NO CAPÍTULO ANTERIOR: O primeiro encontro entre Harry e a Deusa Helderane começa muito saudosista e tocante. Porém, diante da realidade cruel, Harry se desespera e tem uma reação completamente fora de seu temperamento. Heather é ofendida e não consegue o perdão do sobrinho por todos os anos afastada, além de não ser reconhecida por ele.

***

Capítulo Vinte e Nove – NEGRA HIPNOSE NOS ARES

Lupin não tinha idéia de como Heather havia achado o caminho até seu quarto. Não da forma como ela chegou lá. Sua respiração estava entrecortada, seus olhos arregalados em pavor e especialmente, a pele completamente lívida, sem qualquer vestígio de vida. Então, o encontro com Harry não tinha ido muito bem, ele deduziu. Depois que a encontrou naquele estado deplorável, colocou-a em sua cama e ali ficou, abraçado a ela por mais de uma hora, e ainda estava assim.

         Olhando-a em seu colo, Lupin começou a recordar o passado. Os mesmos olhos grandes, o mesmo corpo pequenino, as mesmas mãos esguias e longas. Sempre tentou imaginar o dia em que reencontraria Heather. Quem não gostaria de reencontrar alguém tão importante quanto ela fora em sua vida? Heather Potter, a princípio, era apenas a irmã mais nova de Tiago e nada mais. Uma garotinha baixinha, metida à esperta, que vivia escondida atrás de livros e das bochechas que insistiam em corar, especialmente perto dele.

         A partir de seu quinto ano, pouco mais de dois anos após tê-la conhecido, quando Heather tinha pouco mais de treze e ele pertencia ao terceiro ano da Grifinória, começou a reparar como ela era amadurecida em relação às outras garotas da mesma idade. Talvez a convivência com Hariel, Lílian e principalmente Arabella a tornara mais adulta. Talvez fosse somente impressão. Porém, a idéia de que Heather seria uma mulher muito bonita quando crescesse e muito inteligente costumava a povoar seus pensamentos, sobretudo após uma conversa constrangedora que tivera com Sirius poucas semanas antes, quando o amigo havia lhe dito que Heather parecia gostar dele.

         E então veio o Baile de despedida antes do feriado de Natal. Pensou imediatamente em convidar Arabella. Porém, Remo ficou muito chateado por saber que David Adams parecia ter convidado-a. Assim, alguns dias depois, ele ouvira a mesma comentando com Tiago sobre como Heather não poderia ir, já que seu ingresso não era admitido por pertencer ao terceiro ano e o Baile só era permitido aos alunos após o quarto. Teve a idéia, assim, de convidá-la – matando dois problemas com uma cajadada só – e poderia ao mesmo tempo levar Heather e ter uma companhia, a fim de tentar se desligar um pouco da mágoa. Convidá-la fora extremamente natural, apesar de vê-la corar como se estivesse pisando em brasas.

         Adicionando a lembrança dos ciúmes de Tiago ao saber que ele havia convidado a irmã mais nova, o Baile começara muito mal. Lupin sempre tivera aquela paixonite por Arabella e a amiga aparecera com o futuro noivo, David Adams, que era um ano mais velho que ele e também o apanhador da Corvinal. Querendo ficar longe daquela cena lastimável a ele, deu uma desculpa e levou Heather para o Salão Comunal de volta. Somente não esperava notar naquela hora o quanto Heather estava linda. Usava um vestido dourado, sem alças e que demarcava a linha do pescoço da jovem. Remo não pôde deixar de reparar como o corpo dela iniciara a se desenvolver e como graciosamente ela ia se transformando numa jovem muito atraente.

         Naquela noite, ele dera o primeiro beijo em Heather. Logicamente, não era o seu primeiro, mas o dela sim. Eles não voltaram ao Baile e nem sentiram a necessidade de sair daquela sala. No início, Remo achava que era algo muito errado, já que nunca sentira nada pela garota, muito menos aquele desejo incontrolável que passara a sentir depois do primeiro toque de seus lábios.

         Depois, Tiago convencera Remo a revelar toda a verdade sobre os animagos, as visitas à família que parecia sempre doente e aos sumiços repentinos e aparências exaustas. Antes de Remo sequer dar sinais de que pediria Heather em namoro, prometeu ao amigo que falaria com a irmã. No final, Heather mostrou-se indiferente à condição de Remo, ao seu fato de ser um lobisomem e de ter que se esconder uma vez por mês debaixo do Salgueiro Lutador, acompanhado por seus três melhores amigos, incluindo o irmão mais velho da própria jovem. Aquilo, de uma fora maravilhosa, ajudou Lupin a confiar em si mesmo e acreditar como poderia ser amado por alguém que não se importava com o seu problema.

         O namoro começou tímido. Remo ainda recordava que, mesmo com seus hormônios explodindo em seus quinze e dezesseis anos, Heather tinha apenas treze, catorze, e tinha que se conter. Após seis meses juntos, pensou que não daria certo, já que Tiago estava sempre muito em cima e seus sentimentos por Arabella não diminuíam. Entretanto, assim que o pai dela, Anthony Potter, faleceu, entendeu que não poderia deixá-la sozinha. Foi exatamente naquela época que seu namoro dera uma guinada espetacular. Por um lado, Heather amadurecera ainda mais após a morte do pai e ficara mais solta do que nunca a Remo, finalmente mostrando a ele tudo que sentia. Por cinco longos meses, os melhores de Remo, o namoro fora uma maravilha. E foi naqueles mesmos dias que Lupin enfim se apaixonara por Heather.

         Contudo, a sombra de Arabella ainda existia em seus sonhos. Com o passar do tempo, Heather foi percebendo como Remo ia ficando distante toda vez que estavam junto da jovem. Como ele sempre se sentia desconfortável com ela por perto, como desviava dos assuntos que tratavam dela facilmente, como não encarava Heather diretamente quando Arabella estava presente. Assim, após onze meses, Heather e Remo decidiram terminar o relacionamento.

         Logo em seguida, Heather tivera a notícia sobre a sua futura transformação em Cavaleira de Merlin e sua chamada Transgressão, tornando-se uma Deusa. Depois da descoberta da herança dos Potter a ela e a Tiago, Heather se afastou de todos e quando estavam no último ano, ela tentou uma reaproximação, mas já era tarde.

         A não ser pela comemoração de despedida dela. Remo recordava perfeitamente. Heather estava em seu sexto ano, já finalizando, quando recebera o comunicado por Dumbledore que na semana seguinte, sua cerimônia de transgressão seria realizada. Claramente, como não pertenciam mais a Hogwarts e tinham suas vidas atribuladas, uma pequena festa foi feita na véspera da sua transgressão. Sirius ainda estava levemente abatido, seu irmão havia sido assassinado há mais de oito meses, mas ainda assim permanecia saudoso. Tiago e Lílian começavam finalmente os preparativos para o casamento. Pedro estava levemente distante, mas também nunca procurara saber o porquê. Hariel estava, como de costume, mal humorada – somente saberíamos mais tarde que ela estava entrando em seu período fértil da gravidez de Ametista. E Arabella comparecera acompanhada do noivo, Adams.

         A festa havia sido muito divertida, apesar do tom melancólico visto claramente em Tiago e Heather. Os irmãos sempre foram extremamente unidos, ajudando um ao outro. E agora ele estava para se casar. E agora ela estava a se tornar uma Deusa. Triste. Era a família Potter se desmembrando.

         A noite caiu e já era de madrugada quando todos decidiram se recolherem aos seus dormitórios. Dumbledore havia convidado todos a dormirem em Hogwarts após a comemoração. Remo ainda estava levemente animado quando abriu sua janela e assistiu ao céu estrelado daquela noite de final de primavera. O ar estava agitado e pela fresta uma brisa cantava uma canção gostosa de se ouvir. A lua cheia estava longe. Foi quando ouviu uma batida em sua porta.

         Heather estava ainda vestida como uma simples aluna da Grifinória do sexto ano – como estava trajada na festa – quando apareceu sorridente a ele. Remo sorriu e convidou-a para entrar. Heather estava a um mês de seu aniversário, em que completaria dezessete anos. E ela foi agradecer todo o apoio que Lupin tinha dado a ela pelos anos passados. Remo não era acostumado a ouvir elogios, mas fora excelente ouvir aquelas palavras gentis da jovem. Enquanto o som perigoso da brisa espalhava-se pelo dormitório, a voz doce e o semblante da garota iam se misturando em seus pensamentos. Heather, de fato, tinha se transformado numa bela jovem. Charmosa. Porém, Lupin sabia que o quê mais atraía Heather a ele era sua personalidade. A jovem sempre fora calma, respeitosa e carinhosa, mesmo que usualmente demonstrasse fraqueza e medo dos outros, o quê, para ele, era seu maior defeito.

