NO CAPÍTULO ANTERIOR: Mais de cinqüenta dementadores cruzaram a linha da Floresta Proibida e entraram em Hogwarts, causando pânico. Mas, havia lá parte da Ordem da Fênix para impedir que as terríveis criaturas ultrapassassem as portas duplas de carvalho. Entretanto, nenhum deles contava com o número absurdo e, lentamente, caíam exaustos nos jardins. Até que eles apareceram...

***

Capítulo Vinte e Sete - A Deusa de Coração Humano – PARTE i

- Eu não preciso me deitar! – gritou Ametista, sendo empurrada de volta à cama da Ala Hospitalar.

         - Sim, a senhorita precisa, como todos os outros também. – Madame Pomfrey respondeu, a voz se alterando, o nervosismo com a neta do diretor.

         Ametista olhou para as camas ao seu redor.

         - É lógico que eles precisam se deitar! Eles nem estão acordados para ficarem em pé! – retrucou a jovem, o olhar recaindo sobre a enfermeira.

         Papoula estava estendendo um copo para Harry, sentado ao lado da cama de Ametista, num outro leito do Hospital. Sua paciência começava a se esgotar. Nas outras camas estavam Sirius, Remo, Zylkins, Wingnut, Stevens, Draco e Rony, todos desacordados. Hermione tinha o corpo anestesiado, num leito mais afastado deles, ordens de Dumbledore.

         - Eu vou apagar esta luz e se ouvir mais uma reclamação sua, Srta. Dumbledore, farei com que durma por mais de um ano, está me entendendo?! – disse Madame Pomfrey, suas sobrancelhas arqueando em fúria.

         - E se algum deles acordar? – provocou Ametista, indicando os hóspedes adormecidos. – Eu continue tendo que ficar de boca fechada?

         - Eles serão inteligentes o bastante de vir até mim e não correrem até a senhorita, então durma! – ordenou Papoula, o rosto vermelho.

         A enfermeira, então, apagou todas as velas da Ala Hospitalar e bateu a porta às suas costas, deixando-os para rumar a sua sala. Harry ouviu quando Ametista bufou. Tinha que confessar, ele mesmo estava tão impaciente quanto ela. Logo depois que os tais Cavaleiros de Merlin apareceram nos jardins de Hogwarts e espantaram todos os mais de cinqüenta dementadores, Dumbledore ordenou que Ártemis levasse Ametista, Hermione e ele até o Hospital pela noite, e deixou-os para trás. Os quatro supostos deuses seguiram Dumbledore.

         Quando seus olhos começaram a se acostumar com a escuridão, percebeu Ametista descer de seu leito e sentar no seu. Harry moveu-se ligeiramente e puxou a namorada para deitar-se com ele. Passou seu braço esquerdo por ela, abraçando-a.

         - Que será que foi aquilo com a Hermione? – indagou Ametista repentinamente, sua respiração no pescoço de Harry. – E quem eram aqueles tais de Cavaleiros de sei lá quem?

         - Cavaleiros de Merlin – corrigiu Harry, apertando-a contra seu corpo. – Não tenho idéia. Gostaria muito de saber o quê aconteceu também.

         Ficaram em silêncio. Aquela noite estava amena, uma leve brisa agitando as cortinas que cobriam as altas janelas em estilo gótico do Hospital. Harry recordou a multidão de dementadores invadindo Hogwarts com força total. Aquela imagem lhe dava calafrios. Quais seriam as intenções de Voldemort, fazendo com que todos – ou pelo menos a maioria deles – estivessem ocupados? Algumas outras imagens interceptaram seu pensamento, imagens que vira na Penseira de Sirius, como os rostos de seu pai e de sua mãe, o modo apaixonado como se olhavam e a sensação de felicidade que sentia perto deles. A mesma sensação que sentia no exato momento, abraçado naquela cama de solteira à namorada.

         - Por que você demorou tanto a aparecer? – perguntou a jovem, beijando levemente o pescoço do namorado, provocando um arrepio nele.

         - Eu entrei na Penseira do Sirius – disse Harry. Ametista ergueu-se ligeiramente e encarou Harry na parcial escuridão. – É. Eu vi até uma parte do casamento dos seus pais.

         Harry podia jurar que os olhos de Ametista brilharam por um momento. Ela sorriu com os lábios cerrados e voltou a deitar ao lado do corpo de Harry, apoiando o cotovelo direito sobre o colchão, apoiando sua cabeça e olhando-o de lado, pedindo que ele contasse mais. Harry tornou-se ligeiramente para ela.

         - Você tinha idéia de que sua mãe estava grávida quando morreu?

         - O quê? – disse ela, a voz ríspida e surpresa.

         - É, ela contou pro Sirius e eu vi – respondeu Harry, puxando-a para mais perto dele. – E não foi só isso. Descobri que a Ártemis ia casar com o irmão do Sirius, o Thomas.

         Os olhos azuis de Ametista arregalaram-se. Sua boca entreabriu.

         - Você só pode estar brincando. – murmurou, incrédula.

         Harry moveu a cabeça negativamente.

         - Agora, o quê me preocupa é o por quê deles se odiarem tanto – divagou Harry, encarando Ametista. – Ela poderia se tornar cunhada dele!

         Agora foi a vez de Harry apoiar-se no cotovelo e Ametista deitar no leito, encarando-o. Novamente, o silêncio se instalou na Ala Hospitalar, ambos divagando em pensamentos. O soar das respirações dos hóspedes deixava um certo clima fantasmagórico e cruel. Harry inclinou-se e beijou Ametista de leve. A garota o puxou pelo pescoço e o fez deitar sobre ela, tranqüilamente. Não estava realmente interessada nas vidas de Ártemis ou mesmo de seu pai. Estava muito mais preocupada com aqueles dementadores e as idéias do Lorde das Trevas. Mesmo que naquele exato instante, os lábios de Harry a beijavam com carinho, sabia que ele também estava tão cansado e aflito quanto ela. Seu corpo estava ficando pesado, assim como suas pálpebras. O silêncio somente ajudava sua sonolência, porém, agora, era a orquestra de seus beijos que interrompia o sossego. Mas não durou muito, já que ambos estavam exaustos. Deveria ser o remédio de Madame Pomfrey.

         Ametista achou melhor voltar para sua cama, não correndo o risco de ser repreendida ou muito menos surpreendida, dormindo na mesma cama que o namorado, no Hospital. Desejaram boa-noite e antes que pudessem verdadeiramente cair em sonhos, suas mentes já se desligavam e ambos caíram num sono profundo. Tão profundo que não chegaram a perceber uma movimentação estranha na Ala.

         Draco Malfoy, por sua vez, abriu os olhos com certa dificuldade. Sua cabeça doía muito e seus braços e pernas pareciam pesados demais para conseguir levantar-se. Ao arqueá-la levemente para frente, viu que os cortes em sua pele estavam latejando e fechando, cicatrizando. Voltou a cabeça no travesseiro com certa fúria, sentindo-se uma garota naquele pijama de doente. "No que você estava pensando quando decidiu seguir a estúpida da Dumbledore, Draco?", perguntava para si. "Agora, por causa da sua curiosidade, você está nessa cama curando ferimentos!", continuava, nervoso. "Já pensou se houvesse lá algum ajudante do seu pai? Algum Comensal? Você seria esfolado vivo, isso é o que aconteceria, idiota!".

         - Rony?

         Draco ficara tão entretido nos próprios pensamentos que não percebeu a circulação no Hospital. Alguém estava fechando a porta. Assim, apertou-se mais contra a cama e puxou o lençol que o cobria até a altura de seus olhos, procurando distinguir quem era o intruso. Com as velas apagadas e a visão acostumada ao escuro, Draco pôde ver que era Gina Weasley. A jovem do quinto ano estava ainda com as vestes da Grifinória. Dançando na ponta dos pés, ela passava olhando de leito em leito à procura, pelo que parecia, de seu irmão. Draco tornou a cabeça levemente para a esquerda e encarou o leito ao lado, onde estava aparentemente desacordado Ronald Weasley.

         Gina arregalou levemente os olhos diante da expressão dolorosa que o rosto de Rony carregava. Seu cabelo ruivo estava espetado para todos os lados, a respiração baixa, mas constante. Gina colocou a mão na altura de seu peito, assistindo o irmão. Estendeu sua mão direita sobre o leito, postando-se ao lado esquerdo de Draco, entre a cama dele e de Rony, e passou-a pela linha facial do jovem do sexto ano. Rony era o irmão que Gina tinha mais contato e que sempre cuidara e olhara mais por ela em Hogwarts. O jovem adormecido não percebeu quando Gina tentou falar com ele.

