Capítulo 14 – Intimidade da família
– Tem uma pracinha aqui perto, onde Emma leva as crianças para brincar – Helena sugeriu. – Gostaria de ir para lá?
– Será excelente. Assim podemos nos sentar e conversar.
– Oba! – London gritou. – Eu quero andar no balanço!
– Lily, ajude seu irmão.
Os meninos dispararam para os brinquedos, e Helena se sentou ao lado de Severus, num dos banquinhos. Ela se abraçou a ele:
– Foi tudo tão rápido. Severus, eu quase perdi você...
– Sim, foi muito rápido. – Ele franziu o cenho. – Ainda não sei se me acostumei à idéia de que não estou na cadeia. Você está aqui comigo, e eu tenho... filhos. London é maravilhoso. Por que deu esse nome a ele?
– Ora, muitas crianças têm nome de lugares: e o tal do Indiana Jones?
– Quem?
– Ah, não importa. O que importa é que estamos juntos e agora podemos recomeçar de novo. Juntos, como uma família.
Severus baixou a cabeça.
– Eu... queria lhe dizer tantas coisas. Preciso me desculpar. Todos esses anos...
– Severus, eu entendo. Você fez o que achou melhor. Não vou dizer que não levei uns sustos grandes nessas últimas semanas, mas agora tudo está bem.
– Não sei o que vai ser daqui para diante – ele confessou, a voz falhando. – Tudo é tão diferente para mim.
– Vai dar tudo certo, meu bem. – Ela se abraçou a ele. – Você vai ver.
– Estou proibido de usar magia. Eu... estou perdido. Não sei como poderei sustentar você e os meninos sem magia...
– Você é muito talentoso, Severus. Você pode fazer o que estava fazendo: ensinar. Não precisa de magia para dar aulas. Pode continuar sendo professor.
– Mas eu dava aulas de Poções. E de Defesa contra as Artes das Trevas.
– Então, agora você vai dar aulas de Biologia, Botânica, Química...
– Eu não tenho papéis Muggle para ensinar. Aliás, não tenho qualquer papel Muggle, a não ser nossa certidão de casamento e a certidão de nascimento. Você lembra a dificuldade que foi? Meu pai me registrou num cartório Muggle quando eu nasci, mas fora isso, não tenho qualquer papel – nem registro escolar, nada. Não tenho qualificações para me candidatar a qualquer cargo.
– Você pode aprender a fazer outra coisa. Eu ajudarei no sustento da casa.
– Eu pratico magia desde os 5 anos. Não sei como viverei sem isso. Por um lado, vai ser bom me exilar e viver como um Muggle. Vai ser mais fácil recomeçar assim. Mas... sem magia é muito difícil. Parece que não sou eu.
– Eu nunca tive magia em toda a minha vida. Entendo que deva ser difícil para você. Vai precisar se adaptar a algumas coisas.
– Esse é o problema. Não sei se poderei me adaptar. Há tantos anos sou espião, mas esse é um papel que nunca consegui fazer muito bem: o de Muggle.
– Enganou-me bem demais. O resto de sua família, também.
– Mas é diferente quando eu apenas fingia ser Muggle. Agora eu vou ter que realmente viver como um. É... uma transição e tanto.
Helena acariciou-lhe o rosto, fazendo-o olhar em seus olhos verdes:
– Eu estarei a seu lado, querido.
– Mas as crianças... – Ele olhou Lily e London, que agora estavam encarrapitados no brinquedo de rodar, rindo quando davam voltas. – Sonhei em ensinar Lily a voar de vassoura, a ajudá-la a preparar suas primeiras poções. Com London, eu poderia ensinar os dois a jogar Quidditch. Poderíamos fazer partidas juntos, os três em vassouras. Mas é só um sonho e nunca vai se realizar.
– Já disse que tudo vai dar certo. Precisa ter fé.
Severus olhou sua mulher, sorrindo:
– Você sempre disse isso. Como senti sua falta...
– Oh, meu querido...
Eles se beijaram na praça, e os dois meninos correram para o lado deles:
– Papai tá beijando a mamãe na boca!
London riu, fazendo uma carinha de nojo:
– Beijo na boca, ew!
Calmamente, Severus explicou:
– É o que fazem duas pessoas que se gostam.