         A perda de controle aconteceu aos poucos, com o passar da conversa entre eles. Remo ainda não sabia direito como conseguira resistir por mais de uma hora de conversa, mas somente tinha o conhecimento de que iria ser alguém importante na vida dela após aquela noite. Pela primeira e última vez, Lupin dissera a ela que a amava. Ainda não tinha certeza se realmente a amava, sempre sentira algo muito mais forte por Arabella, mesmo que nunca fosse correspondido. No namoro, dissera que estava apaixonado por ela, mas nunca tocou no assunto amor. Mas, agora, havia dito que a amava. Sabia que aquilo não havia sido o estopim, e sim o beijo que dera nela antes que ela deixasse seu quarto, mas ainda sim aquilo o marcara.

         Durante a noite até depois do amanhecer, Heather e Remo conversaram, riram, choraram, se tocaram, se beijaram e finalmente se amaram. Estrelas iluminaram o dormitório por toda à noite. Heather não deixara o quarto nem Lupin para trás. Mesmo que fosse quase que como uma lei, uma ordem rígida, ela desobedecera e cedera aos seus desejos. Heather, quando passasse por sua transgressão, não seria mais pura. Naquela noite estrelada do começo de Junho, Heather e Remo se amaram. Uma única e última vez.

         Por muitos anos que se seguiram, Remo pensara que nunca Heather o perdoaria. Afinal, ele é quem havia pedido para tê-la junto dele naquela noite. Mas, sabia que ela queria tanto quanto ele. E reencontrá-la novamente, tão bela quanto antigamente, somente trazia à tona sentimentos que há muito ele não tinha. Um sorriso brotou em seus lábios quando Heather levantou de seu colo e encarou-o.

         - Ele nunca irá me perdoar – disse ela, a voz embargada e as bochechas incrivelmente vermelhas, assim como os olhos. – Eu estou destinada também a não ter meu sobrinho junto de mim, ao menos uma vez, Remo?

         - Dê um tempo a ele, Heather, eu sei que ele irá entendê-la. – retrucou Lupin lentamente.

         Heather coçou o nariz com delicadeza e permaneceu com as lágrimas contidas nos grandes olhos. Remo continuou sorrindo para ela.

         - Harry disse que eu era mentirosa... – murmurou novamente, a voz vacilando. – Mentirosa! – repetiu nervosamente. – Eu não tinha como vir, Remo! Eu não tinha como fugir deles! Eu tinha que cumprir meu juramento! Isso não me torna mentirosa!

         - Eu sei, eu sei... – concordou Lupin, fechando os olhos e abrindo-os em seguida num tom sofredor. Sabia o quanto Heather e Tiago foram próximos. Nunca havia visto antes uma relação fraternal tão verdadeira quanto à deles. – E Harry também saberá, mas ainda você precisa dar um tempo. Talvez ele converse com alguém, somente dê um tempo para o Harry, que ele a entenderá.

         - Não, Remo, ele nunca vai me perdoar! Eu sei que ele é tão nobre quanto Tiago, eu posso sentir – com isso, ela tocou o peito na região do coração. – Mas eu não sei se ele tem muita capacidade de perdoar. Eu estou com medo de ir embora sem o perdão dele!

         Lupin passou os dedos calmamente pelo rosto de Heather e respondeu:

         - Claro que não – respondeu Remo, sorrindo. – De novo, ele só precisa de algum tempo para se acostumar. Não é fácil perder os pais e um dia encarar uma mulher como você, dizendo que é irmã de seu pai.

         - Eu sei disso – continuou a mulher, parando repentinamente e olhando dentro dos olhos de Lupin. – Que você quis dizer com uma mulher como eu?

         Um pequeno brilho surgiu nos olhos de Remo, que passaram do castanho claro para o esverdeado. Heather levantou uma sobrancelha, esperando a resposta de Lupin.

         - Nada, eu só estava me imaginando no lugar de Harry – disse ele, o sorriso ainda no rosto. – Vendo alguém como uma Deusa que aparenta ter vinte e cinco anos e não trinta e nove – Heather riu. – dizer que é sua tia. Não deve ser nada surpreendente – ironizou ele. – Somente isso.

         Heather, ainda com o semblante em desespero, pegou o travesseiro ao lado de Lupin e jogou no rosto do homem, dando uma risada divertida. Remo fechou os olhos e recordou como se divertia com ela. Assim que o travesseiro caiu do seu rosto, Lupin pegou o pulso da mulher e a puxou contra seu corpo. Heather riu e se aninhou nos braços dele.

         - Sabe o quê eu estava pensando? – disse Heather, calmamente. – A última vez que conversamos – Remo percebeu que ela acomodou o corpo ainda mais em seu colo. – Foi aqui, neste quarto.

         - Sim, foi – concordou o homem, observando para além da janela. – A última noite de liberdade. – murmurou ele, divagando.

         - Eu nunca podia imaginar que as coisas pudessem se transformar no dia seguinte – disse Heather, o tom de voz baixando. – Quando eles apareceram, eu pensei que seria tudo mais simples, pensei que poderia ajudar em alguma coisa dali para frente, fazer diferença – uma pequena pausa se estendeu. – Mas no final eu acabei descobrindo que toda esta imagem de Legião Lendária dos Cavaleiros é apenas um modo de diminuir quão cruel é o nosso trabalho e o nosso destino.

         - Você agora não sente a liberdade? – indagou Lupin. – Não a sente correr por você?

         Lentamente, a mulher ergueu o corpo e sentou à frente de Remo, o olhar distante. Seu lábio inferior estava inchado sem motivo específico e a boca levemente entreaberta, com o cabelo caindo sobre seus ombros numa singela pintura clássica. Lupin segurou um soluço na garganta.

         - Ser quem eu sou – começou a mulher dizendo. – Viver como eu vivo. Observar o quê eu observo. Todos os dias. É horrível – ela levantou os grandes olhos para Lupin, mas ainda sem focar os olhos do homem. – É uma prisão. Eu vi tantas coisas nesses vinte e dois anos que você não iria acreditar, se eu arriscasse-me a falar... – ela pausou, sentindo as bochechas vermelhas. – Eu não posso sentir que amo, Remo.

         Neste momento, Lupin notou que um calor forte emanava do corpo de Heather, ajoelhada à sua frente, seus joelhos se tocando ligeiramente e sua face ficando rosa. Instintivamente, ele tocou a mão que repousava no colo da mulher e envolveu seus dedos nos dela. Sua pele estava fervendo.

         - Eu não posso sentir o amor – finalmente, Heather focalizou os olhos de Remo com certa coragem. – Não posso amar. E mesmo que o amor seja um reflexo voluntário, por outro lado, eu não posso controlar se o meu coração ainda bate da mesma forma como ele batia quando eu tinha dezesseis anos – Lupin foi levantando as sobrancelhas. – Não posso controlar se eu preciso dizer o quanto eu quero ter o perdão de Harry e o quanto eu o amo, por ser meu sobrinho e estar se tornando um homem tão belo e justo e corajoso, exatamente como o pai – enquanto as sobrancelhas de Lupin levantavam-se, um pequeno sorriso se formava em seus lábios. – Não deveria ser assim. Não deveria.

         Pela primeira vez, o olhar de Heather caiu sobre a sua mão esquerda, que estava envolvida pela de Lupin. Subitamente, ela fechou os olhos e Remo quase sentiu um estalo. Quando ela os abriu novamente, Lupin engoliu em seco, pois havia uma emoção ali que havia visto antes apenas quando ele tinha dito que a amava, vinte e dois anos atrás.

         - Meu corpo reage a toda vez que sinto o amor se espalhar pelo meu sangue – ela dizia, concentrando-se nos olhos de Remo. – Aquele calor involuntário que faz o meu rosto corar – as bochechas dela estavam bastante rosadas. – O modo com que a minha respiração fica inconstante e eu fico ofegante – o seu peito subia e descia rapidamente. – A tremedeira nas mãos – sua mão esquerda envolvida pela de Lupin estava trêmula. – A velocidade acelerada do meu coração – dentro de seu peito, seu coração estava disparado. – A maneira com que a minha mente se desliga de tudo e a única coisa que consigo fazer é admirar seus olhos...

         Lupin nada fez, apenas continuou ouvindo as palavras de Heather, sentindo o mesmo que ela. Sabia muito bem do quê ela estava explanando. Era amor. Era paixão. Era exatamente assim que se sentia perto de Arabella e sentira-se pela vida toda ao lado dela. Mas, existia um pequeno detalhe: ele estava sentindo-se daquela forma ali, naquele momento, com Heather.

