Notas do Autor


Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 02 - Nada


― A reunião vai ser no Salão Principal, Hermione. ― Hagrid piscou para mim enquanto seguia em direção ao corredor que dava acesso à cozinha com um saco cheio de abóboras gigantes em suas costas.

― Obrigada! Vejo você mais tarde. ― Dei-lhe um grande sorriso e acenei com a cabeça, desviando meu olhar para o enorme mural na parede atrás dele, no mesmo local onde antes ficavam as ampulhetas das casas.

Era uma imagem do Salão Principal, assim que vencemos a guerra contra Voldemort. Nenhum de nós sabia ainda sobre a perda da magia, estávamos exaustos, mas aliviados e emocionados com a vitória. Mesmo cobertos de fuligem, sangue e sujeira, a imagem retratava os sentimentos que sentíamos naquele instante: alívio, alegria, paz. Harry estava bem no meio da foto, com os meus braços enrolados no pescoço dele e os braços de Rony esmagando a nós dois pela cintura.

Eu me pergunto até hoje quem pode ter tirado essa fotografia. Colin Creevey morreu na batalha. Foi uma das perdas que eu mais senti. Ele era um garoto incrível, com um coração puro, e nesse novo mundo que nós vivemos hoje, Colin também seria um bruxo poderoso, pois, assim como eu, ele era nascido trouxa. Suspirei. Não era hora de ficar triste.

Se passaram três dias desde a entrevista e até agora eu não tinha ouvido nada de uma única pessoa sobre a enorme idiota que eu fiz de mim mesma. Nem um telefonema, coruja, ou um texto de alguém me dizendo que viram o que aconteceu. Eu estava acostumada a ser esmiuçada pelas coisas que fazia, então estava preparada para isso. Mas ainda temia o dia em que o vídeo iria vazar. Porém, enfiei a preocupação na parte de trás da minha cabeça. Prioridades. Eu tinha prioridades, como a de hoje.

Os professores e alunos sempre eram programados para uma reunião introdutória, antes da retomada dos treinamentos. O principal objetivo era conhecer os novos horários, repassar as regras e um monte de outros detalhes que eles sempre frisavam sobre como toda a magia do mundo estava agora nas nossas mãos. Pouco mais de cem bruxos e bruxas nascidos-trouxas e três vezes isso de bruxos mestiços.

Peguei um assento no meio da mesa que antes era a da Lufa-Lufa, após acenar e cumprimentar alguns alunos mais próximos a mim. Vi Sinistra e Vector, que tinha me dado um abraço depois da entrevista onde ela tentou não rir, em um canto da sala.

Alguém gritou.

― Mione!

Era Dean. Eu costumava odiá-lo de forma amigável, porque ele e Seamus disputavam, no passado, contra Fred e Jorge, o título de dupla que mais aprontava na torre da Grifinória, o que era um tormento para os meus dias como monitora. Mas ele era agradável, gentil, e meu ódio por ele costumava durar cerca de vinte segundos.

― Dean.

Acenei para ele e ele apontou para a direita da cadeira ao lado dele, pedindo para que eu me sentasse. Eu acenei para alguns outros alunos nas proximidades, a maioria estava olhando ao redor com desconfiança e eu também dei mais um rápido olhar sobre os professores para certificar-me de que o professor Snape não estava escondido entre eles. Ele não estava.

Pare com isso, Hermione! Foco!

Dean sentou-se em linha reta para me dar um abraço.

― Estou tão feliz em ver você. ― Ele disse.

A maioria dos alunos não morava em Hogwarts durante todo o ano, e ele era um deles, voltaria para sua casa em Londres quando o ano letivo acabasse.

Todos na sala pareciam estar se movimentando. Os alunos mais jovens estavam mantendo um olho para fora, um ar de expectativa saturando tudo. Tive que me conter mais algumas vezes, para parar de fazê-lo também. Eu peguei Dean olhando ao redor, e dando uma conferida no próprio hálito, ele corou quando percebeu que eu vi o que ele estava fazendo.