         - Rony, você pode me ouvir? – sussurrou Gina. – O que aconteceu com você? – não houve resposta. Rony estava dragado em sono e exaustão. – Rony...

         A jovem suspirou e endireitou-se. Seguidamente, virou para a cama ao lado e encontrou Draco Malfoy encarando-a com os olhos completamente abertos, como pronto para assustá-la. Rapidamente, colocou as mãos cruzadas sobre a boca, reprimindo um grito de susto. Draco, com dificuldade, colocou o dedo indicador sobre o próprio lábio, pedindo que ela fizesse silêncio, e tentou se endireitar na cama, sentando. Gina respirou fundo e encarou-o. Draco estava mais pálido do que normalmente e seus olhos também mais cinzentos. Quase poderia confundi-lo com um fantasma. Sem contar a "camisola" – na verdade, era um pijama comprido – que era obrigado a usar por estar na Ala Hospitalar.

         - Ficou maluco? – murmurou ela, levemente trêmula com o assombro. – Você quase me matou de susto!

         - Pena que não deu certo, Weasley – respondeu Draco, sussurrando como a jovem e dando seu costumeiro sorriso arrogante. – Não deveria estar na Torre dos Patetas?

         Gina semicerrou os olhos, nervosa.

         - Eu tenho família para me preocupar, Malfoy – justificou a jovem, tocando num ponto sempre delicado para Draco. – Eu que deveria perguntar, o que voc está fazendo aqui e não na Torre das Cobras?

         - Ártemis concordou que seria um bom treino para todos nós, Weasley.

         - Treino? – repetiu Gina, arqueando as sobrancelhas. – Você sabe o que aconteceu lá fora?

         - É claro que eu sei, eu estava lá! – respondeu Draco, ainda sussurrando para que nem Madame Pomfrey nem os outros ali deitados também ouvissem-nos. – Um bando de dementadores invadiu os jardins – Gina arregalou os grandes olhos castanhos, sentando levemente na lateral da cama. – Nós não tínhamos muita força, estávamos em bem menor quantidade que eles – Draco olhou de esguelha para Rony. – E nós ficamos assim.

         - Ma-mas... – gaguejou Gina, levando a mão sobre a boca novamente. – E Rony? Que aconteceu com ele?

         - O Weasley estava também lutando – rebateu Draco, sua voz não parecia muito contente. – Alguns de nós desmaiaram, ficaram fracos – Gina ainda tinha os olhos arregalados. – Eu também. Ainda não sei como conseguiram espantar os dementadores e nem como eu vim parar aqui.

         Gina, desta vez, nada respondeu. Mantendo os olhos sobre Draco, imaginou os dementadores invadindo Hogwarts e tentando entrar na Escola. Rony havia contado a ela sobre o ataque de Azkaban, e até mesmo havia sido comentado na última reunião dos Aprendizes, como simplesmente apelidaram Ártemis e Snape. Porém, Azkaban ficava muito longe de Hogwarts, e agora não parecia mais um empecilho ou uma pedra no caminho de Voldemort o refúgio de Dumbledore e de Harry. A expressão no rosto de Draco já dizia muita coisa também. Sua palidez e mesmo a fraqueza na voz transparecia as dificuldades que encontrariam agora pela passagem até destruírem Voldemort – isso, se conseguissem.

         - No que está pensando, Weasley? – indagou Draco repentinamente, quebrando a concentração de Gina.

         - Estou pensando se ainda podemos ter esperança, Malfoy – disse Gina, seus olhos semicerrando novamente e o olhar caindo para os lençóis que cobriam Draco, longe dos olhos dele. – Estou pensando se não somos um bando de idiotas que acha que pode vencer o inevitável – Gina pausou, sem ouvir resposta de Draco. – Acho que não há mais saída.

         Draco suspirou e fechou os olhos. "Droga! Isso de novo não!", pensou nervoso. O sonserino encarou Gina e viu que, querendo ou não, ela estava certa. Draco sabia alguma coisa sobre os planos de Voldemort para Dumbledore e sua trupe, ouvira seu pai conversando com sua mãe. Sabia que dificilmente, sairiam vitoriosos desta vez. Era como saber que tem uma doença incurável, e mesmo assim, tomar remédios para tentar retardar o inevitável. A morte.

         - Eu sei que você não está nem aí pra isso, Malfoy – interrompeu Gina, encarando Draco. – Aliás, eu nem sei porque você foi lutar ao lado deles – e ela indicou com o braço esquerdo as outras camas ao redor deles. – Sei que você não suporta meu irmão, nem o Harry ou a Hermione e muito menos a Ametista. Sei que, provavelmente, você está somente seguindo ordens do seu pai e que em breve se tornará Comensal da Morte. Também sei que você deve estar adorando essa situação e não agüentando mais a minha voz, mas se deliciando com a minha perda de esperança, porque esse é o objetivo de Voldemort – Gina não se incomodou em falar o nome do Lorde das Trevas. – E principalmente, sei que você está se roendo de ódio, sabendo que, mesmo que eu desista por um momento, eles não desistirão também – ela apontou novamente para os outros leitos. – Nenhum deles desistirá de lutar contra o derrota, mesmo que ela seja inevitável. E isso fará com que eu também não desista.

         A princípio, Draco continuou apenas observando-a, sua face ficando vermelha e os olhos levemente umedecidos com lágrimas que, posteriormente, cairiam. Naquele pequeno instante, Gina adquiriu a personalidade e a arrogância que somente duas pessoas que ele conhecia tinham, e que admiravam-no tanto: Ametista Dumbledore e ele mesmo. Seu cabelo vermelho estava desmazelado, um brinco azul em cada orelha, os lábios rosados e a boca curvada num modo com que, certamente, estava rangendo os dentes de raiva e cansaço. Era incrível como, atualmente, as pessoas pareciam vê-lo através com facilidade. "Primeiro, a idiota da Dumbledore, e agora, a estúpida da Weasley".

         Gina olhou para o teto da Ala Hospitalar e sorriu, um sorriso de ódio. O mundo estava caindo sobre a cabeça de todos e ainda arranjava tempo de discutir, ou pelo menos tentar discutir, com Draco Malfoy. Era cutucar fera com vara curta. Sem contar, seu irmão estava na cama ao lado, inconsciente e sem a menor idéia de que, um dia, ela já desejara estar com seu pior inimigo. Mordendo o lábio inferior, Gina não conseguiu impedir que algumas lágrimas caíssem de seus olhos. A idéia de saber que tudo poderia estar perdido, que sua família poderia ser exterminada, morta um por um, a deixava maluca. E aquela discussão com Draco a rumava a lugar algum.

         - Você está certa, Weasley – falou Draco, fazendo com que Gina encarasse-o e Malfoy percebesse as lágrimas escorridas em suas bochechas. – Tudo que você disse... Você acertou na mosca, satisfeita? – o rosto do jovem não aparentava nenhuma emoção. – Eu sou tudo isso, sou frio, não estou nem aí pra nada, quero ver todos vocês na lama, especialmente o Potter, e não me dá nenhuma emoção ou mesmo pena de vê-la chorando porque está perdendo as esperanças.

         A caçula dos Weasley permaneceu com a mesma face, ainda triste e irada. No seu misto de emoções, ouvir aquelas palavras somente a faziam perder a esperança no mundo. Aquele era apenas o filho de um dos seguidores de Voldemort. Quantos mais existiriam no mundo? Quantos mais apoiavam com as mãos atadas e os olhos fechados às atitudes do Lorde da Era do Terror? Todos eram iguais à Família Malfoy?

         - De que lado você está, Malfoy? – indagou Gina, sua voz forte o bastante para não demonstrar fraqueza, mais do que suas lágrimas representavam.

         - Achei que estivesse bastante óbvio...

         - Não, não está – respondeu a ruivinha, aproximando-se de Draco com fúria nos olhos. – Então, vou repetir a pergunta. De que lado você está? Realmente está?

         Infelizmente, Draco não conseguiu deixar de transparecer um certo nervosismo ao engolir em seco e piscar uma série de vezes, rapidamente. Ele então, fechou os olhos e suspirou. Quando os abriu por completo, Gina permanecia com o olhar duro sobre ele.