         - Eu ainda amo... – a voz de Heather foi vacilando. – Eu tentei, eu juro – cada vez parecia mais difícil concluir o pensamento, já que os olhos de Remo estavam cada vez mais perto, ela achava. – Eu tentei esquecer... – poderia ser sua impressão, mas de fato o rosto de Lupin estava mais perto. – Tentei esquecer tudo... – agora eram os lábios de Lupin que estavam próximos demais. – Tentei apagar da minha cabeça... – não poderia ser apenas impressão, ele estava mesmo cada vez mais perto. – Eu tentei esquecer você...

         Misturada às suas palavras, Heather sentiu como seu corpo parecia estar fervendo, sua pele parecia estar em brasas e sua boca incrivelmente seca. Facilmente, as frases desapareciam de seu raciocínio, as palavras se perdiam na sincronia e voavam para longe de seus pensamentos. Sem perceber, seus olhos iam se enchendo de água. Ela já não sabia se eram de dor ou apenas uma reação corporal, já que tudo nela e à sua volta parecia quente demais.

         - Shh... – sibilou Lupin, pedindo gentilmente que ela se calasse.

         Aquela era a mesma sensação de quando ficava perto demais de Hades. A temperatura muito alta, a impressão de ter sido transportada ao Inferno e ter sido deixada por lá. Mesmo que apenas encostasse ou esbarrasse em seu corpo, ou ainda que ele a tocasse simplesmente. Os olhos de Remo estavam ficando azulados, o esverdeado ia se desfazendo em poucos segundos até o limite de sua visão. E a água ia se intensificando em seus grandes olhos castanhos.

         - Você não entende... – murmurou Heather, sentindo-se instável. – Eu tentei, Remo...

         Por algum motivo desconhecido, ouvir seu nome da boca de Heather pareceu extremamente sensual e um desejo incontrolável espalhou pelas suas entranhas. O mesmo desejo que o colocara ali, da mesma forma, há vinte e dois anos atrás. Calmamente, ele foi soltando o ar pela última vez de seu pulmão. Dali para frente, não conseguiria respirar direito. Seu coração não permitiria. Sentia seu corpo reagindo, reagindo com a força de um homem faminto e mais: apaixonado. Era como se sua porção lupina estivesse aflorando dentro dele, ali, naqueles pequenos instantes, com ela.

         - Shh... – pediu novamente, tombando a cabeça levemente, com muita tranqüilidade. – Eu não preciso de explicações, Heather.

         Quando ela menos esperou, a água que se formara em seus olhos transbordara e escorregara pelas suas bochechas, tão aliviadas e pacientes que quase sentiu um arrepio. Heather sabia que precisava continuar a contar a Remo o quê acontecia a ela, e o quê aconteceria a ele também. Porém, cada vez que tentava, sua boca ficava ainda mais seca e as explicações se perdiam no meio do caminho em tentar deixar de concentrar-se nos olhos tão belas e fascinantes dele.

         - Eu preciso dizer – tentou articular mais uma vez. – Você tem que saber dos riscos...

         Lupin aproximou-se do corpo dela com leveza e uniu seus joelhos com os dela, ajoelhando-se da mesma maneira à sua frente, sentindo o aumento do calor que emanava de Heather. Ficava cada vez mais difícil lutar contra aquele desejo. Sua metade lobisomem queria soltar-se próximo dela. Lupin desejava mais do que nunca retornar no tempo e tê-la novamente, daquela mesma forma.

         - Eu não quero saber de riscos. – respondeu ele, o tom de sua voz se abaixando.

         Heather sentiu um enorme calafrio percorrer sua espinha assim que Lupin depositou sua mão direita, a única livre, em suas costas, levemente, e puxou seu corpo contra o dele. O espaço que havia entre eles desapareceu e apenas suas cabeças permaneciam afastadas por alguns centímetros para que pudessem se olhar com totalidade. A mulher segurou a respiração a partir dali e sentiu o hálito quente que saiu da boca de Remo. Instantaneamente, ela fechou os olhos e mais lágrimas caíram de seus olhos.

         O calor aumentou assim que Lupin uniu seu corpo no dela. Um arrepio passou por seu ser e todos os pêlos de seus braços se levantaram, uma força mais forte e persistente que ele o dominando. Ele retirou a mão das costas de Heather e lentamente foi guiando-a até o rosto da mulher.

         - Pare com isso... – sussurrou Heather num tom misto de desespero e desejo. – Pare, Remo, pare...

         A mão direita de Lupin tocou com delicadeza o rosto de Heather e sentiu a umidade das lágrimas na bochecha rosada esquerda da mulher. Com muita leveza e agora encarando a boca vermelha de Heather, ele trilhou o dedão e o dedo indicador da mesma mão pelos lábios carnudos e inchados dela. Heather inspirou ar rapidamente e Lupin a encarou firme. Podia ver claramente que aquilo estava sendo doloroso para ambos. Mas, doloroso num modo magnífico.

         - Heather... – chamou Lupin, encarando-a com firmeza. – Você disse que tentou esquecer – Heather soltou levemente a respiração e sentiu a maior proximidade dos lábios de Lupin nos dela. – Você conseguiu esquecer? Me esquecer?

         Por mais que houvesse um grande empecilho e que Lupin não parecia permitir que Heather o falasse, a vontade de estar com ele novamente, de sentir seus braços a rodearem, suas mãos a tocarem com gentileza e amaciarem sua pele, sentir o peso do corpo dele contra o dela, os lábios a beijarem com carinho e amor. Como ela poderia, de alguma forma, esquecê-lo?

         Quando todos a apontavam apenas como a irmã mais nova de Tiago, ele estava lá para dizer o contrário. Depois, quando todos diziam que ela era apenas uma garotinha que se achava importante e inteligente o bastante para andar com os mais velhos, ele estava lá para provar que os mais velhos gostavam dela por quem ela era, e nada mais. Em seguida, quando todos achavam que ela era mal-amada, que sem seu irmão e seu pai, não seria nada, ele voltou para esclarecer o tamanho de sua importância não somente para ele, como para toda sua família, seus amigos e especialmente o mundo. Lupin sempre tivera presente em sua trajetória. Como ela poderia esquecê-lo?

         - Eu não seria capaz de te esquecer... – murmurou Heather, deixando escapar um suspiro em seguida. – Como eu poderia deixar de amar você?

         Heather não soube dizer quando ou como. Somente teve o conhecimento de que Lupin estava a milímetros de juntar seus lábios aos dela. A idéia de tê-lo junto de si era maravilhosa. A imagem de vê-lo abraçando-a, tocando-a, encarando-a. Tudo era extraordinário. Porém, ao mesmo tempo, era amedrontador. Ela, querendo ou não, ainda era uma Deusa, uma representante do alto corpo de deuses, pertencente ao Conselho dos Líderes e mais do que tudo isso, era uma Cavaleira de Merlin.

         Felizmente, Remo colocava-a num mundo completamente diferente e distante do que passara a viver desde seus dezessete anos. Não era um mundo de guerras ou maldições ou deveres. Um mundo de promessas, de juramentos, de guardiões. Não. O mundo que tinha quando estava junto dele era totalmente seu e unicamente seu. O mundo em que era simplesmente Heather Potter. O mundo que poderia se apaixonar e amar. O mundo que viveria junto de seus queridos amigos, companheiros e familiares. Seu sonho mais alto era, além de ter o perdão de Harry, era conquistar este mundo mais uma vez.

         Um único encostar de seus lábios nos de Remo fora o bastante. Assim que todo o desejo de Lupin fosse canalizado para sua boca e seus lábios tenham relado, lenta e delicadamente, nos de Heather, uma espécie de energia se formou ao redor deles. A maciez breve dos lábios de Lupin. A quentura persistente da boca de Heather. E então, houve um pequeno e fortíssimo campo de energia.

         Exatamente como da vez em que Lupin a abraçara, em meio ao desespero de Heather, no dormitório da Deusa, uma energia muito forte se projetou do corpo de Helderane – pois o poder era restante na Deusa, e não em Heather – até bater contra o de Lupin. Desta vez, o homem fora arremessado contra a parede da cama e batido com a cabeça na madeira do dossel que a envolvia, caindo desacordado nos lençóis. Rapidamente, Heather soltou um grito baixo e surpreso, seus olhos se enchendo de lágrimas verdadeiras, e o apoiou em seu colo, encostando a cabeça na cama. Chorando silenciosamente, Heather se lamentou e logo soltou Lupin de seus braços, com medo de que ele despertasse em seu abraço e fosse repelido novamente.

         Ao que Heather ergueu-se da cama, puxando o vestido de Helderane, olhou dolorosamente para trás e encarou o homem deitado, completamente desmaiado, entre os lençóis amarelos. Fechando os olhos e dirigindo-se à porta, Heather sussurrou para si mesma:

         - Eu disse que havia riscos, Remo, eu disse – ela murmurou com um soluço preso na garganta, as lágrimas ainda caindo nervosamente de seus grandes olhos castanhos. – Mas você não me ouviu.

