Capítulo 12 – O veredicto

Vozes apareciam no fundo de sua cabeça, sem que ele soubesse exatamente de onde vinham.

– Não podemos ficar muito. Ele está sendo tratado agora.

– O que fizeram com ele?

– Deram-lhe um tranqüilizante de dragão. Ele estava fora de controle; nunca se viu nada parecido num julgamento, nem na primeira guerra de Voldemort.

– E ele vai ficar bom?

– Claro que sim. O julgamento deverá recomeçar amanhã mesmo. Enquanto isso, Hermione e Aberforth estarão tratando de dissuadir o ministro da ridícula idéia de obliviá-la.

– Eu nem entendi direito o que aquilo queria dizer, Sr. Shacklebolt. Mas parecia horrível.

– Fique calma, Helena. Vai ficar tudo bem.

Severus abriu os olhos e viu Shacklebolt abraçando Helena com ternura. Ele fechou os olhos, pois a inconsciência o cobriu novamente.

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Sem surpresa, Severus foi interrogado no começo da sessão. Na audiência, circulavam exemplares do Profeta Diário que estampavam seu ataque de magia. Havia segurança reforçada: Aurores postados em pontos estratégicos e novos inibidores de magia estavam colocados na cadeira reservada ao réu, que agora tinha sido posta dentro de uma jaula de contenção – a mesma que ele tinha visto ser usada em Igor Karkaroff todos aqueles anos atrás, na primeira queda de Voldemort. Severus também notou que o salão parecia ainda mais lotado do que antes. Ele viu que várias testemunhas agora estavam sentadas – incluindo Helena. Shacklebolt a amparava, Harry Potter também estava a seu lado.

Severus ergueu uma sobrancelha. De novo Shacklebolt. Ele parecia passar muito tempo com Helena, não parecia?

Scrimgeour tirou-lhe a atenção antes que ele compreendesse totalmente o que via:

– Vou adverti-lo, Snape, e tenha a certeza de que isso não é uma mera orientação: se tentar qualquer outra gracinha como a de ontem, eu o expulso daqui de volta para Azkaban. Entendeu?

– Sim.

E as perguntas vieram: você trabalhava para o Lord das Trevas? Você tinha conhecimento antecipado do segredo das horcruxes? Você queria matar Albus Dumbledore?

Severus as respondeu de maneira mecânica, pois em sua mente estava gravada a imagem de Helena amparada por Shacklebolt. Ele revia essa imagem continuamente em sua mente, enquanto Aberforth fazia perguntas. Seu advogado começou a perguntar sobre as horcruxes e sobre como Severus tinha salvado a vida de Albus quando ele destruíra a horcrux contida dentro do anel de Marvolo Gaunt. Mecanicamente, Severus respondeu que o feitiço era tão negro que Albus iria morrer de qualquer jeito, que ele juntara poções capazes apenas de adiar por algum tempo o destino terrível. Ele também respondeu que sim, que ele suspeitava que a tal água que Dumbledore bebera na caverna fosse algum tipo de veneno. Agora, Aberforth fazia perguntas sobre a última batalha, e casualmente Severus confessou também ter matado Fenrir Greyback, o lobisomem que incapacitara Remus Lupin, Bill Weasley e, muito, muito antes disso tudo – o mesmo que mutilara um Auror de nome Alastor Moody.

Haveria ainda mais manchetes no Profeta Diário, ele pensou, sem se deter no pensamento.

Outros pensamentos ocupavam sua mente. E lembranças. Quando Helena o tinha visitado na prisão, ela estava sob a escolta de Shacklebolt. Ele se recuperava do tranqüilizante de dragão e Helena o visitara, com Shacklebolt a seu lado. Agora, de novo, ela estava acompanhada pelo Auror.

Era óbvio que Shacklebolt tinha ficado bem próximo a Helena. E ela não percebia o quão próximo ele ainda queria ficar. Mas talvez Shacklebolt não fosse uma escolha ruim.

Se Severus apenas pudesse acalmar o monstro que se erguia dentro de seu peito ao pensar nessa possibilidade... Helena com um outro homem...!

