui desse jeito, homem? E se visse o rosto de Marin? Ela ia ter que te matar, já pensou nisso? – Aiolia disse, puxando os lençóis cuidadosamente a fim de evitar que Milo visse o rosto de Marin e recolocando a máscara na namorada.
– Ou então ela iria me amar por toda a eternidade e matar você, bundão! – retrucou Milo. – Aliás, bundão mesmo! Dá pra vestir uma roupa, Aiolia, ou é pedir demais?
– Olha, Milo, só não te dou um cápsula do poder agora porque apesar de tudo eu te considero pra caramba, viu, venenoso? – Aiolia disse e foi se vestindo, empurrando Milo para a sala, a fim de deixar Marin sossegada. Ao chegar no cômodo desejado, Leão deu um "pedala" no amigo. – Tudo isso pra ver minha namorada pelada, é, seu pervertido? – no fundo Aiolia sentia-se muito feliz, afinal fazia muito tempo que Milo não agia desse jeito tão impulsivo, louco... desse jeito tão... Milo!
O Escorpião não conseguiu evitar um sorriso, mas então se lembrou do motivo de ter feito tudo aquilo e sua expressão se tornou séria. Sem falar nada, somente fez um sinal para Aiolia esperar e foi até a entrada da casa do amigo. Encontrou um papel nos mesmos moldes daquele que encontrara em sua casa e deu para Aiolia ler. Ao terminar a leitura, o Leão estava pálido e sua cabeça rodava. Deixou-se cair no sofá. – Mas era só essa que faltava, Milo. – disse Aiolia para o amigo, os ombros curvados como quem carregava o mundo nas costas. – Onde isso vai parar, Zeus? E agora? Pra quem a gente recorre?
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Áries chegou em sua casa rindo. Tinha estrupiado com os cavaleiros de bronze, e estranhamente sentia-se feliz por isso. Não era do feitio do cavaleiro desejar ou fazer o mau pra ninguém, mas que esses moleques estavam extrapolando, lá isso estavam. Principalmente depois que resolveram colocar um banner no jardim em que se lia, em letras garrafais, a seguinte frase: Escada portátil, 150 euros. Binóculo, 200 euros. Ver o Mu e o Shaka transando na Casa de Virgem: não tem preço. Há certas coisas na vida que não se pode comprar. Para todas as outras, venha passar um tempo com os cavaleiros de ouro!
"Ainda por cima são burros, os coitados. Como fazem isso e deixam assim, explícito, que foram eles?", o lemuriano pensara na ocasião. Do que ele nem desconfiava era que o banner em questão era uma tramóia das mentes de Shura, Aldebaran e Aiolia, e que os garotos não tinham absolutamente nada a ver com aquilo. Para todos os efeitos, no entanto, tinham sido os de bronze os causadores da confusão. Eventualmente os garotos confessaram que tinham sido eles os autores da brincadeira, pois Shura prometera usar a Excalibur num lugar nada agradável caso não o fizessem. Mas essa informação Mu nunca obteve.
Abriu a porta de casa ávido para tomar um banho e descansar da intensa noite que tivera com o namorado. Ao entrar em casa, entretanto, deparou-se com um papel no chão, que muito se assemelhava a uma carta. Viu que o papel tinha o símbolo de Atena e preocupou-se. "Ora essa, o que quer o bolo de noiva, agora?", pensou ao abaixar-se. Não chegou a pegar o papel nas mãos, foi atropelado por dois gregos que viram a porta aberta e entraram gritando "Mu! Mu!" Não viram que Áries estava abaixado e levaram o tropeção do século.
– Por Atena! Respeitem a casa dos outros! – Mu gritou, mas o grito saiu abafado devido aos corpos de Aiolia e Milo em cima de si. Empurrou os dois telecineticamente, os quais foram parar na parede do outro lado da sala. Muito calmamente, o ariano lançou-lhes um olhar de desdém e finalmente perguntou. – Onde é o incêndio?
Milo e Aiolia entreolharam-se. Escorpião cochichou no ouvido do amigo: – Imagina se ele e Shaka resolvem discutir? Ia ser a hecatombe! – A essa frase, Leão simplesmente balançou a cabeça em sinal de concordância. Os dois gregos então se levantaram e correram para acudir Mu. Este estava cambaleando, pálido, e segurava o papel de Atena entre as mãos. Áries olhou para os amigos, fitando-os bem dentro dos olhos. – O que fizemos pra merecer isso? – perguntou o defensor da primeira casa, visivelmente consternado.
Cinco minutos depois, Shaka entrou correndo pela casa do namorado. Viu Aiolia e Milo abanando o lemuriano. – O que aconteceu? Vim assim que percebi a mudança em seu cosmo, meu amor! – disse Shaka, correndo para abraçar o namorado. O cavaleiro de Virgem segurava um papel timbrado com o símbolo de Atena nas mãos e, a julgar pela sua serenidade, ainda não o lera. Os gregos trocaram um olhar cúmplice, e forçaram Virgem a se sentar ao lado de Mu. Aiolia foi até a cozinha e pegou dois copos d'água com açúcar, dando um para Mu, que sorveu o conteúdo numa golada só. Shaka olhava para os amigos sem entender absolutamente nada, até que Milo lhe disse para ler a carta de Atena. Shaka resolveu obedecer à ordem do Escorpião.
Meus adorados cavaleiros,
Minhas adoradas amazonas,
Venho, por meio desta, fazer-me ouvir por vocês.
