Parte II – A vida após a sentença

Capítulo 13 – Daqui para frente

– Severus Prince Snape, você foi julgado e condenado em duas das três acusações que lhe foram imputadas. O Wizengamot o considerou culpado do assassinato de Albus Dumbledore e, como tal, sua sentença seria automaticamente Azkaban pelo resto de seus dias. Contudo, os apelos da defesa foram ouvidos. – Houve ligeira indignação nas galerias. – Por esse motivo, sua pena foi comutada. Severus Snape, você foi condenado a nunca mais efetuar um único feitiço – verbal ou não verbal, com ou sem varinha – enquanto estiver na jurisdição mágica do Ministério da Magia. Nesse intuito, você usará permanentemente uma pulseira invisível que detectará qualquer feitiço que parta de você. – Scrimgeour ergueu a varinha, e Severus sentiu o peso no seu pulso. – Se quebrar essa condenação e tentar realizar algum feitiço, esta pulseira automaticamente se transformará numa chave de portal que o deixará em Azkaban, onde você permanecerá pelo resto de seus dias. Em virtude de sua sentença, a sua varinha, confiscada na sua prisão, não lhe será devolvida e será devidamente destruída ao final desta sessão. Você entende a sua sentença?

Na verdade, ele não entendia muito. Como assim, ele estava livre?

– Sim, senhor.

– A sessão está encerrada.

Foi um estouro de boiada. De repente, havia gritos, burburinho alto, pessoas se levantando, mas Severus teve sua atenção desviada para a jaula de contenção onde estava preso: ela se desfez com um suave ruído, e as correntes que o prendiam recolheram-se aos braços da cadeira. A barulheira ficou no fundo de sua mente, enquanto ele dava alguns passos indecisos na sala de pedra. Poucas palavras registravam na sua mente.

Harry, Shacklebolt e Helena se aproximavam de um lado; Aberforth e Hermione Granger de outro. Mais pessoas tentavam chegar perto dele, mas ele não as viu. Helena se jogou em seus braços, e ele não viu mais nada. Ele só sentiu o perfume dela, confortando-o.

Todos falavam ao mesmo tempo, mas Severus conseguiu distinguir a voz de Harry Potter, e ele parecia ter alguma urgência:

– Arranjei essa chave de portal de emergência. – Ele mostrou um boné de lã desbotado, que Helena olhou com desconfiança. – Ele será ativado em três segundos.

– O que ele quer dizer...

Sem desgrudar de Helena, Severus pegou o boné, junto com Harry, Hermione e Shacklebolt:

– Segure-se!

Para Severus, a sensação familiar da chave de portal abaixo do umbigo era bem-vinda, mas Helena estava apavorada e aterrissou no grande salão de Grimmauld Place sentada no chão, pálida e tremendo. Severus a ajudou a levantar-se:

– Você está bem?

– Sim. O que foi aquilo?

– Presumo que você nunca tenha viajado com uma chave de portal.

– Tem muitas coisas que ainda não conheço no seu mundo. – Ela sorriu e beijou-o rapidamente. – Mas eu aprendo rápido. Severus... Estou tão feliz.

Helena o abraçou bem apertado, e Severus correspondeu, estremecendo ligeiramente ao se dar conta do quão perto estivera de efetivamente perdê-la. Estava tão emocionado que seus apurados instintos naturais falharam.

Um pigarro o fez voltar à realidade.

Harry Potter, Hermione Granger e Kingsley Shacklebolt olhavam o casal, ao mesmo tempo em que faziam o máximo para parecer que não estavam olhando. Severus se separou de Helena, dizendo:

– Suponho que agradecimentos estejam na ordem do dia. Srta. Granger, foi uma atuação exemplar na corte.

– Professor, eu...

– Por favor, Srta. Granger. Eu já não sou mais professor há algum tempo.

– Aberforth está entrando com um recurso para tentar reverter a sentença para algo como serviços comunitários.

– É um esforço inútil. O Winzengamot não vai mudar a sentença. Foi pura sorte e arranjo político que a sentença não tenha me jogado em Azkaban, Srta. Granger, como deve saber. Não há clima sequer para reduzirem a sentença. Sou grato por seus esforços. Ao menos agora posso ficar com minha família.

Kingsley deu um tapinha nas costas:

– Estão ansiosos por revê-lo, Severus, meu velho.

O olhar de Severus para o Auror foi tão azedo que era capaz de transformar leite em coalhada instantaneamente. Mas as palavras de Severus foram bem mais suaves:

– Vejo que cuidou de minha família na minha ausência, Shacklebolt. Por isso, eu lhe serei eternamente grato.

Se alguém percebeu a intensidade dos olhares entre os dois homens, ninguém disse coisa alguma. Severus nem deu chance, pois se virou para Harry Potter:

– Potter, sei que hospedar minha família não é fácil para você. Eu lhe agradeço.

E esticou a mão para Harry apertá-la.