***

Harry não sabia bem para onde estava sendo guiado por suas pernas, já que a cabeça estava completamente focada nos grandes olhos castanhos e mentirosos da Deusa, a Cavaleira de Merlin Helderane. "Quem ela pensa que é? Ela não é ninguém pra sair falando essas coisas sobre meus pais!", pensava furiosamente, enquanto suas pernas continuavam-no levando a algum lugar desconhecido. "Só porque tem um amuleto, acha que pertence a minha família?". Harry apertou o cordão prateado que Heather tinha dado a ele contra a palma de sua mão. "Eu não quero saber! Ela é uma filha da mãe mentirosa!".

         Ainda sem conhecimento de onde estava, trombou fortemente contra alguém. Pela velocidade com que andava pelos escuros corredores de Hogwarts, o jovem monitor da Grifinória caiu de costas contra o piso gelado e também notou que, quem fosse que ele tinha praticamente nocauteado, havia sido levado ao chão exatamente como ele. E então ouviu um gemido.

         - Você por acaso é um idiota cego que não consegue nem andar direito?

         A voz pareceu bastante firme e ríspida contra ele. E ele conhecia apenas duas pessoas com aquele tom de voz: Draco Malfoy e Ametista Dumbledore. Porém, como a voz era muito feminina para ser carregada por Malfoy, ele ergueu a cabeça e encontrou as belas pernas da namorada à sua frente. Entre elas, caído no chão, estava o amuleto que Helderane havia dado a ele, poucos minutos antes. Rapidamente, Harry levantou-se e conseguiu tomar o cordão, fazendo com que Ametista não percebesse.

         Batendo as mãos contra o uniforme da Grifinória, encontrou a namorada com as mãos erguidas em sua cintura, o pé esquerdo levemente à frente do direito e batendo fortemente contra o piso, e seus olhos comprimidos em um misto de fúria e estranhamento.

         - Que aconteceu pra você quase me atropelar no meio do corredor da Torre da Sonserina? – indagou ela, o tom ainda ríspido como nos velhos tempos em que se odiavam.

         O jovem estava levemente ofegante por conta da queda e a face vermelha ainda por ter gritado com a Cavaleira de Merlin. Imediatamente, Ametista amenizou a expressão furiosa e tocou com leveza seu ombro direito, aproximando-se dele.

         - Harry, você está bem? – dessa vez, sua voz soou calma e preocupada.

         - Será que nós podíamos conversar? – perguntou Harry, olhando fortemente para Ametista. – Você se importa de ir comigo até a Sala de Transformação?

         Ametista retirou a mão do ombro do namorado e voltou-se contra o piso, pegando sua capa da Sonserina, que ela carregava antes de trombar com Harry. Quando ela retornou, percebeu que Harry havia guardado algo no bolso de sua calça, mas não se incomodou.

         - "timo – disse ela, pegando na mão suspensa de Harry, já que a outra estava em seu bolso ainda. – Mas sem Capa de Invisibilidade – Harry olhou-a intrigado. – Eu quero que o Malfoy nos pegue só para que eu o irrite mais um pouco. – e um sorriso surgiu em seus lábios.

         Após dez minutos em que eles andaram até chegarem na sala de Transformação Humana, Harry trancou a porta do âmbito com um feitiço simples e tornou-se para Ametista, que sentava delicadamente sobre a mesa de Sirius, mesmo que houvesse um mar de cadeiras na sala de aula. Deixando as pernas suspensas, não cruzadas, e balançando-as lentamente. Ela parecia estranha.

         - Como foi o encontro com o Snape? – questionou repentinamente.

         A garota levantou o olhar e percebeu que Harry ficara paralisado na porta, olhando-a de longe. Ele parecia muito desconfortável.

         - Nada que tenha feito mudar minha vida, se você quer saber – respondeu Ametista, a face ficando levemente pálida. – Severo anda muito misterioso, quase que vigiando meus passos e do Malfoy...

         - Do Malfoy? – estranhou Harry, ainda parado na porta.

         - É, fica falando sobre como nós somos os melhores alunos da Sonserina e como nosso temperamento destrói as chances de nós sermos vencedores da Taça das Casas neste ano, sempre fica pedindo para que nós dois acabemos com as brigas no Salão Comunal, no Salão Principal, nas aulas – Ametista ia falando sem parar e Harry foi lentamente se aproximando. – Hoje veio com o papinho furado de novo, mas ainda acrescentou que eu acabo ajudando a tal missão dele se continuar o tratando com desprezo – ela fechou os olhos. – E disse que o quê eu vi em Azkaban, deveria apagar da minha mente...

         Harry retirou a capa da Grifinória dos ombros e a deixou em cima de uma das mesas da sala, indo em direção à Ametista. A jovem bateu com as mãos sobre a mesa do professor, balançando os pés novamente.

         - Resumindo, foi inútil, porque ele mesmo admitiu que eu deveria continuar a tratá-lo do modo com que eu venho tratando – ela abriu os olhos e bufou. – Quer dizer, eu dei o braço a torcer e ele não quis saber, então que ele se dane!

         Assim que ela terminou a frase, Harry parou à sua frente e não esperou um segundo para beijá-la. Ametista ficou com os olhos arregalados por alguns segundos, não acostumada com Harry tão surpreendente. A jovem sentiu os braços dele envolverem suas costas e causar-lhe arrepios imediatamente. Aos poucos, abriu seus joelhos e permitiu que Harry encostasse o corpo na mesa também, postado entre suas pernas. Nesse momento, ele desceu suas mãos em seu quadril e puxou-a contra o corpo dele. Ametista segurou uma expressão de exclamação.

         Toda aquela atitude não era comum de Harry. Ametista podia perceber que havia algo muito errado. Na forma com que ele a beijava, por exemplo. Harry sempre fora o tipo de beijar no tempo certo, nem muito rápido e nem muito lento. Porém, a velocidade com que seus lábios se moviam contra os dela e o modo com que sua língua acariciava a sua era veloz e nervoso demais. Ou então na forma com que ele estava a envolvendo. A maneira com que ele estava pressionando-se contra ela, com que seu quadril estava unido ao dela e suas mãos no limite final de suas costas, tateando a barra de sua saia. Harry nunca fora o tipo afobado ou desesperado que nem estava naquele momento.

         Rapidamente, ele a puxou mais uma vez e, agora, colocou uma mão na nuca de Ametista e outra no joelho suspenso dela, ao lado de seu quadril, subindo veloz demais até a coxa da namorada. A saia escura da Sonserina de Ametista foi levantando e Harry ia prolongando sua mão por baixo da roupa, trêmulo e ofegante, enquanto não deixava de beijá-la nem por um segundo.

         Mesmo tendo conhecimento de que aquele não era exatamente o seu Harry, Ametista continuou com as mãos nas costas do jovem e, fazendo ou movimentos circulares ou de sobe e desce, deixando-o ainda mais excitado. Sim, ele estava excitado. Ametista franziu a sobrancelha em meio ao beijo e sentiu como a pele dele estava suada contra a dela, como as mãos estavam trêmulas e como a boca não parava quieta. Na primeira vez que haviam ficado mais íntimos no Ano-Novo em Godric's Hollow, Harry não estava daquele jeito, mesmo que ainda estivesse nervoso.

         Finalmente, ele desgrudou sua boca da dela e trilhou um caminho tortuoso por suas bochechas, suas orelhas, seu queixo e especialmente seu pescoço. Ametista tombou a cabeça para trás, deixando escapar contra sua vontade um gemido. Contra, pois não queria denunciar que aquele novo Harry estava permitindo-a ficar tão excitada quanto ele. Sabia que, mesmo por mais espontânea que aquela atitude parecesse ser, Harry não estava em seu estado normal. Era quase como se houvesse alguém o controlando.

         Quando Harry puxou sua cabeça de volta, na direção de sua boca, abriu os olhos. Ametista abrira no mesmo momento e ambos paralisaram. Como se ouvissem um estalo, Harry retirou a mão debaixo da saia da namorada e afastou-se, e Ametista voltou o corpo para trás, ajeitando a blusa e o cabelo. Harry desceu do pequeno andar onde ficava a mesa de Sirius e bateu o corpo contra a primeira mesa de estudante. Estava incrivelmente ofegante.

         Uma onda de intenso calor invadiu seu rosto e o de Ametista simultaneamente, e a jovem pigarreou antes de dizer:

         - O que foi isso afinal? – além de sua respiração estar inconstante, Ametista tinha os lábios em forma de coração muito inchados. – O que foi que aconteceu pra você reagir deste jeito, Harry?

         Harry passou as mãos sobre os cabelos desgrenhados e não voltou o olhar.

         - Eu não sei – ele murmurou envergonhado. – Eu não sei o quê deu em mim.

