Capítulo 6 – Nenhum lugar como o lar

Kingsley Shacklebolt tinha tido o dúbio prazer de conhecer a biboca de Snape em Spinner's End. Talvez por isso ele inconscientemente esperasse uma casa semelhante, ou, quem sabe, um casebre tosco, mas limpinho. O que ele não esperava era uma residência Muggle normal, uma casa ampla e confortável de dois andares, um jardim bem-cuidado cheio de flores e uma caixinha de correio com o nome Snape pintado em letras de forma. Embora não fosse uma casa de cartão postal, era uma bem cuidada, surpreendendo Kingsley.

Helena olhou em volta, maravilhada:

– Oh, meu Deus! Estou em casa!... Estou mesmo em casa...! – Ela abriu o portãozinho baixo e de repente se deteve, parecendo tonta. Kingsley se precipitou em ajudá-la.

– Tudo bem?

– Sim, acho que fiquei um pouco emocionada demais. Vamos, vamos entrar.

– Aproveitando o ensejo, posso usar o seu telefone? Preciso avisar o escritório que não vou poder trabalhar.

– Claro, fique à vontade – disse ela, abrindo a porta. – Crianças, a mamãe chegou!

Kingsley entrou atrás dela, mas antes que ele pudesse sequer registrar a visão da sala de estar, uma força invisível o atingiu em cheio e ele voou para trás. Ele ficou estatelado no chão, fora da casa, um pouco atordoado pela violência do golpe.

Lá dentro, ele podia ouvir fragmentos de diálogo, um diálogo confuso.

– Senhora Helena! – Uma voz fina e determinada soou, parecendo aflita. – Senhora Helena, esse homem é mentiroso! Stimpy protege Senhora Helena, Senhora Emma e lindas crianças!

– Não, Sr. Stimpy, não! – Helena tentava dizer. – Ele é um amigo!

– Não, não amigo! Ele mente! Não é o que diz ser! Stimpy protege Senhora Helena!

– Mamãe! – Era uma criança falando, mas outra chorava, assustada. – Mamãe!

– Mr. Stimpy, por favor, ajude Lily. Está tudo bem, querida, mamãe está em casa. London, mamãe já vai pegar você.

– O que está acontecendo? – Uma voz feminina diferente. – Helena! Helena, você está bem?

– Emma, ajude aqui, por favor. Ai, meu Deus! Sr. Shacklebolt! Sr. Shacklebolt! Ele se machucou! – Ela tentou fazê-lo sentar-se, e Kingsley sentiu o perfume dela e um outro perfume desconhecido. – Pode me ouvir?

– Será que ele morreu? – A outra voz feminina parecia curiosa. – E quem é ele?

Os reflexos de Auror entraram em ação nesse momento e Kingsley se empertigou, apresentando-se:

– Kingsley Shacklebolt, madame, gabinete do Primeiro-Ministro. – Ele se viu frente a frente com uma mulher loura, alta, um pouco mais nova do que ele, com um nariz arrebitado muito bem-feito e olhos azuis faiscantes que o encaravam de forma intrigada. – A Sra. Helena foi me procurar em Londres.

– Sr. Shacklebolt é o homem que Severus recomendou. Sr. Shacklebolt, esta é Emma Svensson, ela é prima de Severus.

Kingsley se colocou de pé e polidamente apertou a mão de Emma, que perguntou, ansiosa:

– Vocês acharam Severus? O senhor tem notícias dele?

Helena olhou para Kingsley e respondeu:

– É uma longa história, Emma. E não são boas notícias. Mas vamos entrar, por favor.

Mais uma vez Kingsley tentou entrar na casa, mas a força invisível o impediu de entrar. Ele olhou para dentro da casa e viu o motivo de tudo.

Um elfo doméstico.

– Não, Senhora Helena! – A criatura parecia furiosa e determinada, escudando as duas crianças com o próprio corpo, mesmo diminuto. – Homem mau!

– Sr. Stimpy! – Helena parecia exasperada. – Ele é amigo de Severus!

– Elfo – Kingsley disse, usando o seu vozeirão mais impressionante –, eu venho em paz para ajudar seus Mestres. Sei que você tem um dever de honra em guardar esta família com sua própria vida, mas dou-lhe minha palavra de bruxo que não desejo qualquer mal a seu mestre, sua senhora ou seus herdeiros.

Aquilo pareceu acalmar a criatura, que assentiu solenemente, reconhecendo a palavra de um bruxo. Ele fez um movimento com o braço e Kingsley sentiu a magia no ar, dando-lhe acesso à casa. O Auror entrou, e viu o elfo pegar as crianças no colo e garantir aos pequenos:

– Aquele é homem bom. Vai ajudar Mamãe Helena.