― Você sabe, eu estou esperando que ele venha com uma auréola na cabeça, já que todo mundo pensa que ele é algum tipo de Anjo Vingador. ― Dean fez uma pausa por um momento antes de adicionar rapidamente. ― Como herói de guerra, quero dizer.

Eu assenti com a cabeça e sorri para ele. Eu estava familiarizada com o tipo dele e não eram bruxos de cabelos pretos e nariz adunco. O namorado de dois anos de Dean era uma besta de 1,90m de altura, ex-aluno de Durmstrang, hoje sem um pingo de magia nas veias, mas que podia esmagar qualquer pessoa com os bíceps que cultivava.

― Não me faça ligar para o Ivan.

Pelo sorriso no rosto dele eu sabia que ele, e o próprio Ivan, já haviam confabulado juntos sobre como seria a aparência do ex-diretor da antiga casa de Sonserina.

― Oi, Dean. ― Disse uma voz familiar acima de nós.

Quase imediatamente, duas mãos agarraram meu rosto e esmagaram minhas bochechas. Em seguida, dois olhos negros e puxadinhos nas laterais apareceram por cima da minha cabeça.

― Olá, Cho.

― Granger, eu senti sua falta. ― Disse ela.

Cho Chang era uma das bruxas mestiças mais poderosas. Mesmo que metade do poder dela tenha desaparecido, ela ainda era incrivelmente boa em feitiços.

― Mentirosa!

Sua resposta foi beliscar minhas narinas juntamente com uma mão, cortando meu ar.

― Quase esqueci o tamanho dessa juba. Tem alguma comida trouxa aí? ― Perguntou ela, ainda espreitando por cima da minha cabeça, e finalmente soltando o meu nariz.

Puxei três barrinhas de cereais da minha bolsa, sabor chocolate, as preferidas dela.

― É por isso que eu sempre protejo suas costas. ― Ela disse com um suspiro satisfeito. ― Vou atormentá-la mais tarde, assim você pode me dizer o que está passando na cabeça da favorita dos professores, quando está prestes a receber de volta o "querido" professor Snape.

Eu gemi e Cho deu um tapinha de conforto no topo da minha cabeça antes de retomar a sua cadeira do outro lado da mesa. Ela inclinou-se sobre a borda e deu um sorrisinho maléfico para nós quando mordeu a barra. Eu e Dean olhamos um para o outro sorrindo. Nós três sempre ficamos na mesma equipe desde que todo o treinamento extensivo dos bruxos que ainda tinham dons havia começado, então nos conhecemos muito melhor hoje em dia, do que nos nossos anos anteriores à guerra.

― Como foi que Harry namorou com ela? Ela é… brusca.

Dean assentiu com a cabeça. ― Sim, ela é. Lembra quando ela te atordoou no treino? Só tem metade do poder e ainda perfurou seu escudo.

Meu ombro palpitava pensando nisso, caí por cima dele quando desabei no chão. Era culpa de Cho eu ter uma dor crônica nele.

― Não consegui segurar minha própria varinha por três semanas depois. Claro que me lembro.

Minerva aplaudiu as mãos uma vez que todos tinham chegado e iniciou os avisos para preparação dos treinamentos. Quase todos na sala olharam em volta, surpresos que ela estivesse começando quando alguém faltava tão obviamente. Ninguém sabia se Minerva realmente estava prestando atenção na ausência dele, ou se ela não se importava com o fato dele estar atrasado. Se alguém pensou que era estranho que, o homem que tinha feito jogo duplo por mais de vinte anos com o maior bruxo das trevas de todos os tempos, não estivesse por perto para nossa primeira reunião, ninguém disse nada.

