Capítulo 16 – Aventura no Beco Diagonal

– Você demorou no banco.

– Desculpe, foi inevitável.

– Vamos, entre, entre. Madame Malkin precisa de suas medidas para fazer as roupas. Ela diz que pode terminar tudo em dois dias, não é fantástico?

– Não, é pura magia. – Severus entrou na loja de roupas, notando que as pessoas na rua começavam a reconhecê-lo. – Pronto, estamos aqui.

A velha bruxa olhou para ele:

– Severus Snape, por Merlin! Há quase 30 anos que faço suas roupas, e você praticamente não muda! Se eu soubesse que era para você, nem teria pedido medidas. Inacreditável como você não muda de manequim.

– Madame Malkin, como vai?

– Não tão bem quanto você, pelo visto. Essa encantadora criatura com quem falei era sua esposa? Muito prazer, Madame. Para onde quer que eu mande as encomendas?

Severus se adiantou e escreveu num papel:

– É no interior. Como é uma região Muggle, talvez queira usar alguma coruja desilusionada.

– Boa idéia, Severus.

Algumas outras gentilezas sociais foram trocadas até que o grupo todo se encontrou com Harry, Emma e as crianças. Lily estava encantada:

– Papai, Tio Harry me deu uma vassoura!

Severus ergueu uma sobrancelha e Helena expressou seus sentimentos:

– Harry, não precisava.

– Não tem problema. É uma vassoura adequada para crianças da idade dela.

– Mas ela voa, não voa? – quis se certificar Lily. – Que nem a que a gente viu.

– Claro que voa. Agora, você tem que perguntar a seu pai se pode ficar com ela.

– Posso ficar, papai? Posso? Eu quero aprender a jogar quafibol quando eu for criança grande…

Severus disse:

– Está bem, pode ficar. – Antes que a menina comemorasse, ele acrescentou: – Mas só vai andar com a vassoura com a supervisão de um adulto. Isso é importante, Lily. Está bem?

– Tá. – Ela correu a se abraçar a Severus. – Obrigada, papai.

– Agradeça também ao Tio Harry, que não devia ter feito isso.

– Obrigada, tio Harry.

– Ah, não tem do que agradecer. Eu me lembro da emoção de voar pela primeira vez. Para uma criança Muggle, esta é a melhor coisa do mundo bruxo.

– Muito bem, agora vamos comprar a varinha da tia Emma. Crianças, eu quero que fiquem bem quietinhas, porque o mestre de varinhas é um homem muito, muito esperto.

O grande grupo entrou na loja Ollivander. O próprio Ollivander veio ver do que se tratava, os olhos prateados pousando em todos os presentes. Ele olhou com especial interesse para Harry:

– Sr. Potter, é uma surpresa vê-lo aqui. Na última vez que nos vimos, parecia ser... realmente a última vez.

Harry sorriu para o velho fabricante de varinhas. Foi na Batalha Final contra Voldemort que ele vira Ollivander, a quem resgatou do Lord das Trevas. Comensais tinham raptado Ollivander para roubar-lhe uma varinha muito especial: a de Rowena Ravenclaw, dentro da qual Voldemort tinha alojado uma de suas Horcruxes. Em plena batalha, Ollivander passara a Harry a varinha cobiçada e o rapaz (com a ajuda de Severus) destruíra a Horcrux, sem o que não teria conseguido destruir o temível Lord das Trevas, por causa das varinhas irmãs.

Mas isso tinha ficado para trás.

– Olá, Sr. Ollivander. Eu só estou acompanhando alguns amigos na sua primeira varinha.

– Mesmo? – Ele olhou os demais. – Não podem ser os Srs. Shacklebolt nem Snape. Nem esses dois pequenos bruxinhos, que ainda não estão em idade de ter suas varinhas. O que nos leva a uma das duas encantadoras senhoras.

Severus se adiantou:

– Na verdade, Sr. Ollivander, a minha prima está comprando sua primeira varinha. Emma Svensson.

– Oh, uma primeira varinha para alguém mais maduro. Vai ser um desafio. Eu me lembro de cada varinha que já vendi. Então, certamente lembro-me de sua tia, Madame Svensson. A mãe de Severus, Eileen Prince. Mas sua mãe nunca chegou a vir aqui.

– Minha mãe não sabia que era bruxa – explicou Emma. – Eu mesma só descobri há alguns dias, e agora meu primo insiste em me presentear com uma varinha. Então, eu não sei qual devo escolher.

