Parte III – EXÍLIO

Capítulo 23 – Cinco anos mais tarde

– Mamãe, Odin tem visitas!

Helena franziu o cenho. Severus tinha conseguido um raro falcão-girafalte (Falco rusticolus) para levar a correspondência bruxa, e agora, no poleiro dele, estava uma coruja desconhecida. Ela foi até a ave e retirou a carta da sua patinha. London dirigiu-se ao seu falcão:

– Odin, deixe sua amiguinha se servir de água e biscoitinhos. É educado.

Odin, com sua pose real nórdica, não se impressionou muito com a recém-chegada, mas chegou para o lado, para que a visitante pudesse alcançar a vasilha com água. Helena olhou a interação do menino de seis anos com as aves e sorriu, voltando-se para a carta.

Aberforth.

O velho bruxo não falhava em escrever, dando notícias de casa. Se bem que, pensou Helena, casa agora era ali, onde eles moravam.

Ela deixou a carta endereçada a Severus no balcão e voltou-se para o seu bolo de carne, quase pronto para ir ao forno. Ele logo chegaria do trabalho, e Lily já deveria ter chegado da escola.

Sr. Stimpy, que chegara à cozinha naquele exato momento para ajudá-la com o jantar, de repente arregalou os olhos e cochichou:

Mugglare!

E sumiu diante de seus olhos. Helena riu-se internamente. Até o elfo tinha aprendido a falar a língua nativa. Eles estavam mesmo aclimatados.

– Helena! – chamou uma voz conhecida na porta da cozinha. – Helena, querida, já está em casa?

– Entre, Sra. Johnsson. Desculpe não abrir, estou amassando o bolo de carne.

– Ah, seu bolo de carne é uma delícia. Como nossas almôndegas, mas de uma vez só, não aos pedacinhos. – disse a velha senhora, com um prato na mão. – Olhe, eu fiz essa receita de torta de pêssegos, e sobrou tanto. Achei que vocês poderiam gostar de comer depois do jantar.

– Quanta gentileza, não precisava. Por favor, sente-se. Quer um chá?

– Ah, vocês, ingleses, sempre tomando chá. – disse a velha senhora, que sorriu para London. – Oi, rapazinho! Está brincando com seu bichinho?

– Odin está com uma amiga – disse London, animado. – Ela é bem boazinha.

– Ah, as vantagens de se morar num país com 53 de florestas – comentou a Sra. Johnsson. – Sempre tem um animalzinho selvagem por perto. E aquele gatinho de Lily? Era um filhote, não?

– Nem me diga. Aquele gatinho que Lily achou na floresta terminou sendo um filhote de lince, Sra. Johnsson. Lily ficou muito triste, mas tivemos que devolvê-lo ao Departamento de Parques e Florestas, já que se tratava de um animal selvagem. Ainda bem que Odin tem todas as licenças. Se ele fosse recolhido, os meninos iam ficar arrasados.

– E tem notícias de sua família?

– Emma está preparando a mudança para Londres. Ficamos muito felizes que ela tenha conseguido esse emprego no hospital. Era tão sofrido, com o marido morando na Inglaterra e ela trabalhando aqui. Eu já acho longe que Severus trabalhe na capital, e nós moremos aqui! E são só 30 quilômetros! Imagine 1.500 quilômetros.

– Södertälje não é tão longe assim de Estocolmo. Mas mesmo assim, confesso que não é exatamente uma viagem que gostaria de fazer todos os dias, como seu marido.

– Ele sai de casa com o carro até o centro de Södertälje, depois pega o trem.

– Trem? Por que não vai de carro até Estocolmo? Não é tão longe.

– É que o trem o deixa bem na Gamla stan, a Cidade Velha. Ele nem precisa pegar o tram para chegar à farmácia.

– Que bom. E tem notícias do primo, o que mora no centro de Uppsala?

– Oskar está bem, graças a Deus. A pressão se estabilizou. Linna, a mulher dele, também está bem. Foi bom porque Hanna está grávida e não pode se preocupar com o pai. Primeiro filho, primeiro neto, sabe como é. Lukas é o outro primo e mudou-se ano passado para a Finlândia. – Helena ajeitou o bolo no forno e fechou a porta. – Tem certeza de que não quer um chazinho? Quem sabe prefere um schnapps?

– Ah, agora está pensando como uma verdadeira sueca! – riu-se a Sra. Johnsson.

A porta da cozinha se abriu, e Lily entrou, com um fone no ouvido. Helena saudou, pegando um copo para a bebida:

– Oi, filha. Como foi na escola?