Harry a olhou, depois encarou Severus no olho:

– Não foi por você que eu fiz isso.

– Eu sei.

Severus não retirou a mão. Houve um silêncio tenso durante os poucos segundos em que Harry o encarou, sem se mexer.

Finalmente, o Menino-Que-Sobreviveu apertou a mão do espião que matou Dumbledore.

Uma exclamação o interrompeu:

– Lily! London! Vejam só quem está aqui! É o papai!

Todos se viraram para a porta, onde Tonks sorria para todos. As duas criaturinhas vieram correndo ao seu chamado – com mais alguém:

– Oh, meu Deus, Severus?

Ele reconheceu o adulto que estava com suas crianças:

– Emma?

– Oh, meu primo! – Emma se jogou nos braços do parente. – Oh, meu Deus, Severus, você está bem? Eu tive tanto medo! – Ela se virou. – Vamos, vamos, crianças, quem vai dar um beijo no papai?

Só então Severus olhou para baixo. Reconheceu Lily, os olhinhos pretos vivos e profundos o encarando com uma expressão muito parecida à de um membro da família Prince. Ao lado dela, havia um garotinho, um menino que o encarava com curiosidade, um sorriso tímido nos lábios.

Ele deu alguns passos na direção de seus filhos e ajoelhou-se. De repente, London se jogou em seus braços:

– Papai!

Severus o abraçou, os limites de seu legendário controle emocional sendo testados quando ele cumprimentou:

– Olá, filho. Adorei a foto que você me mandou.

– Dodói, papai?

– Sim, papai esteve dodói.

Lily se aproximou, desconfiada. Ele a olhou e sorriu, ainda com London nos braços:

– Lily. Você está quase tão bonita quanto sua mãe. Está uma mocinha.

– Eu me lembro das fotos – disse ela. – Você estava me segurando.

– Nunca vi um bebê mais bonito. Senti tanta saudade.

– Aonde você foi, papai?

– Para um lugar muito feio. Ainda bem que você não estava lá. Pensei que fosse voltar antes, mas não foi possível. Eu queria muito voltar e ver vocês e sua mãe.

– E Sr. Stimpy?

– Sr. Stimpy também.

Lily o abraçou:

– Você não vai mais embora, vai, papai?

– Não, filhinha. Papai nunca mais vai ficar longe de vocês. Agora eu posso prometer isso.

London repetiu:

– Dodói! Dodói!

E colocou a mãozinha no peito de Severus. Os presentes viram uma luz intensa se espalhar na área toda. Severus sentiu um formigamento, e um peso intenso sendo retirado. London sorriu para ele:

– Dodói pequenininho.

Severus sorriu para ele e beijou-lhe a testa:

– Obrigado, filho.

Ele se ergueu com as duas crianças no colo, e Helena se achegou junto a ele:

– Bem-vindo de volta, querido. É tão bom tê-lo de novo conosco.

Helena abraçou o marido, e a família toda ficou junta, num abraço coletivo que era um casulo de amor. Emma enxugou uma lágrima, e Tonks também estava com os olhos marejados, bem como Hermione. Harry estava boquiaberto: nunca vira seu ex-professor mais estranho antes. Se alguém tivesse contado o que ele tinha acabado de ver, ele não teria acreditado. Diabo, ele tinha visto com os próprios olhos e mal podia acreditar.

Emma quebrou o clima solene, batendo palmas:

– Isso merece uma comemoração. Que tal um belo jantar sueco? Já sei: almôndegas com o molho especial que minha mãe me ensinou. Receita da família Svensson! Mas vou precisar de ajuda na cozinha.

Quem se ofereceu foi Remus Lupin:

– Esse eu faço questão de ajudar. Bem-vindo, Severus.

Ainda com as duas crianças no colo, ele assentiu:

– Lupin.

– Você realmente sabe movimentar a casa, Severus. Ninguém pode se queixar de tédio ao seu lado.

– Vindo de você, Lupin, isso deve me impressionar.

– Não tanto quanto você me surpreende. Eu lhe devo desculpas. Eu... acreditei nas aparências.

Severus enrijeceu os músculos, mas teve que admitir:

– Não há do que se desculpar. A intenção era essa.

Harry interveio:

– Não, Remus tem razão. É preciso pedir desculpas. No meu caso, preciso lhe agradecer também. Demorei muito tempo a aceitar o que você teve que fazer, Snape. Nesse momento, eu posso lhe dizer que não sei se teria tido a sua coragem, se estivesse no seu lugar. Lamento tê-lo chamado de covarde. Por isso pode ficar aqui com sua família o tempo que quiser. Conte comigo para o que precisar.

Severus assentiu, o rosto com uma expressão bastante incomum. Hermione sorriu para o amigo de infância, emocionada. Quase uma década de ressentimentos e ódios estava sendo enterrada naquele momento.

Lily franziu o rostinho e perguntou:

– Tio Harry, você estava bravo com papai?

