Título: Espinho e Rosa
Capítulo: Dois
Status: Incompleto
Gênero: yaoi – Dark-Lemon - Lemon
Casal: MdM x Afrodite; e outros
Autora: Jade Toreador
E-mail: jadetoreador arroba uol. com. br

Sinopse: Máscara da Morte e Afrodite lutam contra o destino traçado pelos senhores do Olimpo, rompendo as barreiras do que é justo ou injusto, correto ou incorreto. O amor entre eles é um poder mais forte do que a matéria ou o espírito: é os dois, unidos, transcendendo o universo material para expandir a imortalidade... Desafiam os dois o karma imposto pelos Deuses: O amor deles ensina que humanos podem ser mais poderosos do que imortais, quando protegidos pela força cósmica do amor!


ESPINHO E ROSA

- CAPÍTULO DOIS -

.:O:.


Afrodite acordou e se espreguiçou em movimentos graciosos como os de um gato.

Girou o corpo para perceber que estava sozinho no grande leito. O amante já havia se levantado. Ele lhe inspirava respeito, às vezes também um temor genuíno. Os pulsos dele, Peixes, haviam ficado marcados pelas correias e amarras com as quais havia sido preso por toda a madrugada. Seu corpo doia, com algumas queimaduras de cigarros e velas em lugares estrategicamente dolorosos... Suspirou...

Como conseguira dormir depois de passar por torturas sexuais que faria o próprio Marquês de Sade ficar chocado?

Deu de ombros... De certo, Saga lhe dera alguma porção para dormir na última taça de vinho e lhe aplicara um cosmo curativo...

Afrodite levantou-se devagar, intuindo a presença cósmica do amante. Era um temor real acordar ao lado de Saga. Nunca se sabia se ele estaria gentil ou ainda cruel e violento...

O santuário estava mergulhado em uma falsa paz, e ele, Afrodite, era um dos poucos que sabia o real motivo: Atena não estava ali! Já não estava ali há quase 13 anos!

Alguns outros cavaleiros que haviam chegado de várias partes do mundo, após um árduo treinamento para a conquista de suas reluzentes armaduras douradas, não tinham consciência disso, mas ele, Peixes, que ocupava ocasionalmente a cama de Saga, conhecia bem a megalomania do cavaleiro de Gêmeos... Às vezes, achava que ele, Saga, não passava de um esquizofrênico, tamanho seus delírios instáveis de personalidade...

Outras vezes, o admirava, simplesmente. Ele, como Máscara, se achava superior a qualquer noção de moral...

Enrolou-se nos lençóis de cetim, fazendo-os cair em seus ombros como uma túnica e caminhou para a sala de banho anexa ao enorme aposento, repleto de colunas jônicas e estátuas gigantescas... O mármore, a imensidão do ambiente: tudo ali era opressivo como a própria personalidade do seu amante...

Encontrou Saga se banhando na piscina romana, simplesmente belíssimo na sua nudez. Não se anunciou, sabia que o outro já havia notado seu cosmo e seu perfume inconfundível de rosas... Foi direto ao assunto que o incomodava:

- Você não deveria ter chamado Milo para destruir a Ilha de Andrômeda. Eu estou esperando uma chance de me provar minha lealdade ao mestre e me tornar um dos seus assassinos.

- Isso não é uma missão secreta da kriptéia(1), Peixes, pelo contrário, quero que todos os que desafiam o Santuário saibam o que vai acontecer. E, além disso, não lhe devo satisfações.

- Mas senhor...Eu desejo ir até a ilha provar o meu valor como cavaleiro.O poder de Milo não é mais forte do que o meu.

Mas ele tem um relacionamento sólido com outros cavaleiros. Mais do que você, que vive cultivando inimizades! Ele, mostrando publicamente seu apoio ao Santuário, fará com que os outros cavaleiros também o façam...

Peixes não gostou do que ouviu. Saga, num raro momento de descontração, continuou a falar:

- As coisas andam conturbadas. Depois que aquele fedelho arrancou a orelha de Cássius e fugiu do Santuário com a armadura de Pégasus, o cheiro da rebelião se instalou no ar! Aquela Guerra Intergaláctica me aborreceu muito... Para piorar, a maldita armadura de Sagitário não foi inteiramente recuperada...

- Aquela luta foi coisa de crianças, Saga... Você não tem com que o se preocupar.

- Não mesmo? Venha ver uma coisa...

Saga enrolou-se numa toalha e caminhou para a ante-sala da suíte. Peixes caminhou atrás dele, curioso. O falso mestre Ares apanhou uma carta em sua escrivaninha e a passou para as mãos delicadas, mas fortes, do cavaleiro da décima segunda casa.

- Mas o quê...

- A fedelha que fez os cavaleiros guerrearem entre si como se fossem palhaços num circo diz que está vindo para cá daqui algumas semanas...Avisou com antecedência para ser recebida conforme o nosso protocolo oficial...

- Mas que insolência, a dela!

- Não bastando, corre rumores de que ela é a própria deusa...

O olhar de Afrodite se tornou sério, imensamente azul...

- E ela é?

Saga, por frações de segundos, lembrou-se de quando Aioros fugiu do Santuário com o bebê sagrado, mas desconversou. Mentiu:

- Claro que não. Aioros a matou há 13 anos. Para que a nossa sagrada Ordem não caísse em desgraça, o antigo mestre Ares me fez jurar que manteríamos o segredo da morte da deusa até a próxima encarnação dela, quanto teríamos um sinal dos céus... Mas a morte súbita dele me trouxe um ônus muito pesado de suportar. Tive que mais uma vez ocultar a verdade e tomar o lugar dele... Eu tinha que manter acessa a chama da justiça, até Atena retornar... Por isso, Eu e Kanon ocultamos o falecimento do Mestre... E eu tomei sua identidade. Tenho que controlar tudo agora com mãos de ferro. Tudo para proteger a ordem da deusa...