― O professor Lupin mudou-se com a família para a Castelobruxo neste verão, então o Ministério entrou em contato com algumas pessoas diferentes para preencher o cargo que ele deixou aberto. Severus Snape, a quem todos sabemos não precisa de apresentação, vai assumir as funções de orientador adjunto.

Houve um pequeno coletivo prender de respirações antes de Minerva continuar.

― Embora eu saiba que vocês são todos adultos e profissionais, vou falar assim mesmo: este é o professor Snape. Não o espião, nem o bastardo, e se ouvir qualquer um de vocês chamá-lo de Comensal da Morte, você está fora daqui. Entenderam? Sinistra virá aqui falar sobre o que pode e não se pode postar na tal rede social que vocês jovens adoram, um pouco mais tarde. Mas, por favor, de antemão eu já peço que tenham bom senso.

Eu nunca chamaria o professor Snape de Comensal da Morte para começar, mas com essa ameaça, não quero nem pensar nele como um, só para garantir que estarei no lado seguro. Com o silêncio constrangedor que veio sobre o grupo pelo restante do discurso, era óbvio que todas se sentiram da mesma forma. Era como se fôssemos primeiros anos novamente, todos sentados lá olhando distraidamente e acenando enquanto a diretora de Hogwarts nos avisava da nossa possível detenção ou expulsão da escola. Não, eu não deixaria que isso acontecesse comigo.

No final de seu discurso ela afirmou suas expectativas para o que esperava realizar em busca de uma combinação de magia antiga com a nossa, para tentar quebrar a maldição que adormeceu a magia dos puros-sangues e mestiços. Também falou sobre as limitações de acesso à Floresta Proibida, e uma lista de condutas para quando estivéssemos fora do castelo.

Era a mesma conversa que eu ouvi todas as outras vezes no começo de cada semestre de treinamento. Só que eu nunca tinha sido ameaçada de ser expulsa de Hogwarts se falasse mal de um professor. Eu trabalhei muito duro e por muito tempo para deixar algo tão idiota arruinar minha vida.

Minerva falou um pouco mais sobre o que os professores estariam focando durante as seis semanas entre o início das aulas e o início das temporadas de viagens para os torneios com outras escolas bruxas. Ela apresentou alguns convidados do Ministério e, eventualmente, Sinistra assumiu a palestra.

Foi tudo Snape, Snape e mais Snape.

― ... vai trazer mais atenção para a equipe. Precisamos usar o impulso da imprensa e excitação do público para transformá-lo em foco. Ainda não sabemos a extensão do seu poder após os eventos da última guerra bruxa, mas Severus sempre foi um bruxo excepcional. Ele será uma valiosa ferramenta...

Eu sabia que o trouxeram principalmente por interesse do Ministério em mensurar a dimensão do poder dele.

― ... se você está desanimado, repense e traga de volta sua atenção para a equipe. Seja motivado...

Ser animado?

― Severus deve chegar amanhã...

Dean me chutou por baixo da mesa.

oOoOoOo

Sinistra não estava brincando quando disse que a equipe estaria recebendo mais atenção por causa do reaparecimento de Snape. O que geralmente era um evento tranquilo, discreto, com apenas membros do corpo discente aparatando, era agora um evento saturado de, pasmem, veículos. O que só podia significar que os bruxos sem poderes e que se adaptaram a viajar em veículos trouxas, estavam presentes.

Um pequeno grupo de pessoas estavam espalhadas através do espaço quando eu entrei. Reconheci alguns como alunos, mas os outros eram estranhos: jornalistas, repórteres, bruxos sem magia e possivelmente até mesmo fãs de Severus Snape. Pelo menos eu esperava que fossem mais fãs.

Nem sequer era o início das demonstrações públicas de feitiços práticos; era apenas a nossa avaliação semestral de aptidão e potencial mágico antes dos treinamentos começarem, só para verificar se nossa magia ainda era a mesma. E, ainda assim, havia tantas pessoas...

