Capítulo 27 – Observações sobre bretões

Aquela dificilmente era a primeira vez que Harry Potter se via diante de um acampamento com bruxos. As lembranças da Copa de Quadribol, no seu quarto ano em Hogwarts, estavam frescas na memória, especialmente quando ele estava em situação tão semelhante. Oh, bem, tão semelhante quanto possível.

Eram apenas seis ou sete barracas no espaçoso quintal da residência, mas era o suficiente para fazer aquelas lembranças todas emergirem. Especialmente pela presença de tantos Weasley – exatamente como na inesquecível Copa. Mas agora esse acampamento era num lugar muito bonito. Na verdade, ele nunca tinha visto a casa de Snape tão bonita.

É que estavam todos ali, todos os seus amigos mais queridos, prontos a comemorar o seu aniversário. Quando criança, Harry nunca teve festas, só depois que saiu de Hogwarts, já adolescente. Portanto, desde então, todos os seus aniversários eram comemorados, fosse com um jantar em amigos, um encontro a dois (uma única ocasião), ou uma festa. Era como se ele quisesse compensar toda a carência da infância.

Aquele aniversário, contudo, era muito especial. Atendendo a um pedido de seus anfitriões, ele reencontraria Draco Malfoy depois de sete anos. Todos que tinham algum contato com magia e alquimia sabiam dos ciclos de sete anos e de sua importância simbólica. A última vez que o mundo mágico soubera do herdeiro do clã Malfoy tinha sido no julgamento de Severus. Desde então, Draco tinha mergulhado no exílio – para emergir de volta bem melhor de seus ferimentos (garantira Severus) no aniversário de ninguém menos que Harry Potter.

Além disso, Harry também tinha um importante anúncio a fazer. Esse anúncio era o que mais o tinha motivado a transferir essa festa para a casa de Snape – uma cabana na floresta perto de Södertälje, em plena Suécia. Ele mal podia esperar para ver a cara de todos quando desse o anúncio.

No momento, porém, Harry estava ocupado vendo a interação de todos juntos, no grande evento: um legítimo smörgåsbord sueco. Com a ajuda de Arthur Weasley e seus filhos Bill e Charlie, Severus tinha armado uma tenda aberta para abrigar o buffet sueco. Com discreto uso de magia, eles tinham desarmado as barracas de dormir para dar lugar à imensa mesa emprestada para comemorar o aniversário de Harry.

As crianças estavam espalhadas pelo quintal, incluindo as mais recentes aquisições às famílias, como Gideon Delacour-Weasley, de dois anos; ou sua priminha Virgínia Weasley, interessada em lhe roubar a chupeta sem que mamãe Hermione visse. Acostumada a ser paparicada, Virgínia sabia que podia manipular a família toda, do papai Ron ao vovô Arthur e o vovô Granger, mas mamãe era um caso à parte. Lily, no seu mais recente modismo pré-adolescente, estava baixando músicas em seu celular para mais tarde carregar no MP3. London estava tentando explicar a Fabian os novos games de PlayStation, e a explicação era avidamente acompanhada por ninguém menos do que os tios Fred e George Weasley.

Os homens discutiam o seu assunto favorito: quadribol. Severus jurou que os bruxos suecos tinham times razoáveis, mas os outros não acreditaram muito. A discussão era alta, divertida, e incluía o sueco nativo Toven Mellberg, contador de Severus. Ele tinha se tornado amigo da família e – além de Helena – era a única pessoa sem magia de toda aquela numerosa multidão.

Então, Malfoy apareceu na lareira. Veio sem a namorada belga, uma bruxa dos Flandres a qual jamais tinha apresentada a Severus. Malfoy também nunca tinha estado na casa de seu antigo professor, em Södertälje. Nunca conhecera a família Snape. Só tinha concordado em vir por insistência de Severus, alegando interesse puramente profissional. Ele queria mostrar os resultados de sua nova fórmula a Bill Weasley, que ainda sofria com as cicatrizes mágicas do ataque de Fenrir Greyback.

– Ah, você deve ser o famoso Draco – sorriu Helena, ao vê-lo na sala de estar, saindo da lareira. – Seja bem-vindo. Eu sou Helena, mulher de Severus. Ele sempre fala tanto em você que sinto que já nos conhecemos.

– É um prazer finalmente conhecê-la – O rapaz foi polido, mas não conseguiu esconder o nervosismo. – Seu marido também fala muito na senhora.

– Por favor, entre. Os demais estão no quintal. É onde serviremos o smörgåsbord. Gostaria de ser apresentado?

– Não, eu... acho que conheço boa parte.

