Capítulo 2 – Admirável mundo novo
Kingsley abriu a pasta 12GP no meio da rua, de lá tirou um pequeno pedaço de papel muito gasto e olhou a moça que o acompanhava. A seu favor, Helena tinha se mostrado ser extremamente obediente. Seus olhos verdes o olhavam cheios de curiosidade, mas, fiel a sua promessa, ela não tinha feito uma pergunta desde que eles deixaram o número de 10 de Downing Street, a sede do governo britânico.
Ele parou de andar e deu um ultimato:
– Srta. Sharp, essa é sua última chance de desistir de tudo. Posso levá-la de volta para casa, ou para onde quiser, e não se fala mais nisso. Mas se decidir ir em frente, devo avisá-la: isso vai mudar tudo o que sabe sobre Severus Snape. É um caminho sem volta. Meus termos continuam: deve fazer o que eu mandar, sem perguntas. Não deve mencionar Severus até que eu permita.
– Posso fazer uma pergunta antes de responder, uma só?
– Talvez eu possa responder, talvez eu não possa – ele avisou. – Pergunte.
– Só quero saber uma coisa: Severus está vivo?
Ele fechou os olhos, respirando fundo enquanto pensava se respondia, se mentia ou se nada dizia. Decidiu responder a verdade:
– Sim, ele está vivo. Mas não posso lhe dizer nada além disso.
Os olhos verdes dela brilharam, cheios de lágrimas, e ela respondeu, determinada:
– Então, vamos em frente.
Corajosa, pensou Kingsley, com uma pontada de admiração. Ele pegou o pedaço de papel e entregou a ela:
– Preciso que você leia o que está escrito nesse papel.
Ela obedeceu e Kingsley observou o rosto dela transformar-se quando o Feitiço Fidelius começou a operar e uma casa simplesmente pareceu brotar no meio das outras da rua residencial de Londres. Kingsley aproveitou o estado de estupefação da moça e incentivou:
– Vamos, vamos entrar logo antes que nos vejam.
Como previra, ele precisou ajudá-la a andar. E sua mente não tinha mais qualquer dúvida.
Ele era uma autêntica Muggle. E não sabia de nada sobre seu marido. Kingsley sentiu-se como se estivesse tirando a inocência de uma criança – o que não estava longe de ser verdade.
Ele bateu à porta e Remus Lupin atendeu, parecendo intrigado ao vê-lo ali.
– Kingsley? – Ele olhou para a moça, erguendo a sobrancelha.
– Olá, Remus. Quero que conheça Helena Sharp. Podemos entrar? Isso pode demorar um pouco.
– Claro. – Deixou que os dois passassem, discretamente olhando a moça. – Prazer, madame.
– O prazer é meu. – Ela arriscou um sorriso tímido quando entrou, olhando para a casa com curiosidade.
Nymphadora Tonks chegou alegremente à porta, seu cabelo rosa-choque espetado e curto tornando-a ainda mais jovem do que já era. Sorriu para os recém-chegados:
– Oi, Kingsley! Quem é sua amiga?
– Esta é Helena Sharp. Srta. Sharp, conheça Nymphadora Tonks.
– Meus amigos me chamam de Tonks. Hei, você está bem? King, ela parece meio pálida.
– Preciso da ajuda de vocês. Harry está aí?
– Não, ele foi à Toca. O que está acontecendo?
– É melhor nos sentarmos, porque temos muito o que explicar à Srta. Sharp. Quem sabe na cozinha? Tonks, eu abusaria de sua boa vontade se pedisse um chá para nós?
– Claro que não. Venha, querida. Posso chamar você de Helena?
– Claro.
– Ah – interveio Lupin –, só mantenha a voz baixa, por favor. Pode acordar... coisas desagradáveis.
Mas foi tarde demais. A porta da frente bateu e o pior aconteceu.
O retrato da Sra. Black começou a gritar as maiores imprecações possíveis. Helena deu um pulo tão grande de susto que esbarrou em Tonks, que por sua vez num reflexo, pulou para o lado, derrubando uma ânfora de canto no hall de entrada. O objeto de barro caiu e quebrou-se.
– Oh, meu Deus – disse Helena, de olhos muito arregalados. – Desculpe! Mas... Eu podia jurar... É como se... se o retrato estivesse falando!...
– MALDITOS SANGUE-RUIM DESTRUINDO A CASA DE MEUS ANCESTRAIS! – gritava a Sra. Black. – A MANSÃO DESSACRALIZADA PELA GENTÁLIA QUE AGORA VIVE AQUI! SANGUE-RUIM! TRAIDORES DE SANGUE!
– Não deixe que ela a assuste – disse Lupin, correndo até o quadro. – Nympha, querida, dê um jeito no vaso e leve nossa convidada até a cozinha. Kingsley, me ajude aqui, por favor.