         - Eu estou do lado que eu me der melhor, certo – retrucou ele, sua cabeça indo à direção de Gina. – Eu não me importo se caso me tornar Comensal da Morte, terei de matar centenas de pessoas, pois este sou eu – Gina continuou no mesmo lugar, ainda que a cabeça de Draco estivesse tão perto que ela sentisse o hálito fresco dele em seu rosto. – Eu quero conseguir poder, não há mal nisso. Sou uma pessoa ambiciosa, senão não estaria na Sonserina – seus olhos se apertavam, os sussurros se tornando mais baixos ainda. – Mas quero também admiração e isso não terei de todos nunca, seja ficando ao lado de Dumbledore ou do Lorde – Draco rangeu os dentes. – É uma escolha minha, Weasley, e ninguém tem a ver com isso, nem você, nem Dumbledore, nem Voldemort. Uma escolha minha, somente minha. Entre a vida e a morte.

         Gina não poderia estar mais calma. Era quase reconfortante saber que Draco Malfoy havia acabado de abrir seus pensamentos a ela. Ela, Virgínia Weasley. A caçula de sete filhos, pertencente a uma família de sangue puríssimo, porém amante de trouxas, que mantinha estreitas relações com Alvo Dumbledore e Harry Potter. Draco só poderia estar louco. Assim, ela sorriu.

         Draco franziu a testa. "Qual é a graça?", perguntou ele, como se indagasse a ela, irritando-se com aquele sorriso nos lábios rosados da Weasley. Era o sorriso de vitória que constantemente caminhava pelos seus próprios lábios. Somente, ele não esperava que, no instante seguinte, Gina repentinamente arqueasse sua cabeça para frente e chocasse sua boca com a dele.

         Sua respiração se acelerou quando Gina o beijou. Sua mente não reagiu instantaneamente ao beijo, como em vezes anteriores. Por alguns segundos, Draco ficou completamente sem ação, sem saber ou ainda ter idéia do que estava acontecendo. Era óbvio que ele sabia que Gina o beijava, mas não entendia o porquê daquela atitude. Afinal, Draco havia acabado de dizer quão frio e cruel era, aquela era sua natureza. E aceitando ou não, Ametista sempre estava certa quando tocava naquilo. Sua natureza era má. Seu pai o ensinara a ser mal. Sua mãe alimentara o desejo de fazer mal às pessoas. Os amigos de Lúcio Malfoy sempre o incentivaram a transformar a vida de todos os seus iguais num inferno em Hogwarts – não que eles considerassem os outros iguais, sempre inferiores, logicamente. E, mesmo assim, aquilo não parecia afetar em absoluto a atitude de Gina. Ela estava o beijando.

         Após o choque inicial, Draco realmente fechou os olhos e passou os braços pelas costas de Gina e tentou aproveitar o momento. Com uma lentidão notável, Draco foi abrindo seus lábios e levando Gina a roçar sua língua em sua boca, depois em sua própria língua. Enquanto isso, seus dedos iam caminhando da cintura da jovem até a ponta de seus fios de cabelos ruivos, que tinham leves ondas, como cachos, no meio de suas costas. As mãos de Gina rumaram até o rosto de Draco e se depositaram ali. A pele pálida do sonserino estava ligeiramente áspera, como se estivesse no segundo ou terceiro dia após ter feito a barba. Além disso, existiam pequenas elevações em sua pele, os pequenos cortes que haviam sido curados pouco antes. Os dedos dela brincavam nas bochechas dele, passando bem perto da lateral das bocas coladas. Por várias vezes, eles desgrudavam os lábios e Gina passava seus dedos sobre a boca, seus olhos se abriam e se encaravam, enquanto ele também parecia em estado fora de si. Não havia qualquer tipo de emoção ou coisa parecida no olhar. Apenas estavam seguindo seus instintos. Aquilo não poderia estar acontecendo.

         O sonserino encostou-se na cama e puxou Gina consigo, fazendo com que ela se esticasse ao seu lado no leito de solteiro, a jovem ficando por cima dele. Suas próprias mãos estavam trêmulas, e Gina notou que o queixo de Draco também tremia levemente, aparentando um certo nervosismo. Calafrios subiam e desciam sua espinha enquanto seus dedos trilhavam o caminho dentro do pijama do Hospital de Draco, chocando-se com a pele fria e sentindo-se quente ao ter os braços dele a envolvendo. O beijo continuava lento, mas carinhoso. Num momento, ambos abriram os olhos e continuaram se beijando com eles abertos, o movimento se tornando mais irresistível e a velocidade aumentando conforme a provocação de seus olhares. Draco também passou a alcançar a macia pele das costas de Gina, colocando suas palmas dentro da camisa branca que a jovem ainda vestia, junto da gravata amarela a vermelha, da Grifinória.

         Gina sabia bem o quê estava fazendo, e que era completamente errado, mas prosseguia. Odiava o fato de Draco ser realmente quem ela sempre imaginou. Mas adorava o quanto o jovem Malfoy poderia dançar junto dela, naquela dança maluca, onde ambos arriscavam suas vidas e suas reputações. Não que aquele lapso de sua mente saísse daquela estreita cama da Ala Hospitalar, porém sabia-se que existiam pessoas olhando de muito perto seus passos, como também os de Draco. Era arriscado. E talvez, exatamente por este motivo, mostrava-se tão irresistivelmente delicioso.

         Draco retirou as mãos de dentro da camisa de Gina e guiou-as até o rosto da Weasley. Ao tocar suas bochechas, notou que estavam úmidas e muito quentes. Surpreendentemente, ela ainda estava chorando, mesmo que, pelo menos a ele, aquilo parecia maravilhoso. E de alguma forma, Gina estar chorando somente trazia à tona uma verdade a Draco que sempre martelou seus miolos. Estar com ela não criava um mundo novo e à parte deste que ambos viviam. Draco poderia sentir-se confortável ao lado dela e mesmo ter aquela gostosa sensação de liberdade, de que o céu não é tão longe ou inalcançável, mas a verdade era que Gina o trazia de volta à realidade, à sua vida. Estar com ela criava um senso de realidade e medo em Draco que nunca acontecera antes em seu interior. Gina colocava seus pés no chão e o fazia enxergar melhor quão terrível é seu destino ou mesmo o dela neste mundo.

         Talvez fora aquela umidade no rosto de Gina que o fizera paralisar. Draco parou de mover sua boca e conseqüentemente, parou de beijar Gina. A jovem sorriu contra seus lábios e distanciou-se, para poder vê-lo. Draco estava com os olhos abertos, encarando-a seriamente. O sorriso morreu nos lábios da garota e ela viu que Malfoy tinha uma expressão dolorosa no rosto. Assim, ainda encarando-o, Gina saiu de cima dele e sentou na lateral da cama novamente, pulando para o chão com cuidado e ofegante.

         Até Gina deixar a Ala Hospitalar, Draco ficou encarando o caminho por onde ela foi embora. Aos poucos, sua lucidez foi voltando, seus sentidos enfraquecendo e aquela dormência em suas pernas o tomando. Entretanto, até o dia seguinte, ficou com os olhos estarrecidos, fixando-os no teto do Hospital e esperando que alguma solução ou algum pensamento tomasse sua cabeça e afastasse aquele terrível sentimento que se formara naquele momento. Estava tudo perdido. Se Draco achava que era frio e cruel, teria de ser totalmente desumano e ir contra seus sentimentos. Seria fácil. Ou não? Estava tudo perdido.

***

O ar no Salão Principal estava levemente pesado. Via-se claramente que Sirius e Remo estavam perturbados. Arabella sentava ao lado do noivo, abatida. Jack, Silver e Juliet pareciam cansados. Hauspie Bellacroix e Rudolph Rawlings sentavam-se pouco mais distantes, aos cuidados de Madame Pomfrey, cuidando de seus ferimentos. Azíz e Victoria cochichavam num outro canto. Snape tinha os braços cruzados na altura do peito, postado ao lado de Minerva, que mantinha a expressão austera. As portas trancadas com magia. Sibila e Flitwick mais afastados, juntos dos outros professores de Hogwarts. Ártemis tinha o corpo encostado numa das paredes, e seu olhar estava vago, distante. O sol fraco entrando pelos enormes vitrais. Os raios de luz mesclavam-se, formando colorações variadas e permitiam que o rastro de poeira do ar fosse visto.

         Um burburinho começou a ser ouvido, distante e baixo. Um a um, todos os funcionários de Hogwarts e os pertencentes à Ordem da Fênix foram ajustando suas posturas. Era pouco mais que oito da manhã e todos estavam à espera de Dumbledore com os Cavaleiros de Merlin. Mesmo aqueles que passaram a noite na Ala Hospitalar estavam presentes. O café da manhã havia acabado há poucos minutos e os alunos foram impedidos de entrar no Salão Principal.