Peixes ficou num silêncio respeitoso. Sim, tinha lógica. Mas...

- Porque prendeu Kanon no monte Sunion, Saga? Isso foi mesmo necessário?Ele...

- Ele teve crises de consciência. Disse que a verdade era mais importante do que a Ordem Sagrada. Absurdo. Devemos manter o exército de Atena íntegro até ela retornar, mas ele não entendia essa necessidade... Ameaçava dizer a todos que Atena havia morrido. Queria se apossar do comando do Santuário ele mesmo e estabelecer o caos, acredite, não foi nada fácil tomar essa decisão de isolá-lo...

Afrodite, mais uma vez, concordou silenciosamente com um balançar de cabeça. As trevas não podiam dominar a terra enquanto a verdadeira Atena não voltasse...

Qualquer um que tentasse estabelecer a desordem deveria ser punido e... Aquela impostora não podia ser Atena, já que a encarnação da deusa costumava acontecer a cada 200 anos... Saga era sádico, cruel, duro demais, mas era um general solitário numa luta desesperada para manter a disciplina e a paz na Terra... Tinha que ser enérgico porque o bem de poucos não podia ser mais importante do que todo o planeta...

Sua tirania era necessária...Mesmo com aqueles que ele amava, como seu próprio irmão gêmeo Kanon!

Por fim, Peixes disse, numa voz cordata, quase gentil:

- Entendo o seu fardo, meu senhor... E nós, os cavaleiros que lhe são mais próximos, temos que ajudá-lo, até que verdadeira deusa reencarne novamente. Não vamos deixar essa impostora chegar até o Santuário...

- Agora, não me bastando a insolência dessa desclassificada, Mu e Dohko se negam a vir ao Santuário.

- Mu é um visionário e Dohko é um velho.Não perca seu tempo com eles.

- Eu não os subestimo, cavaleiro. Essa rebeldia deles já está colhendo seus frutos: mestre Albiori também está relutando em me obedecer... Por isso, a ilha de Andrômeda vai ser arrasada... Ainda hoje.

Peixes deu de ombros. Não gostava daquelas questões mesquinhas de poder e política. Deixava isso para Saga. Mas estava farto de ser tratado como a bonequinha do Santuário. Seu poder destrutivo se comparava ao de qualquer outro cavaleiro dourado...

- Você está errado. Eu deveria ir para essa missão. Não Milo.

Saga gargalhou, um riso sensual, mas desagradável. O tom acinzentado que os seus cabelos assumiam e o brilho avermelhado de seus olhos fez Afrodite estremecer... Aquele era o Saga desumano que fazia orgias nas criptas secretas que ficavam sob a grande estátua de Atena!

- Mas você vai a essa missão, meu caro Afrodite. Secretamente. Quero que vigie Milo e certifique-se que ele não deixe Albiori escapar. É sabido que ele tem uma amizade sólida com o mestre da ilha. Se ele fraquejar, ou vacilar, você deve estar ali para garantir que não haja sobreviventes...

- Sim, meu senhor... E se eu for bem sucedido...

- Apresentarei a Máscara da Morte ordem oficial para tornar você um dos integrantes da kriptéia. Agora vá, você deve vigiar os passos de Milo.

- Ele sabe de sua identidade, Saga... Você acha que ele seria capaz de traí-lo?

Saga deu de ombros. Milo tinha um problema sério de ouvir demais a voz da consciência. Além disso, o amor dele, Milo, por Aquário o tornava suscetível àquela estúpida honestidade do cavaleiro do gelo. Era bom não arriscar...

- Nunca se sabe. Vigie-o e faça o que ele não fizer. Essa é a sua missão.

Afrodite fez uma profunda reverência, numa saudação respeitosa, e se retirou...

.:O:.

A pequena escuna que trouxera Milo aportou silenciosamente no porto da Ilha de Andrômeda.

Era uma verdadeira ousadia tentar estabelecer moradia naquelas rochas. Um centro de treinamento dos cavaleiros sagrados de Atena funcionava na ilha e dizia-se que ali habitavam alguns eremitas. O povo grego divulgava boatos de serem estes eremitas provenientes de uma antiga seita de oráculos... Mas o Santuário, que exercia um comando político na ilha, jamais havia feito um pronunciamento oficial sobre esses sacerdotes que, segundo as crenças, viviam enfurnados nas cavernas, como bichos, e não procuravam nunca a civilização...

Milo desceu do barco, muito mal humorado. O cosmo do outro cavaleiro era inconfundível...Ele o sentira durante toda a viagem até ali.

- Não adianta disfarçar, Afrodite, sei que está aí, no barco...

Afrodite saiu da cabina da escuna, muito lindo numa calça jeans, camisa regata justa e a caixa da armadura em suas costas.Milo também trazia a sua caixa, mas não estava feliz por ter que usá-la dessa vez... A voz sedosa de Peixes respondeu:

- Não disfarcei nada, Milo. Queria que me notasse, para que não caísse na tentação de poupar alguém dessa ilha. Sabe que temos um trabalho sério a fazer... E que o faremos.

- Jamais deixei de cumprir uma única ordem do Santuário, Peixes, e não vai ser você quem vai me ensinar o que devo ou não fazer!