– Bem.

– Viu que a Sra. Johnsson veio nos visitar? Ela trouxe torta de pêssego. Diga olá.

– Olá, Sra. Johnsson. Mãe, papai já chegou?

– Não, por quê?

– Ele tem que assinar meu boletim. A professora disse que vocês dois têm que assinar.

– Depois ele assina. Lembre-se que hoje ele vai fazer as lições de Poçõ – quer dizer, de química, com você. Mas você também precisa estudar para suas provas finais! Por que não aproveita para fazer isso agora?

– Tá – Ela entrou na casa, depois de cumprimentar: – Tchau, Sra. Johnsson.

– Nossa, nessa idade ela já aprende química?

– Sabe como é: o pai é farmacêutico, então...

– Ele é muito bom. Sabe, com tantas indústrias químicas aqui na Europa, eu sempre tomei remédios para a minha diabete, você sabe. A nossa cidade é sede da AstraZeneca! Mas os preparados de ervas que ele faz são quase mágicos, eu juro!

Helena riu:

– Realmente, Severus é capaz de fazer mágica. No começo, eu tinha medo de que as coisas não dessem certo para nós aqui. Com tudo que aconteceu lá no nosso país...

– Aquilo foi uma situação horrível, pelo que você conta – disse a Sra. Johnsson. – Ser acusado de assassinato! Felizmente, querida, tudo se resolveu. Ele é tão solicitado. Verdade que a firma está se expandindo?

– Não – respondeu Helena. – Na verdade, o que está acontecendo é que os produtos da marca Engelsmansapotekaryrke, "A Botica do Inglês", estão sendo distribuídos em outros pontos de venda. Então agora ninguém precisa mais ir ao centro de Estocolmo para comprá-los. Claro que lá tem a linha completa, incluindo manipulação personalizada.

– Mas vocês já podem pensar em abrir novas lojas. Gotemburgo é um bom mercado, assim como em Uppsala, Malmö... Mas o norte é praticamente inexplorado, não é?

– Estivemos no extremo norte alguns anos atrás, a passeio. É tão frio, mas tão lindo. As crianças queriam ver a terra do Papai Noel. Agora já estão crescidas demais para isso. Ao menos Lily. Ela gostou tanto, minha menininha.

– Tem razão, a Lapônia é mesmo fascinante. Já faz anos que não vou lá.

– Esse país é muito bonito – sorriu Helena. – Recebeu-nos tão bem quando estávamos numa situação difícil.

– Que bom, querida. Espero vê-los por aqui muito tempo. Moramos no meio da floresta, e ainda assim temos vizinhos! É mesmo um privilégio. – A velha senhora se ergueu, uma careta ao reclamar do reumatismo. – Ah, melhor ir agora. Daqui a pouco Markus chega em casa. Esse meu velho não sabe o que fazer se eu não estiver por perto.

– Eu não queria que não saísse de mãos vazias depois de nos trazer essa maravilhosa torta de pêssego. Olhe, eu tenho uns biscoitinhos de gengibre. Receita típica inglesa.

– Ah, não se preocupe. Na minha idade, eu deveria cuidar em não comer tantos doces, massas, carnes. Mas aí só me resta capim e alfafa para comer! É indigno!

Helena riu-se alto enquanto a acompanhava até a porta. A velha Sra. Johnsson era uma de suas vizinhas mais queridas. A dona da casa deu adeus a sua amiga e viu a coruja visitante aproveitar para sair voando pela porta da cozinha da cabana. Morar nos arredores de Södertälje era uma experiência maravilhosa: uma floresta ao redor, longe de olhos curiosos, e uma cidade sueca famosa no mundo todo por ser sede da fábrica de caminhões Scania, a apenas 30 quilômetros de Estocolmo.

Os Snape tinham levado a fundo a sua experiência sueca. Tanto era assim que mal o carro da Sra. Johnsson sumiu na estradinha, um furgão Volvo entrou na propriedade e trouxe um sorriso aos lábios de Helena. O carro estacionou ao lado da Saab de passeio na garagem fechada, como todos os dias Severus fazia. Ainda era dia claro. Como o verão se aproximava, o anoitecer era bem tardio – perto das 22 horas.

O homem alto, de terno Muggle escuro, fechou a garagem e entrou em casa, saudado pela esposa. London também correu para os braços do pai, dizendo:

– Hoje veio uma coruja, pappa! Acho que ela veio de Londres!