         Discretamente, Dumbledore apareceu vindo da sala ao lado, onde Harry havia encontrado os outros campeões do Torneio Tribuxo, em seu quarto ano. Ao seu lado estava Ares, o primeiro Cavaleiro, seu cabelo azul solto e caindo em suas costas. Sua vestimenta era azul clara. Em seguida, também em dupla estavam Cronos e Hades, segundo e terceiro Cavaleiros, as vestimentas bronze e cinza. Por último, a bela mulher, a quarta Cavaleira, com o cabelo castanho solto sobre os ombros e a vestimenta creme.

         - Amigos – chamou Dumbledore, abrindo os braços na direção dos que os esperavam. – Estes são os Cavaleiros de Merlin, nossos gentis convidados. Ares. Cronos. Hades. Helderane.

         Todos, sem exceção, curvaram-se levemente para os quatro Deuses e continuaram em silêncio. O diretor olhou para baixo e depois por cima de seu óculos de meia-lua. Havia uma certa resistência por parte de um pequeno grupo ali presente. Um sorriso formou-se em sua face quando Helderane se pronunciou.

         A mulher sorriu levemente e deu um passo a frente, descendo do andar onde estavam, sobre o degrau onde ficava localizada a mesa dos professores. Ártemis cerrou os olhos e notou que os outros três deuses encararam-na com certo desgosto. Levantando uma de suas sobrancelhas, assistiu Helderane erguer a cabeça e se dirigir até onde estavam localizados Sirius Black, Remo Lupin e Arabella Figg. Repentinamente, a Deusa abriu os braços.

         - Não mereço um abraço de boas-vindas? – perguntou a Cavaleira, sua voz parecendo se espalhar pelo Salão Principal como uma canção.

         Surpreendendo a mais da metade dos ali presentes, Sirius abriu igualmente os braços e caminhou até a Deusa, abraçando-a com força. Podia-se ver inúmeras testas se franzindo, as faces em completa confusão e surpresa. Sirius ficou muito tempo abraçado a Helderane e depois que eles se separaram, deu um beijo no topo da cabeça da mulher.

         Arabella sorriu languidamente para Helderane, e Lupin formou um sorriso com os lábios cerrados, acenando para a mulher. Helderane igualmente sorriu em resposta. Em seguida, olhou a sua volta. Minerva McGonagall caminhou até ela e abraçou-a com força, puxando Helderane levemente para baixo e beijando o rosto da Deusa. Depois, Helderane fez um aceno com a cabeça para Snape e os outros professores. Seu olhar recaiu sobre Ártemis. A irmã mais velha de Arabella levantou suas sobrancelhas com um olhar esperto para Helderane, que retribuiu o gesto.

         - Alguém pode explicar a mim o quê está havendo aqui? – indagou Rudolph, com Madame Pomfrey cutucando seus cortes na perna esquerda.

         Dumbledore pigarreou.

         - Eu os convoquei para que pudessem nos ajudar com Voldemort – disse Alvo, as bochechas corando ao ver o olhar que se trocava entre Helderane e Sirius. – Helderane, de muito gosto, aceitou o convite e ela, Cronos, Hades e Ares decidiram acompanhá-la – os três Deuses assentiram com a cabeça. – Espero que possamos servi-los da melhor forma possível, sim?

         As cabeças no Salão Principal iam acedendo, enquanto Helderane cochichava algo no ouvido de Dumbledore.

         - Eu fiz um pedido para os Senhores Cavaleiros – disse Helderane, sua postura ficando majestosa. – Proteção a Hogwarts, aos alunos daqui e principalmente ao mundo bruxo, contra aquele que se intitula Voldemort.

         Ares desceu do degrau e postou-se ao lado de Alvo.

         - Como pedido da Nossa Senhora Helderane, assentimos em comparecer a Hogwarts – dizia Ares, o tom de sua voz era forte e imponente. – Porém, queremos que fique extremamente clara nossa intenção aqui. Haja o que houver, sempre estaremos direitos às ordens dos Cavaleiros de Merlin. A Legião é acima de tudo, acima de Hogwarts, dos desejos da Nossa Senhora e de Voldemort ou Dumbledore – o silêncio prosseguiu. – Não iremos nos desviar de nossos deveres por causa de uma batalha entre vocês, bruxos.

         Cronos desceu em seguida e encarou a todos. Seus olhos avermelhados estavam brilhantes e seu pequeno porte aparentava quase que maldade.

         - Dementadores não invadirão Hogwarts novamente, podemos assegurar – disse Cronos, seu cabelo esverdeado se arrepiando conforme dizia. – Estaremos dispostos a ajudá-los, mas não poderemos lutar ao lado de vocês – muitos se entreolharam, confusos e raivosos. – Somos Deuses, e Deuses não interferem em assuntos da comunidade bruxa. Isto, somente o Conselho dos Líderes poderá fazer. Somos integrantes deste Conselho, porém a decisão tem de ser unânime. E mesmo nós não temos esse poder.

         Ártemis desencostou da parede e encarou os quatro Cavaleiros de Merlin, seus olhos violeta ficando perigosos.

         - E qual é o preço disso? – Hades olhou para Ártemis e seus olhos quase brancos moveram-se, contorcendo-os num sorriso. O homem não sorria com a boca. Isso deu um leve arrepio na maioria dos presentes. – Eu sei que Deuses como vocês sempre querem algo em troca. O quê será desta vez?

         Uma frieza e astúcia surgiram no semblante dos três Cavaleiros homens. Entretanto, Hades foi quem respondeu, caminhando até Ártemis e paralisando a frente dela, ajoelhando-se no chão. A mestra deu um passo para trás e Hades pegou sua mão, beijando-a com delicadeza. Ártemis sentiu no mesmo segundo um calor subir pela sua mão até seu rosto. Era como se seu corpo estivesse pegando chamas. Aquela sensação não era gostosa. Na verdade, Hades fizera com que o mínimo contato de seus lábios na pele de Ártemis provocasse uma corrente de poder, uma brasa de fogo. Esta corrente ferveu o sangue de Ártemis por um breve momento, muito breve. Fora assustador.

         - Desta vez será como das outras, Senhorita Ártemis Íris Figg – Hades sorriu somente com os olhos novamente e Ártemis puxou sua mão de volta ao corpo, não apresentando o temor que sentira ao encontrar a visão esbranquiçada do Deus. – Entretanto, eu levarei apenas uma única vida comigo.

         Todos murmuraram algo, fosse para si ou para o companheiro. Ártemis fechou os olhos e imaginou que aquilo aconteceria. Como já avisara Dumbledore, sempre os Cavaleiros de Merlin reivindicam algo em troca. E como sempre, vidas. Nessa situação em especial, parecia que Helderane havia dobrado os três Deuses para levar somente uma. Porém, quem seria o escolhido?

         - Mas afinal – o ligeiro sotaque francês foi ouvido de Hauspie, colocando as mãos na cintura. – Qual foi a do abraço, mon petit?

         Sirius riu, assim como Helderane. A Deusa deu um passo próximo de Dumbledore e suspirou, dizendo:

         - Eu fui amiga de Sirius, Srta. Bellacroix – respondeu Helderane, a canção de suas notas da voz parecendo maravilhosa ao ouvido de todos. – Eu sou uma antiga aluna da Grifinória daqui de Hogwarts.

         Todos ficaram paralisados, sem entender. Helderane bufou e sorriu a todos.

         - Meu nome é Heather – sua voz aos poucos foi diminuindo a majestade. – Venho de uma família bruxa, sangue-puro e tive um irmão que se chamava Tiago, pais de nome Catherine e Anthony, que fora Ministro da Magia antes de sua morte. Eu sou Heather Potter.

         Provavelmente, a grande maioria dos queixos daquele Salão se abriu e não fechou mais até que toda a estória fosse contada pela herdeira dos Potter, a qual se tornara uma verdadeira Deusa.

***

Nota da Autora: A partir desta cena até o final do capítulo, entre os acontecimentos, estarão os pensamentos da Deusa Helderane, ou Heather Potter, como vocês queiram chamá-la. Todos em primeira pessoa e itálico.

