Capítulo 18 – A reação

Emma desencavou algumas das antigas receitas de sua mãe, e o jantar foi bem substancioso, como ela prometera. As crianças logo foram dormir, depois de toda a animação do dia. Os adultos sentaram-se à beira da lareira e Harry abriu uma garrafa de sherry. Severus apreciou a bebida, embora preferisse firewhisky depois do longo dia.

Helena, porém, não ficou na sala. Ela apareceu e anunciou:

– Estou indo me recolher. Tenham uma boa noite.

Em meio aos coros de boa noite, Severus notou algo errado na voz dela. Com uma desculpa gentil ao seu anfitrião, ele pôs o sherry de lado e subiu atrás dela.

– Helena? – Ele chamou assim que entrou no quarto, mas calculou que ela tivesse ido direto para o banheiro. – Helena?

– Ela volta já, Severus – disse uma voz no quarto.

Ele olhou em volta, não viu ninguém, e então olhou para o quadro:

– Phineas Nigellus.

– Olá, Severus. Faz tempo que não o vejo.

– Da mesma forma, senhor. Está aí há muito tempo?

– Oh, eu garanto sua privacidade, se esta é sua dúvida. Trago um recado. Albus gostaria de uma palavra, se estiver disponível.

– Eu gostaria disso. Se pudesse informá-lo que minha habilidade de locomoção não é mais tão imediata quanto antes, eu agradeceria.

– Entendo, meu rapaz. Ele vai gostar de saber. Tenha uma boa noite. – O retrato do velho diretor de Slytherin ia se retirando, mas voltou. – Se me permite, Severus, uma palavra de amigo. De um Slytherin para outro. A jovem esposa já passou por muito. Não o estou culpando, meu rapaz, veja bem. Estou apenas dando meu testemunho das noites e noites que ela só dormiu de tão cansada por chorar horas a fio. Se as crianças apareciam, ela engolia tudo para atendê-las com um sorriso e com uma paciência invejável. Se vocês pretendem discutir, sugiro que se lembre de que ela está no limite de sua resistência. Agora, vou deixá-los à vontade.

O retrato sumiu da moldura e Severus refletiu que Phineas estava coberto de razão. Durante aquele tempo todo, Helena tinha suportado um vendaval de fatos estarrecedores com uma postura estóica. Um observador poderia dizer que ela tinha sido a rocha de Severus – e não estaria mentindo. A advertência de Phineas tinha sido clara. Nenhuma pessoa poderia passar por tudo aquilo sem algum desgaste emocional, de algum tipo.

Quando Helena voltou para o quarto, ela já estava vestida para dormir. Pareceu surpresa em ver o marido:

– Pensei que preferisse ficar um pouco mais com os demais.

– Na verdade, esperava uma ocasião para conversarmos. Você parecia ter algo em mente hoje à tarde.

Ela assentiu, o rosto impassível.

– Então – ele continuou –, podemos falar agora, se você quiser.

Helena sentou-se na cama, evitando olhar para ele.

– Talvez seja melhor mesmo.

Severus tentou se aproximar dela:

– Helena, de novo, preciso lhe pedir desculpas. Desculpe por não ter consultado sobre uma mudança. Eu entendo que isso seja uma grande decisão e deveríamos ter falado mais sobre isso, mas o que aconteceu...

– Severus – ela o interrompeu suavemente, mas com voz firme. – Concordo com sua decisão. Acho que você realmente tomou essa decisão pensando na sua família. É a melhor solução, e estou disposta a ir com você para onde quiser ir. Também penso nas crianças. London ficou assustado, e Lily... Nunca a vi reagindo assim. Não quero ter que lidar com isso de modo permanente. Mas antes que você volte a falar em sair das nossas vidas, eu lhe digo que elas precisam do pai. Eu preciso de meu marido a meu lado. Não vamos abandonar você. Vamos superar isso.

Ele a encarou:

– Eu não mereço você, Helena.

– Podemos discutir onde vamos viver. Esse seu amigo de que falou... Malfoy. Sabe onde ele está?

– Não, não tenho idéia. Sei que ele tem família na França, e também tem negócios na Bélgica e na Alemanha. Mas eu não pretendo procurá-lo. Só falei aquilo para não dar a entender que iríamos para um lugar onde ficaríamos sozinhos e isolados. Potter poderia tentar nos convencer do contrário.

– Nesse caso, eu tenho uma sugestão para dar.

– Sugestão?

– De um lugar para vivermos.

Ela deu a sugestão. Severus ouviu com atenção, pensou bastante e confessou:

– Isso tinha me passado pela cabeça, mas achei que você tivesse objeções.

– Severus, já que vou ter que deixar a Inglaterra e a minha casa, acho que essa é uma solução razoável.

– Você gostaria de ir morar lá?

– Por que não? Melhor do que na França, onde seu amigo provavelmente está. O que acha?

Severus sorriu:

– Vamos amadurecer essa idéia. É uma boa idéia, Helena. Na verdade, é excelente.

Helena olhou para a cama e ajeitou a colcha, tentando limpar uma sujeira que não existia, dizendo:

– Mas... não era isso que eu tinha em mente.