Eu, a deusa Atena, reencarnada em Saori Kido,
tendo em vista recentes acontecimentos
que causaram confusões acima do normalem meu Santuário,
proíbo terminantemente
o envolvimento amoroso de qualquer tipo entre
vocês.
Entendo que a convivência entre vocês,
meus adorados,
acabe causando esse tipo de sentimento,
mas não aceitarei nenhum tipo de reclamação.
A decisão está tomada.
Quem desobedecê-la será expulso do Santuário.
Atenciosamente,
Saori Kido
(a.k.a. Deusa Atena)
PS – Não se esqueçam da festa amanhã.
Quem não comparecer será exemplarmente punido.
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Uma hora após o acontecido na casa de Áries, todos os cavaleiros de ouro, alguns de prata e cinco dos cavaleiros de bronze reuniram-se na casa de Mu, por ser a mais distante do Salão do Grande Mestre. Faziam isso para evitar Atena. Surpreendentemente, até Camus estava na reunião, o que deixou Milo confuso e esperançoso ao mesmo tempo. Camus, por sua vez, tinha tido reação parecida à de Milo ao ler a carta de Atena, e logicamente não entendia o porquê. O francês era muito inteligente, mas estava se provando quase tão burro quanto Seiya, ao menos para questões do coração.
Sentaram-se todos os que estavam ali em círculo, na sala de estar da casa de Áries. Alguns tinham cadeiras, outros sofás e pufes, e os mais atrasados sentaram-se no chão mesmo. Afrodite, abanando-se descontroladamente, é o primeiro a se pronunciar.
– Bom, muito bom, estamos todos aqui – disse, olhando para todos e contando mentalmente as convocações que ajudara a fazer. – Até o cubo de gelo – continuou a falar, olhando surpreso para Camus. Este nem se mexeu. – Cruzes, está aqui mas continua gelado como sempre, creeeeedo!
– Nós viemos aqui pra discutir a proibição estapafúrdia de Atena ou pra elocubrar sobre meu humor, Peixes? – Camus indagou, a voz pausada e gelada de sempre, mas a feição um pouco mais fechada do que o comum. Em seu íntimo, o francês voltou seus pensamentos às reuniões mensais com Saori, em que todos os assuntos eram desviados e o que deveria durar uma hora, duas no máximo, estendia-se às vezes por seis longas horas. Tudo o que não queria era que aquela reunião, muito mais importante do que as outras, tornasse-se uma zona, como era de praxe numa reunião desse porte.
– Ok, já entendi, Sr. Cubo de Gelo, direto ao assunto, certo? Até porque eu não quero de jeito nenhum acabar meus dias congelando esse lindo corpinho num esquife de gelo, meu Zeus! – ponderou Afrodite, jogando a cabeça para trás, as pontas dos cabelos azuis roçando o nariz de Máscara da Morte.
"Ai, Atena, até nessa situação o viado vem me provocar, eu não mereço...", pensou o defensor da casa de Câncer, afastando-se dali e sentando-se próximo a Camus. "Ao menos aqui estou seguro!" Mas já não era segredo pra ninguém que o canceriano havia provado da rosa de Peixes... e tinha gostado.
– Enfim – prosseguiu Afrodite – alguém tem alguma idéia de como resolver esse pe-pi-no? – perguntou com as mãos na cintura.
A essa pergunta seguiu-se uma verdadeira bagunça. Todos falavam ao mesmo tempo e na maioria das vezes coisas sem nexo. Aldebaran queria por todo o jeito fazer um abaixo assinado contra a decisão de Atena. Shura sugeria que dessem um jeito de embebedar Saori fazendo-na assinar um papel em branco, em que posteriormente seria escrita, por eles, uma lei autorizando o namoro entre os cavaleiros.
– Ah, pede pro Milo, pro Aiolia e pro Máscara, eles são bons no quesito bebida! – Marin gritou e todos gargalharam. – Que idéia mais idiota, né, Shura?
E a discussão continuava. Ao fundo ouvia-se Saga sugerir, insistentemente, que simplesmente matassem Saori e colocassem-no no lugar da deusa. Nem é preciso dizer que essa sugestão causou algum incômodo na maioria dos presentes. Shun, que já estava chorando quietinho desde o início da reunião, resolveu abrir o berreiro e procurar por Ikki, que fugiu correndo e sentou-se do outro lado de Camus. Sem o apoio de seu irmão mais velho, recorreu a Hyoga. Camus quase caiu da cadeira ao ver que os dois se acariciavam de forma pra lá de suspeita, e que mesmo Hyoga chorava baixinho. "Mas como, meu Zeus, até esses dois?", o francês pensou. Olhou em volta, toda aquela bagunça! Mu e Shaka, em quem depositava tanta esperança, ainda fitavam o nada com os olhos estatelados, como se tivessem visto os exércitos de Hades a ponto de invadir o Santuário. "Não, se este fosse o caso os dois estariam é em posição de luta e mais alertas do que nunca!", Aquário murmurou para si mesmo. Todos ainda gritavam ao mesmo tempo: Afrodite e Misty se descabelando, Aiolia e Marin brigando por conta da idéia do Shura de embebedar Saori, Saga rindo maleficamente falando em dominar o mundo, Aldebaran recolhendo assinaturas. O cenário era simplesmente desolador. O único que nada dizia era Milo, optando por permanecer calado num canto, como quem estivesse se acostumando com a lei absurda.