– Madame, não sei se Severus lhe explicou, mas, na verdade, é a varinha que escolhe o bruxo. É parte da beleza da coisa toda. – Ele começou a olhar para as prateleiras entupidas de caixinhas. – Hum, vamos ver... Geralmente a família Prince usa varinhas da família das urtigas, mas você não é apenas uma Prince... Hum... Ah! – Ollivander tirou uma caixinha e abriu-a na frente da Emma. – Experimente essa.

Ela pegou a varinha e Harry incentivou-a:

– Dê um agito.

Emma obedeceu e um raio dourado atingiu uma prateleira adiante. Helena e Lily gritaram de susto, Emma deu um pulo, e London bateu palmas de alegria, gritando: "Bum!" Os homens riram-se. Ollivander não se abalou:

– Oh, então com certeza não é isso. Vamos ver, vamos ver desse lado. Ah! – Ele subiu na escada e retirou mais uma caixinha. – Quem sabe essa?

A moça pegou a varinha, indagando:

– E se não for essa?

– Oh, bem, só vamos saber experimentando, não é?

– Então, preparem-se. – Ela avisou a todos.

– Bum! – gritou London, do colo de Helena, ansioso pela explosão. – Bum!

Efetivamente, bum. O menino riu alto, batendo palminhas.

– Não, ainda não – disse Ollivander. – Acho que estamos indo na direção completamente errada, Madame. Eu fico imaginando se... – Ele assentiu e pediu. – Esperem aqui.

Entrou loja adentro e, após alguns segundos, voltou com uma varinha para oferecer a Emma. A moça já estava começando a ficar desanimada, mas assim que pôs a mão na varinha, faíscas douradas saíram dela, e Emma sorriu, fascinada.

– Puxa...! Eu... senti alguma coisa...!

– Ótimo, então experimente-a!

Ela apontou a varinha para o outro lado, e faíscas púrpuras iluminaram a loja toda. Lily bateu palmas, e London olhou para sua mãe, decepcionado:

– Bum?

– Não, filhinho – sorriu Helena. – Tia Emma não vai mais fazer bum. Essa é a varinha dela.

– Muito perceptiva, Madame – disse Ollivander, os olhos prateados encarando-a. – Para alguém tão sem magia, a senhora é mesmo muito perceptiva.

Helena sorriu para ele, mas não pôde evitar achá-lo uma pessoa muito, muito estranha. De qualquer forma, ele se virou para Emma e explicou:

– Uma varinha excelente, senhora. Com 15 centímetros e uma flexibilidade como poucas, ela tem como elemento mágico coração de dragão e é feita de hera, uma erva raramente usada em varinhas. Excelente para proteção contra Artes das Trevas, a exemplo de seu parceiro, o azevinho – que era justamente a varinha de seu primo. A combinação de coração de dragão e hera pode ajudá-la a ter uma atividade exitosa na arte da cura também.

– Que excelente. Eu já atendia algumas pessoas informalmente como terapeuta alternativa...

– Melhor deixar essas bobagens Muggles com os Muggles – aconselhou Ollivander. – A senhora é uma bruxa, madame.

Embora Emma não tivesse gostado nada de ouvir que as terapias alternativas das quais tanto gostava eram apenas "bobagens Muggle", ela teve que concordar que podia fazer muito mais sendo uma bruxa. O grupo se retirou da loja, e Severus explicou a Emma que hera era uma erva de proteção muito feminina e seu parceiro masculino era o azevinho.

Shacklebolt acrescentou:

– Eu mesmo tenho uma varinha de azevinho. Também serve para proteção.

Emma sorriu para ele, e Harry quis saber para onde poderiam ir. Severus disse:

– Gostaria de passar na livraria, se fosse possível.

– Está bem – disse Helena. – Mas logo vamos ter que dar uma parada. As crianças vão começar a ficar com fome.

– Podemos almoçar no Caldeirão Furado – sugeriu Harry. – Depois do almoço, podemos comprar mais doces bruxos. Que acham, crianças?

London pediu:

– Sapos de chocolate!

Lily concordou na hora, e Emma sorriu para Severus:

– Acho bom não demorar na livraria. Essa turminha vai logo querer suas guloseimas.

Severus virou-se para entrar na Floreios e Borrões, mas mal tinha pisado na soleira da livraria, foi jogado para trás por uma força invisível. Tudo foi muito rápido. Severus estava no chão, Shacklebolt e Harry puxaram as varinhas, enquanto Helena e Emma agarraram as crianças. Houve gritos e alguma confusão e as pessoas na rua imaginaram o motivo do tumulto.