- Oras, deixe seu ferrão para os rebeldes! Eu estou aqui também cumprindo ordens, e, garanto que, no seu lugar, as faria bem melhor do que você! Se Saga nos uniu, deve ter os motivos dele...

Milo suspirou e resolveu não retrucar. Eram ali soldados, não dois garotos dispostos a bater boca. Se Saga não confiava nele, Milo, paciência, depois tiraria isso a limpo com o ditador. Na verdade, ele, Escorpião, estava mesmo pesaroso. Sabia que a ordem de extermínio vinha de Saga, o Cavaleiro de Gêmeos, e não do verdadeiro Ares, que subitamente falecera por motivos obscuros de saúde.Pelo menos, isso fora o que Saga lhe dissera... Mas não tinha um fato concreto para duvidar de que Saga não tivesse motivos nobres para manter coesa a liga de cavaleiros dourados.

Saga assumira, em segredo, a identidade de Ares para proteger a Ordem Sagrada dos Cavaleiros Dourados de Atena, até que a deusa, assassinada por Aioros, pudesse renascer... Poucos cavaleiros, incluindo eles dois, Peixes e Escorpião, sabiam que deusa havia morrido. Os outros ainda achavam que ela estava ali, no ápice das 12 casas zodiacais do Santuário... Isso era necessário por uma questão de segurança e sobrevivência da Sagrada Ordem!

Atena fora assassinada, mas agora, os cavaleiros não poderiam falhar mais uma vez! Eles eram os guardiões da paz na terra, era esse o legado que Atena lhes dera...Quem ousasse ir contra o comando do Santuário não deveria sobreviver... A chama de Atena deveria permanecer viva!

Milo se abaixou e apanhou um pequeno escorpião negro que encontrou no chão.

Diante de um olhar enojado de Afrodite, deixou o bichinho passear entre seus dedos... Era impressionante como os animais não atacavam as mãos bonitas e calejadas do Cavaleiro da Oitava Casa.

Olhando para o pequeno animal, Milo disse a si mesmo, em pensamento, que Camus, como Afrodite, também destruiria a ilha sem pestanejar, se isso fosse uma ordem direta de um superior graduado na escala das constelações...

Seu amor era muito mais soldado do que ele. Escondia seus sentimentos e sensualidade numa esquife de gelo eterno... E era um guerreiro temível.

Milo esmagou o bichinho, amargurado. O animal morreu em suas mãos, sem reagir com seu ferrão. Deixou-se levar pelo senhor da Constelação que levava o seu nome.

O cavaleiro colocou o animal no solo... A ilha seria o caixão daquele pequeno animal... E de todos os humanos que ali estivessem.

- Muito bem, Dite. A ilha é grande, mas posso destruí-la em segundos, você sabe. Tudo vai mergulhar mar adentro... Entre tsunamis e enormes terremotos... Mas... Diga-me uma coisa... É verdade que existem alguns civis na ilha? Dizem que a encarnação do antigo Oráculo de Delfos é um dos eremitas que mora aqui. Isso é verdade?

Sim, Afrodite sabia que havia esses tipos de rumores... E estava também curioso para saber se era isso verdade. Mas deu de ombros. Se Saga queria que a encarnação do antigo oráculo morresse na ilha, junto com os outros, deveria ter um motivo forte...

- Verdade ou não, o destino dele já está selado junto com os dos outros. Vá ao centro de treinamento e faça o trabalho sujo, já que ele é seu! Vou até as montanhas... Dar uma morte piedosa aos civis com a minha rosa sangrenta.

Milo assentiu. Verdade! Dite, lindo e com aquela voz doce, parecia o anjo piedoso da morte, que arrebataria as almas num envolvente perfume de rosas, já ele... Milo...Seria o demônio!

Escorpião ergueu sua mão e a unha do indicador cresceu e iluminou-se, tornando a lendária agulha Escarlate. O cosmo dele inundou os céus, tomando a forma da grande Constelação da Oitava casa, com seus 15 pontos brilhante e mortais. O céu foi escurecendo. Milo fechou seus olhos e deu um golpe na terra, fazendo uma enorme fenda se abrir num ruído pavoroso. A terra fremiu ruidosamente, como se pudesse manifestar a sua dor!

As ondas do mar imediatamente começaram uma estranha turbulência...
Recuaram da praia, como se fugissem, assustadas. Peixes estremeceu. Sabia que em poucos minutos elas retornariam à praia em forma de uma parede gigantesca de água, como um verdadeiro Leviatã.

Milo havia começado um grande abalo sísmico na ilha! Ferira a mãe terra, Gaia, em suas entranhas, com o veneno cósmico da agulha Escarlate!

Ao contrário do que todos imaginavam, as tsunamis não eram causadas por influência das forças de magnetismo entre o Sol e a Lua. Nada disso! Eram ondas de grande energia, geradas por abalos sísmicos. Milo movimentara as placas do fundo submarino, fendendo a ilha e ferindo-a de morte!

Milo gritou, fazendo sua voz sobrepujar o barulho ruidoso do terremoto que começava...

- O barco que nos recolherá estará a nove quilômetros daqui. Teremos que usar toda nossa força cósmica para nadarmos até lá e conseguirmos escapar com vida. Depressa, não temos mais do que alguns minutos antes que a ilha entre em colapso!