– Eu vi o tio Remus beijar a tia Tonks. – falou Lily. –Eles são namorados!
– A mamãe só tá namorando o papai um pouquinho – explicou Helena.
– Mas vocês não são namorados – protestou Lily. – São mamãe e papai!
– Mamães e papais também namoram de vez em quando – garantiu Severus. – Quando você crescer, também vai namorar.
Lily pensou e perguntou:
– Quando eu for grande, vou poder namorar?
– Isso mesmo.
– Com oito anos?
Helena escondeu o riso, mas Severus disse, sério:
– Quando você tiver oito anos, a gente volta a conversar. Agora, se quiser brincar mais um pouco, pode ir. Daqui a pouco temos que voltar.
– Ah, voltar?
– Não quer comer o jantar da Tia Emma? Ela está fazendo aquele bolinho de carne que você adora.
– Eeeba!
Quando a família Snape voltou para Grimmauld Place, foi recebida com festa. Sim, isso mesmo. Uma festa de verdade.
– Chegou o homem do dia! – saudou Arthur Weasley, com um copo de vinho élfico na mão. – Severus, meu velho!
– Arthur – cumprimentou Severus com cuidado. – Não sabia que era uma ocasião social.
– Harry resolveu avisar a velha turma. Você se importa, Severus?
– Não, claro que não. Potter pode convidar quem quiser para sua casa.
– Os meninos estão na cozinha. Molly correu para lá quando soube que Tonks estava ajudando no jantar. – O patriarca Weasley olhou para as criaturinhas que o encaravam, por trás da mãe. – Você está escondendo o resto dos Snapes?
– Helena, este é Arthur Weasley. Minha mulher Helena, meus filhos Lily e London.
Lily escondeu-se atrás de Helena, que sorriu, estendendo a mão:
– Muito prazer.
– O prazer é todo meu. A senhora é Muggle, não é verdade? Sou fascinado pelo modo como vocês resolvem as coisas sem magia.
Uma voz feminina advertiu:
– Não deixe que ele comece, minha querida. Arthur é capaz de passar horas perguntando tudo sobre equipamentos que não operam sob magia. – Ela estendeu a mão para Helena. – Muito prazer. Meu nome é Minerva.
Severus apresentou:
– Minerva é a atual diretora de Hogwarts. Minha mulher, Helena.
– Ela é encantadora, Severus. – A velha professora encarou-o com afeição. – Fico muito contente em vê-lo, meu rapaz. Também estou muito satisfeita com o rumo que as coisas tomaram.
– Fico agradecido, professora.
– Chame-me de Minerva, Severus. Esta é uma ocasião informal e muito feliz.
– Professor! – Uma voz de trovão chamou. – Ah, professor, eu fiquei tão aliviado depois que soube da verdade toda. Eu sabia que o senhor não ia trair Dumbledore!
Severus tentou, mas não pôde evitar ser envolvido pelo corpanzil de Hagrid, que estava emocionado. Um gigante emotivo podia ser potencialmente perigoso.
– Hagrid! Hagrid! – Ele tentou dizer, esmagado pelo abraço. – Vejo que achou a garrafa de hidromel.
– Com certeza. Esta é uma família muito bonita que você tem, Prof. Snape.
– Hagrid, quero lhe apresentar minha mulher Helena. Estes são meus filhos. Meninos, este é o Prof. Hagrid. Ele é especialista em criaturas mágicas.
– Olá, crianças. – O gigante se abaixou para ficar mais perto das crianças. London gritou de tão excitado, ao ver um homem tão grande. – Oh, desculpe.
Lily indagou:
– Papai, o que é criatura mágica?
Hagrid explicou:
– São animais mágicos. Como, por exemplo, dragões.
Lily arregalou os olhos:
– Você tem dragões? Verdade, papai?
– Ele sabe tudo sobre dragões. E unicórnios. De verdade.
– Unicórnios? – O olhar de adoração da menina era encorajador.
Hagrid confirmou:
– Unicórnios de verdade. Como é seu nome, princesinha?
– Lily.
– Que lindo nome. Se quiser, posso lhe falar tudo sobre um dragãozinho que eu vi nascer do seu ovo. O nome dele é Norbert. –Ele estendeu a mão. – Sabe que eu tenho um cachorro? Venha que eu lhe conto mais.