Mas ele mesmo tinha sugerido aquilo, não tinha? Na prisão. Ele dissera com todas as letras a Helena que ela deveria arrumar um outro marido e afastar-se de Severus Snape. E Kingsley Shacklebolt era uma excelente escolha, ele tinha que admitir. Um bruxo do bem, mais são, um homem decente, que provavelmente criaria seus filhos e lhes daria amor, segurança e um lar seguro. Era o que ele queria, não?

Então por que isso o deprimia tanto?

Severus ergueu os olhos para a audiência e, através das grades de sua jaula, viu Helena a encará-lo, um sorriso triste, como se quisesse encorajá-lo. Shacklebolt estava a seu lado, mas ela não olhava para ele. Ela só tinha olhos para Severus. Droga. Seria difícil renunciar a um amor assim, mas ele amava Helena demais para deixá-la sofrer por sua causa.

Afinal, ele era um perfeito animal. Tanto que estava preso numa jaula inibidora de magia.

O maldito guarda de Azkaban estava certo. Ele deveria ter morrido. Teria sido o melhor para todos.

O próximo a interrogá-lo foi Alastor Moody. O interrogatório impiedoso do ex-Auror obrigou Severus a prestar atenção nas perguntas. Olho-Tonto Moody tentou, de todas as formas, insinuar que Severus tinha tido prazer ao matar Dumbledore, que sua lealdade sempre fora para com o Lord das Trevas. Ele bateu na tecla que Severus sabia o que estava fazendo, que ele lançara uma Maldição Imperdoável sabendo o que fazia.

E Severus começou a pensar, cada vez mais, que o guarda de Azkaban tinha razão. Ele deveria ter morrido. Procurou Helena e seu olhar cruzou com o de Shacklebolt. O Auror sustentou o olhar, mas não havia raiva nem desafio em seus olhos negros. Havia reconhecimento. Shacklebolt sabia que Severus o olhava com algo mais nos olhos.

Novamente, ele não conseguiu concluir seus pensamentos. A sessão continuava, agora para a apresentação de provas. E uma prova causou polêmica.

Uma memória. Tirada de uma penseira.

A memória de uma conversa entre Aberforth e seu irmão foi projetada para toda a audiência, que ficou boquiaberta. Severus sentiu seu peito se apertar ao ver a imagem de Albus. Ele estava no Hog's Head, e claramente instruía Aberforth sobre o que fazer após sua morte. A dor aumentou em Severus ao ouvir Albus reafirmar com todas as letras que teve um trabalhão para convencê-lo a cumprir o prometido e evitar que Draco cumprisse a missão do Lord das Trevas. Albus falou explicitamente em ajudar Severus durante o julgamento e que Aberforth deveria fazer o que fosse preciso para evitar que Severus fosse preso antes de Voldemort ser destruído, porque só ele poderia ajudar Harry na caçada às Horcruxes. Sem a ajuda de Severus, disse Albus, Harry falharia na sua missão de destruir o Lord das Trevas. Muitas pessoas na audiência se emocionaram

A seguir, vieram os encerramentos de defesa e acusação. Mais uma vez, a exemplo da preleção de abertura, Alastor Moody trouxe a inexorabilidade do ato cometido por Severus Snape: ele lançara uma Maldição Imperdoável e como tal, por si só, merecia ser jogado em Azkaban. Mais do que isso, essa maldição matara um dos maiores magos que o mundo bruxo já vira, era uma perda inestimável, etc. Portanto, Severus não só deveria ser jogado na mais funda cela de Azkaban, como a chave deveria servir de alimento ao hipogrifo mais faminto.

Para o encerramento da defesa, foram convocados os talentos de Hermione Granger, que ressaltou as circunstâncias mitigantes do ato em si, os anos de serviços prestados à causa da Luz, a confiança inabalável de Dumbledore, o próprio depoimento post-mortem de Dumbledore em defesa de Severus. Ela também lembrou leis e atos a respeito de crimes praticados quando por força de um Voto Perpétuo. Por último, citou a família Snape, composta de uma mulher Muggle e crianças muito pequenas que praticamente não conheceram o pai e que ficariam desamparadas com sua prisão.