***

Mesmo que eu quisesse fugir, sei que não conseguiria. Por um lado, eu tenho fugido da verdade e da vergonha por todos esses anos. O dia que marcara minha vida. Minha transgressão. Porém, o dia em que fui comunicada por Dumbledore do meu verdadeiro destino, provavelmente, também tenha sido um dos piores e inesquecíveis dias dessa minha jornada. Não pude escolher. Não havia escolha. Por mais que todos tentassem me convencer do contrário. Estava destinada. Melhor, estava condenada. E até hoje, neste momento, que me olho diante deste espelho, sei que continuo acorrentada a essa condenação.

Eu estava no quarto ano. Não tinha idéia o quê significava aqueles sonhos estranhos, sobre luzes e seres mágicos. Pareciam fadas, que brilhavam e jogavam seu pó mágico sobre mim. Mais tarde, descobriria que aquelas inocentes fadinhas eram os carcereiros da minha prisão, os que mantinham meus pés dentro da jaula e minha mente na realidade e lucidez. Quando Dumbledore comunicou meu irmão, minha mãe e eu de que havia nascido com o Dom da Imortalidade, recordo das imagens ficando turvas e as luzes me atingindo no meu profundo pensamento. A partir daquele dia, fui me transformando naquela que sou conhecida hoje: Helderane.

Os anos se passaram e eu não os percebi em muitas ocasiões. Em outras, notei o quanto demoraria a passar o século que teria de passar confinada aos princípios dos Deuses Cavaleiros de Merlin. Além do mais, eu sempre tinha Ares, Cronos ou especialmente Hades para me lembrarem do destino que fui concebida.

E então, foi como se algo caísse em minha cabeça. A morte do meu irmão. Tiago não havia conseguido escapar das garras e das Trevas. Ares repetia seguidamente a mim, como se fosse uma vitrola daquelas que a mãe da Arabella, a amiga de Tiago, adorava ouvir: nós não faremos nada, Helderane, não moveremos uma palha, um fio de cabelo do lugar. Provavelmente, após vê-lo caído, entre os braços de Sirius, eu tenha entendido. Não havia chances para mim. Eu iria ser Helderane. Heather Potter estava morta e muito bem enterrada.

Entretanto, por quê eu sofria tanto?

***

Não era de se surpreender ou mesmo chocar que os dormitórios os quais iriam acomodar os Deuses fossem especialmente enfeitiçados para parecerem como dignos de Merlin. A cama ficava encostada numa das paredes, envolvida por um dossel magnífico. Os lençóis eram de seda e combinavam perfeitamente com o carpete muito claro. Os tons amarelados e cremes imperavam nas paredes, nos móveis e até mesmo na jarra cristalina que servia como pia, uma bacia de cristal, certamente.

         Sirius, Remo e Arabella estavam sentados em uma espécie de sofá que parecia mais com uma espreguiçadeira. Os olhos corriam curiosos pelo quarto sem descanso. O perfume gostoso de algo parecido com licor de laranjas embriagava o ar que era inspirado e expirado pelos ali presentes.

         Quando Helderane apareceu novamente, parecia ser uma pessoa completamente diferente da de alguns minutos atrás. Aquela não se parecia nadinha com uma Deusa, com um Cavaleiro de Merlin. Aquela mulher era Heather Potter, e ninguém mais, ninguém menos. Seu cabelo estava solto, caindo liso sobre seus ombros e não passando deles. Suas bochechas eram levemente coradas e faziam graça nos olhos castanhos de proporções enormes para seu rosto ligeiramente arredondado. Após a boca desenhada e de lábios carnudos e vermelhos, seguia o corpo de uma jovem com pouco mais de 20 anos. Aquela era a parte chocante.

         A Deusa vestia uma simples blusa vermelha, com um leve decote quadrado, que caía como uma luva em seu tronco e seios. A linha esguia da cintura entrelaçava-se com o quadril pouco mais largo vestido numa calça que ia até seu tornozelo. As pernas pareciam na medida certa para seu corpo pequeno, que se chocava com os também pequenos pés envolvidos numa sandália baixa. Aquela parecia uma jovem trouxa, não uma mulher de quase quarenta anos. E não apenas o fato de seu corpo ter mudado pouquíssimo para sua idade, sua vestimenta demonstrava que, dentro daquelas quatro paredes, longe de Ares, Cronos ou Hades, Helderane era apenas Heather, e nada mais.

***

Eu tenho, após todos esses cruéis e frios anos, a chance de voltar a ser Heather, nem que fosse por alguns simples dias. Estes mesmos dias seriam lembrados para sempre, mesmo depois que eu deixasse esse corpo e esse mundo. Seriam minhas fontes de alegria, minhas forças para enfrentar tudo. A minha felicidade de vê-los olhar para mim. Eles estavam vendo Heather. Somente Heather.

         - Ainda não acredito que estou aqui com vocês – disse ela, andando até os convidados e sentando na beirada de sua cama, cruzando as pernas num modo elegante. – Já são tantos anos...

         Arabella sorriu para a mulher com a aparência tão mais jovem que ela própria e questionou:

         - Seria indelicado demais perguntar como você está assim com 40 anos?

         Heather riu num som que encheu os ouvidos dos três presentes com alegria. A mulher deu uma piscadela para a mulher.

         - Trinta e nove, para ser mais exata – corrigiu divertida. – Acho que tem a ver com a coisa da Imortalidade. Acabo não envelhecendo o tanto que deveria – Arabella levantou as sobrancelhas, surpresa com a calma e a brincadeira com que Heather levava um assunto tão sério. – Os anos passam e nós nem percebemos, não é mesmo?

         Todos sorriram melancólicos e ficaram em silêncio seguidamente. Sirius levantou o olhar e reparou como aquela Heather parecia a mesma garotinha que adorava encher a paciência em Hogwarts. Claramente, seu corpo estava perfeito e suas ações condiziam com a idade que aparentava, não exatamente com 39 anos. Porém, via-se em seus grandes olhos o tanto que já vivera em seus mesmos 39 anos. Mais precisamente, após seus 17.

         - Eu queria ter estado aqui... – interrompeu o silêncio Heather. – Queria ter estado presente... – o olhar dela se dirigiu para a cortina do dormitório, que voava com leveza, deixando que os raios do dia de sol entrassem e os afogassem em paz. – Queria ter ajudado.

         Sirius pigarreou e Arabella engoliu em seco. Sabiam bem do quê Heather estava se referindo. Ambos abaixaram o olhar, enquanto Remo sustentou-o na direção de Heather. A mulher lentamente tocou com a ponta dos dedos uma corrente prateada que rodeava seu pescoço.

         - Você estava – disse Remo repentinamente, fazendo com que a mulher o encarasse com pesar. – Tiago sempre soube que você seguia os passos dele, estando perto ou distante – as bochechas de Heather coraram involuntariamente, dolorosa. – Não havia nada que pudesse fazer para evitar, para impedir.

         - E Harry? – indagou a Deusa para Lupin. – Eu tenho medo como ele poderá reagir. Não é todo dia que se descobre algo como uma tia que sumira com seus 17 anos da face da Terra. E ainda uma que se tornara Deusa!

         Sirius voltou o olhar sobre Heather. Era óbvio que os mais de vinte anos em que Heather estivera longe faziam diferença. Uma diferença estarrecedora. Afinal, sequer o nascimento do sobrinho ela tinha estado presente, quanto mais seu crescimento ao lado dos Dursley ou agora junto de Sirius.

         - Tenho certeza que Harry ficará sem palavras – respondeu o padrinho do jovem. – Harry sempre procurou em todas as pessoas uma pontinha de esperança, de sentido de família. E eu sei que ele ficará incrivelmente feliz por você ter voltado, fosse ao menos para defendê-lo de Voldemort.

         - Eu tenho vergonha, Sirius – murmurou para o homem, enquanto o rosto ficava cada vez mais rubro. – De que adianta ser uma Deusa capaz de nocautear qualquer um com apenas um piscar de olhos se não estive aqui nos momentos mais importantes da vida do meu sobrinho, do meu único sobrinho – Arabella percebia o tamanho do arrependimento da mulher. – Todos esses anos junto dos Cavaleiros foram como o inferno. Eu me senti enjaulada, dependente e com essa dor que me tira o sono de todas as noites. Eu fui até o corpo morto de Tiago, fui até o seu enterro e até hoje continuo procurando a resposta para ter sido escolhida com essa maldita missão.

         Heather fechou os lábios e sentiu o queixo tremelicar com uma pontinha de lamento. Seus olhos caíram sobre Sirius.