         Ametista desceu da mesa e bateu os pés contra o assoalho, dirigindo-se ao namorado. Conseguindo controlar o seu rubor, ela colocou um dedo sobre o queixo de Harry e levantou seus olhos na direção dos dela. Ametista sorriu.

         - Não importa – respondeu, dando um selinho nele. – Talvez eu esteja irresistivelmente sexy hoje...

         Harry percebeu que Ametista riu em seguida. Ele não.

         - Você sabe que para mim está sempre irresistivelmente sexy, não sabe?

         Foi com tanta seriedade e calma que ele disse que Ametista arregalou os olhos e sorriu com os lábios cerrados, lágrimas tomando sua vista. Não estava acostumada com muito romantismo dele e também um relacionamento meloso era o seu último desejo. Entretanto, Harry parecia tão sério e compenetrado somente nela que a emocionou profundamente, mesmo que fosse dito em cima de uma piada sua.

         - Eu sei, amor, eu sei... – disse, sorrindo a ele e piscando.

         Subitamente, Ametista colocou suas mãos nas laterais do rosto de Harry e o beijou. O jovem ergueu as sobrancelhas, surpreso, já que geralmente era ele quem a beijava, e se surpreendeu com estar sendo beijado. Calmamente, ele foi a envolvendo novamente, passando as mãos por suas costas e unindo seu corpo ao dela. Percebeu que o beijo era mais como um agradecimento do que uma extensão do amasso anterior. Reconheceu os movimentos da boca dela contra a sua, o toque suave, a velocidade nem rápida nem lenta, a modo com que sempre suspirava entre seus beijos.

         Quão surpreendente começou, ele terminou. Ametista se afastou de Harry e passou um de seus dedos sobre os lábios do namorado carinhosamente.

         - E agora? Você vai me dizer o quê aconteceu ou não?

         - 'Tá bem – concordou, distanciando-se dela. Uma pequena pausa se formou, até que Harry suspirou e iniciou. – Eu estou furioso, satisfeita? – Ametista ergueu a testa e se impressionou com a ligeira rispidez de Harry. – Minha conversa com a tal Deusa, foi terrível!

         Ametista deu um passo para trás e cruzou os braços. Não pretendia dizer qualquer coisa a ele sobre sua rispidez, já que ela mesma sempre era quando irritada – isto significava, freqüentemente.

         - O quê ela queria com você? – perguntou, ainda recordando sobre como Harry parecia distanciar-se dela ao redor da Cavaleira de Merlin.

         - Se eu te contar você não vai acreditar – murmurou Harry entre os dentes.

         - Tente... – Harry olhou em dúvida para Ametista, que empinou o queixo e deu seu típico olhar superior à la Malfoy, como Rony costumava dizer. – Eu já ouvi bastante coisa absurda e inacreditável por hoje, garanto que sua estória não vai me impressionar tanto assim.

         Harry sustentou o olhar sobre a namorada e desta vez Ametista percebeu que realmente aquilo não daria em lugar algum. Após aquela noite, eles brigariam certamente. Ou brigariam, ou acabariam se amassando. Atualmente, era assim que resolviam seus problemas.

         - Posso começar dizendo que ela é uma mentirosa, falsa, maldita, que você acha disso? – respondeu Harry, aumentando o tom de voz para anterior a um grito. – Hein?! Que meteu meu pai e minha mãe num jogo sujo, ela tentou me manipular! Ela á uma maldita!

         Ametista levantou as sobrancelhas velozmente e arregalou os olhos, temerosa. "Oh, a noite realmente será mais longa do que eu esperava".

***

O início de março foi caracterizado pela sutil transição da próxima mudança de estação, do inverno para a primavera. Da estação gelada e cruel para a mais alegre e florida de todas. O final de janeiro e o início de fevereiro em que nada aconteceu, o final do menor mês do ano deixando uma certa nostalgia no ar. O dia dos namorados ficou para trás e não houve baile neste sexto ano. Agora, Harry estava na véspera do segundo jogo da temporada, Grifinória versus Corvinal.

         Desde a fatídica noite em que a Deusa Helderane tentou conversar com Harry sobre sua real imagem, a humana, as coisas não iam nada bem em Hogwarts. Os ataques do esquadrão de Voldemort deixavam um rastro de medo, morte e indignação na população. A Ordem da Fênix desaparecera completamente da Escola e Harry não recebia notícias alguma sobre eles de Sirius. Falando no padrinho, ele e Arabella decidiram marcar a data do casamento para o dia onze de Agosto, após o aniversário de Harry e perto do nascimento do filho deles. Aliás, Rony vivia repetindo que eles iriam casar e logo em seguida Arabella deveria sair correndo ao Hospital para receber a criança. Harry não gostava da piada.

         As aulas dos Aprendizes andavam muito sérias, mais parecidas com um campo de batalha do que propriamente com uma verdadeira sala de melhoria de conhecimento. Durante aquele mês de fevereiro, Harry duelara com Babelon Littlewood e ganhara, com Neville e ganhara, e com Draco e também ganhara. Porém, o maior duelo instalado foi entre Draco e Ametista. Na verdade, ele estava agora mesmo dirigindo-se até a Ala Hospitalar para visitar a namorada. A luta havia ficado muito intensa e Ártemis tivera de estuporar Ametista, enquanto Snape estuporou Draco. Não havia sido nada agradável.

         Quanto a ele e Ametista, a relação andava maravilhosa. Depois da noite em que ele contara tudo sobre Helderane, haviam tido a última briga e desde então, nunca mais. O motivo dela havia sido porque Ametista tinha dito para ele averiguar a estória contada por Helderane e não simplesmente dizer que era tudo mentira. E ele não permitiu que a própria namorada defendesse aquela mulher.

         Outro episódio marcante também acontecera na noite do dia dos namorados. Harry e Ametista combinaram de se encontrar na Sala de Transformação Humana para aproveitarem a noite, juntos. Entretanto, quando seus casacos e gravatas e camisas já estavam espalhados pela sala de aula, foram surpreendidos por Sirius. Desde então, tinham muito pouco tempo e lugar para se encontrarem, além da visível hostilidade do padrinho, tanto com ele quanto à filha. Não havia sido também muito divertido.

         Já Rony e Hermione estavam contrariando sua maré. Brigavam constantemente, por qualquer coisa, em qualquer lugar e a qualquer hora. Talvez fosse porque eles estavam fazendo um ano de relacionamento e Rony dizia ao melhor amigo que ainda estavam no mesmo pé, sem avançar para o auge. Em outras palavras, Hermione e Rony estavam nervosos, pois já não agüentavam mais a pressão sobre seus ombros. Harry costumava rir quando os via muito chatos ou irritados um com o outro. Mas, se Rony estivesse mesmo certo, em breve os dois conseguiriam uma chance de terem sua primeira vez – ou ele esperava que sim.

         Abrindo a porta da Ala Hospitalar, encontrou Madame Pomfrey reclinada sobre Draco e Dumbledore, Snape e Ártemis ao seu redor, conversando em alto volume. Ametista estava ainda desacordada, numa cama ao lado da de Malfoy. Harry entrou sorrateiramente, mas Ártemis logo o viu e o chamou. Aproximando-se, o diretor lançou-lhe um olhar curioso e Harry imaginou que todos deveriam já estar sabendo do flagrante de Sirius. Ao menos os adultos.

         - O Potter foi testemunha, Alvo – continuava esbravejando Ártemis. – Eu não sei como, mas se nem o próprio diretor da Casa Sonserina consegue dar um jeito nesses dois, eu é que irei!

         Snape ergueu o nariz e olhou Ártemis com desprezo. A mulher focalizou os olhos violetas sobre o mestre de Poções. Dumbledore sacudiu as mãos, pedindo calma.

         - Acalmem-se – pediu, o tom calmo e natural. – Harry – tornou-se para o aluno, que estufou o peito ligeiramente, segurando o rubor que queria espalhar por suas bochechas. – Que exatamente aconteceu?

         - A professora pediu um duelo entre o Malfoy e a Ametista – Ártemis e Snape continuavam a se fuzilar. – como ela vem pedindo para todos nós. Eles começaram a duelar e acho que – Harry viajou seu olhar de Snape para Ártemis. – que se animaram até demais. Sabe como é, no calor da luta...

         Snape perdeu poucos segundos preciosos para devolver a resposta de Harry, pois Madame Pomfrey bateu palmas e se uniu aos mestres da Escola. Olhando com reprovação para Dumbledore, disse:

         - Acho melhor que os deixe desacordados por hoje, esses dois provocam muito barulho na minha Ala, especialmente a menina. – reportou Madame Pomfrey.

         Harry ergueu a testa.

         - Mas isso é um absurdo!

         Dumbledore agitou as mãos mais uma vez, sorrindo levemente e ajeitando os óculos meia-lua que escorregava de seu nariz.