Peixes assentiu com a cabeça e saiu correndo rumo as montanhas mais altas, onde as lendas diziam morar os antigos eremitas da ilha. Numa velocidade sobre humana, chegou até o ponto mais alto da ilha, onde havia um enorme dólmen de pedra, que, para seu espanto, parecia mais ser um altar celta, e não grego. Viu ali jovens, dois meninos e uma menina, correndo aterrados de pavor. Apenas um velho ali, no centro do dólmen que ruía em pedaços por causa do terremoto, parecia não se abalar diante do espetáculo hediondo de destruição e morte. Afrodite intuiu fortemente que aquele homem era o oráculo, o homem santo que realizava profecias...

Ergueu as mãos e, num gesto gracioso, fez uma chuva de rosas começar a cair sobre as três crianças que haviam sido surpreendidas ali, tendo aulas com o velho sacerdote... Gritou:

- Vocês vão mergulhar em um sono benfazejo. E a morte será uma benção...

O velho, subitamente, ergueu-se. Era magro, feio até. Seria uma figura insignificante se seus olhos não tivessem um brilho tão forte. Dite se impressionou com o cosmo forte daquele velho.

- Não, cavaleiro, você não os levará. O destino dessas crianças será escapar para contarem o que viu... E acenderem a chama adormecida de Andrômeda.

- Lamento, velho. Mas não vou deixar ninguém sair daqui, mesmo que suas profecias loucas digam o contrário.

- Pois eu prenderei sua ira, cavaleiro, até que eles tenham saído daqui...

Afrodite gargalhou...

- Irá me deter com que força, homem, se mal consegue parar em pé?

O velho se aproximou de Afrodite. Não parecia ter medo algum...

- Com a força de minhas premonições para você, divindade caída...

Divindade caída? De que diabos aquele homem estava falando?

Dite mandou para o coração do velho uma rosa branca mortífera. O velho sacerdote subitamente se moveu, não para desviar da rosa, mas para tocar o rosto de Afrodite com suas mãos. Ao mesmo tempo em que a rosa assassina fazia o sangue do coração do homem jorrar, as mãos do eremita tocavam o Cavaleiro de Peixes com uma velocidade assombrosa.

Afrodite gritou, assustado. Era como se o seu cérebro houvesse subitamente sido invadido por uma força externa. Imagens e visões rodopiavam em sua mente, e ele já não sabia mais dizer o que era real ou imaginário. Nem quantos minutos se passavam enquanto ele estava naquela prisão mental férrea...

Viu um homem cair do Olimpo, um homem perfeito na sua beleza e impiedoso na sua crueldade... Ares, senhor da Guerra! Atena, deusa da Sabedoria, num ataque de fúria, o jogara montanha abaixo... Mas uma outra deusa o carregava de volta ao Olimpo em seus braços... E o beijava... Era Afrodite, a bela... Afrodite, a rosa, a mulher divina saída do mar... Como o seu signo guardião, Peixes.

As cenas rodopiavam em sua mente. Ares, deus da guerra, e a deusa da beleza, juntos... O ciúmes de Hefestos, o marido traído... Ares, como Adão, agora estava sendo jogado para fora do Paraíso... Como castigo por possuir a deusa da beleza, mulher de outro deus, estava sendo banido para as dimensões terrestres... E a deusa que perdera o amante, no seu desespero, se apunhalara com uma rosa mágica que lhe sugara lentamente o sangue imortal, exatamente como fazia a rosa branca dele, Afrodite. Quando a rosa sugara todo o sangue da imortalidade da deusa, sua alma também fora banida do Olimpo, para ser encarcerada num corpo feito de carne e sangue, num penoso castigo kármico.

Agora, a imagem de Máscara se sobrepunha ao da deusa morta com a rosa no peito. Dite viu o buraco hediondo das dimensões infernais, onde as almas sem vida caíam... Se viu caindo lá dentro, onde mãos asquerosas o seguravam... A deusa, a rosa e ele próprio, Afrodite, se misturavam numa imagem só, como se fossem um caleidoscópio místico, e caiam no abismo dos mortos...

Afrodite gritou, apavorado. Com muito custo conseguiu, finalmente, empurrar o velho para longe de si... Suava frio, porque aqueles rostos de deuses e monstros, estranhos, mas ao mesmo tempo assustadoramente familiares o haviam abalado demais...

- O que são estas insanidades, velho, acha que pode me assustar com simples alucinações?

- Não são alucinações, cavaleiro. São o seu destino e a sua vida pregressa!

Afrodite estava assustado. Reagiu furiosamente.

- Louco!

Irado, afundou ainda mais a rosa assassina no peito do homem, rosa essa que já estava quase completamente tinta de sangue. O homem tombou no chão, morto, mas tinha um sorriso de vitória nos lábios.

Afrodite sentia sobre si o peso de uma maldição. Atordoado, percebeu que os garotos realmente havia escapado. Olhava aturdido para as órbitas saltadas do velho morto. Ainda tinha em sua mente o terror de tudo que havia visto. Porque aquela visão com a deusa da beleza, cujo nome ele carregava, e o deus da guerra? Por que ele, Afrodite, e Máscara, estava no reino de Hades? Ah, céus, o que era aquilo senão a mente deturpada de um homem louco?

Fazendo um esforço sobre humano para se recompor, Afrodite correu para a direção onde sabia ter ido Milo. Toda a ilha agora fremia alucinadamente, em coma. As fendas se abriam com estrondos e o um vulcão adormecido começava a explodir.

Percebeu, ao longe, Mestre Albiori e Milo numa luta dantesca. Diabos, não tinham mais tempo para aquilo. Resoluto, Afrodite mandou uma rosa no corpo de Albiori. Pouco depois, o mestre da ilha jazia sem vida no chão.

- Eu o teria derrotado facilmente, Peixes.

- Não duvido, mas não estou com a menor vontade de receber a onda tsunami na minha cara, vamos embora, depressa!