Kingsley notou que eram crianças bem pequenas: a menina de cabelos castanho-avermelhados não deveria ter mais que quatro anos, e o garoto de cabelos bem pretos era ainda menorzinho: uns dois anos, se tanto. Ele chorava no colo do elfo. Os dois olhavam para Kingsley, apavorados.

Helena correu para os dois, que se agarraram a ela imediatamente.

– Mamãe ficou com tanta saudade, meus amores. Está tudo bem. – Ela abraçou um em cada braço, ajoelhada no chão da sala. – Não precisam mais chorar. Agora está tudo bem.

Kingsley observou a cena, tocado pelo amor da mãe aos filhos de Snape. E que diabo, eram crianças lindas. Ele não era muito ligado em crianças, mas tinha que admitir que aquelas eram encantadoras. Ele sentiu inveja e raiva. Inveja de Snape por ter uma família daquelas, que o amava e que se preocupava com ele. Raiva por Snape ser Snape e tê-los abandonado. Mas talvez, além da inveja e da raiva, ele sentisse outra coisa. Uma coisa que não valia a pena pensar naquele momento.

Mas seus pensamentos foram interrompidos por Emma, que indagou em voz baixa:

– Sr. Shacklebolt, qual o problema com Severus?

– Como a Sra. Helena disse, é uma história longa. Vim para recolher as crianças a um lugar seguro.

– Seguro? Mas o que está acontecendo? – Ela tocou a ponta dos dedos longos na maçã do rosto de Kingsley. – E o senhor está mesmo com um machucado aqui. Está roxo.

Ele tocou o local, notando pela primeira vez a dor fininha.

– Olhe, Madame, talvez mais tarde possamos lhe dar um relato completo, mas no momento, é preciso retirar as crianças o quanto antes. – Ele se voltou para Helena. – Sra. Helena, pode ajeitar o que for preciso enquanto eu dou um telefonema para Downing Street?

– Claro – ela respondeu, ainda com as crianças agarradas a seu colo. – Emma, me ajude aqui, por favor?

Emma deu um longo olhar para Kingsley antes de se juntar a Helena e às crianças. O Auror teve que inventar uma desculpa para Larry, mas Williamson (seu eventual substituto) era um Auror também, e logo percebeu tratar-se de assunto do Ministério da Magia. Kingsley imaginou que em breve ele teria que contatar Rufus Scrimgeour em pessoa – e com uma desculpa bem elaborada.

Subitamente, Kingsley se viu sozinho na sala de estar. Era uma sala ampla, com um sofá, duas poltronas, uma lareira num ambiente rebaixado, com mesinhas de canto espalhadas, um móvel aparador, uma cristaleira pequena, tapetes felpudos, quadros nas paredes. Em resumo: uma típica sala Muggle de bom gosto. Ele localizou uma quantidade de porta-retratos em cima do aparador e da lareira e instintivamente se voltou para lá.

Havia algo de estranho em ver Snape cercado de Muggles, Muggles que eram na verdade sua família. Snape não estava diferente: ainda era Snape, mesmo com ternos Muggle. Ele aparecia ao lado de Helena em um número de fotos, em outras fotos estava com pessoas louras e sorridentes. Ele foi até a lareira e viu novas fotos com as mesmas pessoas, mas algumas crianças também, mais velhas do que os filhos de Snape. Uma foto, em especial, fez Kingsley se dar conta de que aquela era a família de Snape: ele e Helena apareciam segurando um bebê de apenas alguns meses, que certamente era Lily. Numa outra foto, um Snape bem jovem estava ao lado de uma senhora de idade, com cabelos pintados e um nariz suspeitosamente parecido com o dele: tia Moreen, certamente.

– Meu primo e minha mãe – veio uma voz atrás dele. Emma sorria. – Foi logo depois que os dois se reencontraram. Eu adoro contar essa história, porque de repente ganhei um primo. Nossa família não é muito grande e foi uma adição bem-vinda.

– É uma família muito bonita – disse Kingsley diplomaticamente.

– É, é sim. – Emma sorriu, olhando as fotos, mostrando os dentes brancos muito perfeitos. – Olhando assim, ninguém diz que tem bruxos, né?

Procurando não demonstrar o choque dessas palavras, Kingsley se virou para ela e perguntou, no tom mais casual que conseguiu:

– Mas o que quer dizer?

– Helena contou que Severus é um bruxo, você também. E aparentemente, minha mãe também era. Não vou negar que eu não tivesse atritos com ela; toda filha tem atritos com a mãe, mas daí a chamá-la de bruxa é um tanto quanto radical, não acha?

