Capítulo 29 – Snällest Pappa

– Lily?

Severus entrou de mansinho no quarto da filha. Ela estava deitada na cama, enroladinha como se fosse um gatinho, soluçando baixinho. Não olhou para o pai, mas choramingou:

– Eu não quero ir para a Inglaterra...

– Está bem, eu ouvi. Mas vamos conversar sobre isso. – Ele se sentou na cama. – Você me pegou de surpresa, porque você sempre gostou de ir para lá.

– Mas não quero ir para morar...!

– Mesmo? É por causa dos seus amiguinhos aqui? A sua escola?

– Não... É, também é. – Lily se virou na cama e finalmente olhou para o pai, o narizinho vermelho, os olhinhos inchados. – Eu ia ficar com saudade.

– Sim, eu também teria saudade. Sabe, minha mãe me criou em casa até eu entrar em Hogwarts. Então, antes disso, eu não tinha amigos. Se eu tivesse, ia ser muito difícil deixá-los também.

– Mas não é por causa deles que eu não quero ir. É que eu não gosto de lá.

– Não gosta da Inglaterra? – Severus começou a mexer no cabelo dela, disfarçadamente, tentando ganhar algum contato físico para confortá-la. – Mas você nasceu lá. Hoje em dia, você só vai passar férias lá e até onde eu saiba, você gosta de ir para lá. Você era pequena quando veio para a Suécia, mas eu sei que você se lembra de lá mais do que seu irmão. Por que você diz que não gosta da Inglaterra?

– Eu me lembro, papai. – Lily fungou, tentando secar as lágrimas. – Eu me lembro de quando eu era pequena. Lá era um lugar que você não estava. Mamãe vivia triste e preocupada e eu era pequena, mas me lembro que você não estava em casa. Aí você voltou e a gente veio para cá; e tudo mudou. Você aqui ficou em casa o tempo todo, sempre com a gente. A mamãe não ficou mais triste, e eu também não. Aqui você fica com a gente. Você fica em casa.

A menina se abraçou ao pai, que estava tão chocado que não sabia o que dizer. Lily continuou, tremendo de medo, chorando aos prantos:

– Se você for para a Inglaterra, você vai ficar longe da gente de novo! Eu não quero! Quero meu Pappa!

Severus deixou que ela chorasse nos seus braços, tentando entender a profundidade dos medos de uma criança que nem tinha completado dez anos e temia o abandono do próprio pai. Depois ele beijou sua cabeça e indagou:

– Você acha que se eu voltar para a Inglaterra, vou embora de novo, é isso?

Ja, Pappa – a menina falou em sueco, soluçando.

– Você se lembra do que eu falei a você quando voltei, ainda na Inglaterra? Eu disse que tinha ido para um lugar muito ruim, mas eu tinha voltado e eu não iria embora nunca mais. Você se lembra disso, flicka? – Lily olhou para seu pai. Flicka, a palavra sueca para menina, era a palavra que Severus usava quando estava com ela nos braços, pequena, e a punha para dormir. – Eu fiz essa promessa para você, flicka. Algum dia eu não a cumpri? Algum dia eu quebrei a promessa que fiz à minha flicka?

Nej, Pappa.

– Papai não vai embora. Mesmo se a gente for morar na Inglaterra, eu vou sempre morar com você, sua mãe e seu irmão. E não vou embora nunca. Porque eu disse que ia ficar com você, não falei? E papai cumpre o que promete.

– Vai mesmo, Pappa? Promete?

– Prometo de novo, flicka. – Ele beijou o nariz dela. – Que nem eu prometi a você quando você era pequenininha. Porque quando eu voltei para casa, eu sabia que não ia poder ir embora de novo. Nunca vou deixar você, nem sua mãe, nem seu irmão. Vocês são o que eu tenho de mais precioso. A gente pode ir morar na Inglaterra, na Finlândia, na Dinamarca, na Arábia e eu vou ficar com vocês.

Lily sorriu, engolindo um soluço.

– Tá bom, Pappa. Eu tenho o melhor papai do mundo.

Ele deu um sorrisinho para ela:

– Sabe falar isso em sueco?

Världens snällaste pappa!

Duktig flicka!

Pappa! – ralhou ela. – Eu não sou um cachorrinho para você dizer "Boa menina!"

– Mas você é uma boa menina, não é?

– Aham. En snäll flicka. É assim que você tem que dizer. "Uma boa menina".

– Você fala sueco melhor que seu Pappa.

Pappa, vamos morar na Inglaterra, como o tio Harry quer?

– Não sei – disse Severus cochichando com ela. – Acho melhor perguntarmos para mamãe, que está escondida atrás da porta.

Mamma! – Lily gritou, divertida, e Helena saiu do esconderijo. – Você estava escondida!