Ansiedade cauterizou meu estômago, e eu respirei fundo para fazer o sentimento ir embora. Realmente não funcionou. Mais uma respiração profunda, depois outra, e uma terceira até que meus nervos se controlaram o bastante para sair do ponto de aparatação sem parecer que eu estava lutando contra um enjoo matinal.

Cerca de cinco segundos depois que eu pisei na linha de visão das pessoas, a ouvi.

― Granger!

Foda-se minha vida.

― Hermione Granger! ― A voz feminina irritante insistiu. ― Tem um minuto para mim?

Eu puxei minha bolsa mais para cima do meu ombro e olhei ao redor, para encontrar a loira que estava longe do grupo de estranhos. Ela acenou, e meu estômago torceu, mas estampando um sorriso forçado no meu rosto, acenei de volta.

― Claro. ― Respondi convincentemente.

― Como vai você, querida? ― Rita Skeeter me cumprimentou com um aperto de mão. ― Eu só tenho algumas perguntas, se tudo bem.

― Ok.

― Minha pena de repetição foi confiscada pelo Ministério, então vou estar gravando isso para fins de documentação. ― Mostrando-me o dispositivo de gravação em sua mão, ela apertou o botão para iniciar. ― O que está te deixando mais ansiosa neste semestre? ― Ela perguntou.

― Estou realmente ansiosa por iniciá-lo. Temos alguns bruxos novos que vieram de outros países e estou animada para ver o quanto podemos fazer juntos. ― O fato que eu parecia um ser humano bem ajustado, me deixou orgulhosa.

― Como você se sente sobre Severus Snape ser contratado como orientador adjunto em Hogwarts?

Foi a mesma pergunta que eu tinha respondido durante a coletiva de imprensa de dias antes.

― Ainda é muito surreal. Estou animada e acho que é ótimo que estamos tendo um bruxo tão excepcional chegando para ajudar-nos.

― Ele é uma escolha improvável para um orientador, não acha?

. Essa era a pergunta que eu sabia que todos fariam. O passado do professor Snape nunca seria perdoado por inteiro. Enfiei minhas mãos no meu bolso quando senti que começaram a ficar úmidas. Esse tipo de pergunta era o suficiente para me transformar em uma bomba relógio.

― Sim, uma escolha diferente, mas não há nada de errado com ele. Ele foi condecorado com uma Ordem de Merlin – primeira classe, e arriscou sua vida mais vezes do que qualquer outro para que derrotássemos Voldemort. Ele sabe o que é preciso para ser o melhor, e isso é algo pelo que todos nós aqui nos esforçamos. Além disso, acho que é injusto desacreditá-lo antes de sequer darmos-lhe uma chance de provar ele mesmo. ― Respondi muito mais eloquentemente do que meu estado de nervos permitia, talvez a indignação por Skeeter sugerir que Snape não era confiável mexeu com meus brios grifinórios e uma leoa protetora assumiu a minha voz.

Ela me deu um olhar descrente, mas não discutiu comigo sobre isso.

― Tudo bem. Qual é o seu prognóstico para as novas sessões de treinamentos? Teremos um avanço real na busca pela "cura" da magia?

― Esse é o plano. ― Eu sorri secamente para ela. ― E eu preciso ir embora, a menos que você tenha mais uma pergunta?

― Ok. Mais uma: você tem planos para se juntar à equipe oficial do Ministério em breve?

Eu abri minha boca e deixei aberta por um segundo antes de fechá-la.

― Eu não planejo isso tão cedo. Quero me concentrar em aprender com os novos professores e pesquisadores por ora. ― Engoli duro e empurrei a mão dela que segurava o gravador.

