Capítulo 28 – Proponho um brinde
– Arthur, por favor – ralhou Molly. – Primeiro a cerveja, agora esse schnapps. Vai ficar bêbado feito um irlandês desse jeito.
– Molly, querida, isso é típico de Sverige, a Suécia! Além do mais, não é como se eu tivesse que dirigir uma vassoura para voltar para casa!
Severus tentou dizer:
– Eu tentei explicar que aquela cerveja ali só é bebida na época do Natal. Por isso é muito forte. Há outras tradições especiais para o verão.
– Eles parecem gostar muito do verão, não?
– Oh, são os 45 dias mais esperados do ano, pode acreditar. Os suecos adoram se enfiar no mato para celebrar suas festas.
– Mato? – indagou Hermione. – Que bárbaro!
– Mione, eles são vikings – lembrou Harry. – Como aquele personagem, Hågar, o Horrível! Conhece quadrinhos trouxas?
– Vikings ou não, bárbaros ou não, essa comilança é ótima – garantiu Ron, erguendo o copo de cerveja. – Como é o nome mesmo?
– Smörgåsbord. Você conhece isso, Ron! É como o banquete de boas-vindas de Hogwarts.
– Ah, mas lá não é desse jeito. Isso é ótimo!
– Está se divertindo, Ron?
– Muito! Snape, preciso admitir. Você sabe como fazer uma festa. – Com um sorrisinho, Severus fez uma reverência, humilde, e todos riram. Ron se virou. – Harry, você é um cara de sorte! Seu serviço de bufê pode ficar longe de casa, mas é de primeira!
As risadas ecoaram pela floresta. Harry se ergueu, com um copo na mão:
– Atenção, gente! Como aniversariante, quero um pouco de sua atenção. Gostaria de propor um brinde aos nossos anfitriões. – Os barulhos diminuíram e as pessoas prestaram atenção em Harry. – Eles nos receberam, nos alimentaram, nos deram carinho e atenção. Eles nos uniram, nos trouxeram mais perto uns dos outros. Por isso, merecem um belo brinde. Ergam seus copos! Um brinde a Severus e Helena!
– A Severus e Helena! – todos repetiram, e as crianças também entraram no brinde.
Mas Harry não tinha terminado:
– Agora que tenho a atenção de todos, eu gostaria de fazer um anúncio. Severus tem nos pedido para não falarmos sobre isso, mas é simplesmente impossível não mencionar o fato. Severus, meu amigo, você tem sido pouco receptivo às notícias de casa. Então me deixe refrescar sua memória. E se eu esquecer alguma coisa, os outros podem me ajudar. Porque, aparentemente, o nosso mundo está fazendo sua própria revisão da guerra. Fatos têm sido investigados, reportagens têm sido publicadas. A coisa tem sido tão séria que o Profeta Diário tem perdido leitores para o Quibbler.
Hermione lembrou:
– É bom lembrar também que o Quibbler tem nova direção e novo corpo de repórteres. O jornal fez uma reformulação completa e tem apostado pesado nesse assunto. A última grande reportagem foi uma entrevista devastadora com Horace Slughorn. Ele contou tudo sobre horcruxes. Mas também foram feitas entrevistas com o retrato de Dumbledore, com Aberforth, com o ex-ministro Fudge, e vários membros da Ordem, além de alguns prisioneiros em Azkaban.
Ron contribuiu:
– O entrevistador foi o novo repórter-sensação do mundo bruxo: Neville Longbottom! Dizem que Rita Skeeter está absolutamente enlouquecida com a concorrência e espalha que Neville só consegue as entrevistas porque é casado com a diretora do Quibbler, Luna Longbottom. Mas Neville é muito qualificado: todos sabem que ele é ele mesmo, um veterano de guerra, e lutou em várias batalhas.
Severus parecia desconfortável, mas Arthur também completou:
– Não é apenas uma moda, Severus. As pessoas realmente estão querendo saber o que aconteceu naqueles dias sombrios. Você sabe, para que, assim, possa ser possível evitar que aconteça de novo. Um novo Lord das Trevas pode ser evitado antes que seja tarde demais.