Toda aquela confusão estava tirando Camus do sério! O francês, então, dirigiu-se para o meio da sala, não sem antes se desvencilhar de Ikki e Máscara da Morte, que se sentiam protegidos a seu lado. Limpou a garganta e gritou, com toda a força de seus pulmões:
– CALEM-SE, TODOS VOCÊS! – e colocou-se em posição do esquife de gelo.
Nesse momento, o burburinho cessou, a não ser por uma frase.
– ... pedir pro Aquário ali congelar a bacurinha dela e o problema tá solucionado! – Seiya cochichava para Shiryu. Entretanto, a frase soou alta e clara, pois a balbúrdia de todos falando ao mesmo tempo foi interrompida por Camus.
Camus ficou ali, parado, em posição de ataque. Seu rosto vermelho, num misto de raiva e vergonha. Todos pararam, respiração suspensa, o medo e a tensão no ar. – Esquife de ge-- – Camus começou a gritar mas foi interrompido: Milo colocara-se entre o francês e Seiya. O aquariano, mais que depressa, interrompeu o golpe, embora seu cosmo permanecesse elevado. Milo fitou Camus no fundo dos olhos, e sorriu para ele. – Shiiiiish, Camus, calma, querido. É apenas uma criança – disse o grego, sorrindo – e ainda por cima uma criança burra, burra... deixa estar.
O defensor da décima-primeira casa baixou o cosmo e deixou-se abraçar por Milo. "Zeus, o que tem esse homem pra me desarmar assim?", pensou o aquariano, afundando-se ainda mais no outro. Sentiu o perfume de Milo, a textura de sua pele, o cheiro de orvalho em seus cabelos, o hálito quente da boca do outro em sua orelha. Teve ímpetos de beijá-lo ali mesmo, pedi-lo em casamento, mandar Atena às favas e ir viver em Paris com seu amado. "Meu amado...", pensou Camus. "Então é isso? Eu estou apaixonado pelo Escorpião? Mas não pode ser!", o francês fechou e abriu os olhos repetidamente, caindo finalmente em si. Assustado, desvencilhou-se do outro, apressadamente.
Milo olhava para ele com uma feição marota, como quem tivesse entendido tudo. O grego sentira-se fascinado pelo abraço, pelo contato do corpo que tanto desejava. Pôde sentir a respiração do amigo ofegar, e os dois corações acelerarem quando da proximidade dos corpos. Quis beijá-lo ali mesmo e mandar Atena para um lugar não muito agradável, mas o outro desvencilhou-se dele. "Tarde demais!", pensou o Escorpião. "Agora você percebeu, e eu sei disso...", murmurou para si jogando a cabeça para trás e lambendo os lábios, gestos que deixavam Camus maluco.
Seiya respirou aliviado, e Shun teve oportunidade para correr e pular nos braços de Ikki, que olhava para Máscara da Morte como que pedindo socorro. Máscara retribuía o mesmo olhar para Fênix, visto que Afrodite tinha corrido para sentar em seu colo e chorava baixinho. Hyoga e Shiryu balançavam a cabeça em sinal de desalento, e os outros não esboçavam nenhum tipo de reação.
– O amor é lindo e eu sei – afirmou Aiolia – mas os dois aí no meio querem parar de namorar, afinal temos coisas importantes pra fazer aqui? – continuou, sua voz um pouco alterada, referindo-se ao grego e ao francês que se olhavam como que hipnotizados um pelo outro, no meio da sala da casa de Mu.
Milo olhou para Aiolia como se fosse matá-lo com o olhar, e sua unha do dedo indicador tornou-se ameaçadoramente vermelha. Este encolheu-se atrás de Marin, e foi a vez de Camus sussurrar baixinho para o Escorpião: – Shiiiiis, calma, Milo... não é uma criança, mas é como se fosse uma... e também não é das mais inteligentes, não... – disse o francês no ouvido de Milo, arrepiando até o último fio de cabelo do amigo. Milo riu uma gargalhada sincera, entendendo que haviam feito as pazes. E que ali havia a promessa do início de algo simplesmente maravilhoso. Numa fração de segundos, imaginou-se na cama de Camus, trocando juras de amor eterno com o aquariano. Infelizmente, porém, a lembrança da carta de Saori pairou sobre ele, e seu semblante, que havia se iluminado de felicidade, fechou de repente. Fitou Camus, o desespero estampado em seus olhos. O francês pousou a mão direita no ombro do amigo, transmitindo-lhe calma. O Escorpião acalmou-se e foi se sentar, entendendo que Camus tinha algo importante a falar.
– Hã, mesmo correndo o risco de passar a eternidade num esquife de gelo – afirmou Aldebaran, sentindo-se gelado por antecipação – vou arriscar. Camus, algo me diz que você tem um plano...
O aquariano virou-se para encarar o taurino, e seus olhos brilhavam quase euforicamente, algo um tanto quanto incomum para o francês. Mas então Camus não vinha fazendo coisas totalmente fora do comum nesses dois meses? "Ah, que minha sisudez e racionalidade vão pra Hades que as carregue...", pensou Camus e sorriu para Aldebaran. O brasileiro quase caiu pra trás. "Desde quando esse homem sorri, Zeus?", pensou e foi se sentar.