– Sim, querida, mas já passou – garantiu Harry, com um sorriso suave para a menina, ainda no colo de Severus. – Agora, somos amigos.

– Que nem a Vovó Val?

London repetiu:

– Vovó Val!

Os adultos se entreolharam, curiosos:

– Quem é a Vovó Val, querida? – perguntou Helena.

A menina pediu para descer do colo do pai, dizendo:

– Eu mostro!

London também se retorceu para ser posto no chão e as duas crianças correram para o hall de entrada. Tonks viu a movimentação e riu-se:

– Ah, garanto que vocês vão adorar isso. Lily, fale com Vovó Val!

A menina parou na frente do retrato da mãe de Sirius e gritou bem alto:

– Vovó Val! Vovó Val!

Shacklebolt correu para ela, alarmado:

– Lily, assim você vai acordar o retrato!

– Mas é a Vovó Val!

Dito e feito. As cortinas de veludo (comidas por traças) se abriram, e o retrato em tamanho natural da Sra. Black apareceu. Mas, para espanto de Severus e dos demais, desta vez ele não estava gritando, esbravejando ou xingando. A mulher velha, de chapéu preto, olhou para baixo, diretamente para Lily e cumprimentou:

– Sim, Lily?

– Olhe, Vovó Val. Meu papai voltou. Eu disse para você que ele ia voltar e que nós viemos para cá para buscá-lo.

– Oh, que bom, querida. – O retrato de Walburga Black sorriu e muitos dos presentes prenderam a respiração. – Seu pai tem sorte de ver seus filhos novamente. Sinto muita falta dos meus.

– Você não pode sair do retrato para procurar seus filhos?

– Não, minha querida, não posso. Há um feitiço no quadro. Depois, se eu sair do quadro, não vamos mais poder nos ver.

– Meu papai é um bruxo. Se você quiser, ele pode ajudar, Vovó Val. Olha ele aqui!

O retrato olhou para Severus:

– Mas eu conheço esse rapaz. Você não era aquele amigo mais velho de meu filho Regulus?

Severus se espantou , mas respondeu educadamente:

– Exato, Madame. Sua memória é excelente.

– Você me chamou a atenção na época. Era bem educado para um half-blood. Sua família eram os Prince, se não me engano.

– Isso mesmo, Madame. Meu avô era Sulpicius Prince. Sou Severus.

– Ah! Que homem admirável, seu avô. Um tradicionalista. Essas adoráveis crianças são suas?

– Sim. – Ele indicou Helena. – Essa é minha mulher, Helena.

– Prazer, senhora.

– Parabéns, Severus, neto de Sulpicius. Sua família, com certeza, enriquece a bruxandade. A pequena Lily me lembrou de meus filhos. Os dois já morreram. Você conheceu Sirius também?

– Fomos colegas de turma em Hogwarts. Harry Potter é afilhado de Sirius e é o atual dono da Mansão Black.

– Olá, rapazinho. Você conheceu meu filho?

– Sim, madame. Eu estava junto dele quando ele morreu.

– Nós não nos dávamos bem, lamento dizer. Ele morreu em boas circunstâncias?

Harry garantiu:

– Ele morreu em batalha, como um herói.

– Ah! – Ela sorriu, orgulhosa. – O sangue não trai. Ele era um verdadeiro Black. Pena que não sobraram mais homens para carregar nosso nome. A linhagem agora só é carregada pelas primas.

Lily falou:

– Não fique triste, Vovó Val.

Walburga Black sorriu para a menina e disse:

– Não, Lily. Acho que agora preciso ir embora. Meu tempo já passou. Obrigada a todos. Especialmente a você, mocinha.

– Você vai embora, Vovó Val?

– De vez em quando eu volto, se você quiser.

– Tá bom. – Lily falou. – London, dá tchau pra Vovó!

– Tchau, Vovó!

A cortina de veludo se fechou, e Lily se virou para a mãe, explicando:

– A Vovó Val vivia gritando porque ela estava muito triste porque estava com saudades dos filhos. Aí eu falei com ela que também tinha saudades do papai, e a gente ficou falando disso. Aí ela não gritou mais. Papai também ficou com saudades da gente, não foi, papai?

– Muita saudade, filhinha. Papai teve muita saudade. Você fez uma coisa muito boa para a Vovó Val. Agora, ela não está mais tão triste.

– É isso mesmo! – Lily riu, e London também.

Helena se abaixou e abraçou os filhos:

– Por isso que a mamãe adora vocês tanto!

Harry comentou:

– Isso realmente foi surpreendente. Tanto que acho que estou esquecendo minhas maneiras. Por que não nos sentamos todos? Alguém gostaria de beber alguma coisa antes do jantar?

Severus disse:

– Na verdade, se fosse possível, eu gostaria de sair para caminhar um pouco com Helena e as crianças. Se vocês não se importarem.

– Claro que não – disse Shacklebolt. – Uma excelente idéia. Jantaremos quando voltarem.