Um segundo mais tarde, estava marchando em direção ao campo de quadribol, assistindo a alguns dos outros alunos ficarem encurralados com outros repórteres. Dois outros jornalistas chamaram por mim, mas eu recusei com um pedido de desculpas. Eu tinha que me aquecer antes do início de nossa avaliação. Hoje, os avaliadores nos fariam lançar feitiços dos mais simples aos mais complexos, duelar com oponentes do mesmo nível mágico e ainda fazer transfigurações criadas no terceiro círculo do inferno, entre outras coisas dificílimas que eles quisessem ver. Algumas pessoas realmente temiam isso, mas eu não era totalmente contra nosso teste de aptidão. Era divertido? Não. Mas eu trabalhei muito duro durante todo o ano para que eu não ficasse bufando, ou perdida, durante uma sessão de treinos, ou em uma exibição mágica contra outras escolas.

Nunca foi segredo que eu gosto de ser a primeira em tudo. Eu trabalho mais do que qualquer um por um motivo. Sou rápida e jovem, mas o nível de exigência mágica dos bruxos que, como eu, tinham plenos poderes, eram absurdos.

E eu também ainda carregava alguns danos da tortura que recebi na mansão Malfoy. Minhas terminações nervosas, principalmente nos membros inferiores, tem sido um problema nos últimos cinco anos. Então eu preciso compensar, nunca sendo fraca e colocando meu bem-estar em primeiro plano.

Eu tinha acabado de deixar minhas coisas na lateral do campo quando finalmente aconteceu. Foi o "Oh. Meu. Merlin", que saiu de uma das bruxas que eu ainda não conhecia que me fez parar para prestar atenção e o avistei.

Oh inferno sangrento.

Eu estava morta. Indiscutivelmente. Lá estava ele, em todos os seus 1,85m de altura, cabelos um pouco mais longos do que eu me lembrava e manto negro firmemente preso aos ombros, conversando com Madame Hooch, a instrutora de voo que não tinha piedade de ninguém.

Estendi a mão para certificar-me que meus cachos não eram o ninho que costumava ser quando ele me viu pela última vez, e então parei. O que diabos eu estava fazendo? Baixei minhas mãos imediatamente. Nunca me importei com minha aparência enquanto estudava e treinava. Na verdade, raramente me importava com isso. Eu tinha usado apenas protetor labial e uma faixa no meu último encontro, e aqui estava eu, arrumando meu cabelo.

Snape assentiu com a cabeça para algo que Madame Hooch disse, e eu me senti... Estranha. Para meu horror absoluto, a garota que tinha sonhado em casar com ele se contorceu internamente, lembrando-me do que ela já tinha sentido uma vez. O melhor termo para descrever o que estava acontecendo comigo: golpeada por uma estrela. Porque... Severus Snape era o homem que mentiu na cara de Voldemort e sobreviveu a mordidas mortais de um maledictus ― que era também uma horcrux. Ele é uma lenda. Tal qual Harry é.

Certo… Isso não vai funcionar, nem um pouco.

Racionalmente, eu sei que suspirar por ele é estúpido. Eu sou velha demais para esta porcaria, e eu só tinha sonhado com ele um punhado de vezes. Pelo amor de Merlin! Fechei os olhos e pensei em qualquer coisa que poderia me tirar da frequência "santa merda, Snape está aqui". Eu me forcei a lembrar que ele é apenas um bruxo comum que, aliás, perdeu metade da sua própria magia. Ele é apenas um homem. Certo, eu estou bem.

Eu estava realmente bem.

Até Dean bater o cotovelo contra minhas costelas inesperadamente, olhando no meu rosto com enormes olhos vidrados, quase derrubando a cabeça, apontando em direção a Snape. Era o sinal universal de amigos: olha lá aquele cara por quem você tem um crush. Está vendo ele?

Esse idiota. Arregalei os olhos e movimentei a boca tentando dizer 'cale-se' a ele, movendo meus lábios a menor quantidade possível. Como qualquer bom amigo, Dean não fez o que pedi. Ele se manteve me dando cotoveladas e me deixando louca com seu estúpido olhar e viradas de cabeça, tentando ser discreto e falhando miseravelmente. Eu não olhei para ele por muito tempo, apenas aquela primeira olhada inicial há mais de quinze metros de distância e depois mais uma, bem rápida.