– Sim, Aldebaran, tenho um plano sim... – ponderou Camus – e é algo extremamente simples e racional. E sendo assim, é óbvio que vocês não pensaram nisso antes... – o francês continuou, antecipando-se ao que seriam os comentários gerais. Olhou de soslaio para Milo, que fitava-o com um olhar que era um misto de desejo e admiração, a boca entreaberta revelando uma língua ávida passeando pelos lábios, uma visão sensual, de fazer qualquer um, até mesmo Camus, perder a cabeça. Olhou para o grego durante alguns segundos, como que magnetizado. Em seguida, lembrou-se do que estava fazendo ali, balançou a cabeça e virou para o outro lado, a fim de não desviar sua atenção com Milo. Escorpião riu baixinho, seu espírito se enchendo da mais pura felicidade.
– A coisa é toda muito simples, mes cheris (1) – pontuou o francês, tomando fôlego – pelo que eu saiba, a nossa deusa --
– Habla derecho, Camus! Aquela vaca, você quer dizer... – interrompeu Shura, e todos se seguraram nas cadeiras, já sentindo o pó de diamante. Camus simplesmente olhou para o espanhol de canto de olho.
– Tem razão, Shura. – continuou – pelo que eu saiba, a vaca que atende pelo nome de Saori Kido, Atena reencarnada ...
Não conseguiu continuar. Todos riram com gosto ao ver o sempre sério e formal aquariano dizer aquelas palavras. Hyoga murmurou algo sobre seu mestre estar mudado, e Saga sussurrou no ouvido de Milo que não imaginava que ele e Camus estavam "se pegando". A resposta do escorpiano foi um sonoro "pedala", e Saga saiu do lado do outro esfregando a nuca.
Camus esperou toda a balbúrdia passar, maldizendo toda e qualquer reunião. "Coisa inútil!", pensou, antes de prosseguir. – Pois bem, a vaca da Atena, o bolo de noiva bufante, a adolescente mimada que chamamos de deusa, tem uma quedinha pelo Pégasus ali... e tinha que ser por ele, logo o mais burro dos cavaleiros! – afirmou, fazendo um gesto de desdém com as mãos.
– Ah, Camus, tem razão – disse Afrodite, soltando um gritinho e saindo correndo do colo de Máscara da Morte, aproximando-se do aquariano. Tascou-lhe um beijo no rosto, deixando Camus visivelmente constrangido e Máscara da Morte surpreendentemente com vontade de assassinar o francês. Isso sem contar com Milo, que quase pulou da cadeira e esbofeteou o pobre Peixes.
– Claaaaaaro, Cami! – Afrodite já dera um de seus carinhosos apelidos ao novo amigo, fazendo Camus corar e olhar para o chão, balançando a cabeça negativamente. Milo riu com gosto, pensando em como seu francês era sensual quando ficava sem graça. – É só pedirmos ao Pégasus ali pra pegar a deusa (isto é, a vaca) de jeito... aí ela não vai ter como reclamar se nós namorarmos entre a gente... – completou Peixes, batendo palmas.
– Concordo – disse Shaka, manifestando-se pela primeira vez, ele e Mu saindo do estado catatônico em que se encontravam. – Entretanto, acho que Mu e eu deveríamos tentar argumentar com a Saori (perdão, com a vaca) antes de qualquer outra tentativa...
– Shaka tem razão – completou Mu – devemos tentar o diálogo antes de tomarmos essa medida tão extrema...
Todos concordaram e a reunião acabou. Os cavaleiros todos dirigiram-se às suas casas ou às casas em que se encontravam hospedados, no caso dos de bronze. Exceto por Seiya, que permaneceu na casa de Áries.
– Por que ninguém perguntou minha opinião, Zeus? – perguntou, a cara de bobo de praxe demonstrando certa apreensão.
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Milo tomou o caminho da casa de Escorpião junto a todos os cavaleiros. Abraçado a Shura, cantava uma música espanhola que o capricorniano adorava entoar nas festas, acompanhado de seu violão. Senhorina, de donde vienes? Que te quiero conocer! Eh, lá, lá, lá, lá, eh! (2) Aldebaran aproveitou-se da situação para fazer graça.
– Ah, Shura, vai me dizer que não se arrepende de ter quebrado o violão na cabeça do Oria? – perguntou Touro.
– Yo? De forma alguma, amigo! Eu sou é um herói, salvei as noites de sono do Santuário! Olé! – respondeu o espanhol, continuando a cantarolar. Senhorina, de donde vienes? Que te quiero conocer! Eh, lá, lá, lá, lá, eh!
– Fica tranqüilo, Deba, que o aniversário do nosso amigo aí ta chegando... – respondeu Aiolia – chuta qual o presente que eu e Marin vamos comprar pra ele?
– Outro violão, Shura! – Saga disse e riu daquele jeito que colocava medo em todo mundo.
Máscara da Morte e Afrodite riram um riso nervoso e não puderam evitar andar de mãos dadas. Os semblantes dos dois visivelmente carregados, cheios de aflição por conta da proibição de Atena. Mas não diziam nada.
Camus seguia atrás de todos, não querendo fazer parte daquela algazarra. Em seu íntimo, perguntava-se como deveria agir com Milo a partir daquele momento. Haviam trocado olhares cobiçosos e palavras de carinho durante a reunião, não havia como negar. Entretanto, agora, Camus sentia uma ponta de arrependimento por ter se demonstrado assim perante todos. Estava apaixonado por Milo e não conseguia mais guardar esse sentimento dentro de si! Maldisse o grego com todas as suas forças por tê-lo conquistado daquele jeito. Mas não deixava de desejar que o grego o convidasse para entrar quando passassem pela oitava casa...