         - Eu agradeço imensamente tudo que você tem feito por Harry – disse ela, a expressão antes apenas rubra, mas agora também endurecida. – Tiago e Lílian fizeram uma brilhante idéia ao escolher você e Arabella para olharem por Harry. Sei de cada pequenino momento que você passou em Azkaban e também sei como você transborda de felicidade hoje porque finalmente tem tudo que sempre quis ao seu lado...

         - Fico muito feliz que você tenha voltado, menininha – sorriu Sirius, levantando do sofá e caminhando até Heather. – Me alegra saber que você tem olhado por nós, mesmo que de muito longe – Sirius esticou-se e pegou as mãos de Heather entre suas mãos. – Me enche de emoção ver um rosto tão familiar – Heather sorriu com os lábios cerrados. – Você parece muito com Tiago e com sua mãe.

         A mulher ergueu-se da cama e abraçou Sirius com sofrimento. Arabella caminhou igualmente até Heather e piscou para a mulher, dizendo:

         - Você já sabe que temos muito o quê conversar, certo?

         Heather riu e envolveu Arabella, recordando quão correta e justa aquela mulher poderia ser. Ao olhar para ela parada ao lado de Sirius em seguida, uma forte onda de calor invadiu seu coração e a imagem de Tiago e Lílian inundou seus pensamentos. Ver através de suas roupas, ver suas almas. Talvez esta fosse uma das vantagens de ser uma poderosa Deusa. Heather via, mesmo que por um breve instante, o quanto ambos eram perfeitamente felizes e completos. "bvio que o fantasma de Hariel sempre assombraria os sonhos de Sirius, provavelmente até o final de seus dias, mas era Arabella quem ele realmente amava naquele exato momento. Tocou sem pensar novamente o cordão prateado.

         - Que tal jantar conosco hoje à noite? – propôs Sirius, dando um sorriso e passando o braço pelo de Arabella. – Como Heather.

         - Não posso, mas agradeço o convite – respondeu, seus olhos se dirigindo a Lupin. – Tenho alguns assuntos a tratar hoje.

***

É tão doloroso encará-los. É como se eu estivesse diante de um erro que cometera e que agora deveria confessá-lo em plena praça pública perante todo o mundo. O pior de tudo, especialmente, é saber que meus olhos dizem tudo. Cada pedacinho da minha mágoa, da minha culpa, do meu arrependimento. Meu irmão costumava dizer isto a mim. "Seus olhos são o espelho da sua alma, Heather – ele dizia. – Dizem exatamente o quê você está pensando, está sentindo". E possivelmente, diria até inevitavelmente, eles viriam cada parte do meu ser naquela breve conversa.

Sirius era alguém tão igual e ao mesmo tempo tão diferente que me choquei. Os anos de felicidade que passara ao lado de Hariel fizeram tão bem a ele que sempre imaginei como seria vê-lo com aquela exata expressão: a vingança e a culpa. Eu costumo recordar a morte de Tiago e Lílian em meus sonhos. Não tinha idéia que Voldemort estivesse tão perto, mesmo que soubesse a traição eminente de Pedro. Assim que Hades comunicou a mim que haveria mais alguns corpos naquela noite e que eu os conhecia, gelei. Pior do que a notícia foi assistir as lágrimas persistentes caírem dos olhos de Sirius. A culpa que sentira naquele momento me marcará para o resto da minha vida. Observar seu desespero e declarar vingança àqueles que destruíram seu porto seguro me fez refletir por muito tempo. Sirius tornara-se um novo homem, cheio de ódio e amargura. Azkaban, por um lado cruel, fizera muito bem a ele. Assim, ele fora capaz de canalizar sua ira na pessoa certa e descarregá-la no momento certo. Mas, hoje, agora, ao encará-lo, vi que seus olhos amolecerem num modo carinhoso e não me recriminaram por ter de estar tão distante. Ainda devia muito a ele. E ainda pagaria.

Arabella ainda tinha a majestade ao seu lado, mesmo que a todo custo e desde que a conheço, ela tente esconder. A Herdeira de Rowena Ravenclaw, a portadora do dom da visão e dos pensamentos parecia incrivelmente amadurecida pelos anos. Sua aparência mudara drasticamente, mesmo que sua beleza continuasse presente em todas as partes de seu corpo. Arabella sempre fora a amiga de Tiago que eu mais gostara. Não sei bem o porquê. Talvez seja porque ela era tão paranóica quanto eu com os estudos, ou que tentasse parecer perfeita aos pais. Talvez fosse apenas pelo seu jeito discreto e amoroso com o quê levava a vida. Bella sempre estivera presente ao lado de Tiago e mesmo do meu. Até quando havia aqueles pequenos problemas com as lições, com os sumiços de Tiago e seus amigos para a Animagia. Perdi a conta de quantas vezes Arabella ficara ao meu lado para ouvir minhas lamúrias em relação à morte de papai, a mudança de Tiago ou aos garotos. Ela era quase minha melhor amiga. Quase porque eu tinha outra. Mas essa também já deixou o mundo há alguns anos.

Remo. Ainda tinha de conversar muito com ele. Afinal, não existira alguém como ele, certo? Ao menos, não a mim. E agora mesmo, acabei de pedir que ele permanecesse em meu quarto. Preciso abrir meus pensamentos. E ele era o único que poderia me ouvir. E me entender.

***

Assim que Sirius e Arabella fecharam a porta do dormitório da Deusa, Heather engoliu em seco e sentiu uma certa ansiedade tomar seus batimentos cardíacos. Remo cruzou os braços e suspirou, olhando para Heather com curiosidade. A mulher sorriu novamente com os lábios fechados e aproximou-se de Lupin. O homem viu como a mulher ficou corada e sorriu divertido. No instante seguinte, eles estavam abraçados. Ambos sorriram involuntariamente. Aquilo era bom.

***

Será que eu deixei transparecer demais? Digo, eu sequer consigo controlar o modo como minhas bochechas ficam vermelhas, quanto mais a face de alívio por tê-lo ali, somente ali, a pouquíssimos e insignificantes passos de mim. Sou feliz. Mesmo que por um momento, mesmo que por uma pequena aceleração de meu coração.

***

         - Imaginei que você nem quisesse dirigir a palavra a mim. – sussurrou Heather perto do ouvido de Lupin.

         Contra seu pescoço, Heather sentiu Lupin sorrir.

         - E me dê um bom motivo para eu fazer algo como isso – respondeu Lupin, afastando seu rosto de Heather e olhando para baixo, a fim de encarar a mulher. – Eu pensei muito em todos esses anos e sempre achei que seria você a fazer isto.

         - Como eu poderia, Remo? – sorriu a irmã mais nova de Tiago.

         Heather soltou-se do abraço e deu um passo para trás. Remo bateu os braços ao lado do corpo e fez um beicinho de criança, com a expressão cheia de surpresa.

         - Então você voltou – murmurou ele, quase que embaraçado. – Tiago ficaria orgulhoso de vê-la assim – e Remo deu uma bela checada em Heather, de cima a baixo. – Você parece muito, muito mais nova que eu. E são somente dois anos de diferença!

         - Talvez por fora, Remo, mas por dentro, pode acreditar que tenho mais de mil anos – a face de Heather escondeu o sorriso e mostrou certa dor. – Sinto como se tivesse vivido muitos anos em alguns minutos. Outras vezes, sinto como se tivesse vivido absolutamente nada em milhares de anos – Lupin suavizou a alegria e ouviu Heather com atenção. – É horrível. É exaustivo. É tudo de ruim e de mal.

         - Você não quer conversar comigo, Heather? – perguntou Lupin, segurando numa das mãos da mulher, fazendo-a encará-lo. – Não foi para isso que você me chamou aqui?

***

Se eu pudesse dizer tudo que queria dizer, tudo... É quase como ter uma corda enrolada em seu pescoço, e aquela dor a sufoca, mas você não pode abrir seus pensamentos ou mesmos seus sentimentos. Não podia dizer muito a Remo, até porque não pretendo levá-lo comigo em meus lamentos mais uma vez. Mas, ao menos, gostaria de dizer o quê sentia. A dor que afogava minha respiração e o amor que explodia em minha alma.

***

         - Eu chamei você aqui, Remo, porque você é o único no meio desta multidão que realmente me conhece – disse ela, seus lábios crispando de nervosismo.

         Lupin sorriu e esperou que ela continuasse. Heather ficou calada, pensando em como poderia iniciar. Entretanto, a vontade de falar era maior que a seqüência em seus pensamentos.

         – Eles não têm sentimentos! – gritou Heather repentinamente, como numa explosão de cansaço.