O silêncio no campo disse mais do que suficiente sobre o que todos estavam pensando, mas não podiam, na verdade, dizer em voz alta. Mas a porra do Dean bateu o pé dele contra o meu, enquanto lançávamos feitiços simples com a varinha. Eu sabia no meu interior que eu nunca ia ouvir o fim disto. Maldita hora em que, num momento de bebedeira e jogo da verdade, coisas que nunca deveriam ser feitas juntas, eu confessei para ele que tive um crush no professor Snape.

Eu tinha superado minha paixão logo após ele se recuperar após a guerra e desaparecer do mapa. Finalmente aceitei o fato de que eu não teria uma única chance com ele, obviamente. E, nem no inferno que ele ficaria interessado em mim, a golden girl, dezenove anos mais jovem que ele. Não haveria nenhum casamento no meu futuro ou bebês de olhos negros e cachos revoltos e esse foi o pior não-rompimento na história das minhas relações imaginárias, porque o meu coração pobre e inocente alimentava a ideia de que Severus Snape iria apaixonar-se perdidamente por mim um dia.

Mas como todo amor não correspondido, eu superei isso. Ele sumiu. Passaram-se anos. A vida mudou.

― Continue, idiota. ― Sussurrei para Dean enquanto ele lançava um feitiço de pernas presas em mim e eu rebatia perfeitamente com um movimento mínimo da minha mão.

Ele bufou e baixou a própria varinha, me puxando para o canto debaixo das arquibancadas onde fazíamos nossa sessão de alongamentos. Havia um pequeno grupo esperando, suas vozes ainda muito inferiores do que seria normalmente. Certeza suficiente que Snape estava parado nas proximidades, com Minerva, Hooch e Hagrid.

― Ele é mais alto do que eu pensava.

Olhei pelo canto do meu olho onde os professores estavam, sem ser completamente óbvia, e notei que essa era outra coisa que eu havia esquecido sobre ele: Snape era espetacularmente alto comparado a muitos bruxos. A garota idiota na minha mente sussurrou "ele deve ser gostoso de abraçar". Eu gemi de frustração. Como faço para calar a boca dessa idiota?

Certo. Foco. Eu posso olhar para ele sem ser uma imbecil sonhadora. Posso ser imparcial. Então eu tentei meu melhor para fazer isso. Ele parecia mais volumoso do que tinha sido alguns anos atrás, quando ele desapareceu do mundo bruxo. Ele era mais magro, provavelmente pelas condições precárias de vida que ele vivia, conciliando suas funções de professor e agente duplo. Agora, seu rosto era mais preenchido, seu pescoço parecia um pouco mais grosso, seus braços também.

Foco!

Mas, quando olhei no rosto dele, algo parecia... Diferente. Ele não podia ser chamado de muito bonito, ele era sim, mas, à sua maneira não tradicional. Sua estrutura facial era mais crua, inteligência escorrendo da plenitude da sua boca e da cor dos seus olhos profundos, e ele é um bruxo excepcional que nunca se importou durante a sua vida, de não ter um rosto agradável. Em compensação, sua confiança era ofuscante. Algumas linhas mais vincadas apareciam nos cantos dos seus olhos, que antes não tinham estado lá, mesmo assim, ainda não aparentava os anos que tinha.

As peças do enigma estavam todas lá, mas era como se elas não estivessem montadas corretamente. Eu sabia que havia algo diferente nele. De um modo furtivo, que eu não conseguia descobrir o que era, e isso me incomodou. Meu instinto reconhecia a diferença nele, mas meus olhos não. O que era?

― Todo mundo aqui! ― Minerva nos chamou.

O grupo reuniu-se a ela silenciosamente, hesitante. Parecíamos insetos sendo chamados para debaixo dos pés de Group, o meio irmão de Hagrid. Ela e Snape vieram lado a lado, junto com Madame Hooch e alguns outros membros do Ministério que apertaram as mãos, cumprimentando uns aos outros.