         - Papoula, perdoe minha indiscrição, mas prefiro que coloque um feitiço silencioso a deixá-los praticamente estuporados, largados nessas camas – observou o diretor, enquanto Madame Pomfrey pigarreava e voltava à cama de Draco Malfoy. – Agora, Harry, você terá um dia difícil pela frente, é melhor que volte amanhã.

         Ártemis continuou encarando Dumbledore com superioridade e deu as costas. Snape fez exatamente o mesmo gesto e trejeito, deixando a Ala Hospitalar. Harry assustou-se com a semelhança e sentiu um arrepio. Dois Snapes, aquilo seria terrível.

         - Professor – chamou Harry timidamente Dumbledore. O diretor tornou-se a ele. – O problema é que amanhã logo de manhã será o jogo contra a Corvinal e eu realmente precisava falar com a Ametista – Dumbledore olhou-o por cima dos óculos. – Eu imagino que você aplicará uma detenção sobre os dois, então eu acho que não poderei vê-la amanhã antes da partida.

         O velho diretor levantou uma sobrancelha e cerrou os lábios. Depois, lançou o olhar sobre Madame Pomfrey e se aproximou da enfermeira. Logo depois, deu as costas e piscou para Harry, desejando boa noite. Harry tornou-se para a mulher e viu que ainda estava acordando Ametista. Em seguida, pediu que ela não acordasse Malfoy até que ele tivesse deixado a Ala Hospitalar. Madame Pomfrey, mesmo contra a vontade, aceitou, deixando o Hospital.

         Ametista abriu os olhos com dificuldade e encontrou Harry ao seu lado. Franziu a testa e levou sua mão direita a ela, gemendo. Harry riu.

         - Mas que belo duelo, senhorita Dumbledore – brincou Harry, sentando-se na beirada do leito. – Garanto que Malfoy nunca esquecerá.

         - Garanto que eu também não esquecerei, tamanha minha dor de cabeça! – reclamou Ametista, mal humorada e insatisfeita. – E afinal, por que a Figg tinha que nos estuporar? – Harry ia perguntar como ela sabia disso, mas Ametista logo o atropelou. – Eu sei quando fui estuporada, isso é óbvio, olha o estado disso.

         Harry seguiu o olhar de Ametista e viu que era direcionado a Draco. Riu com gosto.

         - Eu tenho que ir embora logo – disse Harry rapidamente. – Escute, eu estive pensando, enquanto você lutava com o Malfoy, sobre uma coisa. Acho que achei o lugar perfeito para nos encontrarmos e...

         - Oh não! – relutou Ametista, ainda com a mão sobre a testa. – Oh, Harry, eu já me cansei dessa estória – disse ela, fechando a cara. – Eu estou contente que ao menos o meu pai parou de nos perseguir, não vamos provocá-lo a voltar à antiga rotina.

         - Sinceramente, eu acho que o Sirius só parou por causa da Bella – Ametista franziu a testa sem entender, ainda aborrecida. – Você tem sorte de não estar convivendo com ela nesses últimos dias – Harry suspirou. – Diz que está gorda, que Sirius irá parar de gostar dela, que irá romper o noivado ou então fugir no casamento... AH!

         Ametista despertou um sorriso nos lábios. Harry ergueu as mãos para o céu irritado.

         - Você não vê que ela só está com medo? – indagou a jovem, a mão na testa. – É normal da mulher esta insegurança, ainda mais quando está grávida. Sabe que vai engordar ao menos nove quilos, que vai passar a comer por dois, que vai não estar mais tão atraente como antes...

         - Eu acharia muito atraente vê-la com um barrigão de grávida – sussurrou Harry, abaixando-se para roçar os lábios nos da namorada. – Carregando meu filho...

         - OH! Sem pensamentos que envolvem pirralhos barulhentos, Harry! – advertia Ametista, afastando sua cabeça levemente. – Crianças definitivamente me odeiam!

         Harry ergueu as sobrancelhas, ainda muito próximo do rosto dela.

         - É claro que crianças não a odeiam – riu Harry, ainda estranhando. – Quero ver quando você se tornar mãe. Bella não pára um segundo de falar nisso.

         - Bem, você já me viu com alguma criança nos braços? – Harry pensou e indicou que não. – Já me viu brincando com alguma? – Harry negou. – Se eu não tenho nem uma coruja, por que teria uma criança?

         O jovem sorriu plenamente e agitou a cabeça negativamente, recuando.

         - O importante é que daqui a alguns meses você terá uma irmã, ou irmão – corrigiu Harry, pensando se gostaria de que o bebê de Sirius fosse menino ou menina. – E aí sim eu terei certeza que você virá muito fã dele, ou dela!

         Ametista olhou com dúvida na direção do namorado e deu um empurrão nele, rindo.

         - Como eu sou sua, quando você joga quadribol, e especialmente quando você ganha daquela nojenta da Chang?

         Harry levantou uma única sobrancelha e mandou um beijo no ar para a namorada.

- Deseje-me sorte amanhã! – disse, agitando a mão, enquanto Ametista entrelaçava os dedos, torcendo para que Harry estraçalhasse Cho Chang, a apanhadora da Corvinal, no jogo do dia seguinte.

***

- E O TIME DA CORVINAL ESTÁ DEFINITIVAMENTE REFORÇADO COM A PRESENÇA DE CHO CHANG, DE VOLTA A SUA MELHOR FORMA – o narrador abaixou o volume da voz. – E QUE FORMA!

         Foi ouvido logo as suas costas alguém pigarreando e Devon Mignot bufou impacientemente. No ar, as catorze vassouras correndo velozes de um lado ao outro, dando piruetas ou então apenas circundando o estádio que, naquele dia, estava cheio, mas incrivelmente desanimado. Talvez o motivo fosse o aviso dos céus: uma tempestade estava contando os segundos de início da partida para se iniciar - novamente.

          Harry, de cima de sua Firebolt, encarou o céu relutante. Já passara quatro horas do horário previsto para o início do jogo. E, sendo muito sincero consigo, Harry ficara bastante satisfeito. O dia acordara nebuloso e com uma garoa fraca, mas permanente, daquelas que costumava irritá-lo com facilidade. Mas, este não era o real problema. Poucos minutos anteriores à uma hora da tarde, horário da partida, o céu caiu como se fosse um pandemônio. Um forte temporal assombrou o solo de Hogwarts com ferocidade. Então, McGonagall o avisou e ao resto do time de quadribol da Grifinória que a partida só iria ser iniciada após o passar da tempestade. Recomendação de Madame Hooch.

         Às quatro horas e quinze minutos, McGonagall retornou ao Salão Comunal, avisando que a partida seria iniciada dali quinze minutos. E ali estava Harry, empinado em sua vassoura, mas olhando para lá do horizonte de grama e montanhas belas. As nuvens se chocavam com leveza, porém Harry sabia muito bem que, enquanto elas se chocavam, por dentro, iam formando descargas fortíssimas de eletricidade. O resultado seria um belo jogo de Quadribol debaixo de uma tempestade, não de água, mas de raios, relâmpagos e trovões.

         Gina parou sua vassoura ao lado do capitão do time e o encarou, tão assustada quanto um coelhinho encurralado por uma grande onça, os fios vermelhos escapando da trança de seu cabelo.

         - Você, alguma vez – ela engoliu longamente e voltou o olhar para a distância das montanhas. – já jogou uma partida sob um temporal de raios?

         - Não – respondeu Harry rapidamente, ficando tão tenso quanto Gina. – Não, graças a Deus.

         - Pois acho que hoje será a nossa chance – murmurou a ruivinha. – Seria tão mais legal se fosse contra a Sonserina – Harry encarou-a sem entender. – Bem, ao menos poderíamos jogá-los contra os raios, certo? – Harry ergueu a testa, rindo. – Eu aposto que você daria tudo para fazer isso com o Malfoy.

         - Você está sendo influenciada demais por Rony, Gina – riu o capitão. – Sério, isto não lhe faz bem!

         A grifinória responsável pela área de artilharia do time saiu voando em sua vassoura e rindo. Era bem verdade que ela não gostava de tocar no nome de Draco Malfoy nem ao menos para uma piada, especialmente depois do evento na Ala Hospitalar, agora já há quase dois meses atrás. Eles não se olhavam, e quando cruzavam nos corredores olhavam para longe. Porém, ainda havia a aula de Aprendizes. Esta, não havia como fugir, infelizmente.

         Madame Hooch apitou, ainda no chão do estádio. Aquele era o aviso para todos se prepararem, pois o jogo seria iniciado em poucos minutos. Harry desceu ao campo e pegou a sua vassoura com a mão esquerda, deixando a direita livre para cumprimentar o capitão do outro time.

