Capítulo 20 – Pós-carraspana

O mundo parecia estar todo esmagando sua cabeça quando ele voltou a ter consciência de seus sentidos. Mas a verdade é que demorou um pouco para ele retornar corretamente ao mundo.

Severus encarava sua xícara de café, e Emma reclamava, embora a mente do ex-Mestre de Poções captasse apenas palavras desconexas.

– ... os dois abraçados no sofá!... como se fosse na sarjeta... cheiro de álcool!... exemplo para as crianças... não admira que Helena o tenha expulsado... ainda bem que ela ainda está dormindo...

Ao erguer o olhar, Severus deu de cara com Harry – que não parecia muito melhor do que ele. Com quem o rapaz tinha conseguido aquele firewhisky afinal? Melhor teria sido um uísque Muggle, desde que de boa qualidade. O café aparentemente começava a clarear sua cabeça.

– Vocês dois parecem ter sido atropelados por um caminhão e dos grandes – continuava Emma, com uma nova rodada de café para os dois. – Nem parece que escovaram os dentes, pelo bafo! Espero que não tenham grandes planos para hoje de manhã.

Uma voz diferente disse na cozinha:

– Receio que sim. – Todos se voltaram, surpresos, para ver Aberforth entrando na cozinha. – Bom dia a todos. Vim coletar Severus para uma reunião importante no Ministério da Magia. Rufus concordou em recebê-lo.

– O ministro em pessoa?

– É para formalizar a sua saída da jurisdição do Ministério. Aparentemente, sem essa formalização, se você tentar deixar a jurisdição, o ato será considerado uma fuga, levando a pulseira a ser ativada, e você vai parar em Azkaban.

– Ou seja, é uma formalidade que não pode ser evitada. Bem, vamos a ela, então.

Emma reclamou:

– Severus, você praticamente não tomou café da manhã. E nem curou direito a bebedeira.

– Emma, pode me fazer um favor? Avise Helena que eu gostaria de sair à tarde com ela e as crianças, se ela não tiver planos. Vamos visitar um velho amigo. Hoje à tarde está bom para você, Harry?

– Ótimo – disse o Rapaz-Que-Matou-Voldemort. – Vou mandar Hedwig com um recado para Minerva.

– Por favor, peça que alerte Pomfrey também.

– Melhor irmos agora, Severus – alertou Aberforth, acrescentando: – Por precaução, eu achei melhor elaborar um plano para a audiência com Rufus.

Severus ergueu uma sobrancelha.

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Rufus Scrimgeour olhou Severus de um jeito tão intenso que o ex-Mestre de Poções desejou poder usar Oclumência contra o Ministro. Mas, infelizmente, ele teria que se contentar com mentiras Muggle.

– Então, Snape – começou o homem leonino, franzindo o cenho. – Aberforth me disse que você pensa em deixar o país.

– Precisamente, Sr. Ministro – disse Aberforth, adquirindo um ar oficial. – Meu cliente espera ter essa autorização para que ele possa refazer sua vida.

– Entendo. Algum destino em mente?

Severus sentia a dor de cabeça latejar e respondeu em voz fraca:

– Ainda não estou certo. Talvez Bélgica. Ou Bulgária. Bósnia. Ou quem sabe algum lugar ensolarado, Barbados, Belize, Brasil, Burma. Um lugar com B, quem sabe Bahamas – acrescentou, de maneira desanimada. – Talvez. – Suspiro. – Mas África não. Benin, Burkina Fasso, Botswana, Burundi, Bujumbura... Não, outro lugar com B. Bolívia...

– Você está bem, Snape?

Um longo suspiro:

– Na verdade, não. Minha mulher me disse que pretende pedir o divórcio e ficar na Inglaterra. Ficará com as crianças. Ela não quer nem saber de magia e diz que vai mudar de nome.

– Estranho – comentou Scrimgeour. – Ela parecia tão... a seu lado durante o julgamento.

– Sim, mas isso foi antes do incidente no Beco Diagonal. Talvez tenha ouvido falar.

Scrimgeour procurou esconder o Profeta Diário, que estava em cima de sua mesa, com a manchete: "Ex-Comensal da Morte causa escândalo em porta de livraria", com um pigarro.

– Acho que sim, ouvi alguma coisa.

– Essa foi a gota d'água para minha esposa. Ela diz que vai lutar pela custódia das crianças num tribunal Muggle. Eu não quero nem pensar em enfrentar um júri de novo. Eu já pensava em sair daqui, mas agora nada me prende – continuou Severus, sempre com um aspecto deprimido. – Perdi tudo. Minha vida está acabada aqui. Talvez num outro lugar eu seja esquecido.

Scrimgeour virou-se para Aberforth:

– Seu cliente me parece um tanto desanimado. – O ministro aproximou-se para cochichar. – Está até com uma cara de quem passou a noite inteira bebendo. Tem certeza de que é seguro deixá-lo viajar?

– Apesar de tudo, acredito que sim, Sr. Ministro. O senhor tem alguma objeção a que ele deixe o país? Note que ele estaria apto a praticar magia e a viver como um bruxo novamente.

– Eu entendo as implicações dessa autorização, Aberforth. Estou disposto a concedê-la. – Virou-se para Severus. – Então, Snape. Quando pretende viajar?

– O mais rápido possível. Pretendo tentar convencer minha mulher a mudar de idéia, mas ela parece estar irredutível. O problema é que, se ela insistir em ficar na Inglaterra, na prática perco o direito a visitar meus filhos. Mas não posso esperar muito tempo.

– Muito bem, então. Farei isso imediatamente.

Scrimgeour tomou um papel e começou a fazer um ditado oficial à pena especial para documentos e certidões.

Severus teve que se esforçar para não abrir um sorriso.