Capítulo 25 – Conversa na cozinha

Helena ouviu o barulho do SUV da Sra. Johnsson estacionando nos fundos da casa quando terminava de falar com Inga, uma possível futura aluna para suas aulas de quilt. Ela sabia que a entrada de um mugglar era a senha para o Sr. Stimpy sumir de vista.

Logo que ela se despediu de Inga, abriu um sorriso para a vizinha:

– Sra. Johnsson, entre! Ainda bem que apareceu. Eu ia mesmo ligar para sua casa. Estou precisando de sua ajuda.

– Mas o que aconteceu?

– Por favor, sente-se – Helena convidou, indo para a mesa da cozinha, o lugar tradicional de reunião das duas amigas. – Eu ia mesmo tomar um suco de pêssego. Aceita?

– Oh, sim, obrigada. Já está começando a esquentar bastante, não?

– Está mesmo! Dias mais longos, temperaturas mais altas... O verão está cada dia mais próximo. – Helena serviu os copos com o suco fresco. – A senhora vai bem?

– Tudo bem, minha filha. Mas o que aconteceu? Precisa de ajuda?

– Não foi nada grave, pelo contrário. Vamos receber uns amigos vindos da Inglaterra no verão. Na verdade, vão ser muitos amigos. É aniversário de um deles, e eles acharam que ia ser divertido comemorar aqui. Então, eu pensei que seria uma excelente ocasião para fazer um legítimo smörgåsbord.

– Ah, com certeza a ocasião é apropriada. Já sabe quantas virão?

– Umas 40 pessoas.

– Minha Nossa Senhora! Vai sobrar alguém em Londres?

Helena sorriu:

– Pois a impressão que eu tenho é que não vai sobrar mesmo. Eles vão acampar aqui em casa, em pleno quintal.

– Será que vai ter espaço?

– A Inglaterra não é como aqui na Suécia. Aprendemos a nos virar em espaços pequenos. O pessoal é muito boa gente. A senhora vai gostar de conhecê-los se estiver aqui no final de julho.

– Bom, eu vou visitar minha filha mais velha na Noruega no verão. Meus netos me prometeram velejar pelos fjordes esse ano.

– Oh, que passeio bonito.

– Mas me fale mais sobre o smörgåsbord. Qual é sua dúvida?

– Queria saber o que não pode faltar num típico smörgåsbord. Eu sei que é um bufê, mas é só de pratos frios, como o salmão, peixes defumados, saladas, canapés, queijos, embutidos?

– Não, minha querida, é uma combinação de pratos frios e quentes, doces e salgados. Não há regras para um smörgåsbord. Seus amigos conhecem?

– Bom, o aniversariante já esteve aqui. A senhora o conheceu: Harry é o nome dele. Talvez a senhora se lembre dele.

– Oh, aquele rapazinho simpático? Claro que eu me lembro. Ele faz aniversário no verão? Que delícia!

– Sim, ele e os amigos vêm comemorar conosco. Acho que nesse ano não iremos à Inglaterra, se todos estão vindo para cá.

– Vai ser muito divertido, não?

– Sim, vem uma família inteira para cá. Mãe, pai, seis filhos, alguns com esposas e até três netinhos, o mais velho de cinco aninhos. Vai ser uma boa bagunça.

– Oh, minha querida, não vai ser muito trabalho para você?

– Não se preocupe. Vamos nos virar bem. Emma estará aqui com Kingsley também.

– E aquele simpático casal que eu conheci uma vez? O da moça com um cabelo colorido e o rapaz educado?

– Ah, eles não podem faltar. A senhora vai ver que a família aumentou...

– Gostaria de revê-los. E pode contar comigo para o que precisar no seu smörgåsbord.

– Se quiserem aparecer, serão meus convidados, a senhora e seu marido. Vão ver como um bando de ingleses se diverte nas terras vikings! Também será bom para a integração de nossos amigos de lá com nossos amigos daqui.

– Parece maravilhoso. Como seu marido reagiu a tanta gente em casa?

– Oh, bem. – Helena praticamente enrubesceu. – Esse é o problema. Ele ainda não sabe.

– Ele pode reagir mal?

– Severus pode ser... voluntarioso, às vezes.

– Que bobagem. Ele tem essa cara de ser muito bravo, mas no fundo é um doce. Aliás... – A Sra. Johnsson tomou um gole de sua bebida e tentou disfarçar. – Helena, querida, já somos vizinhas e amigas há tanto tempo, não é verdade?

– É mesmo. Desde que nos mudamos para a Suécia. A senhora me ensinou tanta coisa, a língua, as receitas...

– Pois então, em nome dessa amizade, eu gostaria de falar algo... Por favor, não se chateie...

Helena procurou disfarçar o susto:

– Claro que não vou me chatear. Alguma coisa errada?

– Oh, não, não, não. Mas é que corre um boato na cidade sobre seu marido.

O coração de Helena se apertou:

– B-boato? Sobre meu marido?

– Não, querida, não é boato. É verdade. Todos já sabem. A cidade não é tão grande, e a coisa se espalhou. Por que não me contou?

Helena estava de olhos arregalados, mas manteve o sangue frio:

– Sra. Johnsson, do que está falando? Não estou entendendo.

– Seu marido, querida. Aquele trabalho maravilhoso que ele faz com pessoas queimadas. O centro de recuperação em Västerås.