Kingsley não sabia se ela estava brincando ou não. Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, ela continuou, dando de ombros:

– Eu sinceramente ainda não sei se acredito. Helena disse que acredita. Por isso é que eu estou com um pé atrás. Sabe, Helena é uma criatura sem igual. Ela é doce feito uma torta de caramelo e sempre pensa o melhor das pessoas. Se eu descobrir que você a enganou...

– Calma aí. Não tire conclusões precipitadas.

– Como eu disse, ainda não sei se acredito nisso. Trabalha realmente para o governo?

– Sim, trabalho. – Ele só não disse para que governo.

– Então talvez eu ache mais fácil acreditar que Severus tenha se tornado um agente secreto, um espião, tipo Mi6, quem sabe com o sugestivo nome falso de George Lazenby (eu sugeriria esse nome, é muito apropriado, não acha?). Só que agora Severus caiu prisioneiro nas garras de um governo inimigo. – Ela continuou falando rápido, sem dar tempo a Kingsley de rebater suas palavras. – Faz sentido, não faz? Todo esse segredo, eu digo. Mas ainda estou imaginando quem Severus poderia estar espiando. Bom, os russos já não são ameaça para nós há algum tempo, o Iraque também não, então eu estou pensando em algum outro governo. Nós temos tropas na Bósnia, não é verdade? Quem sabe é por lá que ele está? Provavelmente, obra de algum grupo terrorista rebelde. Eles pediram algum resgate?

– Emma! – Helena tinha voltado à sala com os dois filhos. – Eu ainda não tinha terminado de falar com você. Você não sabe da história toda.

– Oh, ela tem uma história pronta – comentou Kingsley, com sarcasmo. – Ela acredita que Severus é prisioneiro de um grupo rebelde na Bósnia. Ainda não houve pedido de resgate.

– Vamos, Helena. Acha que eu não saberia se minha própria mãe tivesse poderes mágicos? Eu iria adorar!

– Precisamente por isso é que é preciso todo o segredo – explicou Helena, sentando-se no sofá e ajeitando as crianças. – Mas isso não é tudo. Severus... está encrencado.

– Sei, você disse isso. Não devíamos falar disso em outro lugar? – Ela olhou as crianças. – Sabe, longe de pequenos ouvidos.

– Não – disse Helena, firmemente. – Elas têm que saber que papai é um bruxo.

– Helena!

– Papai é um bruxo, mamãe? – indagou a menina, Lily, sentada ao lado da mãe no sofá.

– Isso mesmo, filhinha.

– E ele pode fazer mágica?

– Pode, sim. Sabe quem também é um bruxo? O Sr.Shacklebolt. Ele vai nos levar para um lugar onde outras pessoas também são bruxos.

– Você também faz magia, mamãe?

– Não, querida. Mamãe não é bruxa.

– E Tia Emma é bruxa?

Uma olhou para a outra, sem saber o que responder. Kingsley pigarreou antes de dizer:

– Na verdade, há uma grande chance de que er,... tia Emma seja uma bruxa, Lily. – Aquilo fez os grandes olhos azuis da loura se arregalarem para ele. – Mas podemos ver isso mais tarde. No momento, precisamos ir. Você vai conhecer pessoas novas e isso vai ser muito legal.

– Sr. Stimpy está cuidando das bagagens. Ele insistiu em fazer tudo sozinho.

O menino, London, olhou para Kingsley atentamente do colo de Helena e apontou:

– Dodói. Dodói, mamãe. Dodói no moço.

Kingsley colocou a mão na bochecha machucada e disse:

– Você é muito observador, rapazinho.

– Dodói! – O menino começou a se agitar para sair do colo da mãe. – Dodói!

Helena colocou o pequeno no chão e explicou:

– London não gosta de ver pessoas machucadas. Ele sempre quer assoprar para "o dodói passar".

Kingsley viu o menino chegar perto dele e apontar para o seu rosto:

– Dodói. – Ele chegou bem perto, esticou a mãozinha e encostou-a na maçã de seu rosto. – Fica bom.

O Auror ia sorrir diante da simplicidade da criança, do seu rostinho muito pálido contrastando com seus cabelos bem pretos, mas sentiu um leve formigamento na bochecha, no exato local onde o garotinho tinha encostado a mão.

Não havia dúvida. Sua bochecha estava curada.

– Sra. Helena, seu filho tem o dom da cura. Ele é natural.

Os grandes olhos azuis de Emma se arregalaram, e Helena também ficou boquiaberta. London, pouco impressionado, voltou rapidinho para o colo da mãe.

– Meu filho... um bruxo?

– Qual o espanto? – indagou Kingsley com um ar bondoso. – Ele é filho de um bruxo bastante talentoso. A família Prince tem grande tradição no mundo mágico. A mãe de Severus recebeu prêmio em Hogwarts por méritos próprios.