O aquariano desviou seus pensamentos quando olhou para Milo. Este subia as escadas acompanhado de Shura, aos pulos, ainda cantando. Movia-se sensualmente ao som daquela batida à la capela do capricorniano, batida esta que por si só já tinha a aura cheia da sensualidade própria das canções espanholas. Escorpião vestia uma calça jeans simples, como sempre, e uma blusa cacharrel vermelha, colada ao corpo. Os cabelos azuis levemente ondulados balançavam no mesmo ritmo de seu corpo, e seus olhos cor de safira encaravam o francês. Jogava a cabeça pra trás e lambia os lábios enquanto dançava, o que ia deixando Camus simplesmente maluco. O francês não conseguia desviar os olhos do amigo, hipnotizado pela sensualidade do outro. Desejava-o e pronto. Nada mais importava.
Máscara da Morte e Afrodite entraram juntos na casa de Câncer, despedindo-se dos amigos com acenos de mão, desejos de boa sorte e xingamentos a Saori. Logo em seguida, Aiolia, desacompanhado já que Marin descera para os aposentos das amazonas, despediu-se também e entrou na quinta casa, soltando mais uma série de impropérios contra Atena. Mu e Shaka pararam na Casa de Virgem, recebendo cumprimentos e desejos de boa sorte. Iam meditar antes de enfrentar a fúria de Atena!
Assim foram, uns cantando, outros xingando, outros ainda calados. Passaram pela casa de Escorpião e Milo entrou, despedindo-se dos demais. Nem sequer olhou para Camus, que ficou uns dois minutos olhando para a porta da casa do amigo, abobalhado. Não entendia porque o outro não o convidara pra entrar. Shura e Saga a tudo compreenderam, olhando-se cúmplices de soslaio. Foi Saga quem tirou o francês de seu transe:
– Vamos, Camus, vamos andando, amigo.
– Ah, sim, bien sûre... – tornou o francês, ainda com cara de quem não tinha entendido nada.
Na Casa de Capricórnio ficariam Shiryu e Shura, o capricorniano estava hospedando o Dragão, por quem nutria forte admiração. Hyoga ficava com Camus, obviamente; Ikki com Máscara da Morte e Shun com Afrodite (Seiya costumava hospedar-se com Aiolia, mas naqueles estava ficando mesmo com Saga na residência do Grande Mestre. Exigência de Saori). Naquele dia, entretanto, devido aos acontecimentos da manhã e das resoluções da reunião, decidiram que Ikki e Shun ficariam sozinhos na Casa de Peixes, deixando a quarta casa livre para Afrodite e Máscara da Morte. Ao atingirem a Casa de Capricórnio, Shura pousou a mão direita suavemente no ombro do mudo aquariano a seu lado:
– Mira, Camus – disse o espanhol – a manhã hoje foi atribulada, e o resto do dia também há de ser cheio. Os chicos parecem bem cansados e assustados... acredito que seria melhor que ficassem juntos. Você se incomodaria em deixar Hyoga dormir aqui e assim fazer companhia a Shiryu?
Camus sentiu vontade de tascar um beijo no capricorniano. Tudo o que queria era mesmo ficar sozinho. Não que Hyoga o tivesse atrapalhado naqueles dias, o aprendiz conhecia o mestre e deixava-o quieto com suas reflexões. No entanto, aquilo era diferente. Muito diferente. O francês precisava digerir as informações daquela manhã, que não foram poucas. E para isso precisava estar sozinho. Fez um gesto de aprovação com a cabeça para Shura e Hyoga, e o garoto russo mais que depressa entrou na casa do espanhol. "Eu, hein, ele tá diferente demais, o Mestre... eu é que não quero ficar lá!", pensou o cavaleiro de Cisne.
Desse modo, pensativo, Camus e Saga, os últimos que restavam, continuaram subindo. Em silêncio. Não trocaram uma palavra que fosse. Ao atingirem a décima primeira casa, Camus acenou com a cabeça para o geminiano e entrou. Saga prosseguiu seu caminho, sozinho, até o salão do Grande Mestre.
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Na casa de Virgem, Mu e Shaka meditaram por alguns minutos. Tinham uma dura missão pela frente e tudo o que não queriam era falhar. Os dois últimos meses tinham sido um verdadeiro paraíso para os dois, que após mais um dos bilhetes de Aiolia e Milo finalmente se entenderam (3). Não poderiam deixar agora que o romance dos dois fosse por água abaixo por conta dos caprichos de uma adolescente mimada. Isso sem contar a confiança que seus amigos depositaram neles: Aiolia e Marin; Máscara da Morte e Afrodite; e, desconfiavam, Milo e Camus. Isso sem contar as trocas de olhares casuais entre Shura e Shina... Não podiam permitir que esses casais fossem desfeitos por conta de uma bobagem de Atena.
Entreolharam-se, mudos, como se fosse a última vez. Mu agarrou a mão de Shaka com força, como se não fosse soltá-la nunca mais. O virginiano, por sua vez, retribuiu o gesto, apertando os olhos num sinal de desespero. Aqueles dois, tão serenos, tão pacíficos, estavam realmente abalados. Como nunca pensaram ser possível. Amavam-se profundamente, e o simples pensamento de perderem-se um ao outro soava como a morte para ambos. Com um pensamento, Mu teletransportou a ele e ao amante à porta do salão do Grande Mestre. Lá aguardava um Saga visivelmente abalado. "Zeus, dessa vez Atena extrapolou!", pensou o ariano ao perceber que Saga esfregava as mãos freneticamente. "Já pensou se o Saga surta de novo?"