Na porta da livraria, um bruxo baixo, calvo, exalando indignação, apontou sua varinha para Severus, caído no chão e disse, com desprezo:

– Aqui não atendemos assassinos, senhor.

Shacklebolt ficou escandalizado:

– Prescott! O que está dizendo?

– Ah, Kingsley. Você ouviu muito bem. A loja se reserva ao direito de escolher sua clientela, e entre nossos clientes certamente não se encontram assassinos.

O tumulto estava criado, e as pessoas começavam a se aglomerar. Harry ficou vermelho e deu um passo adiante, indagando em voz alta:

– Ah, então você se recusa a me atender?

– Certamente que não, Sr. Potter. Mas o senhor não matou ninguém.

– Está errado, senhor. Eu matei uma pessoa chamada Tom Riddle. Sou tão assassino quanto Severus.

– Por favor, Sr. Potter – O gerente da Floreios e Borrões parecia confuso. – O senhor é um herói. Certamente não está querendo comparar...

Harry o interrompeu:

– Este homem foi julgado pelo Wizengamot e já respondeu por seus atos. Não vai ser o senhor que vai continuar a condená-lo. Mesmo porque é graças a ele que o senhor e sua família estão hoje em segurança. Ele é um herói de guerra! Devia se envergonhar do que está fazendo.

– Não posso deixar de fazer isso. Esse homem matou Albus Dumbledore! Deveria estar apodrecendo em Azkaban.

– E o senhor deveria estar numa das câmaras de torturas de Voldemort, para ter uma idéia do que Severus Snape suportou para livrar o mundo daquele bruxo! – Harry estendeu a mão para Severus, no chão, e ajudou-o a erguer-se, antes de se voltar de novo para o homenzinho, ainda irado: – Se o senhor não atendê-lo, vou considerar que me expulsou de sua loja também! E vou dizer isso a todos os meus amigos, a todos os repórteres e a quem mais me perguntar! A Floreios e Borrões expulsou Harry Potter!

– Não, não, Sr. Potter! – tentou dizer o homenzinho Prescott. – Por favor! Eu atenderei o seu... amigo. Por favor!

Harry encarou Severus, que não dissera uma palavra, pálido como poucas vezes Harry o vira. Num impulso, o Rapaz-Que-Matara-Voldemort virou-se para o gerente da livraria e anunciou:

– Quer saber? Mudei de idéia. Não vale a pena fazer minhas compras na sua loja. Se meu amigo Severus quiser fazer, é com ele. Mas não acredito que ele vá querer tampouco. Quero que o senhor e seu preconceito tenham um bom dia. Vamos, Severus. Kingsley, estão todos bem, não?

Estavam, claro. Helena estava tremendo, os olhos cheios de lágrimas, tentando acalmar London, que também ameaçava chorar. Emma também estava vermelha, muito mais do que Harry por causa de sua pele clara sueca. Mas Lily...

Ela se livrou dos braços da tia Emma e correu até o homenzinho:

– Seu homem mau! Bateu no meu papai! – Ela deu um chute na canela dele. – Seu bruxo mau!

Harry correu a retirá-la, não sem antes dizer ao homem:

– Até uma criança consegue ver. Por que você não?

O Herói do Mundo Bruxo pegou Lily no colo e liderou a pequena procissão que saiu da Floreios e Borrões e abriu caminho entre a pequena multidão que se formou para acompanhar o incidente. Uma pessoa gritou entre os curiosos: era Rita Skeeter, querendo uma entrevista. Ela sabia que Harry provavelmente iria querer dar uma entrevista – e Harry Potter disposto a falar era um acontecimento ainda mais raro do que uma conjunção Saturno-Netuno.

Severus o seguiu de perto, com sentimentos confusos. Ele deveria esperar reações como aquelas. Afinal, ele estava na capa do Profeta Diário, e ele não tinha ido parar em Azkaban, como muitos do mundo bruxo preferiam. Mas de todas as pessoas que talvez pudessem defendê-lo, ele jamais teria adivinhado que quem o faria seria o filho de James Potter. Aquilo, mais do que qualquer discurso ou pedido de desculpas, era uma verdadeira declaração de que Potter realmente enterrara o passado.

Uma voz importante soou na sua consciência: "Mais do que nossas atitudes, são nossas escolhas que definem quem nós somos".

Harry Potter era seu amigo. E Harry Potter era uma pessoa fiel a seus amigos.