Harry continuou:
– Aberforth tem lhe escrito que as tendências políticas estão fazendo estrago no Ministério. Ron e Arthur, que trabalham lá, já tinham tentado lhe dizer, assim como Kingsley, mas você não ouve ninguém, Severus. Agora Aberforth esperava reverter sua sentença. Assim, você poderia praticar magia na sua própria terra. Ele tinha prometido isso a Albus. Eu também tenho feito muitos esforços nesse sentido, junto ao Ministério. Na verdade, tenho pressionado o ministro em pessoa. E, como você sabe, posso fazer a diferença em termos de opinião pública. – Deu de ombros. – Às vezes, aquela bobagem de ser uma celebridade, o tal Menino-Que-Sobreviveu, tem suas vantagens.
Helena indagou:
– Isso é verdade, Severus? As coisas estão assim em casa?
Severus assentiu:
– Sim, querida. Mas eu não queria alimentar qualquer esperança. Afinal de contas, como você mesmo disse, não somos foragidos. A rigor, não há motivo para termos segredos, a não ser o escárnio e o desprezo da população. Contudo, Potter é um otimista Gryffindor que parece ter se esquecido de que meu crime provavelmente nunca vai ser perdoado. Quanto a isso, é difícil ter esperança.
– Mas é isso que estamos todos querendo lhe dizer, Severus – continuou Harry, gentilmente. – A situação tem mudado muito. O bruxo comum agora quer saber de todos os fatos da guerra. O tempo passou, arrastando mágoas, limpando preconceitos, derrubando governos.
Essa última parte fez todos encararem Harry, intrigados. Ele esclareceu:
– Rufus Scrimgeour está sob forte pressão para renunciar ou ser retirado do governo. Não costumo me meter em política, mas estou sabendo que tudo indica que o novo ministro da Magia deverá ser Amos Diggory. Assim, o nosso amigo Kingsley Shacklebolt tem uma chance de ser nomeado Chefe da Divisão de Aurores.
Houve uma ligeira celebração. Enquanto Emma pregava um beijo em seu marido, ao redor da mesa ergueram-se copos:
– Parabéns, Kingsley!
– Muito bem, meu velho!
Quando a rodada de parabéns a Shacklebolt se encerrou, Harry se sentou à mesa e continuou seus anúncios:
– Talvez você goste de saber, Severus, que Scrimgeour realmente não vai durar muito tempo. Talvez haja um novo ministro quando nós voltarmos à Inglaterra. Por isso eu o fiz me prometer assinar um papel antes de ser destituído.
– Que papel? – indagou Severus, desconfiado.
– Uma certa resolução ministerial. Esta é uma resolução muito especial. Na verdade, ela só é válida com o ciente do Wizengamot, que também foi assinado. – Harry conjurou o pergaminho e entregou-o a Severus. – É o seu perdão oficial. Nenhuma acusação paira contra você no mundo bruxo, Severus. Se quiser voltar à sua terra e exercer sua profissão lá, é bem-vindo para fazê-lo.
Por alguns segundos, houve um silêncio espantado pela mesa toda. Severus olhou o pedaço de pergaminho oficial, com carimbos e selos para fazer tornar tudo válido. Foi Helena quem quebrou o silêncio, perguntando timidamente:
– Isso é verdade? Podemos voltar a morar na Inglaterra, se quisermos? E Severus não será preso?
– Não, nem será punido por usar sua magia – garantiu Harry. – Na verdade, a pulseira invisível – aquela que o levaria a Azkaban com uma chave de portal – deverá se desfazer daqui a alguns dias, quando a portaria for publicada e entrar em validade.
A esposa de Snape mal podia conter sua alegria. Severus, porém, continuava de cara fechada. Ela pôs a mão no seu braço:
– Poderemos voltar a nossa casa. Aquela que sua tia nos deu de presente de casamento. Viu como foi bom não a vendermos?
Severus apelou para aspectos práticos:
– Não se esqueça de que temos uma vida aqui. As crianças têm amigos na escola, eu tenho um negócio a tratar...