         Remo arregalou os olhos, sem saber o quê perguntar ou dizer. Heather era a irmã mais nova de Tiago, era uma mulher incrível e sempre fora alguém que se destacara nas páginas de sua vida. Mas assisti-la desvanecer em desespero em seus braços naquele majestoso dormitório o deixou levemente amedrontado.

         - Venha aqui – pediu ele, puxando-a para a cama e sentando-a ao seu lado. – Que aconteceu com você nesses anos, Heather? Helderane não pode ser somente uma outra pessoa, porque querendo aceitar ou não, você me pareceu a mesma com toda aquela pompa e aparência de um Cavaleiro de Merlin.

         A mulher continuou com as mãos entrelaçadas nas de Lupin e o encarou, os olhos enormes arregalados. Eles estavam vermelhos, como se o sangue estivesse brotando de seu globo ocular. Era quase assustador. Lupin levantou suas sobrancelhas.

         - Ares, Cronos e Hades – disse Heather, segurando a respiração e o olhar sobre Lupin. – Eles não sabem o que é ter sentimentos! Eles não sofrem, não sorriem, não se desesperam, não passam noites sem dormir com o coração pesado, não amam! – as mãos de Heather tremiam nas de Lupin agora de um jeito frenético. – São vinte e dois anos, Remo! Eu fui amaldiçoada!

         Lupin arregalou os olhos com o grito de Heather e apertou as mãos da mulher nas suas. Aquela não era sequer a antiga Heather, a garota por quem ele tinha tanto respeito e admiração, a garota que sempre era gentil e que se preocupava em colocar os outros à sua própria frente. Aquela sim era a Deusa Helderane.

         - Eu fui amaldiçoada com esse coração! – repetiu Heather, agora, tentando se desvencilhar das mãos de Lupin.

         Quando Lupin tentou puxá-la contra seu corpo a fim de acalmá-la, uma estranha força de repulsão saiu do corpo de Heather e a mulher sentiu como se houvesse uma energia maligna saindo de seu ser e atingindo o peito de Lupin com ferocidade. Subitamente, Remo foi lançado para longe de Heather, até bater com as costas contra a penteadeira que havia ao lado da cama da Deusa.

         A mulher gritou e pulou da cama. Lupin sacudiu a cabeça e gemeu ao sentir uma dor pungente na região posterior da cabeça. Seguidamente, forçou os olhos na direção da cama e não encontrou Heather. Ao se erguer do chão com certa dificuldade, Remo notou-a num dos cantos do dormitório, encolhendo as pernas junto ao corpo e abraçando-as com os braços. Lágrimas brotavam de seus olhos. Lupin tentou aproximar-se dela, mas Heather ergueu uma mão pedindo que ele paralisasse.

         - É isso que eles fizeram comigo, Remo – sussurrou Heather, somente um fio de voz saindo de sua garganta. – Eu sou a única Deusa entre os quatro Cavaleiros de Merlin que possui um coração humano. Só que não posso me aproximar das pessoas que eu amo. Se meu corpo reagir com amor contra a vontade de Ares, Cronos e Hades, eu repulso quem quer que seja.

***

Tenho medo do que possa acontecer a Harry. Tenho medo de tocá-lo. Claro que nada acontecera ao abraçar Sirius já que meu corpo não reagiu com a medida certa de carinho e de sentimentos de uma humana como deveria para ativar a maldição. Graças a Merlin. Procurei descobrir se as Deusas anteriores a mim também sofreram esta condição. E todos os relatos me responderam que sim. Então, qual era exatamente a utilidade de conservar dentro de mim o coração de Heather Potter se não poderia ao menos usá-lo ao meu bem?

O modo com que Remo tentou evitar que eu entrasse em colapso me comoveu. Eu senti o calor de suas mãos, puxando meu corpo ao encontro do dele, como forma de proteção. Como disse antes, eu queria muito poder abrir minhas memórias e dizer tudo que ainda tenho entalado em minha garganta, mas não sou permitida. Ares não tolera. Cronos reprova. Hades abomina. Simples assim.

As lembranças da noite da morte de Tiago voltam novamente à minha mente. Hades estava parado ao meu lado enquanto eu assistia à desesperança de Sirius. Os olhos brancos do Cavaleiro de Merlin estavam sem demonstrar o mínimo pesar, fosse por mim ou por Sirius ou mesmo pelos mortos. Em seus braços, ele tinha a alma de Hariel. A mulher que se casara com Sirius fora tão castigada em sua vida que, em alguns momentos, desejava mais do que proteção a ela, desejava paz. E para Hades, carregar o corpo de alguém que marcara tanto a minha vida quanto Lílian, deitada ao lado do meu irmão, era completamente normal. Afinal, ele controlava o Portal das Sete Estrelas. O Inferno do Universo. Ele não dava a mínima. Ele não tinha sentimentos. E somente porque eu possuía-os transbordando de meu ser não significava que deveria ser castigada da forma como era. Como havia sido naquele momento, ao jogar Remo a metros de mim.

***

         - E como você fará com Harry? – perguntou Lupin de súbito, quase que adivinhando os pensamentos de Heather.

         Heather ergueu sua cabeça e Lupin percebeu que seu corpo todo estava tremendo, inclusive seus lábios vermelhos.

         - Eu ainda não sei, Remo. Somente tenho a certeza de que não deixarei Harry voar metros de mim como você acabou de fazer.

         Lupin ficou completamente sem palavras. A imagem de vê-la caída e encolhida como uma criança o fez pela primeira vez sentir algo diferente. A partir daquele momento tudo mudou.

***

- Os Cavaleiros de Merlin – disse Ártemis começando sua ronda pelos alunos sentados no chão. – Quatro. Lendários. Ares – a mestra subia os dedos, como se estivesse contando. – Cronos. Hades. Helderane. Os atuais Cavaleiros, as reencarnações dos deuses do passado.

         Ametista trocou um olhar com Draco. O monitor da Sonserina parecia achar tudo aquilo bobagem, assim como ela.

         - "Os Cavaleiros de Merlin formam uma antiga legião de bruxos com poderes especiais" – lia Ártemis, segurando um livro intitulado Luz e Poder – os Cavaleiros de Merlin. – "Constituída por três homens e uma mulher, a legião é renovada a cada século, onde nascem novos aspirantes a guerreiros, e dentre eles, as reencarnações dos primeiros Cavaleiros. Estes seres lendários não podem ser atingidos pelo poder dos dementadores ou de qualquer outro tipo de ser pertencente ao espaço bruxo e possuem escudos contra as Maldições Imperdoáveis. São imortais. O primeiro grupo de guerreiros surgiu no século cinco, o século das pragas e tragédias. O mundo vivia um de seus maiores conflitos entre raças. Merlin, que liderava os bruxos de luz, convocou seus melhores cinco guerreiros para protegerem seu único herdeiro – uma filha, Iris. Após dez anos de lutas sem fim, sua filha tornou-se uma guerreira e reivindicou o poder de combater ao lado dos Guerreiros Protetores do pai. Ao consegui-lo, apaixonou-se pelo melhor dos guerreiros, o Rei de Luthunder, Eilen. Da junção deste amor, nasceu uma bela menina, que recebera o nome de Idris. A jovem fora a primeira mulher, da Realeza bruxa, a entrar na guerra como parte dos Guerreiros Protetores de Merlin. Assim, para protegê-la, seu avô, Merlin, decidiu fundar a legião denominada Cavaleiros de Merlin, onde sua neta era a única mulher entre os três homens, os maiores e mais poderosos deuses do mundo bruxo. Após anos de dedicação, Merlin forneceu poderes suficientes para que os seus guerreiros especiais morressem apenas após um século. E, a cada cem anos, renova-se a legião".

         - Ares é o primeiro Cavaleiro – emendou Snape com a voz austera e fria. – Líder da legião especial, dotado de poderes como sabedoria universal e lealdade total e completa aos objetivos da legião, além da quantidade de poder incalculável, como todos os outros.

         "Sabedoria universal?", pensou Hermione, dando um sorriso e recordando vagamente os fios azulados e prateados do cabelo de Ares.

         - Cronos é o segundo Cavaleiro – prosseguiu o mestre de Poções. – Corajoso, firme, decidido. Seus olhos avermelhados são a porta para sua incrível habilidade de hipnotizar seu oponente tão rapidamente, como se fosse uma verdadeira Imperius.