Assim que ela encerrou, o Wizengamot se recolheu para deliberar.

Os presentes receberam ordens de não deixar a sala de julgamentos e Percy Weasley recebeu um cordão dourado, o qual foi colocando no perímetro inteiro da sala. Severus ergueu uma sobrancelha diante disso: o Wizengamot estava usando um vira-tempo na sala toda. Impossível dizer ao certo quanto tempo efetivamente se passara.

As pessoas cochichavam entre si e Severus mais uma vez espiou Helena. Shacklebolt conjurou um copo com água para ela, que aceitou, grata. As suspeitas de Severus se cristalizaram. Kingsley Shacklebolt já estava atraído por Helena. Ele provavelmente criaria seus filhos. Severus raciocinou que isto seria o melhor para eles: um pai bruxo responsável, que os guiasse e os orientasse com valores da Ordem da Fênix. Sem mencionar que Shacklebolt dificilmente faria Helena passar pelo que estava passando agora, com Severus. Era a coisa certa a ser feita.

Droga, se era a coisa certa a fazer, então por que isso doía tanto em seu peito? Ele provavelmente estaria vivendo seus últimos minutos fora de Azkaban. Quando o Wizengamot terminasse de deliberar, ele certamente seria jogado na prisão para sempre. Pelos próximos 100 anos ou menos, aquele seria seu endereço. Severus tinha que fazer o que era melhor para Helena. Aliás, essa tinha sido sua intenção ao dar-lhe o nome de Shacklebolt como último recurso numa emergência.

Por sua vez, Aberforth e Hermione Granger usavam o tempo alterado para confabular animadamente entre si. Merlin sabia que eles poderiam precisar de todo o tempo que precisassem.

Mas antes do que Severus podia esperar, a totalidade do Wizengamot voltou à sala, com suas vestes cor de vinho e o "W" estilizado gravado no peito. Scrimgeour veio junto com eles e todos voltaram a seus assentos. Um frisson passou pela audiência, que diminuiu o nível de burburinho. Severus também sentiu um arrepio discreto.

– Todos de pé! – indicou um estafeta. Prontamente foi obedecido.

O silêncio era absoluto quando Scrimgeour formalmente indicou:

– Essa corte agora volta à sessão. Senhoras e Senhores Bruxos do Honorável Wizengamot, vocês chegaram a um veredicto?

A minúscula Griselda Marchbanks ergueu-se, com um papel na mão e respondeu:

– Sim, Sr. Presidente, chegamos.

– Sra. Chefe do Wizengamot, qual o veredicto da acusação de ligação do acusado com o indivíduo que se intitulou Lord Voldemort?

– O Wizengamot o considera culpado, Sr. Presidente.

Não se ouviu um suspiro na sala. Severus fechou os olhos.

– E da acusação de participar de ações e de conspirações destinadas a matar, abduzir, torturar, estuprar e drogar bruxos e Muggles, incluindo Sirius Black, Emmelina Vance, Amelia Bones e outros?

– O Wizengamot o considera inocente, Sr. Presidente.

Barulhos abafados na audiência.

– E qual o veredicto da acusação de que Severus Prince Snape foi o responsável pelo assassinato de Albus Wulfric Percival Brian Dumbledore?

– Culpado, Sr. Presidente.

O barulho aumentou. Um soluço alto irrompeu na audiência e Severus soube instintivamente que era de Helena. Ele abriu os olhos e viu que ela tinha afundado o rosto no peito de Shacklebolt. Ele a estava consolando. Severus pensou que Kingsley teria que fazer isso por muito tempo ainda.

– Cabe ao Wizengamot lavrar uma sentença. O corpo julgador precisa de mais tempo?

– Não, Sr. Presidente. Eis a sentença.

Um envelope foi passado a Scrimgeour, que o abriu e passou os olhos cuidadosamente no seu conteúdo. A audiência mal respirava, tamanho o suspense. Naquela carta estava o destino de Severus Snape, o assassino de Albus Dumbledore.

– Que o réu se levante para ouvir a sentença.

Severus obedeceu.