Milo foi obrigado a concordar com Peixes. Se eles dois pegassem o primeiro impacto da onda gigante ali, na ilha, não conseguiriam escapar!

Como em um bailado sincronizado, correram para a praia e saltaram. Foi um salto espetacular. Eles nadavam, agora em alto mar, freneticamente, alucinadamente, usando todo o treinamento árduo que tinham como cavaleiros. Magicamente, as armaduras não pesavam em seu corpo, pelo contrário, pareciam dar um fôlego sobre humano aos dois cavaleiros. Os minutos escoavam rapidamente e eles sabiam que se demorassem a chegar no navio, a ilha seria também a sepultura deles dois.

Assim que subiram na escuna, sentiram o barco balançar perigosamente. A onda sísmica passou sob eles e logo adiante, próxima à ilha, fez surgir o imenso Leviatã. A tsunami atingiu quase oito metros e devastou o que ainda restava da ilha moribunda.

Peixes e Escorpião estavam exaustos. As armaduras retornaram às caixas enquanto eles dois ficaram ali, caídos no convés, inertes, recuperando o fôlego. Afrodite não fechava os olhos, porque tinha medo de fechá-los e ver novamente aquelas imagens sem sentido... Uma maldição... Teria sido amaldiçoado pelo Oráculo? Premonição... Premonição... Seu futuro seria mesmo a escuridão do reino de Hades?

Finalmente, escutou a voz de Milo, que o cutucava no braço para lhe passar uma caneca de chocolate quente...

- O que foi, Dite, está muito calado...

- Milo... As rosas não nascem no inferno...

Milo não entendeu nada. Balançou a cabeça...

- Não, mas e daí? O que foi, a água deixou o seu miolo mole?

Afrodite não respondeu. Enfiou a caneca de chocolate na boca e tentou esquecer o que havia sentindo naquela maldita ilha...

.:O:.

Um dia ensolarado, típico do verão grego. Na praia, os garotos graduados na escala das armaduras e os aprendizes formavam grupos de aprendizados.

Aldebaran de Touro estava com os garotos menores, os que não possuíam armaduras, bem próximo ao mar.

Formavam um semicírculo humano junto à água que acariciava os corpos dos meninos que não se importavam de se molharem enquanto conversavam. O assunto do dia era filosofia.

Touro ensinava os fundamentos dos pensadores pré Socráticos da escola jônica: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

Os meninos ouviam Deba com algum interesse, mas não conseguiam resistir a vontade de dar pequenos chutes na água ou olhar para as andorinhas que bailavam no céu.

Enquanto isso, um outro grupo, o de cavaleiros graduados, se formava um pouco mais distante da água, junto às rochas. Eram os outros sagrados cavaleiros de ouro. Estavam ali Capricórnio, Leão e Virgem.

Logo depois, chegou Aquário, que, como os outros, havia sido chamado pelo mestre do Santuário para manterem vigília, mas o motivo daquilo ainda não havia sido revelado a ninguém. Dohko era um mistério, há muito não comparecia aos chamados do Santuário, mas e Mu, porque ainda não chegara?

Mesmo com aquele clima iminente de luta, eles tentavam ensinar os mais novos com naturalidade.De qualquer forma, estavam todos em alerta médio. Caso o fogo das 12 casas do relógio sagrado se acendessem, eles deveriam assumir o posto de guerra em suas respectivas casas, para que ninguém atravessasse a ascensão zodiacal com vida...

Camus cumprimentou a todos com um discreto balançar de cabeça e se sentou ao lado de Shaka. O sol forte da praia era-lhe uma verdadeira carícia na pele que estivera exposta ao vento frio da Sibéria por longos meses... Mas seu rosto bonito estava tenso. Milo não estava ali no grupo! Então, os rumores que havia recebido de que Escorpião havia sido escolhido para uma chacina era verdade!

Nesse instante, chegaram Milo e Peixes. Milo estava visivelmente abatido. Fazer jovens e crianças morrerem sob o veneno da agulha Escarlate fora-lhe uma verdadeira contrariedade, algo indigno de um cavaleiro de ouro!

Mas eram traidores que estavam pondo em perigo toda a Ordem Sagrada dos Cavaleiros! Albiori jamais deveria ter se rebelado contra o Santuário!

Não podia haver risco algum... Se fosse público e notório que Aioros conseguira matar a deusa há 13 anos, haveria uma comoção, seria admitir que os cavaleiros sagrados não tinham sentido para existir!

Os próprios representantes de Odin e Poseidon iriam desejar desativar o Santuário, passando os cavaleiros para servirem a outras Ordens, e isso não podia acontecer. Atena era a deusa que manteria a paz na terra. Aquele segredo da ausência da deusa era algo penoso, mas necessário.

Aquelas baixas civis haviam sido terríveis, mas era um efeito colateral ruim do remédio de se proteger a humanidade... Só que... Ele, Milo, não tivera coragem de matar Albiori. Fora Peixes, aquele cretino, quem jogara uma rosa envenenada no corpo do mestre...

Milo cochichou...

- Se você se meter de novo numa missão minha, eu juro que...

- Cale a boca, Milo. Você me deve uma. Se ficar quieto, ninguém vai ficar sabendo que você vacilou e que quase não matou o mestre como havia sido ordenado. Sinta-se grato pela minha interferência.E se eu fosse você, trataria de mudar de assunto. Camus está vindo para cá.

Peixes se afastou, enquanto Camus se aproximava.