– Como vocês me acharam?

Pappa é o melhor! Mamãe, você quer morar na Inglaterra?

Helena abraçou a filha, dizendo:

– Eu gosto daqui, mas gosto de lá também. Meus filhos nasceram lá e passaram a primeira parte de sua infância lá. Gostaria de pensar que todos os meus três filhos podem ter uma parte de sua infância na Inglaterra e uma parte na Suécia.

Severus a encarou, de cenho franzido. Lily olhou para a mãe, os olhinhos brilhando, depois para o pai. Helena ainda sorria para os dois.

Por um minuto, o silêncio pairou sobre os três.

Lá embaixo, no quintal, de repente, os presentes ouviram um grito de Helena, e London correu para dentro. O garoto logo correu para fora e acalmou todo mundo.

– Mamãe contou pro papai do neném que vai chegar. Aí ele pegou ela no colo e ela deu um grito! Mas tá tudo bem!

Molly Weasley repetiu:

– Que neném?

London deu de ombros, olhando o docinho enrolado de chocolate, respondendo:

– O neném que tá na barriga da mamãe. Ela queria fazer surpresa para papai. Acho que papai ficou surpreso agora.

Pelos olhares da mesa, Severus não foi o único.

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– Tem certeza que não ficaria chateada, querida? Quero dizer, morar na Inglaterra depois de todos esses anos?

Lily respondeu:

– Por mim tudo bem, Pappa. E eu ouvi falar que em Londres tem muito show de rock! Vou querer ir num deles!

Definitivamente pré-adolescente.

Era estranho, pensou Severus, tomar decisões com todo aquele quorum. Mas não tinha como evitar. Eram dezenas de pessoas na casa, então obviamente algumas delas iriam ouvir a conversa. Ainda mais se eles estavam conversando em plena mesa.

Afinal de contas, o smörgåsbord ainda não tinha terminado, dez horas depois de ter começado. Era típico de um legítimo smörgåsbord sueco, bem como Helena queria que esse fosse.

Mas as tendas tiveram que ser reerguidas, porque algumas das crianças precisavam dormir ou tomar mamadeiras. Mamães atarefadas não estavam mais à mesa, mas os demais estavam todos lá. Depois de comemorarem (com mais cerveja) as inusitadas notícias de que a família Snape iria aumentar, os adultos se reuniram diante da mesa quando a hora já começava a se adiantar, ainda que o sol praticamente não se pusesse no verão sueco, onde também acontecia o fenômeno do sol da meia-noite.

Discutindo o futuro dos Snape numa grande assembléia.

– Nem preciso dizer que todos aqui vão ficar muito felizes se vocês voltarem a morar na Inglaterra – disse Emma. – E olhem que eu tenho um irmão morando logo aqui, em Uppsala. Nem mesmo Oskar vai negar o fato.

– Não sei. – Severus sacudia a cabeça. – A família vai aumentar, eu preciso pensar em sustentar todos. Aqui eu tenho um negócio, mas na Inglaterra não.

Toven tentou tranqüilizá-lo:

– O negócio está indo muito bem, patrão. Dá para sustentar todos os três pequeninos. Se o senhor estiver morando lá, podemos pensar em ampliar a divisão inglesa da firma. Talvez possamos conquistar mercados como Irlanda, Gales, Escócia.

– Isso parece muito bom, mas e o centro? – indagou Severus. – Não gostaria de ter que fechar.

– Mas por que você teria que fechar aquilo? – indagou Remus. – Você só vai lá de duas em duas semanas mesmo.

– Remus tem razão. Nada precisa mudar. Ao menos, mudar muito. Agora, ao invés de dirigir duas horas, você pegaria a rede de Floo – continuou Harry.

– O nosso bom amigo Toven aqui pode mandar as poções necessárias aos fins de semana – sugeriu Arthur. – Você chegaria lá e todo o material estaria esperando você.

– Viu? Problema resolvido.

– Mas e se algo acontecer e vocês precisarem de um bruxo no centro quando eu não estiver lá? – Severus olhou Mellberg. – Sem ofensa, Torven. Mas você é Squib.

– Nenhuma ofensa, Sr. Snape.

– Ei, Severus! – Malfoy falou, do outro lado da mesa. – Eu sou o quê? Tinta de parede?

Todos se viraram para ele.

– Do que está falando, Draco?

– Será que eu sou bruxo o suficiente para cuidar de seu precioso centro enquanto você não está?

– Deixe-me repetir: do que está falando, Draco?

– Eu cuido do centro, Severus! – O rapaz se ergueu. – É o que eu estou tentando lhe dizer, seu cabeça-dura. Você precisa de alguém e eu me ofereço para ser essa pessoa. A não ser que não queira, é claro.