– Oh, sim, com certeza conhece – disse uma voz vinda da cozinha.

Draco se virou para encarar seu nêmesis dos tempos de escola. O corpo retesou-se:

– Potter.

– Malfoy.

– Você parece o mesmo de sempre, Cicatriz.

– E você está bem melhor do que a foto do Profeta Diário no julgamento.

– Graças aos talentos de nosso anfitrião – disse Malfoy, ainda tenso. – Escute, em respeito a ele, podemos ter uma trégua?

– Com certeza. Essa é a casa dele. Todos estão avisados, e assim evitaremos uma cena. Especialmente com crianças por perto. Então, trégua?

Harry estendeu a mão, e Draco a encarou, antes de apertá-la:

– Trégua. Então, é seu aniversário?

– Isso mesmo.

– Não trouxe presente.

– Acredite, você trouxe, sim. – Harry gesticulou para o quintal. – Venha. Vai encontrar algumas caras conhecidas.

– Não precisa dizer: o Weasel e a Sabe-Tudo.

– Agora eles têm uma pequena sabe-tudinho.

– Eles procriaram? – Draco fez uma careta. – Deveria haver uma lei contra isso!

– Ei! Não xingue minha afilhada!

– E você? Também andou espalhando seu DNA? Tem alguma Sra. Potter por aí e um bando de Potterzinhos?

– Ainda não. Talvez um dia. Agora estou ocupado. – Indagou. – Você?

– Quase. Tem uma moça... lá onde eu moro. Severus lhe disse onde era?

– Claro que não. Severus é um homem que guarda segredos pela vida toda. Ao contrário do que pensava quando estava em Hogwarts, é mais leal aos amigos do que um Gryffindor.

– Agora não venha você com xingamentos, Potter. Severus é um legítimo Slytherin.

Os dois já estavam no quintal, quando Kingsley Shacklebolt deixou a roda masculina e veio recebê-los. Ele sabia que um Malfoy ia aumentar a tensão no local e tinha combinado com Remus de fazer o convidado se sentir à vontade.

Ou isso ou era a cerveja sueca.

– Ah, chegou o último convidado. Malfoy, não é isso? Você realmente carrega o gene da família, ao menos na aparência. – Estendeu a mão. – Geralmente não sou tão socialmente inepto. Meu nome é Kingsley Shacklebolt. Trabalho em Londres. Severus e eu agora somos parentes. Casei-me com a prima dele, Emma. Não há como errar: ela é a mulher mais bonita desta casa.

– Encantado – Draco apertou-lhe a mão, ainda olhando para os lados, desconfiado.

– Draco! Você chegou! – chamou Remus Lupin, que estava adiante, junto com a mulher e o filho. – Venha, meu rapaz, venha provar essa tal de cerveja sueca. Ela é bem mais forte, sabia? Você conhece a turma, não? Diga oi. Ah, este é Charlie Weasley, não sei se conhece.

Harry notou que Remus o levou para junto da aglomeração de homens, e aparentemente, todos o receberam bem – só Ron ficou um tanto desconfiado. Mas Harry lembrou-se de que Ron levara anos para aceitar a amizade com Severus, então não seria em cinco segundos que ele receberia Draco Malfoy de braços abertos.

Pequenos passos, pequenos passos.

À distância, Harry observou Draco interagir com sua prima Nymphadora Lupin, que lhe mostrou Romulus, um bebezinho de oito meses que aparentemente tinha revelado, com um alto grau de precocidade, ser capaz de mudar a cor de seus escassos cabelos – no momento, estavam verdes. Harry viu Draco cumprimentar a multidão de Weasleys, o grupo dominante da reunião, e imaginou que Lucius estava se revirando em seu túmulo. Então o Menino-Que-Matara-Voldemort se lembrou de que o corpo de Lucius tinha sido jogado para fora de Azkaban, onde morrera, e não tinha túmulo. Harry não lamentou por isso.

Com as crianças relativamente quietas, o grupo mais atarefado naquele momento era o das mulheres, observou Harry. Elas começaram a sair da cozinha da casa com os pratos prontos, mantidos quentes ou frios por feitiços correspondentes. Seguindo recomendação dos nativos, Severus tinha posto alertas e feitiços para espantar ursos, linces, wolverines e outros animais da floresta que pudessem ser atraídos pelos deliciosos aromas dos pratos típicos.

Mas à distância, Harry só podia observar até certo ponto. Ele não tomava parte, por exemplo, nas angústias da Sra. Snape, a anfitriã do ágape.