Há meses Camus e Milo não se viam. Os olhares se encontraram com desespero, mas, como sempre, em público, mantinham a serenidade de dois cavaleiros sagrados. Apenas os olhos se tocavam... A voz de Camus soou baixa, quase num sussurro...

- Você destruiu a ilha de Andrômeda?

- Era a minha missão, Camus...

- Havia somente crianças lá...

- Havia aprendizes de cavaleiros e um mestre que acintosamente desafiou o santuário. Não havia amadores lá, Camye. Não me senti orgulhoso do que fiz, mas foi feito, de qualquer forma.

- Você poderia ter feito uma advertência antes de...

- Camus, certa vez, na Sibéria, eu lhe perguntei se você me atacaria se fosse necessário.(2) A tempestade de "Pó de Diamante" interrompeu nossa conversa, mas o seu silêncio como resposta me fez entender... Que somos antes de tudo defensores de Atena... E que nossas vidas, a minha, a sua, ou a de Albiori, são apenas reflexos dessa realidade. Está vendo aquele relógio?

Camus ergueu os olhos e viu, ao longe, se destacando com majestade diante do horizonte, o grande relógio sagrado das casas zodiacais...

- Se ele acender, estaremos em prontidão em nossas casas, a espera de um combate... Mais do que nunca, há rumores de que isso vai acontecer em breve... E não seremos mais donos da nossa vida, ou de nosso destino, mas quero que você entenda...

Milo fez uma pausa, porque sua garganta doía. Doía de agonia. De amor.

Respirou fundo. O tempo deles dois... Tanto tempo desperdiçado, tanta distância, quando tudo o que ele, Milo queria, era... Tocar os cabelos azuis do seu amado... E apagar todas as mágoas com um beijo...

E agora sentia que Cronos, senhor do Tempo, estava roubando os momentos que eles ainda tinham... Escoavam-se os minutos como se estivessem numa trágica ampulheta de morte...Nem os risos das crianças e a luz do sol grego tirava esse mau pressentimento do coração de Milo...

Ele continuou, a emoção lhe embargando a voz sedosa:

- Tudo o que eu desejo, diante dos mortais e dos deuses, é que você entenda que eu o amo mais do que tudo, do que a própria deusa, até. Amo desesperadamente, um amor forte como o veneno da estrela Antares...

Camus não respondeu. Manteve aquele manto de fria serenidade. Os olhos de uma profundidade gélida como os mares do Norte... Lembrava-se das vezes que Milo dissera ser dele antes e do amor que nunca ele, Camus, soubera retribuir a altura.

Ultimamente, culpava Milo por se deixar levar por vícios promíscuos, culpava-o por ser dono do coração dele, Camus, mas, ao mesmo tempo, ser naturalmente infiel e libidinoso! Mas ele, o cavaleiro de Aquário, não seria o único culpado ali? Como podia julgar Milo tão duramente, quando, na verdade, Escorpião fazia tudo compulsivamente, numa tentativa frenética de chamar sua atenção e de se encontrar. Encontrar a eles dois!

Ele Milo, pelo menos, ansiava essa busca frenética de realização, como se o amor deles fosse o Graal Sagrado perdido, e ele, Camus, o que fizera para realmente tentar entender Milo?

Criara uma barreira de gelo em volta de si, uma grande muralha, que o impedia de se tornar humano e fraco. A distância gélida com que encarava a vida, afastando qualquer tentativa de aproximação, talvez fosse o principal motivo da compulsividade frenética de Milo por sexo e atenção!

Sempre ele, Camus, duvidara das súplicas de Milo... Rotulara-lo de inconseqüente e volúvel e, agora, como podia querer castigá-lo, afastando-o de si, por causa de uma falta de sensibilidade e confiança que ele justamente ele, Camus, fora incapaz de entregar ao outro?

Via agora, mais uma vez, a súplica agoniada nos olhos do seu amante. Aquela busca sagrada do Graal... Ah, Milo era apenas um menino, sem idéia clara dos seus limites, porém tinha mais coragem do que ele! Admitia seus sentimentos enquanto ele, Camus, preferia congelá-los como se fossem carnes em um freezer...

- Milo, Camus, depressa, Shaka vai começar a explanação de hoje!

Milo estremeceu levemente. Mais uma vez, o tempo e a vida jogava contra eles. Pensou que Camus iria simplesmente virar-se e se afastar sem dizer nada, mas, viu o cavaleiro de gelo gentilmente se curvar para lhe dar um beijo suave nos lábios. Um beijo rápido e fugaz como o vôo de um beija flor, mas que foi feito na presença de todos! Um gesto de amor e carinho público, algo totalmente inusitado para o reservado Camus!

Todos fizeram um silêncio respeitoso. Afrodite mexeu-se, inquieto, tentando controlar seus sentimentos de inveja.Jamais seria amado assim por Carlo...

Milo sorriu, os olhos brilhando emoção e lágrimas contidas. Camus sorriu também. Escorpião sentia sua alma mais leve. Sabia agora que, por dentro daquela carapaça de indiferença, o coração do seu amor havia acreditado em suas palavras...

Caminharam os dois e se sentaram na roda de cavaleiros...

.:O:.

Shaka, o cavaleiro da sexta casa, era quem falava ali com uma certa desenvoltura, porque, apesar da pouca idade, já era considerado um sábio entre os gurus da índia. O assunto também era da sua alçada: espiritualidade... Falava a eles sobre um debate sobre as diversas religiões e o modo de cada ser humano expressar sua fé.