– Vocês estão prontos? – perguntou o geminiano com uma voz que demonstrava apreensão.
– Sim, estamos – disse Shaka, ainda segurando a mão de Mu.
– Pois bem, vou entrar e anunciá-los, então... – disse Saga e entrou no salão, afastando-se dos amantes.
Passaram-se dois minutos, mas para Shaka e Mu pareceram duas horas. "Ora, veja se pode, Shaka, nós dois com pressa...", disse o ariano ao amante, telepaticamente. A resposta do outro foi um olhar apreensivo e nada mais.
– Vamos, entrem – surgiu Saga – ela irá recebê-los. E eu estarei com vocês, apoiando-os no que precisarem! – completou, indicando o caminho para o casal de namorados.
Entraram na sala. Saori estava sentada em seu trono, ao lado da magistral estátua de Atena. Vestia um de seus inúmeros vestidos brancos estilo bolo de noiva bufante. Todos os fios do cabelo da deusa milimetricamente arrumados, e ela usava uma fivela dourada. Na cintura, um cinto também dourado. Segurava seu cetro, imponentemente. Shaka e Mu adentraram o salão seguidos por Saga. Os três fizeram uma reverência respeitosa, e a um sinal de Saori levantaram-se.
– Pois bem, Saga disse-me que vocês queriam me ver... – começou Atena. – Cá estou. Falem!
Shaka e Mu quase tremiam e evitavam encarar a deusa nos olhos, pois sabiam que quando ela se portava assim, toda altiva, não admitia proximidade com meros mortais como seus próprios cavaleiros de ouro. O cavaleiro de Virgem soltou um longo suspiro, e desatou a falar. Saga e Mu respiravam descompassadamente, sabendo que havia muito em jogo ali, naquela sala, naquele momento, naquelas palavras que seriam ditas.
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Em sua casa, Milo ria sozinho. Aquele abraço na casa de Áries durante a reunião não saía de sua cabeça. Percebera que o francês sentira todas as reações que ele costumava ter ao pensar em Camus. Comemorava em seu interior o fato de ter conquistado o cavaleiro de Aquário. "Háh, Milo, você é simplesmente demais. Irresistível. Fenomenal! Nem mesmo o Cubo de Gelo resistiu a seu charme!", o Escorpião pensava, nu, em frente ao espelho, fazendo poses. "Agora é só continuar o joguinho. Eu hei de assumir as rédeas da situação, pra desespero do francês", Milo disse alto e sorriu. Nem parecia aquele mesmo homem que se maldizia de dois em dois segundos por ser o "mais idiota dos seres". Foi tomar banho, sua cabeça maquinando uma série de idéias mirabolantes. "Espero que Shura tenha cumprido com o prometido e se livrado do pirralho do Hyoga...", murmurou Milo para si mesmo enquanto lavava os cabelos cor de safira.
Saiu do banho, secou-se e escolheu uma roupa. A mais sensual que pôde imaginar. Ou melhor, a que pensava que Camus fosse achar mais sensual... Calça social preta, sapatos de couro italiano também pretos (dados de presente por Máscara da Morte na ocasião de seu aniversário), uma camisa muito bem cortada, mangas longas, de cor azul-céu. Penteou os cabelos demoradamente, escolheu uma colônia de cheiro doce e sensual (presente do Afrodite). Arrumou os cabelos safira num alto rabo de cavalo, o que permitia que algumas nuances de sua nuca ficassem visíveis. Olhou-se no espelho. "Ah, Milo, seu gostoso!", pensou e riu, feliz.
Foi até a cozinha. Recolheu algumas coisas e fez um embrulho. Saiu de lá caminhando calmamente, em direção à décima-primeira casa do Santuário. Ao passar por Capricórnio, viu que Shura estava na janela. Este fez um sinal de ok com a mão e sorriu, malicioso. "Devo uma pro Shura!", pensou Milo e continuou sua caminhada. Seu pensamento em alguns momentos estava com Mu e Shaka, transmitindo-lhes força para que pudessem convencer Atena a mudar de idéia. Na maioria das vezes, entretanto, seu pensamento era direcionado a Camus: como ele estaria vestido? Será que ia recebê-lo bem? Como o francês encararia tudo aquilo? Milo não queria admitir que, embora tivesse quase certeza de que Camus também o desejava, estava receoso. Afinal, o outro era correto e seguia as regras. E o relacionamento dos dois, se já era contra as regras da natureza (ao menos Milo pensava que Camus assim encararia uma relação homossexual), agora também era contra as regras do Santuário. Perdido em seus pensamentos, chegou na Casa de Aquário. Respirou fundo e bateu na porta.
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Camus chegara em casa ainda atordoado. Em seu íntimo, sabia que amava Milo, que queria estar com ele. Mas racionalmente não podia. "Um homem, Zeus! Eu já não encaro bem o fato de estar apaixonado... ainda mais apaixonado por um homem! Ai, Zeus... mas eu quero Milo mais do que tudo. E sou capaz de esganar Atena com minhas próprias mãos se ela se colocar entre nós dois!", pensou. "Mas peraí... ele não me chamou pra entrar na casa dele, mesmo depois do que aconteceu hoje... Será que era tudo um joguinho do Milo? Uma aposta dele e de Aiolia pra ver se o Escorpião era capaz de me seduzir?"