Kingsley podia ver o quanto Helena estava assustada, ainda mais agora que ela havia se dado conta de que a gritaria vinha mesmo do quadro. Mas ela efetivamente ficou em estado de choque quando Tonks, sem a menor cerimônia, puxou sua varinha e apontou para o vaso espatifado no chão:
– Reparo!
O vaso simplesmente se emendou todo. Sozinho. Os olhos arregalados, a pele sem cor, os músculos paralisados, Helena mal ouviu quando Tonks se voltou para ela:
– Você está bem?
– E-eu... eu... Não!... É... um retrato!... E ... o vaso!...
– Do que é que você está falando? – A moça de cabelos cor de rosa parecia estupefata.
– Tonks – interveio Kingsley, sem interromper os esforços para fechar o retrato da Sra. Black –, ela é Muggle.
Houve um momento mudo de espanto entre os presentes, incluindo Helena e a pintura na parede. Mas durou um momento só. O retrato perdeu completamente as estribeiras:
– UMA MUGGLE NA CASA DE MEUS ANCESTRAIS! MUGGLE! É O FIM DOS TEMPOS! ISSO É QUE OS HERDEIROS DAQUELE INFELIZ DE MEU FILHO FAZEM! NENHUM BLACK AUTÊNTICO SOBREVIVEU! NEM MESMO AQUELE TRAIDOR DO SANGUE TERIA A OUSADIA DE TRAZER UM MUGGLE PARA ESSA CASA! UM ABSURDO! UM INSULTO!
Tonks passou os braços em volta de Helena, que tremia feito uma vara verde, e suavemente a guiou para a cozinha no porão. Colocou-a sentada e conjurou um copo, dizendo:
– Tome, querida. É água com açúcar. Acalma os nervos.
Helena tremia tanto que a água estava molhando toda a mesa.
– E-eu... O q-q-que... N-nunca...
– Seria melhor dar uma poção a você. Mas por que Kingsley trouxe você para cá? Não entendo.
– E-ele não me d-disse – respondeu Helena sinceramente. – Eu mal entendo o que está acontecendo aqui.
– Querida, aqui somos todos bruxos. Fazemos mágica e temos poderes. Eu entendo o que está passando. Meu pai também é Muggle. Foi um choque e tanto quando ele descobriu que minha mãe era bruxa, pelo que eu ouvi. Geralmente, não nos mostramos para Muggles, por isso eu não sei o motivo pelo qual Kingsley quis que você soubesse. Vocês estão namorando ou coisa assim?
– Não! – Helena parecia escandalizada. – Eu só o conheci hoje. Mas eu não entendo. O que é... um Mu...M-Mugol?
– Muggle – Tonks corrigiu. – É o nome que damos para pessoas como você, que não têm magia. Ou você tem alguma magia?
Helena abanou a cabeça, começando a parecer angustiada. – Não, claro que não. Eu... nem sei se isso tudo é real...
O berreiro na entrada tinha parado e Kingsley logo entrou com Lupin na cozinha. De algum modo, ele sentiu os olhos de Helena o procurando, como se buscassem conforto de uma pessoa amiga – ou pelo menos conhecida. Estranho que ela buscasse conforto nele, geralmente esse papel cabia a Lupin.
– Acredite, é real – garantiu Lupin, sentando-se à mesa. – Você mesma viu o que aconteceu com o vaso.
Ela olhou para Kingsley, os olhos cheios de dúvidas, e ele explicou:
– Vivemos entre vocês de maneira totalmente escondida e acho que você pode imaginar o motivo. O Ministério da Magia é a autoridade de nosso mundo e eu trabalho num setor desse Ministério junto ao Primeiro-Ministro Muggle. Precisa entender, Helena, que estivemos numa guerra terrível até pouco tempo. Ainda estamos lidando com as conseqüências. Há revoltosos à solta, praticando crimes horríveis. O Muggle comum, às vezes, é informado de desastres naturais que não são tão naturais assim: incêndios, explosões, avalanches.
– Oh meu Deus... – Ela olhou para os demais, a voz trêmula.
– A guerra foi iniciada por um terrível bruxo das trevas há quase 20 anos – continuou Kingsley. – Mas ele soube de uma profecia de que poderia ser derrotado por alguém que tinha nascido há pouco tempo. Ele tentou matar esse menino, que era apenas um bebê, e foi derrotado. Todos pensavam que ele tinha sido destruído, mas ele voltou há quatro anos. E recomeçou o seu reinado de terror. O rapaz que ele tinha tentado matar quando bebê conseguiu, afinal, destruí-lo. Isso faz pouco tempo. Mas seus seguidores ainda estão à solta.