         Uma garota franzina e pouco mais baixa que ele deu um sorriso polido. Harry segurou a surpresa. Não sabia que Cho era a nova capitã do time da Corvinal. Mas então veio a imagem de Rogério Davies. É claro, ele era mais velho que Cho e já havia deixado Hogwarts.

         - Capitães – chamou Madame Hooch. – Cumprimentem-se.

         Harry estendeu a mão para Cho e quando ela o tocou, sentiu um ligeiro arrepio. Porém, desta vez, não fora de desejo por ela, e sim de ameaça. Já estava seguro de seus sentimentos por Ametista e sabia que não sentia mais nada por Cho, entretanto, a jovem estava de volta com a corda toda para arrasá-lo neste jogo – afinal, o quê mais ela queria era mostrar não somente e Corvinal, mas a todos, que estava de volta. E pra valer!

         Em seguida, Harry aproximou-se da capitã e perguntou:

         - Você acha seguro jogarmos debaixo disso? – e ele apontou para as nuvens quase negras no céu da tarde.

         - Meus jogadores estão cientes disso e concordam. – respondeu Cho, dando um sorriso bonito a ele.

         Harry deu de ombros e voltou à sua Firebolt, aos ares. Olhando ao redor do estádio, juntou sua equipe e os incentivou por alguns momentos, deixando claro que nenhum deles deveria ter medo dos possíveis raios que poderiam vir a cair do céu negro. Todos concordaram.

         - MADAME HOOCH LANÇOU A GOLES E O JOGO INICIA! – gritou Devon, com empolgação. – THOMAS PEGA A GOLES, LANÇA PARA HOFFMAN – Dino conseguiu passar a goles por baixo da vassoura de um dos artilheiros da Corvinal e Alexis agarrou-a. – QUE CORRE MUITO RÁPIDO AO TERCEIRO ARCO, PASSANDO POR YOUNG – todo o estádio soltou um sonoro grito de surpresa. – OH! ESSA REALMENTE FOI CRUEL!

         Young, o novo batedor do time, acompanhado de Fills, puxou a capa de Alexis Hoffman para baixo, fazendo com que o artilheiro fosse jogado para trás com sua vassoura, deixando a goles cair de sua mão. Alexis teve que se controlar sobre ela para não cair na areia do estádio. Madame Hooch apitou de cima de sua vassoura.

         - PÊNALTI PARA GRIFIN"RIA! – anunciou Mignot com um sorriso. – OS LUFA-LUFAS ESTÃO TORCENDO PARA QUEM HEIN, MINHA CASA AMADA?

         - Mignot! – gritou Minerva atrás dele. – Não quero que saia declarando seu amor pela sua Casa, quero que reporte o jogo, entendeu?

         - OH! QUERIDAS TORCIDAS, A PROFESSORA RESPONSÁVEL PELA CASA GIRIFN"RIA ESTÁ REALMENTE DESCONTENTE COM A ATUAÇÃO DA CORVINAL – ele continuou, provocando uma ira em McGonagall. – ENTÃO, HOFFMAN SE PREPARA PARA JOGAR A GOLES E... – Alexis jogou a goles no terceiro arco com sutileza, jogando seu corpo para frente em sua vassoura. – GOOOOOOOOOLLLL!!!!!!!!!!

         A torcida da Grifinória e Lufa-Lufa explodiram de alegria, enquanto a da Corvinal e da Sonserina vaiaram. Minerva tinha os braços cruzados atrás de Devon, olhando feio para o narrador.

         - A GOLES VOLTOU PARA GRAHAM, QUE DESVIA COM FORÇA DE UMA CORRENTE DE AR... – todos riram no estádio. – OPA! CORRENTE DE AR QUE NADA! OS IRMÃOS SMITH MANDARAM UM BELO BALAÇO NELE! MAS NÃO PEGOU, POR POUCOS CENTÍMETROS! E AGORA ELE VEM COM VELOCIDADE TOTAL SOBRE O SEGUNDO ARCO DA GRIFIN"RIA! WEASLEY PARECE COMPLETAMENTE SEGURO, MAS... O QUE É ISSO?

         O trovão ecoou sobre o campo de quadribol e todos os jogadores paralisaram, enquanto uma incrível luminosidade atingiu o solo. Rony tornou-se para trás e viu que era um enorme raio, caindo entre as montanhas, não muito longe dali. Segurou a respiração, pensando qual o impacto daquilo em seu próprio corpo. Sua testa franziu instantaneamente.

         - MADAME HOOCH, A SENHORA TEM MESMO CERTEZA DE QUE QUER CONTINUAR ESSE JOGO HOJE? – a professora apitou para Mignot, que engoliu em seco. – SIM, EU SEI, MAS É QUE PARECE MUITO PERIGOSO, PARA TODOS N"S, EU DIRIA!

         - Mignot, se a professora disse que o jogo continuará, o jogo continuará! – disse McGonagall, com vitalidade, olhando de esguelha para Rony e Graham, paralisados.

         Os jogadores voltaram as suas posições, e Graham continuava com a goles na mão, meio que sem saber o quê fazer adiante. Rony voou até ele e disse que deveria tocar a goles para ele novamente. E Graham o fez, ainda praticamente hipnotizado com a força do raio.

         Assim, Rony puxou a goles para si e lançou-a para Alexis, que estava pronta para pegar, quando um novo raio caiu, desta vez muito perto da artilheira. A garota desviou rapidamente dele e pegou a goles quase caindo na arena. McGonagall colocou a mão sobre a boca. Foi quando começou.

         Uma intensa chuva acompanhada por poderosos raios caindo do céu, com força e sem piedade. Ao passar dos minutos, os jogadores não precisavam mais se desvencilhar do adversário do outro time, e sim dos raios que caíam sobre o estádio e Hogwarts. Harry e Cho, que estavam mais para cima da linha dos outros jogadores, tinham uma dificuldade imensa em tentar achar o pomo de ouro brilhando, já que os raios brilhavam muito mais do que a pequenina e poderosa bolinha.

         - SMITH REBATE O BALAÇO NA DIREÇÃO DE FILLS, QUE REBATE UM NA DIREÇÃO DE SMITH NOVAMENTE – prosseguia narrando Devon. – SE BEM QUE NÃO DÁ PRA ENXERGAR MUITA COISA COM ESSA LUMINOSIDADE TODA – dizia ele, arregalando os olhos. – SE AO MENOS PARASSE DE CHOVER NOS MEUS OLHOS OU ENTÃO PARASSE DE CAIR ESSES RAIOS NA CABEÇA DOS JOGAD... CUIDADO WEASLEY! MAIS ATENÇÃO! ELE QUASE TE PEGOU AGORA! QUE PENA QUE NÃO FOI O BALAÇO QUE O YOUNG TE LANÇOU, PORQUE EU ACHO QUE O RAIO O PARTIU EM MILHARES DE PEDAÇOS! E BOLA PRA FRENTE, AGORA WEASLEY PASSA A GOLES PARA HOFFMAN!

         Gina rapidamente desviou de mais dois raios no meio do campo até conseguir lançar a goles para Alexis, em que passou logo em seguida para Dino, ao lado dela. Fills jogou um balaço em cima de Dino, que desviou lentamente e foi pego de raspão. Desequilibrando-se da vassoura, Dino caiu contra a arena do estádio.

         - THOMAS ESTÁ CAÍDO! O BALAÇO DE FILLS FOI CERTEIRO DESTA VEZ! – avisou Mignot, achando bom uma mudança, mesmo que o jogo estivesse mais do que tumultuado. – FIQUE DE OLHO, GRIFIN"RIA! A CORVINAL ESTÁ GANHANDO POR CINQÜENTA, VOCÊS S" ESTÃO COM TRINTA!

         Harry estava voando bem alto e observando abaixo o jogo, a voz ampliada de Mignot chegando em seus ouvidos. A Grifinória estava perdendo. Cho estava voando perto dele, parecendo tão preocupada quanto ele. Sabia que um capitão tinha a obrigação de comandar o time, obviamente, porém também cuidar de seus companheiros, estejam eles no ar com ele ou em terra ouvindo suas recomendações.

         Pensando no que poderia acontecer com seus amigos, especialmente com Rony e Gina, Harry dirigiu-se para perto de Cho, desviando-se dos raios, a fim de tentar convencê-la de transferirem a partida para outro dia. Paralisando sua Firebolt ao lado dela, disse:

         - Vamos parar essa partida, isso é suicídio. – disse ele, indicando a quantidade assustadora de raios que insistiam em cair do céu negro.

         Os pequeninos olhos negros da mestiça lançaram-se sobre Harry e ela parecia incrivelmente receosa.

         - Eu concordo com você, Harry – respondeu, franzindo sua testa. – Eu não aceitaria se algo acontecesse com eles, além de que o pomo será impossível de ser encontrado no meio dessa tempestade.