Lutei contra a vontade de encarar o homem envolto em negro, eu não precisava dar a Dean mais qualquer espaço para zoar a minha antiga obsessão por Snape.

― Senhores, para quem ainda não conhece, tenho o prazer de apresentar seu novo orientador, Severus Snape. Embora ele esteja familiarizado com vários de vocês, vamos quebrar o gelo bem rápido antes de começarmos, por favor, apresentem-se e diga-lhe qual o seu status mágico. ― Minerva pediu com uma sobrancelha erguida, como se fossemos crianças de onze anos de novo.

Sem perder uma batida, uma das bruxas mais próximas da diretora começou o círculo das apresentações. Eu o assisti, seu rosto e suas reações. Ele baixava minimamente a cabeça cada vez que um bruxo ou bruxa terminava de falar. Um após o outro, metade do grupo falou, e eu percebi que estava no meio do semicírculo quando Dean falou.

― Dean Thomas. ― Ele sorriu, bem do jeito que sempre me faz sorrir de volta, não importa em que tipo de humor eu estivesse. ― Nascido-trouxa, nível 9.

Era a minha vez, e quando seus olhos pousaram no meu rosto, eu pensei no cocô de Bichento que limpei essa manhã para não ceder sob seu olhar. Aquelas esferas negras sequer piscavam.

― Hermione Granger, nascida-trouxa, nível 9.

Ele não baixou a cabeça para mim, e nem um segundo depois, a atenção dele tinha ido para a bruxa ao meu lado. Bem... Ok. Acho que deveria estar feliz por ter cancelado os preparativos do nosso casamento imaginário há anos.

Eu dei a Dean um olhar pelo canto do meu olho.

― Calado.

Ele esperou até que o próximo bruxo parasse de falar antes de responder.

― Eu não disse uma palavra.

― Você estava pensando sobre isso.

― Não parei de pensar. ― Ele admitiu em um sussurro e uma risada contida.

Meu olho contorceu-se por conta própria. Nem eu.

oOoOoOo

Tinha apenas acabado de me deitar na minha cama depois do jantar, quando meu telefone tocou. Minhas costelas doíam após a sessão de duelos no campo de quadribol.

― Oi, Harry. ― Respondi, deslizando meu celular para o espaço entre meu ombro e orelha.

Ele não perdeu um segundo.

― Como foi?

Como foi? Como diria a meu melhor amigo, hoje um fã assumido de Snape, que o dia tinha sido uma grande decepção convulsiva?

Uma decepção. E eu só podia me culpar. Ninguém tinha me dado a impressão de que Snape ia explodir nossas mentes com feitiços novos e dicas que ainda não tínhamos pensado, especialmente, não durante um dia reservado para os testes de aptidão. Ou, talvez, eu tenha previsto que o temperamento infame pelo qual ele era reconhecido, se apresentaria ainda pior do que no passado. Havia uma razão pela qual ele tinha sido chamado de bastardo por todo meu período escolar e essa era parte da razão por que as pessoas gostavam dele ou não.

Hoje, porém, ele não foi um imbecil, ou grosso, ou condescendente. Todas as características que eu gostaria de ver nele, afinal, ele era a pessoa que silenciava uma turma de sonserinos e grifinórios apenas com um olhar. A mesma pessoa que tinha criado poções e feitiços impressionantes. Ele foi um comensal da morte, que mesmo lutando do lado da luz, certamente teve que fazer coisas violentas e sombrias que eu nem podia começar a imaginar. Esse era o mesmo homem que lançou uma maldição da morte no seu próprio líder. Ele era um acontecimento que eu não sabia que queria ver acontecendo.