Tirou as roupas e deixou-se ficar embaixo do chuveiro, por horas, desejando com todas as suas forças que a água lavasse seu desejo, que sua paixão por Milo escorresse pelo ralo. Foi então que ouviu alguém batendo à porta. "Ai, Zeus, dai-me paciência. O moleque deve ter resolvido dormir aqui de qualquer jeito, e ainda por cima é capaz de ter trazido o outro com ele...", pensou. – Um minuto, já vou! – gritou ao sair do chuveiro. Mal se secou e colocou um short preto (o mesmo que usava quando socorreu Milo de sua bebedeira) e uma camiseta branca. – Entra, moleque, vai, não me deixa em paz mesmo... – continuou a dizer, calçando os chinelos.
Ao entrar na sala, mal acreditava no que seus olhos viam. Ali estava ele, Milo, seu objeto de desejo, em sua sala, elegantemente trajado e segurando um embrulho convidativo. Sorria sensualmente, jogando a cabeça pra trás e lambendo os lábios instintivamente, deixando Camus maluco.
– Desculpe-me, Camus, não sabia que você estava ocupado. Me desculpe pelo incômodo! – disse o Escorpião, esforçando-se para não rir. "Ah, que deliciosa inversão de papéis...", divertiu-se Milo ao relembrar a noite de dois dias antes, quando tinha sido ele a dar uma bola fora quando Camus chegara em sua casa, todo convidativo. O Escorpião esforçou-se e muito pra sair dali. Virou-se e saiu sem olhar pra trás. "Zeus, ele é simplesmente perfeito!", pensava Milo, lembrando do francês vestindo apenas short e camiseta, os cabelos molhados ainda desgrenhados, revelando um banho recém tomado.
Não andou muito. Aliás, quase não andou. Não chegou nem a subir dois degraus. Atrás dele, ouviu gritos de "Milo! Milo, espere!". O grego parou e sorriu maliciosamente. Estava se divertindo como há muito tempo não fazia.
– Desculpe-me, Milo. Pensei que era o Hyoga... – disse Camus sem encarar o outro nos olhos. – Por favor, acompanhe-me.
Os dois entraram na casa de Aquário. Milo já tinha estado na décima primeira casa antes, mas ainda se surpreendia ao ver que tudo, todos os objetos, sem exceção, estava milimetricamente arrumado. Nada estava fora do lugar.
Um abobado Camus fez as honras e convidou Milo para se sentar. Este, impassivelmente, perguntou:
– Camus, você já almoçou?
O francês balançou a cabeça, negativamente. Não conseguia desviar o olhar do corpo de Milo, tão elegantemente trajado, tão sensual!
– Pois bem, isso que eu trouxe aqui – disse Milo, a voz séria, apontando o embrulho que estava em seu colo. Camus olhava para o outro abobalhado, com uma expressão de terror em seus olhos, como se sua alma tivesse sido trocada de corpo com Milo e estivesse ali enxergando a si mesmo, e não ao outro – é macarrão cru, Cami, porque eu não sei cozinhar absolutamente nada! – completou o Escorpião, rindo gostosamente.
– Ora, ora, Milo – Camus relaxara quase completamente e sorriu – vir aqui e usar da mesma tática que eu eu até perdôo. A incompetência na cozinha, também. Só não posso suportar você me chamar pelo apelido que Afrodite me deu! Peixes vai ficar com ciúmes. – completou o aquariano, mãos na cintura, tentando de alguma forma imitar Afrodite. Ambos soltaram uma longa gargalhada.
Pararam de rir e se fitaram. Olhos safira e olhos esmeralda, penetrantes, profundos, estudando-se mutuamente. Quem daria o primeiro passo? Ambos deram um passo à frente, aproximando-se, a meio centímetro de distância um do outro apenas. Os corpos quase colados, um sentindo a respiração alterada do outro.
– Sabe, Camus... – disse o Escorpião no ouvido do outro – pra quem achava uma vergonha o namoro de Aiolia e Marin, dois servidores de Atena, você parece bem preocupado com a proibição da Saori! – completou, abraçando o outro, as mãos de dedos longos percorrendo a nuca do francês, que mal disfarçou um gemido.
– É que, não sei porque, alguém me fez mudar de idéia... – respondeu Camus, afastando-se do abraço e segurando o rosto de Milo entre as mãos. As bocas se encostaram, as línguas se exploraram, numa ânsia de um desejo há muito tempo abafado. Quem foi o primeiro a beijar, o primeiro a ceder, os dois não sabem. Entregaram-se àquilo, simplesmente.
Separaram o beijo e Milo sorriu. Camus sorriu de volta. O Escorpião mordiscou o lóbulo da orelha do outro, fazendo-o estremecer, seu corpo sentindo sensações novas. Milo percorreu as costas do francês por debaixo da camiseta, enquanto beijava-lhe o rosto. Camus gemia baixinho, apertando o outro contra si. O Escorpião livrou o francês da camiseta, revelando aquele dorso pelo qual ansiava desde a noite da bebedeira, em que Camus havia se mostrado todo solícito. Afastou-se para admirar aquele corpo e sorriu lascivamente. Lambeu o mamilo direito do aquariano, fazendo-o gemer cada vez mais alto. Camus agarrava-se aos cabelos de safira do amigo, empurrando-o pra si. Puxou a cabeça de Milo e deu-lhe outro beijo, dessa vez mais selvagem. Por debaixo do short de Camus, Milo podia sentir a excitação do outro, e não fazia nenhum esforço para esconder a sua própria.