         Involuntariamente, as mãos de Gina estavam tremendo. Toda aquela história de Cavaleiros de Merlin, deuses enviados especialmente para derrotar Voldemort e seus seguidores a deixava cheia de arrepios. Sua conversa com Draco Malfoy na noite anterior fora desanimadora e, mesmo com todas aquelas informações sobre quão especiais e brilhantes eram esses deuses, nada parecia melhorar ou aumentar sua esperança. Suspirando, cruzou seu olhar com o do sonserino. Por um breve momento, seu coração disparou. O último beijo deles havia sido marcante demais para ela. Mesmo que o final tenha sido incrivelmente sem sentido e inexplicável, aquele calafrio parecia não deixar seu corpo. Bem que o efeito de Draco sobre ela parecia a Maldição Imperdoável Imperio.

         - Hades, o terceiro Cavaleiro – a voz de Snape ecoou entre as cortinas alaranjadas. – Poderes assustadores e extraordinários. O único dos Cavaleiros que possui o poder de escolher o destino de seu oponente vencido. O Portal das Sete Estrelas ou do Inferno, como é mais conhecido. Hades é o Cavaleiro que carrega todas as mortes do mundo.

         Eu a vi morrer. Aquela frase ainda batia na cabeça de Ametista, sem explicação. Somente então, ela foi capaz de entender. Provavelmente, Hades fora o responsável a levar o corpo de sua mãe para o seu destino final. A imagem de ver aquele homem carregando nos braços sua mãe não parecia muito agradável a ela.

         - Portal das Sete Estrelas? – perguntou Neville curioso.

         - Onde os escolhidos da legião são deixados para apodrecer no infinito de infelicidades, desgraças, tragédias, sofrimento – explicou Ártemis sobre o palco, interrompendo Snape. – Hades possui o poder de controlar o Portal do Inferno.

         - E aquela mulher? – indagou Harry repentinamente, cortando Ártemis. – Quem era ela?

         Ártemis deu um sorriso perspicaz a Harry.

         - Oh, Helderane – disse a professora, olhando de esguelha para Snape. – É o quarto Cavaleiro. A única mulher entre os três homens, como mencionei, a reencarnação de Idris – Ártemis pigarreou levemente, subindo no palco. – Helderane é a mais poderosa entre eles, como todas as mulheres em todas as renovações da Legião. A única que possui o poder de controlar as ações dos outros Cavaleiros, a única que pode substituí-los, e principalmente, a única que pode matá-los – alguns se entreolharam. – Porém, Helderane é a única entre os Cavaleiros que nasce predestinada a se tornar uma deusa, pois é a única entre eles que nasce imortal. Helderane tem o dom da Imortalidade.

         Hermione levantou sua mão esquerda e a professora a atendeu. Na verdade, entre elas a situação estava estranha. Hermione não tivera a oportunidade de agradecer a mestra ou ainda perguntar o quê acontecera com ela – Hermione tinha apenas flashes do que acontecera com os dementadores – ou muito menos esperar para o castigo por ter ameaçado-a com a varinha da própria mestra.

         - Então, isso quer dizer que todas as mulheres ou deusas que foram, um dia, reencarnações de Idris, estão vivas?

         - Sim, Srta. Granger – afirmou Ártemis, andando de um lado ao outro do palco. – Porém, após os cem anos de duração das Legiões, essas mulheres são completamente esquecidas e são inseridas de volta ao mundo bruxo, sempre com a idade que tinham ao serem convertidas em Cavaleiros de Merlin, e dentro de sua própria família, só que gerações à frente.

         Um por um, os aprendizes trocaram olhares duvidosos. Primeiro motivo: a desconfiança de que qualquer um que eles conhecessem poderia ser, ou melhor, ter sido, um Cavaleiro de Merlin – mulheres, é claro. Segundo motivo: muitos, ou a todos, não haviam entendido direito o quê Ártemis realmente quis dizer. Percebendo isso, Snape igualmente subiu no palco e se colocou ao lado de Ártemis.

         - Digamos que Figg fosse, aos seus dezessete anos, escolhida para ser um Cavaleiro de Merlin – todos estavam encarando Snape. – Após cem anos lutando com a Legião dos Cavaleiros de Merlin, os três homens morreriam e somente ela, como portadora do dom da Imortalidade, continuaria viva e seria redirecionada à família Figg, de volta aos seus dezessete anos, e prosseguiria com sua vida, sabendo que vivera mais de cem anos antes – quando Neville ameaçou levantar o braço, Snape não permitiu. – Ninguém saberia que ela fora um Cavaleiro de Merlin, muito menos lembrariam de como era a família antes de ela ser inserida nela. É como se, desde sempre, ela fizesse parte da família. Mesmo que isso significasse que Figg poderia ser a filha de dezessete anos da filha da filha da filha da sua irmã.

         Muitos deles continuaram com as bocas entreabertas e as expressões confusas. Snape bufou.

         - Supondo que Virgínia Weasley fosse um Cavaleiro de Merlin, aos quinze anos, certo? – eles concordaram. – Após cem anos de trabalho na Legião, os outros componentes morreriam e ela viveria, sendo inserida novamente na família Weasley, somente que gerações adiante. Então, por exemplo, ela poderia ser a filha da tataraneta de Ronald Weasley, seu irmão, entenderam?

          Um coro de entendimento foi ouvido pelos professores, que trocaram olhares aborrecidos. Perceberam que naquela noite, os Aprendizes Harry, Rony, Hermione, Ametista e Draco estavam levemente fora de si, não completamente concentrados na reunião. Assim, Ártemis bateu o pé no palco e disse:

         - Vocês estão péssimos hoje – repreendeu-os, apontando sua varinha para Gina. – Srta. Weasley, Sr. Longbottom e Srta. Littlewood – os três levantaram do chão. – Quero vê-los praticando Patronos. Agora!

         Os três jovens se encararam e procuraram conjurar seus patronos. Ártemis olhou para Snape e indicou com a cabeça que ele tomasse conta dos três. Enquanto isso, a mulher tornou-se para os outros cinco.

         - Vocês estão curiosos – disse ela em tom de afirmação, olhando para os cinco alunos sentados no chão. – Acham que terão a vantagem de conhecer os Cavaleiros de Merlin? – Harry, Ametista e Hermione, apesar de já terem os visto, ainda queriam vê-los novamente. – Tenho que desencorajá-los, infelizmente. Dumbledore não foi muito sensato em convocá-los aqui para Hogwarts, mesmo que somente a presença dos deuses fizesse com que os dementadores desaparecessem dos jardins da Escola – Draco não parecia muito interessado naquela conversa. – Eles certamente não ficarão muito tempo aqui. Provavelmente dias. A sorte nossa foi que Helderane é muito compreensiva e tem controle sobre os outros Cavaleiros, senão seríamos certamente banidos e mortos – dessa vez, os cinco aprendizes arregalaram os olhos para Ártemis. – Por que a surpresa? Vocês acham que deuses gostam de serem incomodados, ainda mais para resolver um mínimo problema como Voldemort?

***

- Nós vamos ou não nos ver hoje? – perguntou Harry para Ametista, fazendo cara de desaprovação.

         Ametista olhou-o de esguelha. Ela se aproximou do namorado e beijou-o levemente nos lábios, entrelaçando seus dedos nos dele.

         - Não posso, Harry – respondeu Ametista, pigarreando. – Vou resolver um problema com o Snape.

         Quando Harry pensou em responder, alguém bateu o pé no chão. Imediatamente, ele se virou e encontrou aquela bela mulher, a Deusa Helderane. Sua dimensão diminuiu e novamente sentiu-se mínimo diante dela. A mulher colidiu o olhar nas mãos entrelaçadas dos jovens pela segunda vez e Harry soltou a mão de Ametista, repetidamente. A jovem fechou a cara, sentindo-se ofendida.

         - Podemos conversar, Sr. Potter? – indagou Helderane, num tom como uma ordem. Harry moveu a cabeça positivamente.

***

NO PR"XIMO CAPÍTULO: A Família Potter ainda tem uma representante viva, Heather Potter, irmã mais nova de Tiago. E agora, após sua transgressão como uma Cavaleira de Merlin e, conseqüentemente, uma Deusa, Helderane volta a Hogwarts para reencontrar seu passado e futuro: o sobrinho Harry Potter. Porém, como ele reagirá ao saber que durante todos os seus anos de tortura com os Dursley e Sirius na prisão de Azkaban, ele tinha uma tia? Uma tia bruxa!

Saiba a origem do nome Harry em "A DEUSA DE CORAÇÃO HUMANO - PARTE II"