Lily consultou a mamãe, depois o papai, que assentiu:
– Pode ir com Hagrid, se quiser. Ele gosta muito de crianças.
A menina sorriu e correu para junto de Hagrid, que era grande, mas era bonzinho. London ainda estava agarrado com a mãe, mas os olhinhos brilhavam. Ele adorava coisas novas, e aquela casa parecia sempre ter tantas novidades.
Então, um casal jovem entrou na sala, carregando uma pequena criatura. London apontou, maravilhado:
– Neném, mamãe, neném!
Helena o pegou no colo:
– Olhe que lindo, London.
A mãe do bebê, uma loura muito bonita, sorriu para Helena:
– Oh, veja, Bill, um "outrro" bébé! Que "fofurrinha"!
Severus olhou o casal, sem entender. Ele conhecia Bill Weasley, claro, mas aquela parecia ser... Mademoiselle Delacour. Arthur interveio:
– Ah, vejo que já viram meu neto. Helena, este é meu filho Bill e sua mulher Fleur. E este é Fabian, nosso primeiro neto.
– Que lindo! Eu sou Helena, e este é London. Ele adora bebês.
O bebezinho, que devia ter uns seis ou sete meses, deu uma tossida e reclamou um pouco no colo de sua mãe. London olhou para Helena:
– Dodói, mamãe.
– Fabian está adoentado?
Bill respondeu:
– Ele tossiu muito essa noite e teve um pouco de febre. Achamos que ele está com uma infecção de ouvido.
– Dodói, mamãe! Dodói no bebê!
Fleur indagou:
– O que o bébé está falando?
Shacklebolt chegou nesse momento:
– Ah, vocês precisam ver isso. Helena, deixe London fazer o que deve. Fleur, Bill, olhem só o que esse menino faz.
Helena falou calmamente para London:
– Pode ver o dodói do bebê, London, mas pegue nele com carinho. Ele é pequenininho, meu filho. Precisa ir com carinho porque ele é bem pequeno, está bom? Com carinho.
Ela inclinou-se para que London, ainda no seu colo, pudesse chegar perto do pequeno Fabian, de uns sete meses. O menino sorriu para ele e colocou a mãozinha rechonchuda na testa de Fabian, que ameaçava abrir o berreiro. Uma luz muito brilhante saiu da mão do filho de Snape, assombrando os Weasley presentes. Depois de uns segundos, ele retirou a mãozinha. O bebezinho olhou para London e sorriu, soltando sonzinhos de bebê e fazendo covinhas nas bochechas.
London anunciou:
– Passou dodói do neném, mamãe.
Helena beijou o filho:
– Muito bem, meu amor. Mamãe está orgulhosa de você.
Severus imitou-a, beijando o cabelo pretinho de London:
– Papai também está orgulhoso, filhinho.
Bill Weasley ficou boquiaberto:
– Um healer natural. Eu nunca vi uma coisa dessas numa idade tão precoce.
London olhou para Bill e sorriu:
– Dodói?
Helena disse:
– Ele quer curar você também.
– Por favor, não deixe – alertou Bill. – Essas feridas são muito mágicas. Podem esgotar uma criança pequena.
Com dificuldade, Helena teve que explicar a London que aquele dodói ele não podia curar. Mas ele podia olhar o bebê, que agora estava melhor e fazia os adultos se derreterem com seus "gugu-dada".
Fleur e Helena logo engataram uma conversa sobre bebês. Severus ia cumprimentando as pessoas, apresentando a família. A princípio, ele estava tenso, imaginando que os amigos de Harry o iriam hostilizar. Ao menos, o rapaz realmente estava se esforçando para mostrar que o perdoara de verdade. Era quase tocante. Havia outros Weasleys ali, e Severus observou Lily interagindo com eles.
A menina divertiu-se a valer não só com Hagrid, mas também com o tio Charlie, que trabalhava com dragões e tinha fotos para mostrar. Ela também brincou com o tio Fred, que era muito divertido, ainda mais quando estava com o tio George. Tia Ginny tinha morrido na guerra. Ron Weasley estava aborrecido, por mais que a Tia Mione falasse com ele. Lily também conheceu a Vovó Molly, que sabia fazer comidas muito mais gostosas do que as da tia Tonks e quase tão gostosas quanto as da tia Emma.