– Fala dos produtos Engelsman? – sorriu Emma. – Harry não mencionou uma onda de consumo no mundo bruxo?
Severus se virou para a prima, que tentou explicar:
– Como você sabe, recentemente adquiri minha licença de psico-healer, o que me possibilitou me candidatar e ser aceita para clinicar em St. Mungo's – Kingsley, orgulhoso, bateu palmas e ela abriu um grande sorriso. – De qualquer modo, minha prática hospitalar e observação pragmática me permitem concluir quase cientificamente que os produtos Engelsman são uma coqueluche no mundo bruxo inglês. Eles gostam de todos os produtos da marquinha do inglês de chapéu-coco e bengala.
O ex-Mestre de Poções de Hogwarts nem prestou atenção ao que ela dizia:
– Isso é muito lisonjeiro, minha prima, mas não precisa faltar com a verdade para me animar. Os produtos Engelsmansapotekaryrke não chegam até a Inglaterra. Ou às Ilhas Britânicas, para ser mais exato.
Emma pegou um frasco e leu:
– "Pílulas de carambola contra diabetes. Distribuidor para a Inglaterra: Toven Mellberg."
– Mellberg? – Severus franziu o cenho e esticou o braço. – Deixe-me ver isso.
O próprio Mellberg, que estava brincando com alguns dos bebês, tentou dizer:
– Eu posso explicar, Severus...
Com um riso, Draco Malfoy tomou mais um gole de sua cerveja:
– Só você, Severus, ficaria chateado por saber que os negócios expandiram mais do que imaginava. Aceite, homem, que você pode ficar rico!
– Rico e reconhecido – garantiu Harry, conjurando mais uma folha de papel, dessa vez uma folha de jornal. – Essa foto do Metro chegou ao Quibbler. A meu pedido, Luna omitiu da manchete a sua localização. Veja o tom.
Severus até se esqueceu de Toven Mellberg e olhou a capa da publicação: trazia a mesma foto que tinha ido parar na capa do Metro e o título: "Ex-Comensal da Morte vira filantropo". A matéria era bem mais extensa do que a que saíra no jornal Muggle, pois falava de como a comunidade bruxa local admirava o centro de recuperação, que não era ligado ao Ministério da Magia, mas não era pago, e atendia a todos sem fazer perguntas, atraindo bruxos de vários locais da Europa. A iniciativa tinha atraído atenção das autoridades Muggle também, que não sabiam quem era o generoso filantropo. Harry também tinha sido citado, dizendo que nunca tinha perdido a confiança em Severus Snape, "um homem a quem tenho orgulho de chamar de amigo, com quem lutei lado a lado na frente de batalha contra as trevas".
– Essa edição teve que ser reimpressa, segundo Luna, tamanho foi o sucesso de vendas – garantiu Harry. – Ela me pediu para deixá-lo saber que o Quibbler tem muito interesse numa entrevista exclusiva. Neville está afiando as penas de repetição rápida. Eu disse aos dois que não alimentassem muitas esperanças, mas prometi que falaria com você.
Helena sorriu:
– Será verdade? Podemos voltar a morar na Inglaterra?
– Lily estará em idade de freqüentar Hogwarts no próximo ano escolar – lembrou Severus. – Eu digo que ainda temos tempo de pensar nisso.
Mas de repente uma vozinha soltou um grito:
– Não! Eu não quero ir morar na Inglaterra!
Olhares espantados voltaram-se para Lily, que estava de pé, os olhinhos pretos cheios de lágrimas, vermelhinha:
– Eu não quero! Eu não quero sair da minha casa!
– Lily – tentou dizer Helena –, ainda não sabemos se vamos voltar para a Inglaterra, querida.
– Pois eu não vou! Eu não quero ir para a Inglaterra!
Ela deixou a mesa e saiu, chorando, para dentro da casa. Helena encarou Severus, que parecia tão surpreso quanto ela, e disse:
– Eu vou falar com ela.
– Não – impediu Severus. – Deixe comigo.
E saiu da mesa, indo atrás de sua filha.
Pré-adolescentes são adolescentes com alguma antecedência, pensou, entrando em casa.