         No momento que ambos empinaram suas vassouras descentemente, suas roupas pesadas de tão ensopadas, Harry e Cho notaram uma luminosidade diferente desta vez. Era quase como uma luz esverdeada, que fez sombra sobre o estádio. Harry tornou-se para trás e olhou com temor: a Marca Negra. O crânio feito de pedras esverdeadas, a serpente saindo entre os dentes, formando a língua cheia de veneno.

         - OH! É a Marca Negra! – vociferou Cho, trêmula e molhada debaixo daquela tempestade.

Imediatamente, Harry paralisou sobre sua Firebolt. A imagem da Marca Negra trouxe algo como uma hipnose para sua mente. Uma imagem turva foi se formando em sua mente. A carcaça de um animal, um braço prateado, uma face de serpente, o sibilo de uma cobra, três pessoas se olhando, duas ajoelhadas e uma em pé, olhos vermelhos.

         "Está na hora, Comensais, o plano tem de começar a ser articulado, finalmente" – ouviu a voz rouca e fraca dizendo. "Esperei dezesseis longos anos para isso e agora tenho tudo o quê quero!".

         "Mas, Mestre, ainda faltam às armas..." – outra voz respondeu. "Eu sei que faltam, idiota! Mas também sei que elas serão transportadas quando eles aparecerem, junto a mim, os quatro!", respondeu a primeira voz.

         "O senhor terá minha total devoção, e também todos os outros envolvidos no plano estarão cientes em muito breve, Mestre", voltou a falar a segunda voz, mais contida. "Tenho certeza que o plano ficará belíssimo, Mestre, que executaremos com perfeição!".

         "Não aceitarei falhas desta vez, entendeu?", avisou a primeira voz, soltando um sibilo de volta. "Sim, Mestre".

         Harry ficou tão entretido naquela conversa que não percebeu que gritos histéricos eram soltos no estádio. Mas, estranhamente, ele não conseguia se mexer. Cho estava ainda ao seu lado, olhando-o assustada.

         - Harry! Harry! – ela gritava, abanando as mãos em frente do rosto do apanhador da Grifinória. – Harry! Acorde! Acorde! Acorde, Har...

         "Mas, Mestre, eles convocaram os Cavaleiros de Merlin, e nem mesmo a Trindade poderá contra eles...", uma terceira voz apareceu, firme e decidida. "Eles são Deuses, e por mais que sejamos muito poderosos, não chegamos ao grau de poder de Deuses, muito menos os Cavaleiros de Merlin!".

         "Eu sei muito bem do quê os Cavaleiros de Merlin são capazes, não preciso de você para me dizer", respondeu a voz parecida com um sibilo. "Já esperava essa atitude de Dumbledore há muito tempo, mesmo que isto fosse arriscar o próprio pescoço".

         Harry ouviu um som estranho vindo de longe em sua direção, mas ainda parecia hipnotizado por aquela conversa. Parecia o bater de asas. Cho continuava tentando alertá-lo.

         "Não duvido que o senhor sempre tenha tido conhecimento dessa investida de Dumbledore, Mestre, mas só estou lembrando que os Cavaleiros são extremamente poderosos e poderão colocar todo o nosso exército no chão, por mais poderosos que nós sejamos", prosseguiu a terceira voz, parecendo ligeiramente alterada.

         "Eu realmente pensei que minha Trindade fosse bem mais inteligente e já soubesse de um pequenino detalhe", instigou o homem da voz rouca. "Os Cavaleiros não poderão lutar ao lado de Dumbledore, pois eles são impedidos de se meter em assuntos de bruxos comuns".

         Cada vez mais a conversa ia ficando interessante, a visão sobre seus olhos ia clareando – ou melhor, escurecendo – e o som de asas enchia seus ouvidos. Era quase irritante.

         "Mas ainda assim, Mestre, os Deuses poderão despertar os herdeiros!", agora, a terceira voz soou como um protesto nervoso. "Eles poderão vir preparados, poderão encontrar os herdeiros antes que nós!".

         "Não, eles não encontrarão", disse a voz segura. "Mas, mesmo que você tenha uma ponta de certeza e que os Cavaleiros achem os herdeiros, eu recomendo que estejamos prontos para enfrentá-los".

         E então, o som de asas batendo pairou sobre eles. Era o pomo de ouro. Mesmo que Harry não pudesse se mexer ou falar, ele se desesperou, pois o pomo estava bem à sua frente e Cho parecia tão chocada e em dúvida de pegá-lo ao ver o estado que se encontrava.

         "Desta vez, nada sairá errado", continuou a voz rouca e num sibilo. "As chances nossas de vitória são maiores e estamos preparados para enfrentar qualquer coisa. Dumbledore e Potter vão se arrepender de terem entrado na minha vida desde o primeiro dia de suas novas vidas como minhas almas aprisionadas".

         Foi quando Harry olhou para a garota, ainda incapaz de falar, e indicou que ela deveria pegar o pomo. Cho arregalou os olhos, querendo protestar, mas Harry tinha razão. Aquele era seu último ano em Hogwarts, na Corvinal, e queria ao menos uma vez ganhar sobre ele, pegando o pomo e provando que, mesmo sendo uma garota que tenha passado por incríveis dificuldades, como contusões e a morte de Cedrico, ela era ainda a melhor para eles.

         Assim, Cho alcançou o pomo levemente e fechou os olhos.

         - OK! MESMO COM A MARCA NEGRA PAIRANDO NO CÉU, OS VALENTES JOGADORES PERMANECEM ATIVOS! – berrou Mignot, a voz vacilando claramente ao olhar para a luz esverdeada que se misturava com as outras dos raios. Ele ainda não havia reparado que os apanhadores estavam paralisados e que Cho já havia pegado o pomo. – AGORA A GOLES ESTÁ COM LINCOLN, QUE PASSA RAPIDAMENTE PARA BURTHMAN E... OH! MAS A RUIVINHA MAIS GATINHA DE HOGWARTS INTERCEPTA-O! – Gina conseguiu segurar a goles quando Burthman ia passar novamente para Lincoln, jogando sua vassoura na frente do corpo do artilheiro. – A GOLES ESTÁ NOVAMENTE COM A GRIFIN"RIA. HOFFMAN ESTÁ COM ELA, PASSA POR LINCOLN E ENCONTRA FILLS LOGO A FRENTE, VÁ PARA A DIREITA, ALI ESTÁ THOMAS! – gritava Devon, ajudando Alexis, enquanto McGonagall perdia os cabelos logo ao seu lado. – ISSO, AGORA ELA ESTÁ LANÇANDO... OH MERLIN!

         Repentinamente, um enorme raio de luz muito intenso caiu exatamente sobre o espaço entre Dino e Alexis, provocando a cegueira da maioria ali presente e também um medo incontrolável, já que unido a enorme luminosidade e ao barulho intenso, estava também a trepidação de toda a estrutura de madeira das arquibancadas, onde as torcidas estavam localizadas.

         Quando todos voltaram a si e o raio se dissipou, como num filme assustador de trouxas, os jogadores de ambos os times caíram de suas vassouras, completamente desacordados. Um por um, iam caindo sem rumo. A primeira a reparar nisso foi Hermione, que se ergueu da arquibancada e viu, de muito longe, dois pontinhos com cabeças ruivas caindo velozmente contra o chão. Era Rony e Gina.

         Soltando um grito de desespero, pouco a pouco, toda a torcida da Grifinória e da Corvinal berrava, pedindo ajuda. Hermione saiu correndo em direção aos professores, em menção de pedir socorro, e viu um bolinho deles agachados, movendo-se nervosamente.

         Aproximando-se, reparou que era Devon Mignot desmaiado. Provavelmente, a descarga elétrica do raio tenha chegado até o aparelho em que aumentava sua voz – eles não usavam feitiços de aumento de volume nos jogos de quadribol – havia o atingido e provocado esse desmaio. Ali estavam McGonagall, Sprout e Flitwick. Não se via nem Snape nem os outros, todos haviam corrido para a arena. Olhando pelo palco, viu várias pessoas se movendo logo abaixo, num tom preocupado.

         Porém, se tudo já havia ido pelos ares, logo à sua frente pousou Harry, ficando estável em sua vassoura. Hermione arregalou os olhos para ele, achando estranho que ainda estivesse ali, mas o jovem somente teve tempo de dizer, antes de desmaiar como os outros, a luz esverdeada da Marca Negra fazendo sombra sobre ele:

         - A Cho pegou o pomo, Hermione... Nós perdemos...

***

NO PR"XIMO CAPÍTULO: A aula de Aprendizes começa a apertar as habilidades dos escolhidos, mas Gina parece ainda deslocada e incerta. Diante do patrono de Babelon, coisas inacreditáveis acontecem. E como se sua vida não estivesse pior, sente-se dividida. Quem ficará com o coração da caçula dos Weasley?

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