Aiolia, o senhor da quinta casa, estava de pé, encostado numa grande rocha, um pouco mais afastado do grupo, porque raramente gostava de se misturar com os outros cavaleiros, mas ouvia atentamente tudo o que Shaka dizia... Para ele, a voz de Shaka soava como música... Agora, com a chegada dos três cavaleiros, Milo, Camus e Afrodite, eram sete os cavaleiros quem estavam ali.

Shaka, de olhos fechados, falava, naquele instante, sobre a origem das diversas religiões...

Peixes não conseguia se concentrar nas palavras de Virgem. Tenso, ainda pensava no encontro que tivera dias atrás com Câncer. O que ele diria? Aceitaria a sua oferta de se tornar seu amante fixo? Iria aceitar o seu dinheiro e seu corpo? Seu rosto ficou rubro como um rubi ao se lembrar do seu atrevimento em propor ao outro aquele "acordo". Por causa da missão na Ilha de Andrômeda, ainda não tivera chance de conversar com Carlo (3). Como ele reagiria quando soubesse que ele, Afrodite, se tornaria um dos agentes especiais de Saga?

Por sorte, o sol estava realmente forte e ninguém associou seu ar afogueado com a emoção que escondia no seu coração. Com muito esforço, começou a tentar a participar do debate. Mas às vezes, olhava para o horizonte, na direção onde estava o Santuário...

Porque Carlo não chegava logo para participar dos debates? Era obrigatório para um cavaleiro participar das aulas e debates teóricos!

Enquanto olhava para os lados, tentando sentir o cosmo de Máscara, Afrodite também procurava ouvir as palavras de Shaka...

- A origem do mundo simboliza sempre o equilibro prefeito de forças antagônicas... No meu povo, essa harmonia perfeita é representada por Brahma, o criador, Vishnu o preservador, e Sheeva, o Destruidor... Percebam, porém, que a essência de Sheeva não seria a destruição do nada para o nada, é o ciclo da eternidade se fechando. A palavra 'renovador' seria mais adequada ao senhor Sheeva... O ciclo de vida e renovação diante da eternidade...

Afrodite prendeu a respiração, porque sentiu, finalmente, o cosmo de Máscara se aproximar. Não demorou mais que alguns segundos para que ele visse o vulto atlético de Carlo di Angelis se aproximar do grupo, naquele gingado másculo que muito lembrava o de um felino perigoso.

Carlos sem cumprimentar ninguém entrou entre Shura e Shaka e sentou-se na areia, se jogando no chão, sem cerimônias. Dite estremeceu. Aquelas pernas másculas e fortes, cuja nudez era ocultada apenas pela minúscula toga grega que ficava acima dos joelhos, era mesmo uma visão de tirar o fôlego até de santo. E ele, Afrodite, podia ser tudo, menos um santo. Pelo menos, não era um santo na acepção católica da palavra! Shaka continuava sua explanação:

- Percebam que do corpo de Brahma nasceram vários filhos, entre eles, Dharma, que simboliza a consciência, a ação de acordo com o universo cósmico. É o símbolo da consciência plena do ser humano. Maya, por sua vez, a outra filha nascida de Brahma, representa a ilusão, o mundo fenomenal da matéria, e a fragmentação do todo cósmico que essa ilusão causa. O homem perde sua ligação umbilical com a totalidade harmônica...

(Shura)

- Porque ensinamos às nossas crianças o racionalismo, o pensamento Pós Socrático e o valor da razão, quando nosso mundo cósmico é povoado de deuses?

Enquanto a conversa se desenrolava, Afrodite tentava não olhar para Máscara, mas era-lhe quase impossível isso. Este, por sua vez, bonito como o demônio, exibia um sorriso descrente nos lábios, como se não acreditasse em nada que estava ouvindo...

(Shaka)

- No Olimpo, como na trindade hindu, à uma luta entre o caos e a harmonia... Geia é a mãe de todos os seres, Surgiu do Caos e gerou sozinha Urano, Montes, o Mar, os Titãs, os Centímanos, os Gigantes...

Máscara interrompeu Shaka...

- Páre de enrolar, Shaka. Conte logo de uma vez a estorinha... Ela fez um incesto com Urano e com ele gerou os titãs, os cíclopes e os Hecantonquiros...

Todos, mesmo sem querer se viraram para ouvir a voz forte e máscula de Máscara da Morte. Ele continuou:

- O cara era foda. Jogou os filhos no Tártaro, mas Geia deu uma foice para Cronos, o titã que tinha culhões pra se vingar. O cara castrou o pai e se tornou senhor dos Universos... Essa é a perfeição dos deuses... Incesto, castração e sordidez.

Shaka olhou mau humorado para Máscara...

- Isso é uma parábola metafísica para explicar o caos e a harmonia em confronto...

- Parábola uma porra. Senão, não seríamos doze idiotas do zodíaco defendendo uma bisca...

Aiolia se meteu, irritado...

- Chega, Máscara, não vamos tolerar suas grosserias e blasfêmias diante dos deuses!
Máscara se levantou com ares de poucos amigos...

- Não me diga, oras, justo quem, o irmão de um traidor... Você não deve gostar mesmo de ouvir verdades...

Antes que Aiolia avançasse em Carlo, Milo se meteu entre os dois.

- Aiolia, Carlo! Aqui não é lugar para uma briga! Que exemplo iremos dar aos aprendizes, dois cavaleiros de ouro rolando na areia...

Camus acabou interferindo também:

- Aiolia tem razão, Carlo. Blasfêmia é um crime grave no Santuário...