– Mas... por quê?

– Assim eu posso retribuir um pouco de tudo que você já fez por mim. – O herdeiro dos Malfoy chegou perto de Severus. – E não estou falando só dessas cicatrizes. Você tem cuidado de mim nos últimos anos como meu pai jamais cuidou. Aquele centro é tão importante para mim quanto para você, Severus. Eu não deixaria que nada ameaçasse aquele lugar.

Severus o encarou, admirado. O rapaz tinha sido criado por Lucius e dificilmente deixava transparecer qualquer coisa sincera de seu coração. No sistema de valores no qual tinha crescido, isso era considerado um sinal de fraqueza. Era significativo que Draco se abrisse assim tão vulnerável diante de pessoas que – até muito pouco tempo – ele considerasse fracas ou inimigas.

– Mas você não mora na Suécia, Draco. E você também tem seu negócio para cuidar.

– Nenhum lugar é muito longe para a rede de Floo ou uma boa Aparatação – contra-argumentou o rapaz. – Toven, você conhece os burocratas do Ministério da Magia sueco. Pode melhorar as lareiras do centro? Conectá-las à rede de Floo internacional expressa? Os pacientes dos Bálcãs têm reclamado da espera.

Shacklebolt parecia impressionado:

– Bálcãs?

– Sim – respondeu Toven, orgulhoso. – E também Bulgária, Eslováquia, Eslovênia... Muitas dessas novas repúblicas não têm estrutura suficiente e recorrem ao centro.

Remus Lupin sorriu:

– Um trabalho como esse não pode fechar. Draco é muito generoso de oferecer seu tempo.

Emma sugeriu:

– Severus, será que poderíamos convencê-lo a tentar abrir algo parecido na Inglaterra? Certamente nossos bruxos e carentes de lá também se beneficiariam de uma clínica desse tipo.

– Com certeza – reforçou Lupin. – Um centro de tratamento sem perguntas, sem qualquer pré-condição, de braços abertos para todos... Se você entende o que quero dizer, Severus.

– Você tem razão, Lupin. Mas, por enquanto, a Engelsman não tem condição de bancar uma operação dessas em dois países.

Arthur Weasley sugeriu:

– Mas você consegue incentivo Muggle aqui, não é verdade? Algum tipo de subsídio?

– Não muito – respondeu Severus. – Mais isenção de impostos do que outra coisa.

– Oh, bem, Arthur pode estar chegando a algum lugar – concordou Shacklebolt. – Se você conseguir incentivos fiscais e essas coisas tanto dos Muggles quanto do Ministério da Magia lá na Inglaterra...

– Vai precisar de um bom contador, patrão – sorriu Toven. – Posso recomendar um.

Helena, que tinha posto suas próprias crianças para dormir, chegou-se perto do marido e sorriu:

– Acho que podemos fazer isso, querido. Voltar para a Inglaterra e viver uma boa vida. A nossa casinha está esperando por nós no interior.

Ron Weasley indagou:

– Vão me dizer que vocês têm outra casa no meio do mato lá no nosso país?

– Meus dois filhos nasceram naquela casa, Sr.Weasley – lembrou Helena. – Foi o primeiro lar de nossa família.

– Bom, pelo menos não é nenhum lugar com dois tremas na mesma palavra, posso apostar!

– Não temos do que reclamar da Suécia.

– A não ser o frio.

– E esses dias intermináveis – disse Fred, olhando o relógio. George completou: – São 11 horas da noite e ainda é dia claro!

– O sol só vai se pôr depois das duas da manhã – disse Helena. – E vai nascer de novo umas 4 da manhã. No inverno, é o contrário. Quase não vemos o sol.

– Chocante! – disseram os gêmeos juntos, com imensos sorrisos. – Suécia é mó legal!

Severus ergueu-se da mesa e serviu-se de vinho, sobre os restos do smörgåsbord histórico. Deu de ombros, suspirando. Depois se virou para Helena.

– Parece óbvio que nós temos uma mudança para preparar. Mas eu quero a opinião da família toda.

– Severus?

– Lily tem seus amiguinhos, London também. Nossa filha só vai começar em Hogwarts no próximo outono. Podemos viver mais um ano na Suécia, preparar nossa volta com calma. Até lá, o bebê terá nascido, estaremos nos estruturando durante um ano para lidar com a mudança. Inclusive, preparando a casa inglesa.

– A casa está alugada, não é? Daria tempo aos inquilinos de procurar um lugar para viver.

– Em um ano, também daria tempo a Oskar e Linna de se acostumarem à idéia. E de o bebê de Hanna nascer. Poderíamos fazer uma visita a Lukas também e avisar sobre os planos.

Em um ano, muita coisa poderia acontecer.