– Mas então... – Emma concluiu – isso quer dizer que minha mãe também era bruxa.

– Não me surpreenderia se você também tivesse poderes. Você tem irmãos?

– S-sim – ela disse, ainda sob o impacto dessas palavras. – Dois irmãos, Oskar e Lukas. Eles moram na Suécia.

– E nunca notaram nenhum acontecimento estranho? Algo que não podiam explicar? Que pareceu... esquisito?

– Ai meu Deus...

– Parece estranho que tantos bruxos tenham permanecido indetectados pelo Ministério, mas se não tiveram contatos com outros bruxos, sua mágica pode ter sido embotada. Por exemplo, acredito que seu filho nunca tenha curado ninguém até me tocar – um bruxo. No mundo bruxo, as crianças são treinadas em escolas mágicas. Hogwarts é uma das mais conceituadas e Severus foi professor lá durante muitos anos. Vou falar com a diretora, Minerva McGonagall, para colocar Lily e London na fila de matrículas – isto é, se a senhora concordar, claro.

Helena não respondeu, ainda impactada pela informação de que era mãe de dois bruxinhos. As crianças estavam muito agarradas a ela e London agora sorria para Kingsley, como se tivessem se tornado amigos depois daquele toque.

A chegada do Sr. Stimpy com duas pequenas malas fez Kingsley prestar atenção em outro assunto. Helena sorriu para o elfo:

– Obrigada por sua ajuda, Sr. Stimpy. Vamos voltar quando for possível.

– Senhora Helena pode ficar tranqüila. Stimpy cuida da casa. Se precisar de Stimpy, é só chamar. – Ele se virou para sair, mas Kingsley o deteve.

– Elfo, espere, por favor. – A criaturinha se voltou para ele, parecendo envergonhado. – Sua senhora sabe o que você é?

Ele sacudiu a cabeça e Helena ficou intrigada:

– Por que está falando com ele assim, como se ele fosse uma coisa? Mr. Stimpy mora conosco há anos, é um grande amigo da família.

– Você mencionou que ele era um pouco estranho e tinha uma... deficiência física – lembrou Kingsley. – Foi o que Severus lhe disse?

– Sim, eu acho. – Helena pensou um pouco, agora insegura. – Foi depois que o avô dele morreu. O Sr. Stimpy vivia na casa do avô, era como se fosse uma cria da casa e Severus disse que não o deixaria à própria sorte. Ele me disse que Sr. Stimpy era bom com serviço da casa e adoraria me ajudar. Lily era um bebê nessa época e eu apreciei muito a ajuda, porque nem sempre tia Moreen podia ficar comigo.

– Helena, você quer saber a verdade sobre a "deficiência" do Sr. Stimpy? Ele é uma criatura mágica, um elfo doméstico. Eles são ligados a uma família por toda a sua existência, que é muito longa. Stimpy, você era elfo dos Prince?

O elfo parecia miserável, retorcendo as mãos:

– Sim, senhor. Stimpy servia à família Prince e mãe de Stimpy antes dele. Mestre Prince era homem muito bravo. Muito, muito bravo. Stimpy agüentou muito. Ajudou a criar Mestre Severus. Mestre Severus sempre foi bom para Stimpy. Quis libertar Stimpy quando Mestre Prince morreu, dar meia para Stimpy, mas Stimpy não quis ser livre. Mestre Severus precisa Stimpy para cuidar dos herdeiros Prince e Senhora Helena.

– Oh, meu Deus...

Helena parecia pálida e Kingsley assegurou:

– Não precisa se preocupar. Severus provavelmente se sentiu muito mais seguro depois que Stimpy veio para cá. Vocês puderam ver como ele protege a família. Ele praticamente barrou minha entrada na casa até se certificar de que eu não era uma ameaça. Elfo, a casa tem algum detector de magia?

– Não, senhor. As crianças e a Senhora Emma iriam disparar alarmes de magia.

– Eu? – Emma ainda estava surpresa. – Eu tenho... magia?

– Confirmado pelo elfo, parabéns.

- Ai, meu Deus. Eu sou uma bruxa...?

Kingsley se ergueu:

– Melhor irmos. Hum, vamos ter que fazer duas viagens. Helena, eu levo você e London primeiro, depois volto e busco Emma e Lily. Está bem assim?

– Eu quero ir com mamãe! – reclamou a menina.

– É só um instantinho, filhinha – garantiu Helena. – Depois, nós vamos ficar todos juntos numa casa muito legal de um tio muito bonzinho. Você vai com tia Emma, Lily, tá bom?

– Depois posso ficar com você?

– Claro, querida. Agora dá um beijo na mamãe.