Capítulo 3 – Ainda em choque

Helena ainda estava em choque quando viu o rapaz encará-la. Ela mal tinha se dado conta da chegada de uma outra pessoa, sua cabeça girando em vários níveis.

Parecia que ela estava no meio de um sonho, ou melhor – de um pesadelo terrível que parecia não ter jeito de terminar. Só o que ela queria era notícias de seu marido, da pessoa com quem tinha se casado por amor há tantos anos e achava que conhecia. Achava, no passado.

Ao vir a Londres em busca de notícias, Helena tinha imaginado o pior cenário: que ele estivesse morto, que sua gente o tivesse seqüestrado, que ele tivesse uma amante, talvez até uma segunda família. Ela fora criada no campo, na vida simples longe da cidade, então ela se achava um tanto quanto ingênua. Mas não era burra.

Sempre soubera que Severus estava lhe escondendo algo. Todos aqueles anos. Mas jamais podia suspeitar em algo daquela natureza.

As informações que recebera desde que conhecera Kingsley Shacklebolt tinham abalado tudo em que acreditava. Nunca, em toda a sua vida, ela tivera um choque tão grande, nem quando seu avô morrera. Naquela ocasião, ela imaginou que não superaria o trauma. Desta vez, Helena tinha ainda menos convicção de que fosse se recuperar. Na verdade, nada seria como antes. Tudo estava mudado.

Sua mente parecia presa entre dois estados simultâneos e paradoxais: entupida de informações e totalmente vazia. Seu corpo não reagia, ela apenas chorava, ou melhor, choramingava baixinho. Mal tomou consciência de uma pessoa que passava os braços em torno dela, buscando dar-lhe consolo. Havia pessoas falando à sua volta, mas ela também mal se dava conta, os barulhos aparecendo como ruído de fundo em sua cabeça.

Foi então que alguém colocou um copo em suas mãos e insistiu que ela bebesse o conteúdo. Helena obedeceu. Era uma cocção qualquer, uma que a fez lembrar de Severus – ele vivia fazendo chás e usando ervas. Afinal, ele era um professor de Ciências, não era?

De repente, ela se voltou para o Sr. Shacklebolt e perguntou, num impulso:

– O que ele lecionava?

Tonks, que a abraçava, não entendeu:

– Como?

– Severus – insistiu Helena. – O que ele lecionava na escola?

O rapaz recém-chegado respondeu:

– Ele deu aula de Poções durante muitos anos. No último ano, deu aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Era a sua especialidade.

Helena sorriu docemente, tentando secar as lágrimas:

– Ele me dizia que lecionava Ciências. Química, especialmente, mas um pouco de Biologia também. Poções... é o que eu estou pensando?

Mais uma vez, ela dirigiu a pergunta a Shacklebolt, que respondeu, tentando sorrir:

– Acho que sim. Ele mexia com caldeirões. Usava ingredientes mágicos também.

Ela arriscou uma piada:

– Como asas de morcego e unha de dragão?

Os olhos do negro tinham um brilho suave de empatia e pena:

– Eu sei que para você parece brincadeira, mas...

– Não, parece surreal, só isso. – Helena respirou fundo e fez a pergunta que temia fazer. – Vocês têm pena de morte? Ele vai ser condenado à morte? É isso que estão tentando me dizer, que Severus vai ser executado?

Tonks pegou a mão dela e garantiu:

– Não. Não, querida, não há pena de morte. Mas há pena de prisão perpétua. E o crime de Snape se enquadra nessa hipótese.

Helena sentiu os olhos arderem novamente e indagou:

– Sei que não sou a melhor pessoa para perguntar, mas... não há chance de algum engano? Eu... eu... não posso acreditar. Desculpem, mas... Essas testemunhas não podem ter se enganado?

Todos olharam para o rapaz, que encarou Helena com um brilho tão intenso que a moça sentiu algo no corpo:

– Não há engano. Eu vi com meus próprios olhos. Eu estava lá. Snape assassinou Dumbledore.

As palavras acertaram Helena como adagas no coração. Ela abaixou os olhos, sentindo-se totalmente derrotada, como nunca antes na vida. Seu coração parecia querer se afundar dentro de seu peito e as lágrimas não eram consolo, não levavam sua dor para fora.

Pois ela sabia que aquelas pessoas não estavam mentindo.

Ela era casada com um assassino.

O homem que amava, a quem dedicara sua vida, havia tirado uma vida.

O homem chamado Lupin, que parecia tão gentil, ergueu-se, dizendo:

– É melhor deitar um pouco. A poção que tomou deve fazer efeito em breve e...

Helena reagiu, tentando afastar-se dele:

– Não!... Não, não posso me deitar!... Tenho que voltar para meu hotel, ligar para minha casa, dar notícias...

Lupin continuou tentando acalmá-la:

– A senhora vai se acalmar quando a poção fizer efeito. Poderá descansar um pouco, vai se sentir melhor.

– Não! – Helena continuava tentando resistir, mas a tal poção parecia ter começado a fazer efeito bem naquela hora. Ela começou a se sentir pesada, como se fosse desfalecer e isso a assustou. – Minha cabeça... O que...

– Tenha calma. A poção está agindo. Você vai se sentir melhor mais tarde.

– O que vocês... fizeram comigo? – Helena olhou para aquelas pessoas, todas estranhas, e naquele momento sentiu-se terrivelmente sozinha e vulnerável, a visão começando a ficar enevoada. – Oh, meu Deus...

Tonks falou:

– Ela está assustada.

– Ela está em choque – corrigiu Lupin. – Não é para menos.

– O que vocês vão... vão fazer comigo? – Ela tentou se levantar, mas as pernas estavam falhando e ela cambaleou. A fala dela também se arrastava, e ela viu Lupin se adiantando para ajudá-la. Estranhamente, ela entrou em pânico e tentou fugir dele, andando para trás. – Não! Não... chegue perto!...

– Calma, eu não vou machucá-la. Ninguém aqui quer lhe fazer mal.

Inútil. Helena chegou à parede e, quando viu que não tinha mais para onde fugir, tentou se encolher, chorando e resistindo:

– Não...! Não...! – Ela ficava cada vez mais grogue e logo iria perder os sentidos. – Não se aproximem de mim...!

– Ela está em pânico – disse Tonks, que também tentou se aproximar e foi rechaçada. – Que vamos fazer?

Helena ofegava, já no final de suas forças, chorando, aterrorizada, encolhida no chão como um animal acuado. Ela registrou a aproximação do Sr. Shacklebolt, que usou uma voz suave, exatamente como se falasse com um animal arisco:

– Helena, ninguém quer machucar você aqui. Pode confiar.

– Vocês... me drogaram...!

– Não, é só uma poção para você descansar um pouco. Você vai dormir e quando acordar, as coisas vão ter uma outra perspectiva. Acredite em mim.

– Você... Você vai me ajudar?

– Claro que sim.

– Precisa avisar... meus filhos... – Ela mal se agüentava acordada e Shacklebolt era apenas um borrão marrom na sua frente. – Meus filhos...

– Claro que aviso – ele disse e sua voz estava bem próxima. – Agora vou levá-la para um dos quartos lá em cima, está bem? Vai ficar confortável lá, não se preocupe.

Ela não respondeu, só sentiu que ele passava os braços ao redor dela e a ergueu, e depois disso Helena Anne Snape não viu mais nada.