– Mesmo, filho? Odin não foi ruim para ela?

– Eu disse para ele ser bonzinho. Ele foi.

– Que bom. Ela trouxe uma carta, você disse?

Severus se voltou para Helena, que respondeu:

– Pela letra, acho que é de Aberforth. Mas eu não abri.

– Deve estar falando a mesma coisa – disse Severus, tentando controlar sua contrariedade. – Aberforth é um sonhador. Podia ter usado a lareira e poupado a pobre coruja.

Helena beijou o marido, com um sorriso:

– O jantar já vai sair. Mas não se esqueça de assinar o boletim de Lily.

Severus franziu o cenho:

– Alguma nota ruim?

– Claro que não. Mas a escola necessita das duas assinaturas.

– Que diferença do sistema educacional inglês...

London perguntou:

– Posso pegar um biscoito, mamãe?

– Melhor não, querido. O jantar já vai sair. Por que não vai brincar um pouco no seu quarto?

– Tá bom! – E saiu.

O elfo doméstico, Sr. Stimpy, apareceu nesse instante:

– Sra. Helena precisa de ajuda com o jantar?

– Por favor, Sr. Stimpy, poderia colocar a mesa? O bolo de carne já deve estar quase pronto.

– Sim, senhora! Stimpy cuida de tudo! Stimpy deixou suco de maçã gelado para Mestre Severus e Sra. Helena.

– Obrigada, Sr. Stimpy.

A criatura pôs-se a trabalhar, enquanto Helena e Severus se dirigiam até a sala:

– Como foi seu dia?

– Razoável. Consegui trabalhar mais nas minhas poções. O novo gerente, Ingvar, parece ser bem competente. Mas se for muito curioso...

– Pena que Erin não pôde ficar. Eu gostava dela.

– Além do fato de ela ser bruxa. Era muito mais fácil manter a fachada Muggle da botica sem ter que esconder nada do gerente. Gostaria muito que esse novo gerente desse certo. Ele tem idéias sobre melhorar a distribuição, mas se interferir com as outras atividades...

– Vai dar tudo certo, Severus.

– Oh, com certeza. Por precaução, porém, estou afiando os feitiços Obliviate. – Severus mudou o tom. – Esse fim de semana estarei fora. Você sabe... em Västerås.

– Por isso preparou as poções? Para levar ao centro?

– Isso mesmo.

– Severus, por que você não deixa ninguém saber sobre essa sua... iniciativa? Não é ilegal, não é bruxa... é?

– Bom, eu uso poções disfarçadas de medicamentos naturais.

– Então, é igual à farmácia! Podia até levar a marca do Englemansapotekaryrke.

– Não, não quero levantar atenções sobre essas atividades. Ninguém precisa saber. A rigor, nada têm a ver com a botica. Tivemos sorte até agora. Os contatos de Shacklebolt conseguiram legalizar tudo sem chamar atenções erradas, e até conseguimos isenções de impostos.

– Já é uma vantagem num país escandinavo. Você sabe a carga de impostos que pagamos.

– É tudo legal, Helena. Além do mais, não reclamo dos impostos. Veja os serviços públicos que temos. Claro que poderiam ser melhores, mas admita: são considerados entre os melhores do mundo e com motivo para tal.

– No fundo, você gosta daqui, não gosta?

Ele deu um sorrisinho:

– Nessa época do ano, quando a neve está a dois meses de distância, e eu não preciso usar feitiços aquecedores, é possível apreciar a terra dos vikings.

– Espero que esse verão eu consiga mais alunos. Daqui a pouco vai ser melhor retirar a placa de "Aulas de Quilt Inglês" da frente da casa.

– Não se preocupe. No verão, tudo muda. Ah, linda estação. São os melhores 45 dias do ano na Suécia.

– Você reclama de barriga cheia, engelsman.

– Você adora isso, mugglar.

– Ei! – Ela bateu nele, divertida. – Eu sei sueco o suficiente para saber o que isso significa. É Muggle, não é?

– Lamento, mas isso é o que você é.

– Ótimo! Vou aproveitar sua ausência para levar as crianças a visitar o tio Oskar.

– Se me perguntar o que acho, diria que é uma excelente sugestão. – Severus ergueu-se e usou sua varinha para fazer a carta de Aberforth vir até sua mão. – Aquele suco de maçã parece ser uma boa idéia.

E, como imaginara, Aberforth mais uma vez estava sendo Aberforth. Na mentalidade de Severus, era otimismo demais.