Atarefadíssima, Helena por várias vezes lamentou que a sua vizinha e grande amiga, Sra. Johnsson, estivesse com o marido Markus visitando a família na Noruega. Mas ao que tudo indicava, as instruções que a Sra. Johnsson deixara para fazer um legítimo smörgåsbord pareciam capazes de assegurar o sucesso da refeição.

Um smörgåsbord tradicional sueco consiste em pratos quentes e frios. É costume começar com os pratos frios de peixes – geralmente de vários tipos e preparados com arenque, salmão, bacalhau e enguias, entre outros peixes. Depois ele continua com outros pratos frios (saladas, por exemplo), e encerra com os pratos quente, que obviamente estão incluídas as almôndegas e outras iguarias suecas como Janssons frestelse, um prato com creme branco, batatas, cebolas e anchovas. Por último entram as sobremesas e depois chás, café e licores.

– Ooolala! – exclamou Fleur, maravilhada, de olho no pequeno Gideon, que se aproximava do irmão Fabian, entretido num jogo com London. – Uma "culinárria" com personalité! Que mesa "colorrida"! C'est magnifique!

Helena confessou:

– Aprendi muito com a comida sueca. Até mesmo tradicionais pratos ingleses, como peixe e batatas, podem ser incrementados, e eu não sabia disso!

Molly provou o molho das almôndegas da própria panela e fechou os olhos, maravilhada:

– Hum, por Merlin. Querida, precisa me mandar uma coruja com essas receitas. Tudo parece tão apetitoso!

– Helena, você está mais sueca do que minha avó – riu-se Emma. – Ela iria delirar com um smörgåsbord assim. Eu me lembro de que ela adorava ter muita gente para alimentar.

Nymphadora, que ainda gostava de ser chamada de Tonks mesmo que tivesse mudado de sobrenome para Lupin, apareceu, com o pequeno Romulus nos braços. Ele agora estava batendo palmas, os cabelos ruivos feitos um Weasley.

– Precisam de ajuda?

Molly apressou-se a responder, sorrindo para o bebê Romulus:

– Obrigada, querida, mas tudo está sob controle. Precisa de ajuda com essa belezinha?

– Não, ele já fez um lanchinho, mas acho que vai querer comer algo mais tarde. O almoço ainda vai demorar a ser servido, não?

Emma respondeu:

– Claro que não. Certo, Helena?

– Isso mesmo, Emma. – A anfitriã se virou. – Sra. Weasley, por favor, pode fazer o favor de pedir às pessoas que comecem a se servir?

– Ué, já vai começar? Ainda é de manhã!

– Um smörgåsbord como esse dura literalmente o dia inteiro. É o jeito sueco: almoço, café da tarde e jantar numa mesa só.

O Sr. Stimpy, como todo elfo que se prezasse, estava tão chateado que sua patroa não o deixava ajudar que queria começar a bater a cabeça na parede, mas Helena o impediu:

– Se quiser ajudar, Sr. Stimpy, mantenha a comida aquecida e fique de olho para não faltar nenhum prato. Hoje, teremos trabalho para todos! – Ela entrou no quintal, onde a festa estava montada, e gentilmente admoestou. – Lily, querida, não aborreça o Sr. Weasley!

A menina olhou para a mãe, silenciosamente pedindo socorro, porque o contrário era verdade: Arthur estava fascinado com o telefone celular da menina, fazendo todo o tipo de pergunta possível. Helena sorriu para a filha, porque ele passara dois dias inteiros dentro da cozinha, questionando a função de cada eletrodoméstico, sem esquecer sequer a prosaica torradeira. Aliás, a torradeira o fascinou, e quando os pães pularam, ele jurou que Severus tinha mexido no aparelho e adicionado magia – como ele mesmo tinha feito ao Ford Anglia há tantos anos atrás. Arthur ainda tinha, secretamente, a esperança de mexer no motor do Volvo de Snape.

Harry sorriu, vendo Severus e Draco engajados numa conversa com Bill, e o Weasley mais velho levou os dedos ao rosto do único Malfoy. Aparentemente, os produtos de Severus pareciam animar Bill. Os dois tinham mais em comum do que imaginavam – vítimas do mesmo lobisomem cruel, com cicatrizes que poderiam durar toda sua vida.

Molly ia de grupo em grupo, recrutando-os para sentarem-se à mesa. Ou, pelo menos, sentarem-se durante algum tempo, já que obviamente o tal smörgåsbord duraria talvez o dia inteiro. Harry sorriu.

Ele teria muito tempo para fazer suas observações sobre aquele bando de ingleses.

Incrível. Ele não tinha chegado sequer aos 25 anos e já estava filosofando.