Em vez disso, ele ficou parado enquanto falamos nosso nível mágico e depois disso, assistiu-nos quando não estava falando com Minerva. Sequer sacou a varinha. A única coisa que tenho certeza que qualquer um de nós o ouviu dizer tinha sido "Bom dia." Essa simples saudação do mesmo homem que emanava escárnio de todos os poros. Que cada expressão dele assobiava um "Foda-se!" não verbal para o meu eu adolescente.

O que há de errado comigo para eu estar reclamando sobre Snape sendo tão distante? Tão... bom?

Sim, há algo errado comigo.

Tossi para o telefone.

― Foi bom. Na verdade, ele não falou com a gente ou qualquer coisa.

― Oh. ― A decepção de Harry foi evidente na forma que ele deixou cair a consoante tão severamente.

Bem, me senti como uma idiota.

― Mas tenho certeza de que ele está apenas tentando uma reaproximação conosco. Deve ser diferente para ele nos encarar como adultos. Ele nos viu crianças.

Talvez. Certo?

― Nada aconteceu, então?

Eu não precisava fechar os olhos e pensar de volta sobre o que tinha acontecido naquele dia. Nem uma única coisa. Snape só ficou para trás e viu-nos duelar e fazer uma variedade de transfigurações complexas.

E ele nem sequer revirou os olhos, muito menos nos chamou de um grupo de incompetentes, ou idiotas, ou qualquer outra coisa que ele tinha sido conhecido por nos chamar quando não estávamos no nível que ele esperava, anos atrás.

― Nada.

E era a verdade. Talvez Snape tenha ficado tímido ao longo dos anos? Não é provável, mas pode-se dizer isso. Ou pelo menos dizer isso a Harry, para que ele não parecesse tão desanimado depois de ter estado tão eufórico quando descobriu que Snape voltou para Hogwarts.

― Mas eu venci todos os duelos. ― Adicionei.

Seu riso foi sincero.

― Essa é minha melhor amiga. Você tem treinado em casa?

― Todas as manhãs, e também tenho pesquisado magia antiga de sangue. ― Parei de falar quando ouvi uma voz no plano de fundo.

Tudo o que ouvi foi Harry resmungando.

― É Hermione... Você quer falar com ela? ... Ok... Mione, Gina disse "Oi".

― Diga que mandei um "Oi" de volta.

― Ela mandou um "Oi"... Sim, ela está bem. Mione, você está bem, não está? ― Ele perguntou.

― Estou sim.

― Fora o fato que ela está decepcionada porque Snape não perguntou por mim hoje, ela está bem.

Eu sorri. Harry obviamente estava desapontado por Snape não ter tentado puxar assunto.

― Eu vou tentar dizer para ele como você está vivendo, Harry, ok?

Foi a vez de ele rir.

― Ah sim, por favor!

― Me liga amanhã? Estou muito cansada, e eu quero mergulhar meus pés no escalda-pés.

Um suspiro imperfeito veio dele, mas eu sabia que ele não diria nada. Seu suspiro disse tudo e mais; foi um lembrete gentil e sem palavras de que eu precisava tomar conta de mim. A gente tinha discutido isso umas centenas de vezes pessoalmente. Harry e eu nos entendemos de forma diferente.

― Ok, até amanhã. Bons sonhos.

― Você também, Harry. Boa noite.

Ele me disse adeus novamente e desligou. Sentada na minha cama de dossel, no quarto que ocupo aqui no castelo nos últimos três anos, eu me permiti pensar em Snape e em como ele só ficou lá como uma das armaduras impassíveis do castelo, apenas assistindo, assistindo e assistindo.

Foi decepcionante.


Notas Finais


Algumas divergências do cânone que alguns de vocês já devem ter notado:

Dean Thomas, nesta história, é um bruxo nascido-trouxa.

Lupin e Tonks sobreviveram a batalha de Hogwarts e embora não façam parte dessa história, eu queria frisar que, diferentemente do que a sádica da JK fez, meu lobisomem teve uma vida feliz.