Kingsley olhou para Lupin e Tonks, que o encaravam, ainda sem saber direito o que pensar da presença daquela Muggle ali. Pelo menos eles resolveram respeitar seu modo de agir e mantiveram-se calados. Ele sentiu que Helena absorvia cada palavra com atenção e provavelmente estava ansiosa para fazer perguntas. Ele decidiu evitar algumas delas dizendo:
– Albus Dumbledore era o líder das forças que resistiam a esse bruxo. Ele foi assassinado. – A moça não evitou soltar uma exclamação abafada. – Felizmente, isso não impediu que o bruxo das trevas fosse destruído. Todos nós aqui (Lupin, Tonks, eu, e outros) lutamos contra ele nessa guerra e ainda estamos lutando contra esses recalcitrantes. Esta casa continua sendo o quartel-general dessas forças, reunidas na chamada Ordem da Fênix. O dono desta casa é o rapaz sobre o qual lhe falei antes. Seu nome é Harry Potter. Eu gostaria que você o conhecesse. Por isso eu a trouxe para cá, mas ele saiu.
– Eu lamento tanto pelo Prof. Dumbledore...
– Sim, todo o mundo bruxo lamentou terrivelmente. Dumbledore era um símbolo, uma referência. Ele estava há décadas como diretor da Escola de Hogwarts, uma escola de bruxaria e feitiçaria. Muitas pessoas se sentiram extremamente vulneráveis com sua morte. Ainda mais devido às circunstâncias de seu falecimento. Helena, eu quero que você ouça com atenção o que eu vou dizer. Dumbledore foi morto na escola, por um dos professores. – Kingsley lançou um olhar penetrante para ela, como se avisasse. – Esse professor passou um ano inteiro foragido, mas foi preso na mesma ocasião em que o bruxo das trevas foi derrotado. Agora ele está na prisão. Seu nome é Severus Snape.
Parecia impossível, mas Helena ficou ainda mais pálida. Kingsley decidiu continuar antes que ela fizesse qualquer pergunta:
– Snape serviu na Ordem da Fênix durante muitos anos como espião. Ele era um dos bruxos das trevas, mas se voltou para o lado de Dumbledore há muitos anos. Nem preciso dizer que nem todo mundo tinha convicção de que Snape realmente tinha mudado de lado, mas Dumbledore tinha confiança irrestrita nele. Não houve dúvidas de que Snape realmente assassinou Dumbledore, pois testemunhas presenciaram o ato. – Helena abafou um soluço, as lágrimas rolando por seu rosto muito branco. – Ele foi caçado durante meses. Mas Dumbledore deixou provas de que Snape continuava espionando para o nosso lado e atuava como infiltrado. Infelizmente, as provas de Dumbledore não foram muito convincentes para o Ministério da Magia. Mas na batalha final, Harry recebeu ajuda de Snape para vencer o Lord das Trevas.
Lupin dirigiu-se a Helena e esclareceu:
– Esse Lord se chamava Lord Voldemort. Mas ele era tão temido que ninguém pronunciava o seu nome, um hábito que ainda hoje nem todos largaram.
Kingsley teve a decência de ficar constrangido.
– É verdade. Desculpe, eu tenho que me acostumar a falar o nome dele. De qualquer modo, atendendo aos últimos desejos de Dumbledore, alguns membros da Ordem da Fênix têm tentado construir uma defesa para Snape. Mas não tem sido fácil: o nome de Snape tem sido odiado por todo e qualquer bruxo como sendo um traidor vil e desprezível. Em breve, ele pode virar um vocábulo, como aconteceu com Vidkun Quisling e Benedict Arnold. Reputadamente, ele é o último de sua família, o que é uma bênção. Se ele tivesse algum parente, ele seria perseguido. A velha casa de seu avô, em Spinner's End, onde ele costumava guardar seus livros, foi queimada por um grupo mais exaltado. A prisão está em alerta constante contra a possibilidade de linchamento. Portanto, a dificuldade agora é que, mesmo que Snape não seja culpado, inocentá-lo pode ser um problema político para o Ministério. Pode haver uma revolta popular.
Helena afundou a cabeça entre as mãos e entregou-se ao choro copioso, incapaz de se controlar por mais tempo. Lupin e Tonks olharam interrogativamente para Kingsley, que pesadamente suspirou e apresentou:
– Apresento a vocês a Sra. Severus Snape. Helena Snape, para ser mais exato.
Os dois se viraram para ela, surpresos. Ela não ergueu a cabeça, ainda soluçando baixinho. E uma voz atrás deles confessou:
– Por isso eu jamais teria esperado.
Kingsley se virou para ver quem tinha acabado de entrar na cozinha. Era o dono da casa.
Harry Potter.