Severus observou muitos dos antigos membros da Ordem da Fênix e ficou pensativo. Antes, numa ocasião como aquela, ele estaria escondendo seus verdadeiros sentimentos, sabendo que em seguida teria que apresentar relatórios cheios de meias-verdades ao Lord Voldemort. Agora ele não precisava mais fazer isso. Era libertador.
Na cozinha, o ex-espião observou o interesse de Emma em Shacklebolt e franziu o cenho. O que estaria realmente acontecendo ali? Aparentemente, Charlie Weasley também estava reparando em sua prima, que se mostrava encantada com os recursos da culinária bruxa que Molly Weasley lhe introduzia.
As mulheres (à exceção de Fleur, que tinha ido amamentar o pequeno Fabian) usaram o salão de Grimmauld Place e uma magia para fazer a mesa acomodar todos os presentes. Helena e Emma estavam maravilhadas, e Tonks também, porque ela não tinha muito jeito para essas coisas de casa. Harry ia abastecendo seus convidados de bebidas, ajudando em tarefas domésticas.
Logo o jantar ficou pronto, mas Harry esperava Aberforth, que ainda estava tentando apelar junto ao Wizengamot. Severus não tinha a mínima esperança de que alguma coisa mudasse. Era uma sentença política e ele sabia disso. Scrimgeour perderia seu mandato se não desse alguma forma de punição ao assassino de Dumbledore.
Portanto, quando Aberforth chegou, puxou-o para o lado e disse que a sentença estava mantida, Severus não teve qualquer surpresa.
Só mágoa.
Molly e Emma chamaram os convidados a se sentar, e demorou algum tempo até todos se ajeitarem, mas, quando finalmente estavam acomodados, com os copos cheios, coube ao anfitrião Harry Potter erguer um brinde.
E isso surpreendeu Severus, mais do que qualquer outra coisa.
– Amigos! – disse ele pela terceira vez, tentando conseguir silêncio, enquanto Fred terminava de fazer cosquinhas em London – Amigos, é com alegria que estamos hoje reunidos para comemorar a volta de um amigo. Pensávamos que ele estivesse perdido, que ele estivesse longe de nós. Mas a verdade é que Severus Snape nunca se afastou de nós. Mais do que qualquer um, ele arriscou tudo, para não mencionar a própria vida. Mas se o preço era alto, a recompensa era maior. A família sempre a seu lado, segura. Todos nós aqui reunidos tivemos participação no que aconteceu. Todos nós perdemos entes queridos, familiares, pessoas a quem amamos e nunca vamos esquecer. Severus Snape suportou a perda não só das pessoas a quem mais amava, suportou a distância de seus entes queridos e também o ódio e o escárnio de toda uma sociedade. Essa mesma sociedade que ele protegeu hoje exigia seu encarceramento. Ainda assim, ele fez o que foi preciso. Pois é isso que faz a fibra de um homem. Uma vez eu o chamei de covarde. Já pedi desculpas porque, confesso publicamente mais uma vez, eu não teria a coragem de fazer o que ele fez. Ao fazer o que fez, Severus Snape ajudou a assegurar um futuro mais seguro não só para todos nós como também para a próxima geração. Por isso, ergo um brinde. Ao futuro, que ele seja feliz, e ao passado, que nos leva para esse futuro feliz. A todos nós!
Taças se ergueram, e Helena enxugou uma lágrima de orgulho, abraçada ao marido. Severus recebeu olhares gentis de todos na mesa e sentiu uma ponta de seu lendário controle escorregar. Afinal de contas, ele sabia como reagir a ataques, a agressões e a insultos. Ele não estava acostumado a ser reverenciado. Ainda mais por pessoas cuja opinião ele prezava.
Só uma pessoa fazia isso por ele, e ele a matara.
Severus voltou-se para Helena, que sorriu suavemente na direção do seu marido. Ao vê-la, ele sentiu a tranqüilidade que precisava, o apoio e conforto que o equilibravam. Só então ele pôde se dedicar ao jantar e à conversa que se seguiu.