– Como assim?

– Não era isso que eu queria lhe falar. É outra coisa. Eu... queria ter lhe dito antes, foi uma coisa que me deixou pensativa. Não, na verdade, isso me deixou magoada. Você me magoou, Severus.

O coração dele se apertou:

– Helena, eu...

– Deixe-me terminar. Não é nada do que você está pensando. É sobre Lily.

Severus franziu o cenho, intrigado. Helena continuou:

– Foi no começo disso tudo. Eu mal tinha descoberto a verdade a seu respeito; estava ainda apavorada diante de todas essas pessoas novas, pessoas com magia, e então Harry ficou indignado quando eu lhe disse que minha filhinha se chamava Lily. Ele explicou que esse era o nome de sua mãe, e Remus garantiu que você nunca teve nada com a mãe de Harry que não fosse uma amizade. – Severus mais uma vez tentou interromper e Helena ergueu a voz. – Deixe-me falar!

O ex-Comensal chegou a se encolher diante da fúria de sua mulher, geralmente tão pacata. No fundo, Severus sabia que Helena poderia ter um temperamento formidável, quando queria. Talvez, pensou ele, agora que a crise estava se resolvendo, e as coisas encaminhavam-se para voltar à rotina, Helena também estivesse adquirindo seu humor habitual.

E, no momento, ela estava com ciúmes.

– Mas isso foi longe demais, Severus. Eu sei que você não nasceu do nada, que você provavelmente teve namoradas antes de me conhecer, mas precisava dar o nome de uma delas à nossa filha? Ela é a criaturinha que eu mais amo no mundo, ela e London, e você sabe disso. Como acha que me sinto? – Ele tentou mais uma vez abrir a boca e Helena calou-o pela segunda vez. – Ou você achou que eu jamais ia descobrir que você deu à minha filhinha o nome de sua namorada de colégio?

A voz dela ecoou pelo quarto e ela fez uma pausa para respirar, irada. Mas continuou em seguida:

– E agora não sei o que fazer. Porque eu amo minha filha e não vou trocar o nome dela, o que seria ridículo. Mas toda vez que olho para minha filha, minha própria filha, eu lembro que ela tem o nome de uma rival. Diga-me, Severus, o que devo fazer?

– Helena... – Ele tentou chegar perto dela, mas ela não deixou que ele encostasse nela. – Gostaria de explicar que, em primeiro lugar, eu nunca pretendi ofendê-la com o nome de Lily. A mãe de Harry... ela significou muito para mim porque foi a primeira pessoa a me tratar decentemente. Eu já lhe falei sobre meu avô; é tudo verdade, os abusos, os maus tratos... E em Hogwarts, o pai de Harry me atormentava, mas Lily me tratava com gentileza. Isso significou muito para mim. Desenvolvi uma afeição por ela. Mas é uma afeição como a que tenho por Emma. Lily Evans é como uma irmã para mim. Então, eu levei uma profecia para o Lord das Trevas, tentando ser alguém na organização. Essa informação levou-o a perseguir Lily, James e Harry. Eu... fiquei desesperado porque não queria prejudicar Lily. Aí é que me dei conta do que estava fazendo, que o Lord das Trevas era um louco sangüinário, e voltei para Dumbledore. Mas Lily... Ela morreu para proteger Harry. Ela morreu. Nunca pude me redimir disso. Eu participei dessa morte, Helena. Lily é uma grande mágoa que eu tenho.

– Você só me disse que era uma homenagem a uma pessoa querida.

– Falei a verdade. Lily era uma pessoa querida. Mas nunca foi uma rival para você, Helena. Ela era uma amiga querida e apenas isso. Eu a amei como uma irmã que nunca tive ou como minha prima. Eu nunca fui apaixonado por Lily. Você sabe como eu me sinto a seu respeito.

Helena inspirou fundo umas duas vezes e garantiu:

– Eu não tenho dúvidas de que você me ame, Severus. Nunca tive dúvidas disso. Mas você certamente pode entender como isso me magoa.

Ele nunca pensara nisso, mas só o que podia sentir naquele momento era que Helena estava magoada e a culpa era dele. Ele estava realmente se sentindo péssimo.

– Desculpe. Desculpe.

Helena chegou perto dele, pegou-lhe a mão e deu um sorriso para ele:

– Eu sei que você provavelmente está se sentindo muito ruim agora. Não pense que eu amo você menos.

Severus viu dentro dos olhos verdes dela a total sinceridade de suas palavras e um calor aqueceu-o por dentro. Ele a amava. Beijou-lhe a ponta do nariz, com um sorrisinho.

– Eu também amo você.

– Que bom, querido. – Ela sorriu e pôs sua mão na bochecha dele com carinho. – Assim você vai entender direitinho por que essa noite você vai dormir no sofá.

E passou-lhe um travesseiro e um cobertor, antes de empurrá-lo para o corredor e bater a porta na sua cara.

Severus olhou a porta fechada e ainda piscou umas duas vezes até perceber que Helena o tinha expulsado de seu quarto. Ele olhou o cobertor e o travesseiro.

Não havia dúvida: Helena definitivamente estava de volta a seu normal.