Helena arregalou os olhos ainda mais. O trabalho de Severus tinha sido descoberto. A Sra. Johnsson notou a aflição dela, mas tentou tranqüilizar:

– Está tudo bem. Não precisa dizer nada, se não quiser. Eu só queria que soubesse que eu sei.

– Oh, a senhora não vai contar para ninguém, vai? Severus não queria que ninguém soubesse.

– Mas por quê? É um trabalho tão bonito, ele devia se orgulhar.

– Ele... não quer misturar os negócios da botica com esse trabalho. Ele começou apenas para ajudar um amigo, um que ficou muito queimado num acidente. Aí esse amigo falou para outras pessoas. Elas falaram para outras, e aí... Sabe como são essas coisas. Mas Severus não queria misturar as coisas. O centro de recuperação não tem nada a ver com a botica. Ele nem ganha dinheiro naquele lugar.

– Eu sei que é uma ONG. É um gesto muito bonito.

– Ele prefere manter tudo em segredo.

– Oh, Helena, eu acho que é tarde demais. – A Sra. Johnsson abriu a bolsa e de lá tirou um jornal. – Veja só isso.

Era uma edição do Metro, o jornal gratuito distribuído na área metropolitana de Estocolmo – o maior jornal de toda a Escandinávia. Na primeira página, em sueco, com todos os tremas a que tinha direito, a manchete gritava em sueco: "O filantropo inglês". Para ilustrar, uma foto de Severus ajudando a descarregar os remédios no centro de recuperação em Västerås. Obviamente, a foto tinha sido tirada de longe, sem que ele percebesse.

Helena levou os olhos arregalados à reportagem, e ela captou palavras esparsas em sueco, como "trabalho em segredo", "recluso e profissional", "atendimento quinzenal", "caridade sob sigilo". Alguns pacientes que estavam na triagem também tinham sido entrevistados, e a matéria mencionava que o responsável pela ONG tinha recusado inúmeros pedidos de entrevistas, o que tinha levado os repórteres a investigarem e descobrirem que a organização era ligada à firma farmacêutica Engelsmansapotekaryrke.

– Ai, meu Deus – sussurrou Helena, pálida. – É pior do que eu pensei. Severus vai ficar possesso. Era a última coisa que ele queria que acontecesse. Acho que não pode piorar além disso, não é mesmo?

Helena descobriu que aquilo não era o pior que poderia acontecer.

Ela resolveu não dizer nada ao marido, achando que assim ele não descobriria. Infelizmente, notícias – como mentiras – têm pernas curtas.

Naquela mesma noite, depois do jantar, quando o sol começava a descer, um carro desconhecido chegou à cabana que servia de lar para os Snape na Suécia. Helena empalideceu.

– Quem está aí?

Pela janela, Severus viu dois homens descerem do carro. Homens desconhecidos.

– Eu nunca os vi antes – garantiu Helena, embora por dentro temesse a reação.

– O que será que eles querem?

– Posso atendê-los – adiantou-se a jovem esposa. – Sr. Stimpy, por favor, leve as crianças para o quarto. Daqui a pouco está na hora de dormirem.

A campainha tocou, e ela foi atender. Era precisamente o que ela temia.

– Boa noite, senhora. – O mais alto dos dois, louro, abriu um sorriso. – Nós somos do Dagens Nyheter, o maior jornal de toda a Suécia, e gostaríamos de falar com o senhor Severus...

– Obrigada, mas nós não queremos fazer assinatura.

– Na verdade, somos jornalistas. Gostaríamos de falar sobre o centro de recuperação em Västerås.

Helena começou a tremer e a dizer:

– Desculpe, não falo direito sua língua.

– Mas nós estamos falando na sua.

Severus interveio e abriu a porta:

– Quem são vocês? Como chegaram aqui?

O rapaz continuou sorrindo:

– Ah, herr Snape! – Ele estendeu a mão, a outra segurando uma caderneta de notas. – Ou devo dizer herr engelsman? Muito prazer em conhecê-lo. Eu sou Lars Lorsden.

– O senhor está na minha porta. – Era uma constatação, mas Helena sentiu a ponta de ameaça na voz de Severus. Ele não apertou a mão estendida. – Na porta da minha casa.

– Sim, se pudéssemos entrar um pouco e conversar sobre o centro de recuperação...

– Como souberam do centro? Por que estão me falando disso?

– Sabemos que está por trás dele. Teve grande trabalho para esconder isso, mas sabemos que...

– Isso é invasão de privacidade. Por favor, saiam da minha casa ou eu chamarei a polícia.

Herr Snape, não há motivo...

– Não vou me repetir – ele rosnou. – Saiam agora.

Helena o segurou:

– Severus, por favor, querido, controle-se

O tal Lars mostrou-lhe o jornal com a matéria sobre o centro:

– Isso foi distribuído em toda Estocolmo! A concorrência já sabe do que se trata, mas nós queríamos uma entrevista. O Metro não conseguiu encontrá-lo, só o nosso jornal conseguiu! O Dagens Nyheter vai fazer dessa matéria a sua manchete, e o senhor será um herói, herr Snape.

Os olhos pretos de repente adquiriram um brilho, um brilho perigoso. Helena tentou segurar seu marido, mas não houve jeito. Antes que ela pudesse fazer qualquer coisa, ele puxou a varinha e pronunciou um feitiço que ela não reconheceu.

Os repórteres sumiram, e, na soleira de sua porta, Helena viu apenas dois sapos. Um deles estava coaxando em cima de uma caderneta.