O grego separou-se de Camus, embora seu corpo ansiasse pelo do outro. – Háh, querido, você é lindo, sabia?
– Miro, mon ange (4), volta aqui... – sussurrou Camus, arrastando-se na cama e fazendo um gesto delicado com as mãos, chamando o outro. Milo quase desistiu de seu plano, da tortura que planejava impor ao francês.
– Desculpa-me, Cami – disse sorrindo – mas não vai ser hoje que vamos resolver isso. Sofri muito por vocês nesses tempos, sabia? – aquilo doeu pra dizer, mas Milo disse mesmo assim. Sabia que o aquariano havia largado muita coisa (seu orgulho, principalmente) para estar ali, se entregando pra ele. Mas tinha de fazer aquilo.
– Pardon, mon cher! – exclamou Camus, quase gritando. – Viens, s'il vous plaît! (5) – disse, indicando-lhe o lado vazio da cama.
"Ah, safado. Falar em francês não vale, você sabe que eu não resisto!", pensou. Correu até o outro, abraçou-lhe e deu-lhe outro beijo apaixonado.
– De despedida – afirmou Milo e sua voz demonstrava que havia decidido por aquilo e não havia nada que o outro pudesse fazer para dirimi-lo daquela idéia. – Vou pra minha casa agora, e você não ouse me seguir. Terminaremos isso outro dia, Cami!
– Quando? – foi o que Camus conseguiu balbuciar.
– Quando você fizer algo muito especial por mim – disse o grego – algo que me faça esquecer do quanto sofri por você!
– Safado! – Camus exclamou e o outro riu.
– Eu sou a donzela da relação, Camus, embora não pareça. Você é o príncipe encantado. Aja como tal! – disse Milo, jogando um beijo pelo ar para o francês. Saiu da casa de Aquário sorrindo, sentindo-se leve e pensando no que o aquariano seria capaz de fazer para tê-lo. Nem lembrou mais da proibição de Atena.
Em Aquário, Camus mal acreditava no que tinha acontecido. Então ele se entrega assim, abre-se, expõe sua alma para o outro e ele sai dali feito uma donzela arrependida? Riu com gosto, já abrindo o chuveiro e elevando seu cosmo, a fim de esfriar a água ao máximo que podia. "É uma declaração que você quer, Milo? Pois bem, é uma que você vai ter!", pensou.
Camus queria mesmo era se jogar na cama e dormir, sonhando com as novas sensações que Milo havia lhe feito sentir. Queria dormir para sonhar com o grego! Entretanto, encheu-se de coragem e discou um número. Do outro lado, atendeu uma voz grave porém bondosa.
– Pois não?
– Aldebaran, aqui é o Camus – disse o francês – e eu preciso de sua ajuda. Será que eu posso ir até sua casa para conversarmos?
Ao ouvir a resposta afirmativa do brasileiro, Camus vestiu-se e foi. Passou correndo pela oitava casa, não queria que Milo o visse. Em Touro, um grandalhão bonachão o esperava, e convidou-o para entrar. O francês respirou fundo e contou tudo para o taurino, que sorria demonstrando aprovação e felicidade. "Então aí estava o motivo da mudança de Milo...", pensou o brasileiro. "E que coragem de Camus! Quem imaginaria que ele fosse capaz de se expor assim?"
– Camus, conte comigo! – exclamou Aldebaran quando o francês terminou de expor sua idéia. – E dá cá um abraço!
Aldebaran suspendeu Camus no ar, abraçando-o fortemente. Em outros tempos, Camus teria congelado o brasileiro antes mesmo dele dar o primeiro passo em sua direção. Mas em outros tempos Camus nem estaria ali. "Ah, Milo... como você pôde me mudar assim?", pensou o francês antes de sorrir e retribuir o abraço do novo amigo.
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(1) meus queridos.
(2) não sei se está grafado corretamente, mas significa "senhorita de onde vens? Quero te conhecer!". Acredito que vocês não se lembrem dessa música, mas era cantada pelo personagem do Alexandre Borges (Dom Guilherme), na minissérie "A Muralha", transmitida pela rede Globo em 2000, se não me engano. Uma das melhores peças da teledramaturgia brasileira, na minha modesta opinião.
(3) conforme afirmado nos capítulos anteriores, uma das maiores diversões de Aiolia e Milo era mandar bilhetes de amor para Shaka assinados por Mu e vice-versa.
(4) meu anjo.
(5) perdão, meu querido. Venha, por favor!
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A/N: Bom, eu achava que essa história, que era pra ser de humor, estava se tornando pesada demais, então fiz esse capítulo com ares de comédia. Espero que tenham gostado!
Outra coisa: eu tinha planejado uma história curtinha e leve, mas o monstro cresceu. Tanto é que nem começou a festa ainda (será no próximo capítulo, ao que tudo indica), quem dirá a viagem desses malucos pro Brasil. Mas eles vêm, garanto que vêm. Só desejo que vocês tenham paciência pra esperar.
Vou responder as reviews pelo reply do site, mesmo. Mas deixo aqui publicamente meu agradecimento a todos os que lêem, especialmente àqueles que deixam escritos seus comentários.
Ah, e antes que eu me esqueça: quem xingou a Saori junto com os meninos põe o dedo aqui... eu com certeza me diverti horrores escrevendo cada "vaca", rs.