- Blasfêmia, não me faça rir! Eu mesmo termino a baboseira que Shaka iria dizer... Mas vou falar sem esses eufemismos idiotas de harmonia e caos... Cronos castrou Urano e casou com a própria mãe Geia, eis a origem 'pura' dos deuses! Ele fez geia parir Héstia, Hera, Deméter, e Poseidon. Como tinha medo de ser destronado por eles, Cronos devorava seus filhos, menos Zeus, que conseguiu escapar e fez o pai vomitar os filhos... Zeus baniu o pai e tomou conta do Olimpo... Mas não é um bom deus, como também não são os filhos dele, Zeus, os maravilhosos seres do Olimpo...

Peixes ergueu-se, preocupado...

- Chega, Carlo! Se o mestre o ouvir falando assim... Parece que bebeu!

- Oras, falo a verdade! Não sou hipócrita como vocês que dizem estar aqui por amor à deusa.

Houve uma comoção ali, agora. Todos se colocaram de pé, visivelmente furiosos. Touro, percebendo que algo de errado estava acontecendo ali, tratou de dispersar as crianças e se aproximou a tempo de ouvir o resto da discussão entre os cavaleiros:

(Shura)

- Agora você está passando dos limites!

(Milo)

- Isso mesmo, nós somos devotos a deusa Atena!

- Vou lhes dizer porque são devotos a deusa... Porque foram ensinados, doutrinados e forçados a pensarem assim, porque não passavam de um bando de órfãos sem família ou destino... Foram condicionados, como marionetes! Mesmo Shaka, que falam que é encarnação de Buda (1), é um marionete de Atena. Pois eu não me curvo a NINGUÉM, seja mortal ou não.

Houve um silêncio pesado ali. As palavras de Carlo, amarguradas, começavam a fazer neles um efeito venenoso...

(Deba)

- Atena é sábia... E verdadeira.

(Máscara)

- Ora, que grande deusa! Vivia de pirraça com suas irmãs por causa de motivos fúteis, como a maça dourada, e ainda por cima, disputava com Ares, o senhor da guerra, esse título pomposo de senhora da Guerra. Vaidosa e mesquinha como todo mortal, isso é o que ela é!

Houve mais um burburinho de protesto... Shaka defendeu a deusa:

- Máscara... Quando o gigante Prometeu percebeu que na terra estava adormecida a semente dos céus, apanhou um pouco de argila e a molhou com um pouco de água de um rio. Com essa matéria, Prometeu fez o homem, à imagem e semelhança dos deuses, para que ele se tornassem o senhor na Terra. Apanhou das almas dos animais coisas boas e más e animou sua criatura. E foi Atena, nossa senhora, que não é apenas deusa da Guerra, mas também deusa da sabedoria, quem primeiro admirou a criação do filho dos titãs e insuflou naquela imagem de argila o espírito... O sopro divino! Devemos à deusa nosso potencial cósmico e divino. Graças a ela somos extensões dos deuses...

- Jura? Então me responda, porque ela deixou Zeus castigar Prometeu que foi acorrentando e que teve o fígado comigo por águias pela eternidade afora? Os deuses são falhos e eu lhes digo mais: se eu sou espelho dos deuses, eles são meu espelho. São mesquinhos e imperfeitos!

(Shura)

- Blasfêmia!

(Aldebaran)

- Se você não calar a boca, vai acabar sendo oficialmente castigado...

- Pois que seja. Eu idolatro apenas um deus... Eu mesmo.

Diante do olhar aparvalhado de todos, que não esperavam uma revelação daquelas, Carlo se virou e saiu andando, sem olhar para mais ninguém...

Afrodite, sem saber o motivo, sentia seu coração doer...
Aquele jeito irreverente e amoral de Carlo ainda iria lhe trazer muitos problemas... Como ele ousava se comparar a um deus? Era mesmo tão irreverente quanto o próprio Saga!
Aiolia vociferou:

- Esse cara é intragável...

Shaka suspirou, preocupado...

- Mais do que isso, Aiolia... Ele tem um karma com os deuses.

- Como assim, um karma?

Afrodite se meteu, interrompendo a conversa dos dois...

- Shaka, o que você quis dizer com isso? Como assim, Carlo tem um karma com os deuses? Como pode ser isso, um mortal ligado aos imortais?

Shaka deu de ombros...

- Não sei explicar... Uma intuição forte... Essa raiva que Máscara tem dentro dele... Esse jeito belicoso. É algo que senti no cosmo dele, enquanto ele falava... Vem de outras vidas. E algo entre ele e os deuses, principalmente, algo que vem de outras eras...

- Como posso saber sobre isso que você intuiu, Shaka?

- Não, sei, Peixes. Dizem que apenas a encarnação do antigo Oráculo de Delfos pode dar resposta às perguntas de natureza kármica, mas eu mesmo, não sei quem é essa encarnação do antigo oráculo... Talvez o mestre Ares saiba...

Afrodite estremeceu. As imagens que o velho moribundo lançara em sua mente voltaram como um pesadelo dantesco.

Oh, deuses, ele, Afrodite, matara a encarnação do antigo oráculo! Era o velho que estava na Ilha de Andrômeda quando a ilha fora destruída... Então... O que vira... Poderia tudo aquilo ter sido real de alguma forma?

CONTINUA...


CRIPTÉIA: Vem de Kryptos (segredo) A guarda pessoal de Ares. Seita de assassinos.

Refiro-me ao capitulo 11 de Tempestade, quando Milo visita Camus na Sibéria.

Como sempre gosto de citar, a cada capítulo que uso o nome de Carlos de Angelis, que este nome foi criado pela Pipe e que ela me permitiu utilizá-lo.

Este é o meu site: www. yaoidreams. cjb. net

27/09/2005
Jade Toreador